Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01139/17.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:IRC; FACTURA; ESPECIALIZAÇÃO DE EXERCÍCIOS;
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA; MAJORAÇÃO CRIAÇÃO DE EMPREGO;
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA;
Sumário:
I. O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram.

II. Contudo, esse princípio deve ser conciliado com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), de modo a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios tendentes a manipulá-los.

III. Resulta da lei (cf. artigo 110º, nº.6, do CPPT) a inexistência do ónus de impugnação especificada face à AT, contrariamente ao que se passa no processo civil (cf. artigo 574º, do CPC). Do mesmo preceito se deve retirar a regra da livre apreciação, pelo Tribunal, da falta de contestação especificada dos factos alegados pelo impugnante

IV. O princípio da investigação ou do inquisitório, consiste no poder do juiz ordenar as diligências que entender úteis e necessárias para a descoberta da verdade. O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados, no entanto não pode substituir-se às partes realizando ele a prova que as partes tinham que produzir.

V. Em sede de recurso, apenas é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva).*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Recorrente ([SCom01...], Lda.), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 22.12.2021, que julgou parcialmente procedente a impugnação que apresentou na sequência do indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC n.º ...92, referente ao exercício de 2011, no valor de € 44 747,46, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
A. Salvo o devido respeito, que é muito, a Recorrente não se conforma com a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que indeferiu os pedidos por si formulados.
B. No que diz respeito ao gasto de 511,81 EUR relativo à fatura emitida pela OROC, a mesma apenas deu entrada na contabilidade a 12/07/2011, sendo que, a existência de tal gasto era até então desconhecida.
C. Não tendo a AT procedido à revisão oficiosa da liquidação relativa a 2010, a desconsideração deste gasto no ano de 2011, implica que o mesmo, apesar de configurar uma despesa efetiva, não possa ser considerada em nenhum exercício.
D. Tal circunstância resultaria numa tributação por um rendimento superior ao real, violando o princípio da justiça na tributação.
E. Acresce que, com a contabilização como gasto no exercício de 2011, não existiu qualquer tentativa de obtenção de vantagem por parte da Recorrente, nem implicou qualquer prejuízo para o Estado.
F. Termos em que deve a liquidação impugnada ser anulada na parte em que não aceitou como gasto fiscalmente dedutível o valor de 511,85 EUR.
G. No que concerne à dedutibilidade para efeitos fiscais do montante relativo a majoração por criação líquida de emprego, o Tribunal entendeu que a recorrente não demonstrou que o trabalhador «AA» esteve ao seu serviço durante todo o ano de 2011, por alegadamente não figurar na declaração de remunerações de dezembro de 2011.
H. No entanto, a AT não exerceu o ónus de impugnação em relação a estes factos, pois esta apenas remeteu a sua defesa para o conteúdo do RIT, do qual não é possível retirar qualquer caráter impugnatório.
I. Pelo que aqueles factos deveriam ter sido considerados admitidos e deveria ter ficado dado como provado que o trabalhador «AA» esteve ao serviço da recorrente durante todo o ano de 2011.
J. Mesmo que assim não se entenda, a Recorrente juntou, como Doc. 22, a «folha de remunerações» relativa a dezembro desse ano de forma a provar o que alegou no Ponto 40 da PI.
K. No entanto, por lapso, este documento foi junto aos autos sem que fossem juntas todas as páginas, nomeadamente o extrato da declaração de remunerações do trabalhador relativa ao mês de dezembro de 2011 – que ora se junta como Doc. 1., sendo que era possível depreender que os elementos constantes do Doc. 22 estavam incompletos.
L. Ao abrigo do princípio do inquisitório, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade.
M. Logo, caberia ao Tribunal convidar a Impugnante a suprir a insuficiência na prova ou, por outro lado, notificar o Instituto da Segurança Social, solicitando a junção da referida declaração de remunerações, sendo que tal aconteceu, pelo que não poderá subsistir o entendimento de que a Recorrente não logrou provar o facto alegado no Ponto 40 da PI.
N. Termos em que deverá ser admitida a junção – como Doc. 1 – da página em falta do doc. 22 e deverá ser alterada a matéria de facto dada como não provada, devendo ser dado como provado que o trabalhador «AA» esteve ao serviço da recorrente durante todo o ano de 2011.
O. A Recorrente não pode aceitar que os encargos contabilizados pela Recorrente com viaturas estejam sujeitos a tributação autónoma, porquanto estes encargos com viaturas ligeiras de passageiros foram debitados a terceiros, e decorreram do uso de viaturas pertencentes a outras sociedades, com as quais a recorrente tem relações especiais.
P. Deveria ter sido dado como provado que todas estas despesas foram faturadas pela Recorrente a essas mesmas sociedades as quais suportavam efetivamente os referidos encargos.
Q. A tributação autónoma só tem lugar relativamente a gastos que hajam sido deduzidos para efeitos fiscais, tanto que a Recorrente, em virtude da não dedução destes gastos, viria a pagar um valor acrescido de IRC.
R. Em face do disposto no artigo 88.º, n.º 3, do CIRC, a Recorrente não podia, de forma alguma, estar sujeita à tributação autónoma.
S. Termos em que a Recorrente conclui pela ilegalidade da liquidação, devendo a liquidação ser anulada em conformidade.»

1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 243 SITAF, no sentido da improcedência do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes: da admissibilidade do documento junto em sede recursiva e, consequentemente do erro de julgamento de facto em que incorre a sentença sob recurso ao reconduzir aos factos não provados o alegado no artigo 40º da petição inicial e, se a sentença incorre em erro de julgamento de direito na exacta medida das correcções ao IRC de 2011 preconizadas pela AT que manteve.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
A) A Impugnante está registada, desde 10/02/1989, para o exercício de “atividades de contabilidade e auditoria; consultoria fiscal” (CAE 69200), estando enquadrada, para efeitos de IRC, no regime geral de determinação do lucro tributável – cfr. fls. 27 do processo administrativo (PA) apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
B) Em 01/10/2009, a Impugnante celebrou um contrato de trabalho por tempo indeterminado com «AA», nascido a ../06/1985 – cfr. fls. 48 a 50 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido.
C) A Impugnante contabilizou, no exercício de 2011, o montante de € 511,81, titulado pela fatura Fatura n.º ...62, de 04/10/2010, emitida pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, relativa ao recálculo de quotas de 2008/2009 – cfr. fls. 28 verso do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
D) Durante o ano de 2011, a Impugnante negociou com o “[SCom02...]”, de que faziam parte as sociedades “[SCom03...]”, “[SCom04...]”, “[SCom05...]”, “[SCom06...]” e “[SCom07...]”, a entrega de um imóvel (“Casa das ...”) como forma de extinguir parte dos créditos em dívida à Impugnante, o que não veio a concretizar-se – facto dado como provado face ao teor de fls. 45 a 47 do suporte físico do processo, que aqui se dão por reproduzidas, em conjugação com o depoimento da testemunha «BB».
E) No exercício de 2011, a Impugnante procedeu ao registo contabilístico das seguintes perdas por imparidade (antigas provisões) para créditos de cobrança duvidosa (cfr. fls. 30 do suporte físico do processo):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
F) Para além dos contactos telefónicos efetuados, a Impugnante enviou comunicações escritas aos devedores inframencionados, a solicitar o pagamento dos valores em dívida (facto dado como provado face ao teor de fls. 31 a 44 do suporte físico do processo, que aqui se dão por reproduzidas, em conjugação com o depoimento da testemunha «BB»):
Empresa devedoraData da comunicação escritaValor total em dívidaData das faturasNúmero de faturas vencidas
[SCom08...], S.A.15.02.2011 e 28.04.2011€ 2 662,0015.04.2010 a 15.12.201010
[SCom09...], S.A.12.05.2011 e 31.10.2011€ 21 003,5431.08.2005 a 31.12.200728
[SCom03...], S.A.16.05.2011 e 31.10.2011€ 2 100,3931.10.2009 a 15.04.20107
[SCom04...], S.A.16.05.2011 e 31.10.2011€ 1 710,0015.08.20091
[SCom05...], S.A.16.05.2011 e 31.10.2011€ 5 099,7731.10.2009 a 15.04.20107
[SCom06...], Lda.16.05.2011 e 31.10.2011€ 8 208,0015.10.2009 a 15.04.20107
[SCom07...], S.A.16.05.2011 e 31.10.2011€ 1 938,0015.06.2009 a 02.03.201010
G) Em 24/10/2011, a Impugnante celebrou um contrato de trabalho por tempo indeterminado com «CC», nascido a ../10/1985, contrato esse que vigorou até 26/05/2013 – cfr. fls. 53 a 58 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido.
H) A Impugnante foi alvo de uma ação inspetiva externa, levada a cabo pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças ... a coberto da ordem de serviço n.º ...31, de âmbito geral e com incidência temporal sobre o exercício de 2011, ação essa que foi desencadeada em virtude de o sujeito passivo não ter apresentado a declaração periódica de rendimentos de 2011 – cfr. relatório de inspeção tributária, a fls. 24 a 38 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
I) Em 08/03/2016, na sequência da notificação do projeto de relatório de inspeção tributária, a Impugnante apresentou a declaração periódica de rendimentos de 2011, onde declarou um resultado líquido do período de € 36 078,53, um lucro tributável/matéria tributável de € 35 544,55, tributações autónomas no valor de € 21 484,76 e um imposto a pagar no montante de € 24 602,24 – cfr. fls. 42 a 46 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
J) A declaração de rendimentos mencionada na alínea antecedente, deu lugar à emissão da liquidação de IRC n.º ...17, no valor de € 28 467,14 (que incluía juros de mora e juros compensatórios no valor de € 152,34 e € 3 712,57, respetivamente) – cfr. fls. 41 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
K) Da ação inspetiva mencionada na alínea H) supra, resultaram, além do mais, correções de natureza meramente aritmética à matéria tributável de IRC no valor de € 49 186,06 e o apuramento de IRC em falta no valor de € 1 957,15, referentes ao exercício de 2011, que apresentam a seguinte fundamentação (cfr. relatório de inspeção tributária, a fls. 24 a 38 do PA apenso aos autos):
«(...)
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
A. IRC – Resultado Tributável
(...)
a) O artigo 18.º n.º 1 do CIRC dispõe que «os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica» e o n.º 2 do mesmo artigo esclarece que «as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas».
Ora, no decurso do período de tributação de 2011, o sujeito passivo contabilizou:
diversos montantes na conta “6881 – Correcções relativas a período anterior”, no valor global de € 2.632,43;
o montante de € 511,81 na conta 68831, relativo ao recálculo de quotas de 2008/2009 da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC), o qual foi faturado através da Fatura n.º ...62, de 04/10/2010 (cfr. documento n.º 75059 – Diário 5, de 12/07/2011).
Nessa medida, conclui-se que o montante de € 3.144,24 (= € 2.632,43 + € 511,81) não deve concorrer para efeitos de apuramento do resultado tributável de 2011, atento o disposto no artigo 18.º n.º 2 do CIRC.
(...)
c) No período de tributação em análise, o sujeito passivo contabilizou perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes, no montante global de € 13.832,33, conforme saldo da conta “6511”, pelo que foi notificado, através do ofício n.º ....30/0505 de 29/12/2015 (remetido por carta registada com aviso de receção), para apresentar comprovação da verificação, em 31/12/2011, das condições de relevância (dedutibilidade) fiscal de tais perdas, nos termos dos artigos 35.º e 36.º do CIRC (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro), caso pretendesse que aquele montante fosse considerado para efeitos de apuramento do lucro tributável do período de tributação de 2011.
Na resposta a esta notificação (...), além da nota demonstrativa das situações de imparidade em dívidas a receber refletidas contabilisticamente, no montante global de € 44.193,55, reportadas a 31/12/2011 – conforme saldo da conta 219 –, o sujeito passivo apresentou diversos elementos, nomeadamente extratos de conta corrente dos clientes em questão na referida nota, algumas listagens das faturas que estariam a concorrer para os montantes em dívida, bem como prints retirados do sítio www.citius.mj.pt relativos a alguns processos de insolvência ou especiais de revitalização.
Ora, a relevância (dedutibilidade) fiscal das perdas por imparidade em créditos assenta:
i. Na conexão desses créditos com o exercício da atividade normal, desde que os mesmos possam, no fim do período de tributação, ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade, nos termos do artigo 35.º n.º 1 alínea a) do CIRC;
ii. Na avaliação do risco de incobrabilidade de tais créditos, o que se considera devidamente justificado apenas nas condições previstas no n.º 1 do artigo 36.º do CIRC.
Efetivamente, para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 35.º do CIRC, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica quando: a) O devedor tenha pendente processo de insolvência e de recuperação de empresas ou processo de execução; b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral; c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.
Em 1.º lugar, analisada a informação disponibilizada com referência a processos cuja pendência demonstre de modo manifesto a incapacidade dos devedores em solverem as suas dívidas [cfr. alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 36.º do CIRC], conclui-se que, à data dos factos (i.e. em 31/12/2011), essa convicção apenas poderia existir em relação às seguintes duas situações, na medida em que todos os restantes processos identificados foram instaurados posteriormente:
ClienteProcesso de Insolvência
[SCom10...], Lda....1/11.0TBFUN
[SCom11...], S.A...18/11.8TBPDL
Quanto às restantes situações identificadas e na ausência de processos cuja pendência demonstre de modo manifesto a incapacidade dos devedores em solverem as suas dívidas [cfr. alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 36.º do CIRC], impunha-se que, nos termos da alínea c) do mesmo normativo (aplicável aos créditos em mora há mais de seis meses), a entidade inspecionada (enquanto credor) demonstrasse possuir provas objetivas das situações de imparidade e, bem assim, da efetivação de diligências para o correspondente recebimento, elementos cuja obtenção, em qualquer caso, a entidade inspecionada não comprova ter oportunamente acautelado, impossibilitando que tais créditos, com referência ao termo do período de tributação em causa, possam ser considerados de cobrança duvidosa.
Por outro lado, em face dos elementos apresentados pelo sujeito passivo verifica-se que este apenas evidenciou na contabilidade parte dos montantes em dívida como sendo de considerar de cobrança duvidosa:
ClienteSaldo devedor%Cobrança duvidosa
[SCom10...], Lda.3.081,00 €25%770,25 €
[SCom11...], S.A.8.481,80 €25%2.120,45 €
Total11.562,80 €-2.890,70 €
Nessa medida, impõe-se que o sujeito passivo acresça o montante de € 10.941,63 (= € 13.832,33 – € 2.890,70) ao resultado líquido do período de 2011, por respeitar a perdas por imparidade em créditos não fiscalmente dedutíveis, atento o disposto nos artigos 35.º e 36.º do CIRC.
(...)
6. Em resumo, face às correções descritas nas alíneas anteriores propõe-se a fixação do seguinte resultado tributável e matéria coletável, com referência ao período de tributação de 2011:
Quadro 7 – Apuramento do Lucro Tributável2011
Resultado líquido do período70136.078,53 €
A Acrescer
Correções relativas a períodos de tributação anteriores7103.144,24 €
Perdas por imparidade em créditos não fiscalmente dedutíveis71810.941,63 €
Depreciações e amortizações não aceites como gastos71911.461,06 €
Realizações de utilidade social não dedutíveis7233.192,06 €
IRC e outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros72426.525,62 €
Multas, coimas, juros compensatórios, e demais encargos pela prática de infrações728705,83 €
50% de outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio737506,25 €
Donativos não previstos ou além dos limites legais751150,00 €
Quotas pagas fiscalmente não dedutíveis752156,00 €
Gastos com equipamento informático fiscalmente não dedutíveis7521.905,17 €
Deslocações e estadas fiscalmente não dedutíveis75212.963,56 €
Lucro tributável778107.729,95 €
Quadro 9 – Apuramento da Matéria Coletável346107.729,95 €
(...)
B. IRC – Tributações autónomas
1. Já no que respeita ao IRC a pagar com respeito às tributações autónomas previstas no CIRC, propõem-se os montantes a seguir descritos:
Encargos com viaturas ligeiras de passageiros
Atento o disposto no n.º 3 do artigo 88.º do CIRC (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro), são tributados autonomamente à taxa de 10% os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja igual ou inferior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do mesmo Código, efetuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjetivamente e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
Atento o disposto no n.º 4 do artigo 88.º do CIRC (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro), são tributados autonomamente à taxa de 20% os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do mesmo Código, efetuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjetivamente e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
No período de tributação de 2011, o sujeito passivo suportou os encargos com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas constantes do quadro resumo em Anexo 1:
Base das Tributações AutónomasMontanteTaxaIRC
Artigo 88.º n.º 3 CIRC83.850,42 €10%8.385,04 €
Artigo 88.º n.º 4 CIRC57.230,75 €20%11.446,15 €
Quadro 10 – Campo 365141.081,17 €-19.831,19 €
Assim, o IRC a pagar com respeito às tributações autónomas previstas no artigo 88.º n.ºs 3 e 4 do CIRC ascende ao montante de € 19.831,19.
(...)
IX – DIREITO DE AUDIÇÃO
Em 22/02/2016, o sujeito passivo foi notificado, na pessoa do sócio-gerente «DD», nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPITA, do projeto de relatório de inspeção tributária, bem como do ofício n.º ...05 de 19/02/2016, tendo-lhe sido concedido para tal um prazo de 15 dias.
Em 08/03/2016, deu entrada nestes Serviços uma exposição do sujeito passivo (...) – cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido –, na qual o sujeito passivo informou não concordar com parte da proposta de correções, com suporte no seguinte (que passámos a transcrever):
A) (...);
B) Correções Relativas a Exercícios Anteriores – o recálculo de quotas de 2008/2009 da OROC deve ser considerado como gasto do exercício de 2011 devido à empresa só ter tido conhecimento deste valor no ano de 2011. A OROC não emite faturas.
C) De todas as outras entidades temos prova de diligências para a sua cobrança, tendo os ajustamentos sido efetuados em 25% de acordo com a mora. Todas as empresas foram posteriormente declaradas insolventes;
D) (...);
E) (...);
F) Tributações Autónomas – Não concordamos com a correção do valor de € 1.957,14 devido a este valor ter sido acrescido como rendimento do ano, está refletido na conta 7888144.
G) (...);
H) (...);
I) Benefício – Criação Líquida de Emprego – Em 2011 existiu um aumento de 2 postos de trabalho em relação ao ano de 2010.
Nessa conformidade, em 08/03/2016, o sujeito passivo apresentou declaração periódica de rendimentos modelo 22 do IRC, com referência ao período de tributação de 2011 (...).
Procedemos de seguida à apreciação dos valores indicados nestas declarações agora apresentadas pelo sujeito passivo, bem como dos argumentos aduzidos, em sede de direito de audição, no que respeita às correções propostas com as quais não concorda:
IRC – Matéria Tributável
(...)
Ponto B) Correções relativas a exercícios anteriores
Pese embora o sujeito passivo alegue só ter tomado conhecimento do valor relativo ao recálculo de quotas da OROC no decurso do período de tributação de 2011, o documento que suporta o registo contabilístico desta quantia na conta 68831 faz referência à Fatura n.º ...62, de 04/10/2010, com aliás já foi referido no Capítulo III.A do presente relatório.
Ora, ainda que imprevisível ou manifestamente desconhecido nos períodos de tributação a que deveriam ser imputados (2008 e 2009), o recálculo das quotas foi faturado ao sujeito passivo em 2010, pelo que este gasto seria imputável, o mais tardar, a esse período de tributação, atento o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 18.º do CIRC, e, nessa medida, conclui-se que o montante de € 511,81 não deve concorrer para efeitos de apuramento do resultado tributável de 2011.
Ponto C) – Perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes
Desde logo, convém relembrar que, no que respeita às perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes, no montante global de € 13.832,33, refletidas na conta “6511”, concluímos no Capítulo III.A pela dedutibilidade apenas do montante de € 2.890,70, para efeitos de determinação do lucro tributável de 2011, em virtude deste ser o montante respeitante às duas únicas situações com referência às quais ficou, no decurso da ação de inspeção, demonstrada de modo manifesto a incapacidade dos devedores em solverem as suas dívidas, conforme alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 36.º do CIRC (ver ponto III.A.X do relatório)
Quanto às restantes situações identificadas e na ausência de processos cuja pendência demonstre de modo manifesto a incapacidade dos devedores em solverem as suas dívidas [cfr. alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 36.º do CIRC], impunha-se que, nos termos da alínea c) do mesmo normativo (aplicável aos créditos em mora há mais de seis meses), a entidade inspecionada (enquanto credor) demonstrasse possuir provas objetivas das situações de imparidade e, bem assim, da efetivação de diligências para o correspondente recebimento.
Ora, quer no decurso da ação inspetiva (na sequência da notificação realizada para o efeito), quer agora em sede de direito de audição (visto que, apesar de alegar possuir prova de diligências para sua cobrança, não a produziu no âmbito deste procedimento), o sujeito passivo não demonstrou ter oportunamente acautelado a obtenção desses elementos, o que impossibilita que tais créditos, com referência ao termo do período de tributação em causa, possam ser considerados de cobrança duvidosa.
Por conseguinte, impõe-se que o acréscimo do montante de € 10.941,63 (= € 13.832,33 – € 2.890,70) ao resultado líquido do período de 2011, por respeitar a perdas por imparidade em créditos não fiscalmente dedutíveis, atento o disposto nos artigos 35.º e 36.º do CIRC.
(...)
Ponto I) – Benefício à criação líquida de emprego
No Campo 774 do Quadro 07 da declaração periódica de rendimentos modelo 22 do IRC apresentada pelo sujeito passivo com referência ao período de tributação de 2011, no decurso do direito de audição, foi indicado o montante de € 25.635,81, a título de benefícios fiscais, sendo que, de acordo com o Anexo D a esta declaração, o montante de € 23.006,47 respeita a majoração à criação de emprego, prevista no artigo 19.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
No decurso da ação inspetiva, o sujeito passivo foi notificado, através do ofício n.º ....30/0505 de 29/12/2015 (remetido por carta registada com aviso de receção), para, na eventualidade de pretender aproveitar, no período de tributação de 2011, do benefício fiscal relativo à criação líquida de postos de trabalho, apresentar demonstração documentalmente comprovada da verificação dos pressupostos definidos no artigo 19.º do EBF, designadamente que:
a) Efetivamente ocorreu “criação líquida de postos de trabalho”, nos termos previstos na alínea d) do n.º 2 do referido normativo; e
b) Os postos de trabalho em causa respeitam a “jovens” e/ou “desempregados de longa duração”, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 2 do referido normativo, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Ora, à luz da norma que regulamenta este benefício fiscal, entende-se por “criação líquida de postos de trabalho” a diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do EBF e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respetiva admissão, se encontravam nas mesmas condições [conforme alínea d) do n.º 2 do artigo 19.º do EBF], pelo que, atendendo aos elementos disponibilizados pelo sujeito passivo, não podemos concordar com ele quando afirma que, no decurso de 2011, foram criados dois postos de trabalho em relação ao ano anterior.
Efetivamente, de acordo com o mapa apresentado pelo sujeito passivo em resposta à notificação realizada (que se junta em Anexo 2), no decurso de 2011 houve duas contratações elegíveis: «EE» e «FF» –, mas saíram dois trabalhadores que, em 2010, foram considerados elegíveis para efeitos deste benefício fiscal: «AA» e «GG» –, donde se conclui que não ocorreu qualquer criação líquida de postos de trabalho, atento o conceito definido na alínea d) do n.º 2 do artigo 19.º do EBF.
Nessa conformidade, o montante a deduzir a título de benefício fiscal inerente à majoração à criação de emprego, nos termos do artigo 19.º do EBF, apenas deverá resultar dos montantes relativos aos trabalhadores cujo contrato de trabalho teve início em anos anteriores, mas que se encontram ainda abrangidos pelo período de cinco anos referidos no n.º 5 do mesmo artigo (cfr. mapa em Anexo 2), a saber:
NomeMontante do benefício
«HH»6.790,00 €
«II»6.790,00 €
«JJ»6.790,00 €
Total20.370,00 €

IRC – Tributações Autónomas
O sujeito passivo alega não concordar com a correção no valor de € 1.957,14, argumentado que este montante foi acrescido como rendimento do ano e refletido na conta 7888144. Contudo, se tomarmos em consideração a redação do artigo 88.º do CIRC, a sujeição a tributação autónoma dos encargos efetuados ou suportados pelo sujeito passivo com referência a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, prevista nos n.ºs 3 e 4 deste artigo, não depende da sua subsequente repercussão a terceiros.
Com efeito, ao contrário do que acontece com os encargos relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, relativamente aos quais a respetiva faturação a clientes resulta na exclusão da respetiva sujeição a tributação autónoma (cfr. 1.ª parte do n.º 9 do artigo 88.º do CIRC), o referido normativo não estabelece idêntico regime para os encargos em apreço.
Logo, conclui-se ser de incluir o montante de € 1.957,14 nas correções propostas a título de tributações autónomas nos termos do artigo 88.º n.º 3 do CIRC:
Base das Tributações AutónomasMontanteTaxaIRC a pagar
Artigo 88.º n.º 3 CIRC83.850,42 €10%8.385,04 €
Face ao anteriormente exposto ao longo do presente Capítulo, conclui-se que o sujeito passivo regularizou voluntariamente a sua situação tributária, ainda que apenas de forma parcial, no que concerne às correções propostas em sede de IRC, com referência ao período de tributação de 2011 (...).
(...)».
L) Em 18/04/2016, na sequência das sobreditas correções efetuadas pela Autoridade Tributária, foi emitida em nome da Impugnante, com referência ao exercício de 2011, a liquidação adicional de IRC n.º ...92, no montante de € 44 747,46, da qual resultou um valor a pagar, após acerto de contas, de € 16 280,32 – cfr. fls. 20 do suporte físico do processo e fls. 39 e 40 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
M) Em 07/10/2016, a Impugnante apresentou um pedido de revisão do ato tributário mencionado na alínea antecedente, nos termos e com os fundamentos vertidos a fls. 19 e 20 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
N) Por despacho datado de 23/03/2017, a Diretora de Finanças ... indeferiu o pedido de revisão mencionado na alínea antecedente – cfr. fls. 14 a 17 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
O) A Impugnante foi notificada da decisão mencionada na alínea antecedente em 27/03/2017 – cfr. fls. 20 verso a 22 do PA apenso aos autos.
P) A presente impugnação foi deduzida em 11/05/2017 – cfr. fls. 2 a 15 do suporte físico do processo.
Q) Dá-se por reproduzido o teor do extrato da declaração de remunerações apresentada pela Impugnante à Segurança Social, referente a dezembro de 2011, inserto a fls. 51 e 52 do suporte físico do processo.
R) Dá-se por reproduzido o teor do extrato da conta “7888144” da Impugnante, referente a 2011, inserto a fls. 61 do suporte físico do processo.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão da causa, não se provou que:
1) A fatura mencionada na alínea C) dos factos provados só foi recebida pela Impugnante em 12/07/2011 – facto alegado nos artigos 9º e 10º da petição inicial.
2) O trabalhador «AA» esteve ao serviço da Impugnante durante todo o ano de 2011 – facto alegado no artigo 40º da petição inicial.
Motivação:
A convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados resultou da análise dos documentos, não impugnados, juntos aos autos e, bem assim, da prova testemunhal produzida pela Impugnante.
Relativamente à factualidade elencada nas alíneas D) e F), a testemunha «BB», técnico administrativo da Impugnante desde 1989, explicou, de forma suficientemente detalhada, objetiva e demonstrando conhecimento direto dos factos, que levou a cabo diligências – contactos telefónicos e por carta – junto dos devedores da Impugnante (sociedades “[SCom08...]”, “[SCom12...]”, “[SCom03...]”, “[SCom04...]”, “[SCom13...]”, “[SCom06...]” e “[SCom07...]”) tendentes à cobrança dos créditos em dívida. Confrontada com os documentos 4 a 17, juntos com a petição inicial, esta testemunha confirmou ter sido ela a remeter essas cartas para cobrança das dívidas à Impugnante. Afirmou ainda a testemunha que o “[SCom02...]” propôs à Impugnante dar-lhe a “Casa das ...” para saldar as suas dívidas, o que não chegou a acontecer.
No que concerne aos factos não provados, a Impugnante não logrou produzir prova (documental ou testemunhal) tendente a demonstrá-los.
Com efeito, a testemunha «BB» nada disse quanto à data do recebimento pela Impugnante da fatura emitida em 04/10/2010 pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e nenhuma prova consta dos autos no sentido da demonstração do seu recebimento em 12/07/2011.
Por outro lado, também não ficou provado que o trabalhador «AA» esteve ao serviço da Impugnante durante todo o ano de 2011, já que, ao invés do alegado pela Impugnante, este trabalhador não constava da “folha de remunerações” entregue à Segurança Social com referência a dezembro de 2011, sendo que a afirmação da testemunha no sentido de que o mencionado trabalhador trabalhou para a Impugnante em 2011 é em parte infirmada por aquela declaração de remunerações, pelo que, nesta parte, tal depoimento não pode ser valorado positivamente.»
2.2. De direito
Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foi a presente impugnação julgada parcialmente procedente, a Recorrente ([SCom01...] – SROC, Ld.ª) não se conformando, insurge-se contra o segmento em que o seu pedido declinou.
Em suma, o Tribunal a quo julgou procedente a impugnação e, consequentemente, anulou a liquidação impugnada na parte correspondente à correção das perdas por imparidade respeitantes a créditos de cobrança duvidosa e, bem assim, na parte atinente à correção do montante relativo a majoração prevista no artigo 19º do EBF, que não atendeu à criação líquida de um posto de trabalho em 2011.
E, julgou improcedente quanto as restantes correções efetuadas pela AT em sede de IRC do ano de 2011, a saber do pedido de (i) dedutibilidade para efeitos fiscais do gasto correspondente à factura emitida pela OROC, (ii) do pedido de dedutibilidade dos custos relativos à majoração por criação líquida de emprego, correspondente a um posto de trabalho (sendo que AT tinha desconsiderado dois postos de trabalho)e (iii) da correção, no valor de 1.957,15 Euros, a título de tributações autónomas, respeitantes a encargos com viaturas.
Inconformada, a Recorrente veio interpor o presente recurso jurisdicional, pondo em causa o julgamento operado sobre precisamente esses três pontos das correções levadas a cabo pela AT, que a sentença manteve, cumprindo a este tribunal apreciar e decidir em conformidade, o que se propõem de imediato, seguindo por razões pragmáticas a ordem contante das alegações e conclusões.
Essa ordem, a ser seguida à risca, reconduz a pronúncia sobre a admissão do documento junto com as alegações, inserido no âmbito do erro de julgamento de facto sobre a existência de mais um posto de trabalho para efeitos de aplicação do artigo 19º do EBF, beliscando o seu tratamento como questão prévia e com autonomia própria.

2.2.1. Da dedutibilidade para efeitos fiscais do gasto correspondente à factura emitida em 04/10/2010 pela OROC
Começando pela primeira questão, a AT apurou, no âmbito da acção inspectiva a que se alude nos factos provados, que a Recorrente contabilizou como gasto dedutível no exercício de 2011 o montante de € 511,81, respeitante ao recálculo de quotas da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas de 2008/2009, facturado através da Fatura n.º ...62, de 04.10.2010, tendo concluído que o referido montante não podia concorrer para efeitos de apuramento do resultado tributável de 2011, atento o disposto no artigo 18º, n.º 2, do CIRC.
A Recorrente, invocou na petição inicial que, o gasto de €511,81 foi devidamente contabilizado como gasto dedutível no exercício de 2011, já que a factura apenas deu entrada na sua contabilidade em 12.07.2011, sendo até aí desconhecida a existência de tal gasto. Mais alegou que na impossibilidade de a AT efectuar, oficiosamente, uma correção homóloga no exercício de 2010, devolvendo o imposto pago em excesso, o princípio da justiça impõe que se aceite uma eventual violação do princípio da especialização dos exercícios, considerando o referido gasto dedutível em 2011, sendo que nenhum prejuízo resulta para o Estado, ocorrendo apenas um retardamento da consideração de um gasto fiscal.
O Tribunal a quo julgou improcedente esta parte da impugnação com o seguinte fundamento:
«(...) Não olvidamos que o gasto em causa, relacionado com os períodos de tributação de 2008 e 2009, seria imprevisível ou manifestamente desconhecido da Impugnante, por facto que não lhe era imputável, aquando do encerramento das contas dos períodos a que devia ser imputado, sendo, por conseguinte, de admitir a transferência desse gasto para um período de tributação seguinte, de acordo com o disposto no art.º 18º, n.º 2, do CIRC.
Assim, estando o gasto em apreço titulado por uma fatura emitida pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas em 04/10/2010, devia tal gasto ter sido considerado no período de tributação de 2010 e não em 2011, como sucedeu, já que a Impugnante também não logrou provar que apenas teve conhecimento do mesmo em 2011.
Sendo certo que também não colhe a aventada derrogação do princípio da especialização dos exercícios, através da aplicação do princípio da justiça, em ordem a considerar o gasto dedutível em 2011, como procuraremos demonstrar de seguida.
É certo que o princípio da especialização dos exercícios deve ser, tendencialmente, interpretado de acordo com o princípio da justiça (consagrado nos art.os 266º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa [CRP] e 55º da Lei Geral Tributária [LGT]), no sentido de garantir a sua efetividade, resultando daí, para a Administração Tributária, a obrigação de harmonização inter-exercícios do enquadramento temporal de um elemento integrante do facto tributário que tenha natureza comunicante (simétrica inter-exercícios) – veja-se, neste sentido, o acórdão do STA de 27/10/2021, processo 0610/15.1BELRA.
Com efeito, a rigidez do princípio da especialização dos exercícios deve ser temperada com o princípio da justiça nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do ato tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa situação de injustiça não justificada para o sujeito passivo. Todavia, importa frisar que, por força do princípio da justiça, a imputação a um exercício de gastos referentes a exercícios anteriores não pode resultar de omissões intencionais do sujeito passivo, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios ou uma fuga à tributação (neste sentido, veja-se o acórdão do STA de 14/03/2018, processo 0716/13).
Ora, no caso vertente, se é certo que a Impugnante alegou que a fatura emitida em 04/10/2010, apenas foi recebida em 12/07/2011, pelo que só poderia ter sido reportada ao exercício de 2011, não é menos verdade que não provou essa alegação, como lhe competia, por força do disposto no art.º 74º, n.º 1, da LGT, pelo que, em ordem a evitar uma eventual prática abusiva da Impugnante no sentido da manipulação indevida do lucro tributável do exercício, não é de aceitar a dedutibilidade do gasto em causa fora do exercício devido.
À luz do exposto, é de concluir que a atuação da Autoridade Tributária não merece censura, improcedendo, nesta parte, a impugnação.» (fim de citação)
Alega a Recorrente que, “(...) a existência de tal gasto era até então desconhecida. Não tendo a AT procedido à revisão oficiosa da liquidação relativa a 2010, a desconsideração deste gasto no ano de 2011, implica que o mesmo, apesar de configurar uma despesa efetiva, não possa ser considerada em nenhum exercício. /Tal circunstância resultaria numa tributação por um rendimento superior ao real, violando o princípio da justiça na tributação. / Acresce que, com a contabilização como gasto no exercício de 2011, não existiu qualquer tentativa de obtenção de vantagem por parte da Recorrente, nem implicou qualquer prejuízo para o Estado.” (vide conclusões B. a E. das alegações), pugnando pela aceitação como gasto fiscalmente dedutível o valor de € 511,85.
Vejamos.
O artigo 18º do CIRC consagra o princípio da especialização dos exercícios ou autonomia dos exercícios, para efeitos de tributação, segundo o qual, todos os proveitos e os custos devem ser contabilizados no período (ano) em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou do seu pagamento.
Também designado por princípio da periodização do lucro tributável, impõe tal princípio que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.
Tal princípio comporta excepções que se encontram previstas expressamente na lei.
Com interesse para o caso que nos ocupa, constituem excepções previstas no n.º 2 do artigo 18° do CIRC (na redacção então em vigor), os casos em que haja imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento das componentes positivas ou negativas respeitantes a períodos anteriores, permitindo-se a sua imputação ao período de tributação.
Como refere Rui Marques in “Código do IRC Anotado”, Almedina 2019, pp.165, «Ditado pelo princípio da solidariedade entre períodos, atenta a continuidade da actividade, surge permitida uma excepção ao princípio da periodização económica, quanto às componentes positivas e negativas do lucro tributável, admitindo uma transferência de resultados entre períodos no caso de não ser possível apurar os resultados nos termos do período em causa, por imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento, não imputáveis à vontade do sujeito passivo, aquando a data do encerramento das contas. Dito de outro modo, excepcionalmente o sujeito passivo poderá relevar tais componentes em momento posterior: quando as mesmas se tornaram previsíveis ou conhecidas.
A imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento quanto a um gasto respeitante a um período anterior, e sendo ao sujeito passivo que aproveita a sua dedutibilidade fiscal (artigo 23.º), faz impender sobre este o ónus probatório quanto a tais circunstâncias excepcionais (artigo74º, nº 1 da LGT). Não colhendo um erro contabilístico ou outro do próprio contribuinte, por lhe ser imputável (…) quando não se enquadrem neste n.º 2, ao resultado líquido do período devem ser deduzidos os rendimentos e acrescidos os gastos relativos a períodos de tributação anteriores. Concretamente pela substituição da declaração modelo 22 do período a que respeita o erro (artigo 122º) (…)»
Na petição inicial foi invocada uma razão enquadrável no conceito de imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento. Na verdade, a Impugnante, ora Recorrente, invocou que não poderia ter contabilizado a factura em causa, no exercício de 2010, se bem que admita que a factura tenha sido emitida em 04.10.2010, invoca que a mesma só deu entrada na contabilidade em 12.07.2011, sendo que até aí tal gasto era desconhecido, razão pela qual não lhe restava outra solução que não fosse contabilizar como custo no exercício de 2011.
Num primeiro momento, somos de considerar em sintonia com a primeira instância, que a Recorrente não logrou a prova que lhe competia que apenas teve conhecimento do gasto (custo) para efeitos de dedução fiscal em 12.07.2011, o que só por si levaria aplicação do princípio da especialização dos exercícios e assumir a legalidade da correcção operada pela AT, de desconsiderar o mesmo.
No entanto, num 2º momento, tendemos a discordar da sentença recorrida, quanto a mesma sustenta a sua manutenção à luz do princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e 55.º da Lei Geral Tributária.
A factura em causa data de12.07.2010, a acção inspectiva teve início em 01.10.2015 e a sua conclusão em 19.02.2016 momento em que já não era possível a correcção repondo o custo no exercício a que dizia respeito. Mais, cumpre atentar à fundamentação da correção, após audição, de que “ Pese embora o sujeito passivo alegue só ter tomado conhecimento do valor relativo ao recálculo de quotas da OROC no decurso do período de tributação de 2011, o documento que suporta o registo contabilístico desta quantia na conta 68831 faz referência à Fatura n.º ...62, de 04/10/2010, com aliás já foi referido no Capítulo III.A do presente relatório./ Ora, ainda que imprevisível ou manifestamente desconhecido nos períodos de tributação a que deveriam ser imputados (2008 e 2009), o recálculo das quotas foi faturado ao sujeito passivo em 2010, pelo que este gasto seria imputável, o mais tardar, a esse período de tributação, atento o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 18.º do CIRC, e, nessa medida, conclui-se que o montante de € 511,81 não deve concorrer para efeitos de apuramento do resultado tributável de 2011.”.
Nos casos em que não é já possível a correção simétrica, por razões de tempestividade, tem sido entendido que o custo, ainda que indevidamente contabilizado, deve ser aceite nos casos em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte e quando a respetiva imputação não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios, (cf. entre outros Acórdão do TCA Sul de 15.04.2008, proferido no âmbito do processo n.º 6518/13.8BCLSB, e Acórdão do STA de 25.06.2008, in processo n.º 0291/08).
Acresce que face à situação dos autos, valor da actualização da quota junto da OROC do ano de 2008 e 2009, sendo a emissão da factura de outubro de 2010, não vislumbramos a ocorrência de prejuízo para a Fazenda Pública uma vez que a ser apresentado esse custo em 2010 o mesmo sempre seria dedutível naquele exercício, sendo ainda que não consta do RIT qualquer elemento susceptível de indiciar uma omissão voluntária por parte da Recorrente, cremos não ser de manter a correção quanto ao gasto em questão relativo ao referido exercício de 2010, mas que apenas foi contabilizado no exercício de 2011.
Com efeito, não resultando dos elementos contantes do relatório de inspecção que tenha ocorrido uma situação de omissão deliberada tendente a defraudar a contabilidade, operando a manipulação do resultado dos exercícios abrangidos, e se no uso do exercício do poder vinculado de proceder às correcções necessárias para conformar a contabilidade com o princípio da especialização a AT não promover a correcção simétrica, impõe o princípio da justiça, consagrado no n.º 5 do artigo 266.º da CRP e no artigo 50.º da LGT, que a correcção não tenha lugar.
Neste sentido vai a jurisprudência mais recente do STA, proclamando que «O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram. Contudo esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios» (cf., entre outros, os Acórdãos do STA de 14.03.2018, in proc. 0716/13, de 09.10.2019, in proc. 01278/12.2BELRS, de 27.10.2021, in proc. 610/15.1BELRA, 07.09.2022, in proc. 304/15.8BELLE de 08.02.2023, in proc. 1292/20.4BEBRG e de 31.02.2023, in proc. 1417/15.1BEALM).
Subjacente à jurisprudência citada, está o entendimento de que a correção em razão da aplicação do princípio da especialização de exercícios impõe a correção do exercício onde foi omitida a dedução do gasto, pelo que nos casos em que tal operação se torna inviável (nomeadamente pelo decurso do prazo) é convocável o princípio da justiça (neste sentido vide Acórdão citado de 25.06.2008, in recurso nº 0291/08).
Volvendo aos ensinamentos de Rui Marques (obra citada p. 163) «visa-se tributar a riqueza gerada em cada período (princípio da tributação do rendimento real), consagrando-se o regime de acréscimo como critério de determinação do lucro tributável (…) [r]elevando-se o momento em que tem lugar o facto que está na génese dos rendimentos ou gastos. Daqui resulta que a imputação de um rendimento ou de um gasto a um determinado período obedece a um critério económico e não a um critério financeiro (ou, tão-pouco de oportunidade, na disponibilidade do sujeito passivo), pelo que devem ser considerados e contabilizados num determinado período todos os créditos e débitos respeitantes a esse período, e não apenas os recebimentos e pagamento que nele ocorreram.
Por exemplo, se em sede de inspecção tributária se constata que um determinado gasto foi indevidamente contabilizado num determinado período, influenciando o resultado líquido que está a montante da determinação do lucro tributável, por mor do princípio da especialização deverá ser empreendida a respectiva correcção tanto nesse período como, correlativamente, no período em que aquele deveria ser alocado (máxime, por liquidações adicionais).
Não obstante, a aplicação do princípio-regra da especialização dos períodos não deve ser cega, ou e molde a redundar numa ofensa da justiça material, seja em benefício do sujeito passivo seja em benefício do Estado. Será aconselhável aferir se a indevida contabilização num dado período obstou à tributação através de omissões deliberadas com uma transferência de resultados entre períodos. Sopesando o dever de reconstituição da verdade sobre a determinação da matéria colectável dos períodos de tributação através do princípio da especialização face à eventualidade de situações de injustiça, e tendo de permeio a existência ou não de prejuízo causado à Fazenda Pública.»
Tendo em conta o exposto, o raciocínio expendido na sentença não pode manter-se, quando afasta aplicação do princípio da justiça.

Assim decidindo em conformidade com a jurisprudência citada, sustentando-se na consideração de que, não resultando dos autos que a AT tivesse acrescido o custo no exercício de 2010, em que deveria ter sido imputado, nem a mesma demonstra a existência de uma omissão voluntária, impunha-se aceitar a sua imputação como custo do exercício de 2011.
Procede, pois, o recurso nesta parte, o que se decidirá a final.

2.2.2. Da dedutibilidade para efeitos fiscais do montante relativo a majoração por criação líquida de emprego – da admissão do documento junto com as alegações de recurso
No âmbito do procedimento inspectivo levado a efeito, considerou AT que não houve criação líquida de emprego, uma vez que no ano de 2011 foram admitidas as trabalhadoras elegíveis para efeitos deste benefício fiscal («EE» e «FF» (elegíveis para efeitos deste benefício fiscal), mas saíram os trabalhadores «AA» e «KK» (que, em 2010, também eram elegíveis).
Insurge-se a Recorrente com tal correcção, invocando em sede de petição inicial que o montante de € 2 636,47, relativo à majoração por criação líquida de emprego, é dedutível para efeitos fiscais, uma vez que em 2011 ocorreu a criação líquida de 2 postos de trabalho, porquanto foram admitidos os trabalhadores «CC», «EE» e «FF», elegíveis para efeitos do artigo 19º do EBF, tendo saído o trabalhador «GG», sendo que o trabalhador «AA» esteve ao serviço da Impugnante durante todo o ano de 2011.
A sentença sob recurso, ancorada na matéria de factos provada e não provada, com relevo o facto de não se ter provado que “O trabalhador «AA» esteve ao serviço da Impugnante durante todo o ano de 2011 – facto alegado no artigo 40º da petição inicial.”, considerou a criação de um posto de trabalho, determinando a procedência parcial da pretensão da Impugnante, nos seguintes termos:
«(...) Relativamente a esta matéria, importa atentar no disposto no art.º 19º do EBF3, que, no seu n.º 1, prevê que para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150% do respetivo montante, contabilizado como custo do exercício. Prevendo a alínea d) do n.º 2 do citado preceito que a “criação líquida de postos de trabalho” corresponde à diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respetiva admissão, se encontravam nas mesmas condições.
Ora, não é controvertido nos autos que, no ano de 2011, a Impugnante contratou duas trabalhadoras («EE» e «FF») elegíveis para efeitos do referido benefício fiscal, nem que saiu um trabalhador («GG») que em 2010 foi considerado elegível para efeitos do sobredito benefício fiscal.
Por outro lado, a Impugnante logrou demonstrar que em 2011 foi ainda contratado um terceiro trabalhador, «CC», também em condições elegíveis, já que tinha 26 anos (considerando o seu nascimento a ../10/1985) e foi celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado. Assim, em 2011, a Impugnante contratou 3 trabalhadores, elegíveis para efeitos do benefício fiscal previsto no artigo 19.º, n.º 1, do EBF.
Todavia, a Impugnante não demonstrou que o trabalhador «AA», admitido em 2009, esteve ao seu serviço durante todo o ano de 2011, já que, como vimos, este trabalhador não figura na declaração de remunerações de dezembro de 2011, apresentada pela Impugnante à Segurança Social.
Assim sendo, no ano de 2011, a Impugnante contratou 3 trabalhadores elegíveis para efeitos do benefício fiscal previsto no art.º 19º do EBF («EE», «FF» e «CC»), mas, nesse mesmo ano, saíram da Impugnante dois trabalhadores («GG» e «AA»), que, à data da admissão, se encontravam nas mesmas condições. Neste contexto, aplicando a fórmula prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 19º do EBF, conclui-se que no ano de 2011 a criação líquida de postos de trabalho para jovens foi de um posto de trabalho, contrariamente ao que resulta do relatório de inspeção, onde se concluiu que não ocorreu qualquer criação líquida de postos de trabalho.»
Subleva-se com o assim decidido a Recorrente [conclusões G. a N. das alegações], que AT não exerceu o ónus de impugnação sobre o facto constante do artigo 40º da petição (que o trabalhador «AA» esteve ao seu serviço durante todo o ano de 2011) o qual deveria ter sido admitido, e que mesmo que assim não se entenda o doc. 22 «folha de remunerações» por si junto com a p.i. se mostrava incompleto, o que deveria ter sido suprido oficiosamente ao abrigo do princípio do inquisitório.
Por último, proclama a supressão dos elementos em falta, por via do Doc. n.º 1 cuja junção requer nesta sede recursiva e, consequentemente ser reconduzido aos factos provados o item 2) dos factos não provados.
Vejamos.
Desde logo, se dirá que resulta da lei (cf. artigo 110º, nº.6, do CPPT) a inexistência do ónus de impugnação especificada face à Fazenda Pública, contrariamente ao que se passa no processo civil (cf. artigo 574º, do CPC).
Por outro lado, do mesmo preceito se deve retirar a regra da livre apreciação, pelo Tribunal, da falta de contestação especificada dos factos alegados pelo impugnante.
Do exposto falece o alegado nas conclusões H. e I. das alegações.
Mas terá ocorrido violação do principio do inquisitório ou da investigação pelo Tribunal a quo? Nos termos aclamados nas conclusões J. a M. das alegações.
Por força do, n.º 1 do artigo 13.º do CPPT incumbe aos juízes dos tribunais tributários a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer.
O n.º 1 do artigo 99.º da LGT preceitua que “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigure úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.”
Estes normativos consagram o princípio da investigação ou do inquisitório, que consiste no poder de juiz ordenar as diligências que entender úteis e necessárias para a descoberta da verdade.
Em cumprimento dos mesmos, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados, no entanto não pode substituir-se às partes realizando ele a prova que as partes tinham que produzir.
É que os artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT não descaracterizam nem invalidam, o princípio base do processo tributário do impulso processual, quer do contribuinte/sujeito passivo quer da Fazenda Pública, nomeadamente quanto à prova dos factos que pretendem que o tribunal reconheça.
O princípio do inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, mas move-se dentro dos limites fixados dos factos alegados e do conhecimento oficioso.
Acresce ainda referir que sobre a prova, dispõe o artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Por força do n.º 1 do artigo 74º da LGT, pretendendo a Recorrente fazer prova do Beneficio Fiscal que se arroga, competia-lhe demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito.
Sendo o processo de impugnação, um processo de natureza judicial, as regras aplicáveis em matéria de ónus da prova são as previstas no disposto nos artigos 342.º, e 344.º Código Civil e no artigo 74.º, nº. 1, da LGT, é sobre o impugnante, que pretende fazer prova dos pressupostos de beneficio fiscal que evoca, que recai o ónus de provar se efectivamente os mesmos se reúnem, in casu, de que o trabalhador «AA» esteve ao serviço da recorrente durante todo o ano de 2011.
Para prova do alegado, a Recorrente na petição inicial, juntou 1 documento para prova do alegado, o qual reconhece que se mostrava incompleto. Em 22 de outubro de 2021 teve lugar a diligência de inquirição de testemunhas, sendo que sobre a matéria em questão depôs a testemunha inquirida (vide acta de inquirição) e, notificado para apresentar alegações por escrito, ali faz novamente menção expressa a Impugnante/recorrente aos documentos juntos para prova da majoração por criação liquida de emprego.
Como se vê o Tribunal dentro dos poderes que lhe são conferidos deu lugar à produção de prova requerida e deu oportunidade às partes para alegarem, pelo que recai sobre a Recorrente atentar aos documentos juntos, da sua suficiência e da ocorrência de alguma falta da sua parte como reconhece ter existido.
Atente-se, como já se referiu, que o princípio do inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, mas move-se dentro dos limites fixados nos factos alegados e do conhecimento oficioso, não se podendo o juiz substituir as partes realizando ele a prova que partes tinham que produzir, nomeadamente equacionando que a parte juntou documento de prova incompleto.
Falece, pois, igualmente, este argumento da Recorrente.
Aqui chegados, resta aferir da admissibilidade do documento junto com as alegações de recurso.
É que às suas alegações juntou a Recorrente/impugnante o documento com o qual pretende fazer prova do facto por si alegado no artigo 40º da petição inicial e pelo tribunal a quo julgado como não provado (item 2) da matéria de facto dada como não provada).
Trata-se, sem dúvida, de questão factual cuja decisão tem implicação directa na apreciação do recurso em sede de erro de julgamento de facto, pelo que cumpre atentar prévia e autonomamente à apreciação do erro imputado, da admissão do documento.
Determina o artigo 651.º, n.º 1, do CPC que “[a]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Por sua vez, dispõe-se na norma remetida – o artigo 425.º do CPC – que “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Da leitura articulada destas normas decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.
Como se esclarece no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8.11.2011, Proc. 39/10.8TBMDA.C, relativamente à primeira hipótese, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou – acrescentar-se-ia – ao seu acesso posterior pelo sujeito.
Explica Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra, Almedina, 2018, p. 314, que “[a] superveniência objectiva é facilmente determinável: se o documento foi produzido depois do encerramento da discussão em 1.ª instância, ele é necessariamente superveniente. Portanto, só a superveniência subjectiva pode justificar a admissibilidade da junção”.
Constituem exemplos de superveniência subjectiva o caso em que o documento se encontra em poder da parte ou de terceiro, que, apesar de lhe ser feita a notificação, nos termos do artigo 429.º ou 432.º do CPC só posteriormente o disponibiliza, o caso em que a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente é emitida e o caso de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento [neste sentido cfr. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º - Artigos 362.º a 626.º, Coimbra, Almedina, 2018 (3.ª edição), p. 243].
Em qualquer caso cabe à parte que pretende oferecer o documento demonstrar a referida superveniência, objectiva ou subjectiva.
Mas, não é este o caso dos autos, pois que a junção está sustentada na afirmação de que perante o documento incompleto recaia sobre o Tribunal a quo a obrigação de suprir o lapso em que incorreu a parte, ao abrigo do princípio do inquisitório que lhe está adstrito.
Ora, como vimos in casu foi afastada a existência de qualquer violação do princípio do inquisitório.
Em suma, não é admissível a junção de documentos quando tal junção se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas. É, justamente, este o caso da pretensão da Impugnante/recorrente quando em sede de petição se propôs a provar os pressupostos da majoração por criação liquida de emprego, e da documentação que a Recorrente pretende juntar nesta sede recursiva.
Por outras palavras e sinteticamente: o documento n.º 1 relaciona-se com factos que a Recorrente alegou em sede de petição e tinha consciência de que estavam sujeitos a prova, pelo que não pode agora alegar e pretender que a junção nesta sede recursiva tem de ser autorizada à luz do principio do inquisitório que impunha que o juiz de 1ª instância tivesse exigido a sua junção aos autos.
Termos em que se impõe concluir não ser de admitir a junção aos autos do referido documento e, consequentemente improcede o recurso no segmento dirigido à correcção da majoração por criação liquida de emprego no que concerne a um dos postos de trabalho que foi considerada manter pelo Tribunal a quo.
2.2.3. Da ilegalidade da tributação autónoma de encargos com viaturas ligeiras de passageiros
Por último alega a Recorrente que não pode aceitar que os encargos por si contabilizados “(...) com viaturas estejam sujeitos a tributação autónoma, porquanto estes encargos com viaturas ligeiras de passageiros foram debitados a terceiros, e decorreram do uso de viaturas pertencentes a outras sociedades, com as quais a recorrente tem relações especiais”, argumenta ainda, sem qualquer apoio em documentos, prova testemunhal ou outra, que “Deveria ter sido dado como provado que todas estas despesas foram faturadas pela Recorrente a essas mesmas sociedades as quais suportavam efetivamente os referidos encargos”, para culminar a sua divergência com o julgado com a conclusão de que “A tributação autónoma só tem lugar relativamente a gastos que hajam sido deduzidos para efeitos fiscais, tanto que a Recorrente, em virtude da não dedução destes gastos, viria a pagar um valor acrescido de IRC./ Em face do disposto no artigo 88.º, n.º 3, do CIRC, a Recorrente não podia, de forma alguma, estar sujeita à tributação autónoma.”.
Atentemos, na fundamentação de direito vertida sobre a ilegalidade das correcções operadas em sede de tributação autónoma de encargos com viaturas ligeiras de passageiros:
«Finalmente, a Impugnante insurge-se contra a correção de € 1 957,15 a título de tributações autónomas, respeitantes a encargos com viaturas ligeiras de passageiros no montante de € 19 571,00, sustentando que estas viaturas pertenciam a duas sociedades com as quais tinha relações especiais e que os gastos com as mesmas, apesar de lançados na contabilidade da Impugnante, não foram considerados para efeitos fiscais, já que as despesas imputáveis a viaturas não afetas ao seu uso foram acrescidas no cálculo do seu lucro tributável.
Vejamos.
De acordo com o disposto no art.º 88º, n.º 3, do CIRC, são tributados autonomamente à taxa de 10% os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjetivamente e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja igual ou inferior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 34º, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica.
É consabido que as tributações autónomas visam “desincentivar, por razões de política extra-fiscal, certas despesas que são reputadas socialmente como inconvenientes e desincentivar despesas normalmente associadas a comportamentos evasivos ou mesmo fraudulentos” (neste sentido, veja-se o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 24/03/2021, processo 021/20.7BALSB).
No caso concreto da tributação autónoma dos encargos com viaturas, a mesma é independente da dedução ou não dos aludidos encargos, sendo que, nos casos em que os gastos não são dedutíveis, a tributação autónoma funciona como penalização (neste sentido, Helena Martins, “O imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas”, in AAVV, Lições de Fiscalidade, Vol. I., coord. João Ricardo Catarino/Vasco Branco Guimarães, 2.ª edição, Almedina, 2013, p. 194).
A tributação autónoma dos encargos com viaturas constitui uma tributação sobre a despesa e não sobre o rendimento, que visa evitar que, através de tais encargos, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, bem como combater a fraude e a evasão fiscal, uma vez que existe dificuldade em diferenciar a esfera profissional da esfera privada do sujeito passivo, existindo uma responsabilização por parte de quem assume as despesas.
Ademais, é de sublinhar que a tributação autónoma incide sobre despesas individualmente consideradas, cuja taxa é aplicável a cada uma das despesas, sendo que a operação de liquidação se traduz apenas na agregação, para efeitos de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a tributação autónoma. Está em causa uma obrigação única, pois a tributação incide sobre factos tributários instantâneos e autónomos (despesas).
Retornando ao caso concreto, constata-se que a Impugnante discorda da tributação autónoma no valor de € 1 957,14 €, resultante da aplicação do art.º 88º, n.º 3, do CIRC, argumentando que os encargos em causa foram acrescidos como rendimento de 2011.
Porém, na perspetiva da Autoridade Tributária, vertida no relatório de inspeção, a sujeição a tributação autónoma dos encargos suportados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas não é influenciada pela subsequente repercussão desses encargos a terceiros, ao contrário do que sucede com os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, em que a faturação desses encargos a clientes leva à exclusão da sujeição a tributação autónoma, nos termos do art.º 88.º, n.º 9, 1.ª parte, do CIRC.
E tem razão a Autoridade Tributária, na medida em que o legislador diferenciou, sem margem para dúvidas, o regime de tributação autónoma aplicável aos encargos suportados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, daquele que é aplicável aos encargos relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, não prevendo para aqueles encargos (com viaturas) a possibilidade de afastamento da tributação autónoma mediante a faturação (repercussão) desses encargos aos clientes.
Nesta conformidade, é de concluir que os encargos contabilizados pela Impugnante com viaturas, no montante de € 19 571,00, estão sujeitos a uma tributação autónoma no valor de € 1 957,15, independentemente da repercussão daqueles encargos a terceiros, improcedendo, também nesta parte, a presente impugnação.» (fim de citação)
A Recorrente por via do presente recurso não impugna ou ataca os fundamentos expressos na decisão recorrida neste segmento, ferindo ou abalando o discurso lógico e assertivo transcrito. Atente-se que a Recorrente genericamente em três conclusões (P. a R.) revisita os fundamentos que havia apresentado em de sede de petição (itens 50 a 66), sem substanciar a razão pela qual entende que a decisão recorrida errou ao considerar que os encargos contabilizados com viaturas estão sujeitos a uma tributação autónoma, a exigir uma reapreciação a essa luz pelo Tribunal ad quem.
Assim sendo, e em face do exposto, há que concluir que a sentença sob recurso neste segmento é de manter.
2.3. Conclusões
I. O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram.

II. Contudo, esse princípio deve ser conciliado com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), de modo a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios tendentes a manipulá-los.

III. Resulta da lei (cf. artigo 110º, nº.6, do CPPT) a inexistência do ónus de impugnação especificada face à AT, contrariamente ao que se passa no processo civil (cf. artigo 574º, do CPC). Do mesmo preceito se deve retirar a regra da livre apreciação, pelo Tribunal, da falta de contestação especificada dos factos alegados pelo impugnante

IV. O princípio da investigação ou do inquisitório, consiste no poder do juiz ordenar as diligências que entender úteis e necessárias para a descoberta da verdade. O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados, no entanto não pode substituir-se às partes realizando ele a prova que as partes tinham que produzir.

V. Em sede de recurso, apenas é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva).

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, anula-se a liquidação impugnada, na parte correspondente à correcção da dedutibilidade para efeitos fiscais do gasto correspondente à factura emitida em 04/10/2010 pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, para além do mais já determinado em 1º instância, e confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida no mais.
Custas pela Recorrente e Recorrida nesta instância na proporção do decaimento, que se fixa em 80% e 20% respectivamente (não sendo devida taxa de justiça pela Recorrida AT pelo presente recurso, por nele não ter contra-alegado.
Custas pela Impugnante e pela Fazenda Pública, em 1ª instância na proporção do decaimento, que se fixa em 20% e 80%, respectivamente.

Porto, 23 de novembro de 2023

Irene Isabel das Neves
Celeste Oliveira
José Coelho