Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00010/00 - PORTO
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/18/2009
Relator:Aníbal Ferraz
Descritores:IRS - ACTO ISOLADO COMERCIAL
Sumário:1. Para o ano de 1994, prescrevia o art. 4.º n.º 2 al. g) CIRS serem de considerar rendimentos comerciais e industriais, enquadráveis na categoria C do tributo em causa, “Os provenientes de actos isolados de natureza comercial ou industrial não compreendidos noutras categorias”.
2. A legislação tributária não fornece, não densifica, um conceito de acto de natureza comercial ou industrial. Assim, “na falta de um(a) definição legal do conceito de actividade comercial ou industrial, para efeitos tributários, tem vindo a doutrina e a jurisprudência a entender como aplicável o conceito económico de comércio e indústria, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividades de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros”.
3. Olhando para a previsão do n.º 1 do mesmo art. 4.º CIRS, presente a enumeração exemplificativa de actividades comerciais e industriais concretizada nas suas diversas alíneas, será legítimo concluir que sendo uma concreta actividade comercial e industrial no âmbito do direito comercial, igualmente, revestirá essa dúplice natureza no campo do direito fiscal, ressalvada a hipótese de existir norma tributária que, expressa ou implicitamente, a exclua. Esta conclusão, contudo, não afasta a possibilidade de, fiscalmente, se qualificarem como comerciais e industriais, actividades que não o são para efeitos jurídico-comerciais.
4. Não se olvide, ainda, que a inclusão de rendimentos empresariais na categoria C do IRS exige o afastamento da possibilidade de englobamento noutras categorias e que não podem constituir rendimentos de natureza comercial ou industrial actos de gestão de um património privado, já que, inequivocamente, os rendimentos mencionados no n.º 1 do art. 4.º CIRS respeitam a verdadeiras actividades.
5. A referência a acto isolado de natureza comercial não corresponde a uma remissão, obrigatória, para a noção de acto de comércio, inscrita no art. 2.º Cód. Comercial, encerrando, sim, a ideia de acto não inserido em qualquer actividade, mas, caso o fosse, originaria uma actividade comercial ou industrial.
6. Para caracterizar, convenientemente, um acto isolado como comercial, torna-se necessário encontrar-lhe subjacente, ainda que de forma indiciária, a intenção de exercer uma actividade de natureza comercial, com o móbil de obter um ganho.
7. Mostra-se, pois, decisiva, a exigência do desempenho de actividades, actuações de determinado cariz, em que se confere o denominador comum da adição, da promoção, do incremento de valor, de novedias potencialidades, acrescendo a prossecução de uma finalidade especiosa, de um objectivo marcado e inequívoco, o percebimento de lucro, a busca de aumento patrimonial.
8. Em termos lineares, para afirmar a presença de um acto isolado com natureza comercial, em cédula de IRS, não basta o apuramento contabilístico de lucro, sendo necessário que tal ganho seja, em alguma medida, resultado, efeito, de actividades capazes de promoverem um aumento do valor inicial das realidades envolvidas.
9. Na situação sub judice, para poder funcionar a incidência do versado art. 4.º n.º 2 al. g) CIRS, teria de concluir-se que o impugnante marido, entre o momento em que adquiriu, mediante cessão, os créditos bancários sobre a Metalurgia Casal, S.A. e aquele em que os alienou/cedeu, actuou de molde a valorizá-los, a potenciar as suas utilidades e valências, com o fito de alcançar a maior disponibilidade financeira possível.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
I
ANTÓNIO e esposa DULCE , contribuintes n.º e , com os demais sinais dos autos, deduziram impugnação judicial contra liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, relativa ao ano de 1994.
No Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, foi proferida sentença que julgou esta impugnação improcedente, mantendo a liquidação efectuada, decisão que os impugnantes questionam no presente recurso jurisdicional, cuja alegação rematam com as seguintes conclusões: «
A. A liquidação adicional de IRS n.º 5322134086, relativa ao ano de 1994, padece de vício de violação de lei por de falta de fundamentação, por errónea quantificação e por errónea qualificação.
B. Os factos dados como provados na douta sentença em recurso não são susceptíveis de afastar estes vícios, sendo que os documentos juntos pelos recorrentes e os testemunhos prestados não foram suficientemente ponderados.
C. O direito à fundamentação tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (art.° 268° CRP) e não foi devidamente acautelado na liquidação adicional em apreço porque a nota de fundamentação notificada aos recorrentes, mais não é do que um acto consequente de um outro relatório, a que estes não tiveram acesso.
D. Os requisitos da fundamentação suficiente não podem ser preenchidos tendo por referência a fundamentação do relatório de inspecção de uma entidade terceira, como acontece na liquidação em crise.
E. Deve ainda constar do probatório que a fundamentação notificada aos recorrentes foi exclusivamente a constante do documento 4 junto com a petição inicial.
F. A inerente nulidade da notificação, que resulta de deficiente fundamentação, foi declarada na douta sentença e tem por consequência necessária a caducidade da liquidação de IRS de 1994, cujo reconhecimento se requer.
G. Acresce que, esta fundamentação é obscura e insuficiente porque os recorrentes não tiveram acesso aos elementos factuais que constituem pressuposto do facto tributário, nem ao enquadramento legal do alegado rendimento.
H. Os recorrentes não tiveram hipótese de conhecer o relatório, nem a Administração Fiscal lhe deu grande relevância, dado que o mesmo não foi junto em sede instrutória nem da presente impugnação, nem da reclamação graciosa.
I. Nestes termos, os recorrentes não ficaram, no momento devido, na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, ou seja, não lhes foi dada, ainda que de forma sucinta, nota do “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido para a tomada da decisão, o que inviabilizaria a análise da decisão e a ponderação que consistiria em conferir a esta o seu acordo, não fossem as conjecturas elaboradas, mas nunca confirmadas.
J. Apesar das dificuldades suscitadas pela falta de fundamentação, daquilo que é possível apreender, os recorrentes não se conformam com a fixação do rendimento em 204.798.340$00, para o ano de 1994, na medida em que suportaram o valor da cessão de créditos (71.856.424$00) e foram reembolsados pela Metalurgia Casal, SA (132.638.622$00), de onde resulta um rendimento admitido, para o ano de 1993, de 60.779.198$00.
K. Assim terá de ser, na medida em que não resulta provado que os recorrentes tenham auferido os rendimentos que lhe são imputados na douta sentença como percepcionados em 30.06.01994 e 12.01.1994.
L. Ora, o ónus da prova da matéria subjacente à existência do facto tributário cabe à Administração Fiscal, contudo, compulsados os autos, não resulta a mínima evidência da percepção pelos recorrentes destes fluxos financeiros vultuosos.
M. Aliás, da decisão da reclamação graciosa consta que “o reclamante não demonstrou não ter recebido as quantias mencionadas” o que espelha uma inversão do ónus da prova violadora dos mais elementares princípios de direito.
N. A Administração Fiscal limitou-se a presumir rendimentos, baseando-se na contabilidade de terceiros - a cujo controlo os recorrentes são absolutamente alheios -, e esquivando-se a juntar qualquer documento, o que é manifestamente insuficiente como fundamentação da liquidação.
O. Os recorrentes, postos perante a necessidade de se defender de tal injustiça, tentaram investigar (embora sobre eles não impendesse tal ónus) que operações teriam ocorrido nas datas supra citadas.
P. Conseguiram recolher elementos pertinentes, que foram juntos aos autos - fls. 159 a 163 e 187 - que foram totalmente ignorados em sede probatória e no segmento decisório, com o que não se conformam os recorrentes.
Q. No que se refere à data de 30.06.1994, descobriram que na empresa Metalurgia Casal, SA a conta de Credores por Cessão de Créditos foi erradamente utilizada em vez da conta Clientes Conta Corrente para relevar contabilisticamente um pagamento por transferência de idêntico montante, cfr. documentos de fls. 159 a 162 (46.775.000$00=5.355.000$00x5).
R. Quanto à data de 12.01.1994, a Casal Iniciativas, SGPS, SA praticou um erro grosseiro ao confundir o conceito de custo de aquisição com o conceito de valor nominal, assumido a fls. 163, sendo que a administração daquela empresa entendeu não ser oportuno corrigir o erro logo que detectado por poder ter efeitos perniciosos na negociação com outros credores (nota de serviço de fls. 87 dos autos).
S. Estes factos não mereceram menção nem na nota de fundamentação (nem, tanto quanto é possível saber no relatório da IGF) ou na douta sentença, mas o certo é que dos autos não constam documentos subjacentes aos lançamentos contabilísticos de onde deveria decorrer a prova do facto tributário.
T. Por fim, no que respeita à errónea qualificação do rendimento, a única coisa que resulta da fundamentação é que estamos diante de rendimentos enquadrados no art.° 4°, n.° 2, g) do CIRS.
U. Nada se sabe sobre as motivações que levam a reputar este alegado rendimento de comercial, sendo certo que a factualidade alegada e provada quanto às circunstâncias que rodearam o negócio não foram dignas de referência na douta sentença.
V. Ainda assim, destes elementos resulta que o negócio existente não preenche os conceitos de acto comercial objectivo ou de acto comercial subjectivo.
W. Quanto ao enquadramento dos montantes (não obtido), os mesmos foram enquadrados na categoria C, rendimentos comerciais, mais concretamente como acto isolado.
X. No entanto, este acto isolado tem de se subsumir a uma qualquer regra de incidência, mas não está entre as hipóteses previstas nas alíneas do art.° 4° do CIRS.
Y. O rendimento obtido na sequência de cessão de créditos, em abstracto poderia integrar a categoria E, rendimentos de capital, ou a categoria G, mais-valias, pelo que deveria estar previsto no art.° 6° ou 10º. Porém, da sua análise resulta uma situação de não sujeição.
Z. Nestes termos, não existe norma legal que integre este rendimento, sendo que a força atractiva da categoria C só pode operar quando o rendimento se encontre sujeito noutra categoria de rendimento e possa ser caracterizado como comercial, o que manifestamente não é o caso dos autos.
AA. Ao decidir de forma diferente, a douta sentença recorrida violou o disposto nos art.°s 82° do CPT, 125° do CPA, 268° da CRP, 4°, n.° 2, g) do CIRS.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida com fundamento em vício de violação de lei por de falta de fundamentação, por errónea quantificação e por errónea qualificação. »
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Não há registo da apresentação de contra-alegações.
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A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta avança, entender o MP, que se deve negar provimento ao recurso, com manutenção na ordem jurídica da sentença recorrida.
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Apostos os vistos de lei, compete conhecer.
*******
II
Mostra-se consignado, na sentença: «
III. FACTOS PROVADOS
Compulsados os autos e vista a prova produzida, dão-se como provados seguintes factos:
1 - Em 18 de Outubro de 1996, a Inspecção-Geral das Finanças procedeu, ao abrigo do artigo 13º do Decreto-Lei nº. 353/89, de 16 de Outubro, a um exame à escrita da empresa CASAL INICIATIVAS E INVESTIMENTOS - SGPS, S.A., conforme documento de fls. 280 a 307 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
2 - As conclusões do exame referido na sobredita alínea constam do relatório nº. 55/IE (NIP) /96, cuja cópia faz fls. 280 a 307 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3 - Tendo por base tais conclusões, a Administração Fiscal procedeu à correcção ao rendimento global declarado pelo impugnante de Esc. 2.528(82).660$00 para 207.327(237).000$00, correcção essa, resultante do acréscimo da quantia de Esc. 204.798.340$00 a título de rendimentos comerciais não declarados pelo impugnante, o que originou um valor a pagar no montante 118.287.408$00, conforme documento de fls. 21 e 48 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
4 - A nota de fundamentação das correcções efectuadas é a que consta de fls. 48 autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
5 - Em 26 de Novembro de 1998, o impugnante deduziu reclamação graciosa do acto de liquidação de IRS nº. 5322134086, de 08.07.98, no montante de 118.287.408$00, conforme documento de fls. 23 a 37 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
6 - Por despacho do Chefe de Finanças do 1º Serviço de Finanças do Porto, por delegação do Director Distrital de Finanças do Porto, foi deferida parcialmente a reclamação apresentada pelo impugnante, conforme documento de fls. 40 e 41 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7 - O impugnante foi notificado do dito despacho em 19 de Setembro de 1999, conforme documento de fls. 39 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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IV. FACTOS NÃO PROVADOS
Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação judicial admitida liminarmente, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
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V. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal efectuou-se com base no exame do teor dos documentos e certidões, que dos presentes autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. »
*
Os Recorrentes/Rtes, nos moldes sintetizados nas conclusões B., E., G., H., K. e P. a S., põem, nitidamente, por diversos ângulos, em causa o julgamento de facto vindo de reproduzir, pelo que, a avaliação das suas razões consubstancia a primeira questão que temos de solucionar.
Independentemente dos específicos pontos problematizados, ocorrendo, por exemplo, que o aspecto focado na conclusão E. já se nos apresenta reflectido no item 4 dos factos provados, condicionados pelas demais questões que, rapidamente, conseguimos vislumbrar no apelo dos Rtes, com, impressivo e determinante, destaque para o apontamento de errónea qualificação do rendimento sujeito a tributação, a título de IRS, julgamos de primordial e relevante importância, em singelo, por ora, a coberto do disposto no art. 712.º n.º 1 al. a) CPC, aditar o quadro factual acima exposto do seguinte:
8 - Do relatório identificado no ponto 2, entre o mais, consta: «
3.3. Empréstimos concedidos
No exercício da sua actividade, a CASAL INICIATIVAS E INVESTIMENTOS concedeu crédito às suas participadas que no fim dos anos abaixo indicados apresentavam os saldos seguintes (em contos):
Participadas 1992 1993 1994 1995
LIMEQ -Lab. Inv. Met. Qual. Amb. 23.359 (536) 3.777 3.777
H. Brandão, Lda. - 1.003 1.027 1.027
Metalurgia Casal, SA. (5) (5) 454.458 544.843
23.354 462 459.262 549.647

Em anexo a fls. 97/106, apresentam-se extractos das respectivas contas-correntes onde é feita a discriminação dos movimentos ocorridos nas mesmas, bem como fotocópias dos mais significativos documentos de suporte (vd. fls. 53/96).
No que diz respeito aos créditos concedidos à sociedade H. Brandão, Lda, os mesmos encontravam-se abrangidos pela primitiva redacção da alínea f) do n°. 1 do art°. 5°. do D.L. n°. 495/88, de 30 de Dezembro e actualmente pelo previsto na alínea c) do n°. 1 do art°. 5°. do mesmo diploma legal, na redacção estabelecida pelo D.L. n°. 318/94, de 24 de Dezembro, dada a circunstância de se tratar de uma sociedade dominada pela SGPS.
O mesmo não acontece quanto aos créditos sobre a LIMEQ e a Metalurgia Casal, SA.
Tendo em conta o referido em 3.1 quanto à nulidade das aquisições das quotizações da LIMEQ, conclui-se que o crédito concedido a essa associação em 30.12.1994, na quantia de 4.313.074$00, constitui um acto ilícito por se tratar de entidade não abrangida pela alínea c) do n°. 1 do art°. 5 do D.L. n°. 495/88, o que constitui contra-ordenação prevista e punida pelo nº. 1 do art°. 130. do mesmo diploma legal.
Quanto aos créditos sobre a Metalurgia Casal, SA, de cujo capital a SGPS apenas detém 100 acções, cada uma com o valor nominal de 1.000$00, representando 0,083(3)% do respectivo capital social de 120.000 contos, consubstanciam, também, a prática de actos ilícitos.
Embora, actualmente, esta participação seja legalmente detida ao abrigo do previsto na alínea a) do n°. 3 do art°. 3º. do D.L. n°. 495/88, de 30 de Dezembro, de acordo com o estabelecido na alínea c) do n°. 1 do art°. 5º. deste mesmo diploma legal é vedado conceder crédito a estas sociedades em que a SGPS detém uma pequena parcela do respectivo capital social.
Apesar disso, a CASAL INICIATIVAS E INVESTIMENTOS, SGPS, SA, contabilizou créditos sobre a METALURGIA CASAL, SA, nas datas e montantes que a seguir se discriminam (vd. fls. 71, 81/85 e 98/99):
Datas Valores
12.01.1994 456.963.743$90
15.05.1995 2.714.048$00
16.05.1995 426.374$00
30.05.1995 116.226.379$00
30.05.1995 2.287.674$00

O primeiro valor antes referido resultou de uma cessão de crédito à SGPS efectuada por Manuel e António , ocorrida em 12.01.1994 (vd. fls. 71/75).
Dado tratar-se de créditos hipotecários (vd. fls. 107/119), atento o disposto no n.º 2 do art.º 578.º do Código Civil, que exige para a cessão de créditos hipotecários, a respectiva formalização através de escritura pública, pode concluir-se que esta cessão de créditos a favor da CASAL, SGPS, está afectada pelo vício de nulidade nos termos do artigo 220.° daquele Código.
Mesmo a ser válida, a aquisição efectuada pela CASAL INICIATIVAS E INVESTIMENTOS, SGPS, do crédito que Manuel e António detinham sobre a sua participada METALURGIA CASAL, não pode ser qualificada como mera concessão de crédito a favor desta última sociedade.
A haver concessão de crédito, esta ocorreu no momento em que foi disponibilizada determinada quantia favor da METALURGIA CASAL, pelo que não pode considerar-se como tal a cessão de crédito operada pelo contrato celebrado entre aqueles dois indivíduos com a SGPS.
Daí que não deva ser analisada a sua conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 5.° do D.L. n.º 495/88, de 30 de Dezembro.
Por ter concedido crédito (em Maio de 1995) não permitido pela alínea c) do n°. l do art°. 5°. do D.L. n°. 495/88, a SGPS cometeu contra-ordenações puníveis pelo nº. 1 do art°. 13º. do mesmo diploma legal.
A empresa também não deu cumprimento ao estipulado no n.º 4 do art.º 5.° do D.L. n.º 495/88, já que nos documentos de prestação de contas dos anos de 1994 e 1995, não mencionou, de forma individualizada os contratos de concessão de crédito nem indicou os respectivos saldos no fim dos mesmos anos civis (vd. fls. 120/138).
O não cumprimento dessa disposição, constitui contra-ordenação prevista e punida nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 13.° do D.L. n.º 495/88, de 30 de Dezembro.
(…).
5.3. Rendimentos comerciais sujeitos a IRS
De acordo com o referido em 3.3, António , contribuinte , morador na Rua Matias de Albuquerque, 42, 2.° esquerdo, no Porto e Manuel , contribuinte , morador na Rua Duarte Barbosa, 368, 4.° ­E, no Porto, cederam à CASAL INICIATIVAS E INVESTIMENTOS, SGPS, SA, em 12.01.1994, um crédito de 456.963.743$90 (vd. fls. 72).
Este valor constituía parte do crédito de 785.706.073$90, sobre a METALURGIA CASAL, SA, adquirido pelos mesmos a diversos bancos, em 16.07.1993, pelo preço de 143.716.847$60 (vd. fls. 107/119).
Na escrita da Metalurgia Casal, em 30.11.1993, os valores desta cessão de créditos foram transferidos para a conta 26849 - Credores por cessão de créditos, pela quantia de 769.015.988$00 (vd. fls. 149/153). Tendo os novos credores recebido da Metalurgia Casal, 265.277.241$10 no ano de 1993 e 46.775.000$00 no ano de 1994, resulta um saldo actual de 456.963.743$90, que foi cedido à SGPS (vd. fls. 149/160).
É intenção da SGPS utilizar o crédito actual de 456.963.743$90 para aumento de capital social da empresa devedora.
Resulta do exposto que os dois adquirentes do crédito obtiveram um rendimento de 625.299.140$40 - a distribuir na proporção de 312.649.570$20 para cada um - que face ao disposto no art.º 4.º n.º 2 alínea g) do Código do IRS constituem rendimentos da categoria C e como tal são de incluir nas declarações modelo 2 do IRS, dos respectivos titulares.
Caso tal procedimento não tenha sido adoptado pelos beneficiários - António e Manuel - tal facto pode consubstanciar a prática do crime de fraude fiscal previsto no artigo 23.º do RJIFNA ou a contra-ordenação prevista no artigo 34.º do mesmo diploma, consoante o que vier a ser apurado no respectivo processo de averiguações.
6. CONCLUSÕES E ENCAMINHAMENTO
6.1. Conclusões
O exame efectuado, cujas verificações mais importantes constam do presente relatório, permite-nos referir as seguintes conclusões principais:
(…).
j) Em resultado das verificações efectuadas à situação fiscal do contribuinte, conclui-se que:
(…);
3. a CASAL INICIATIVAS E INVESTIMENTOS, SGPS, SA, obteve crédito dos seus accionistas sendo estas operações passíveis de enquadramento no âmbito do art°. 54 da Tabela Geral do Imposto do Selo, pelo que sendo beneficiária dos respectivos financiamentos deveria ter procedido ao pagamento daquele imposto. Nos anos abaixo indicados, o imposto em falta atinge os montantes seguintes: (…).
4. os dois adquirentes - António e Manuel - de um crédito sobre a Metalurgia Casal obtiveram um rendimento sujeito a IRS categoria C, no montante de 312.649.570$20 cada um, que é de incluir nas declarações modelo 2 do IRS, dos respectivos titulares. (…). »
9 - A nota de fundamentação, aludida em 4, ostenta o seguinte teor: «
De acordo com o relatório n.º 55/IE (NIP)/96 elaborado pela Inspecção Geral de Finanças verificamos que o s.p. para além dos rendimentos mencionados nas DR mod 1, auferiu rendimentos comerciais, enquadráveis no art. 4.º n.º 2 alínea g) do Código do IRS, decorrentes de aquisição conjunta com outro s.p. a diversos credores da empresa Metalurgia Casal, SA NIPC 500191905, de créditos no valor de 785.706.073$00 por 143.718.847$00.
Em 30/11/93 conforme descrito no referido relatório receberam da Metalurgia Casal, SA 265.277.244$00.
Em 30/6/94 receberam 46.775.000$00.
Em 12/1/94 cederam por 456.963.743$00 a “Casal Iniciativas e Investimentos - SGPS, SA” (…) os restantes créditos que detinham na Metalurgia Casal, SA perfazendo na totalidade 769.015.987$00, de cuja diferença pelo valor de aquisição resulta o valor de 625.299.140$00, o qual lhe é imputável em 50% e distribuído nos exercícios de 1993 e 1994 (…)
Exercício de 1994: Alienados os restantes créditos 65,5% = 503.738.743$00 - 94.142.063$00 = 409.596.680$00.
50% de 409.596.680$00 = 204.798.340$00.
Assim, apuramos no âmbito da categoria C (…) e no ano de 1994 204.798.340$00.
(…). »
***
Como já deixámos antever, a questão jurídica nuclear, discutida neste processo impugnatório, relaciona-se com a correcta qualificação tributária, em sede de IRS e das diversas categorias por que se exerce a respectiva incidência objectiva, que deve ser conferida a rendimento auferido, pelo impugnante marido, em resultado de aquisição e sequente alienação/cedência de créditos.
Historiando, no decurso do ano de 1993, concretamente, mediante escritura pública outorgada em 16.7.1993, o impugnante e outro indivíduo adquiriram, por via de cessão de créditos, junto de várias instituições financeiras, a totalidade do passivo bancário da sociedade Metalurgia Casal, S.A., que, à data, se cifrava em 785.706.073$90 Registe-se que este, como os valores seguintes, constante do relatório da IGF, apresenta insignificante diferença, com relação ao que figura na nota de fundamentação das correcções efectuadas aos rendimentos dos impugnantes., pelo preço de 143.716.847$60. Seguidamente, com registo datado de 30.11.1993, na escrita da Metalurgia Casal, foi a conta 26849 - Credores por cessão de créditos - acrescentada pela quantia de 769.015.988$00, em resultado da transferência dos valores da cessão de créditos bancários, tendo os cessionários (impugnante e outro) recebido, da sociedade, as importâncias de 265.277.241$10 em 1993 e 46.775.000$00 no ano de 1994. Por fim, a quantia remanescente de 456.963.743$90 (769.015.988$00 - [265.277.241$10 + 46.775.000$00]) foi cedida Na perspectiva da administração tributária/AT essa cessão processou-se pelo valor em causa, enquanto, na versão do impugnante, tal operação ter-se-á efectivado pelo montante simbólico de 1.000$00., pelo impugnante e outro, à Casal Iniciativas e Investimentos, SGPS, S.A. Em presença deste cenário, a administração tributária/AT entendeu, então, que o impugnante marido e o outro indivíduo haviam obtido, nos anos de 1993 e 1994, um rendimento de 625.299.140$40 (312.649.570$20 cada), correspondente à diferença entre o valor da alienação dos créditos à Metalurgia Casal (769.015.988$00) e o valor da compra dos mesmos aos bancos (143.716.847$60), o qual, face ao estatuído no art. 4.º n.º 2 al. g) CIRS, constituía rendimento da categoria C deste tributo. Outrossim, como resulta da nota de fundamentação das correcções - item 9, para o ano de 1994, com relação aos impugnantes, na mesma e unívoca lógica, apurou-se, no âmbito da categoria C, o rendimento total de 204.798.340$00.
Para além deste lacónico enquadramento legal, por parte da AT, sob o mesmo prisma, a sentença recorrida, versando a crítica dos impugnantes, no sentido de que os rendimentos subjacentes à liquidação impugnada não eram subsumíveis àquela previsão normativa, perfilhando entendimento veiculado pelo MP, limitou-se a expender: «
“(…). Efectivamente, a alínea g), agora h), considera rendimentos comerciais os provenientes de actos isolados de natureza comercial ou industrial não compreendidos noutras categorias. O facto de se falar aqui de acto isolado de natureza comercial não deverá ser entendido como remetendo para a opção juscomercialista de acto de comércio constante do art. 2 do C. Comercial, mas antes como referindo-se a um acto não inserido em qualquer actividade comercial ou industrial. ... No caso o acto é isolado e é, para este efeito fiscal, comercial, já que a ele subjaz intuito lucrativo, intenção de revenda, corporizada logo a seguir...” ».
Posto isto, restringindo o âmbito da questão inicialmente enunciada, agora, podemos, em função do concreto enquadramento legal avançado pela AT, acolhido e reafirmado por parte da sentença aprecianda, delimitar como questão a solucionar prioritariamente, saber se, para o ano de 1994, o apurado rendimento total de 204.798.340$00 Esta menção não constitui julgamento, da nossa parte, quanto à disputa sobre a quantificação em causa, traduzindo apenas, neste ponto da exposição, um elemento de sentido neutro, adjuvante no raciocínio a desenvolver., apontado como auferido pelos impugnantes, por isso, acrescido aos rendimentos declarados, com a inerente alteração do conjunto dos seus rendimentos líquidos, pode e deve ser abrangido pela previsão do art. 4.º n.º 2 al. g) CIRS, que, nesse ano, prescrevia terem de considerar-se rendimentos comerciais e industriais, enquadráveis na categoria C do tributo em causa, “Os provenientes de actos isolados de natureza comercial ou industrial não compreendidos noutras categorias”.
Assim, importa, antes de ditar o veredicto, proceder à delimitação do espectro normativo deste comando legal, atentando na especial particularidade de estarmos em presença de típica norma de incidência fiscal, inquestionável e necessariamente, sujeita ao princípio da legalidade tributária “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.” – art. 103.º n.º 2 CRP..
Como se colige no Ac. STA de 2.2.2005, rec. 371/04-30 No sítio, www.dgsi.pt., a legislação tributária não fornece, não densifica, um conceito de acto de natureza comercial ou industrial. Assim, “na falta de um(a) definição legal do conceito de actividade comercial ou industrial, para efeitos tributários, tem vindo a doutrina e a jurisprudência a entender como aplicável o conceito económico de comércio e indústria, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividades de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros. Neste sentido, pode ver-se Teixeira Ribeiro, in Incidências da Contribuição Industrial, publicado no Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. XLI (1965), pág. 2 e Vítor Faveiro, in Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, II vol., pág. 476 e Acórdãos desta Secção do STA de 4/12/91, in rec. nº 13.398; de 1/4/98, in rec. nº 20.832 e de 3/5/00, in rec. nº 22.608”.
Alargando a objectiva de análise, olhando para a previsão do n.º 1 do mesmo art. 4.º CIRS, presente a enumeração exemplificativa de actividades comerciais e industriais concretizada nas suas diversas alíneas, será legítimo concluir que sendo uma concreta actividade comercial e industrial no âmbito do direito comercial, igualmente, revestirá essa dúplice natureza no campo do direito fiscal, ressalvada a hipótese de existir norma tributária que, expressa ou implicitamente, a exclua. Esta conclusão, contudo, não afasta a possibilidade de, fiscalmente, se qualificarem como comerciais e industriais, actividades que não o são para efeitos jurídico-comerciais, parecendo residir na ideia, no conceito, de empresa, enquanto, lato sensu, organização de pessoas e capital que persegue determinado fim de matriz económica, tendencialmente, lucrativo, o elemento decisivo e preponderante no estabelecimento de uma noção válida, actuante, sob o ponto de vista tributário, de actividade comercial e industrial. Não se olvide, em todo caso, que a inclusão de rendimentos empresariais na categoria C do IRS exige o afastamento da possibilidade de englobamento noutras categorias. Outrossim, não podem constituir rendimentos de natureza comercial ou industrial actos de gestão de um património privado, já que, inequivocamente, os rendimentos mencionados no n.º 1 do art. 4.º CIRS respeitam a verdadeiras actividades.
De regresso ao dispositivo legal em foco, importa, ainda, ter presente que a referência a acto isolado de natureza comercial não corresponde a uma remissão, obrigatória, para a noção de acto de comércio, inscrita no art. 2.º Cód. Comercial, encerrando, sim, a ideia de acto não inserido em qualquer actividade, mas, caso o fosse, originaria uma actividade comercial ou industrial. Ou seja, no seguimento da anterior exposição, entre o mais, tem de cogitar-se a hipótese de sermos confrontados com a existência de acto isolado de natureza comercial insusceptível, contudo, de ser qualificado como acto de comércio.
Por fim, para caracterizar, convenientemente, um acto isolado como comercial, torna-se necessário encontrar-lhe subjacente, ainda que de forma indiciária, a intenção de exercer uma actividade de natureza comercial, com o móbil de obter um ganho.
Deste conjunto argumentativo, colhemos, em suma, como decisiva, a exigência do desempenho de actividades, actuações de determinado cariz, em que se confere o denominador comum da adição, da promoção, do incremento de valor, de novedias potencialidades. Acresce a prossecução de uma finalidade especiosa, de um objectivo marcado e inequívoco, o percebimento de lucro Que, para efeitos tributários, corresponde ao resultado da “diferença entre ganhos obtidos e despesas incorridas”., a busca de aumento patrimonial. Particularizando, na situação sub judice, para poder funcionar a incidência do versado art. 4.º n.º 2 al. g) CIRS, terá de concluir-se que o impugnante marido, entre o momento em que adquiriu, mediante cessão, os créditos bancários sobre a Metalurgia Casal, S.A. e aquele em que os alienou/cedeu, actuou de molde a valorizá-los, a potenciar as suas utilidades e valências, com o fito de alcançar a maior disponibilidade financeira possível.
Tornando-se, pois, decisivo, para a tarefa que se segue, perscrutar a intenção que presidiu à prática, pelo impugnante, dos actos que a AT sujeitou a tributação, em IRS, uma primeira constatação relevante emerge dos dados factuais disponíveis. Sem que se lhe aponte o exercício habitual, reiterado, de qualquer actividade no sector financeiro e/ou bancário, o impugnante terá negociado, com os bancos titulares/credores, a totalidade de uma dívida da responsabilidade da sociedade Metalurgia Casal, S.A., com a qual não se conhece alguma ligação estatutária ou profissional, tendo tal negociação culminado com a outorga de uma acordo de cessão de créditos, em que os bancos envolvidos cederam, ao impugnante e outro, os créditos que detinham sobre aquela sociedade, num total de 785.706.073$90, mediante o pagamento da importância, do preço, de 143.716.847$60. Ora, parece-nos seguro e pacífico, com relação a este primeiro momento da negociação em causa, afirmar a ausência de qualquer mínimo indício do exercício, por parte do impugnante, de uma actividade de natureza comercial. Efectivamente, o que, com inequívoca significação jurídica, resulta do circunstancialismo apontado, é a aquisição, nas condições financeiras livremente aceites pelos contraentes Cfr. art. 405.º n.º 1 Cód. Civil., de créditos detidos por bancos sobre uma sociedade comercial, através da celebração de um contrato Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 4.ª edição, Almedina, vol. II, pág. 283. civil de cessão de créditos, instituto previsto e regulado no art. 577.º segs. Cód. Civil. Ressalvado o respeito devido a diverso entendimento, não descortinamos, aqui, qualquer dado seguro que possibilite afirmar, por parte do impugnante, a prática habitual, sistemática, do tipo de negócio ocorrido e, muito menos, que aponte ter o mesmo actuado com indiscutível intenção especulativa, sendo que, não obstante a significativa diferença de valores entre os débitos e o preço pago pela respectiva aquisição, só podemos intuir que os bancos credores reputavam de muito difícil e em grande parte já impossível, a cobrança efectiva junto da sociedade devedora, tendo optado pela solução Venderem créditos por valor muito inferior ao seu valor nominal. que se lhes proporcionou mais célere no recebimento e, economicamente, considerada menos perdedora, desvantajosa, enquanto, por parte do impugnante, na ausência de outros elementos, por exemplo, relacionados com o seu conhecimento da situação económico-financeira da sociedade devedora, apenas podemos vislumbrar a realização de um investimento, a aplicação de capitais próprios.
Num segundo plano do cenário fáctico com que nos confrontamos, somos compelidos a, necessariamente, valorar e retirar eventuais consequências do facto de os cessionários, no contrato acima aludido, impugnante e outro, haverem percebido, nos anos de 1993 e 1994 Embora neste processo só de discuta a legalidade de liquidação relativa ao ano de 1994, por facilidade de raciocínio, dada a similitude, aludimos, também, ao ano de 1993., quantias monetárias Não envolvemos, aqui, a cessão de créditos à SGPS, efectivada em 12.1.1994, porquanto existe divergência quanto ao respectivo valor, sendo que, contudo, por princípio, as conclusões a retirar relativamente aos ocorridos pagamentos se lhe poderão estender., pagas pela sociedade Metalurgia Casal, S.A., a título de aquisição/resgate, por esta, de débitos envolvidos na anterior cessão de créditos bancários. Assim, na esfera patrimonial do impugnante, verificou-se a saída, em 16.7.1993, para pagamento do valor de metade da importância em que se cifrou a cessão inicial de créditos, da quantia de 71.859.423$50 Esta e as quantias referidas adiante são correspondentes às constantes da nota de fundamentação das correcções. (143.718.847$00 : 2) e registou-se a entrada de 132.638.622$00 + 23.387.500$00, num total de 156.026.122$00, equivalente a 50% de 265.277.244$00 + 46.775.000$00, registados como pagos, pela Metalurgia Casal, S.A., aos cessionários. Objectiva e matematicamente, este apontamento numérico confirma que o impugnante, com a actuação focada nestes autos, auferiu um ganho, um aumento do seu património em medida correspondente à diferença positiva entre o que recebeu da sociedade “devedor cedido” e o que gastou para se tornar titular dos créditos que sobre ela detinham os bancos. Sem reservas, podemos mesmo apontar-lhe o encaixe de um lucro, realidade que, como vimos, para efeitos fiscais, equivale ao resultado da “diferença entre ganhos obtidos e despesas incorridas”.
Aqui chegados e detectada a presença de uma actuação lucrativa, poderíamos, se nada mais se questionasse, tal como a sentença recorrida (e, presumivelmente, a AT), ser induzidos a concluir pela prática de um acto isolado de natureza comercial, por ter subjacente “intuito lucrativo, intenção de revenda”.
Ora, como decorre da antecedente colecção de motivos, quando fixámos o campo de relevância normativa do art. 4.º n.º 2 al. g) CIRS, a existência e comprovação de um intuito lucrativo surge, manifestamente, não na condição de elemento único e individualmente determinante, decisivo, mas como o resultado imprescindível de uma actuação mais alargada, pró-activa, objectivando a valorização, o incremento de valor, dos bens transaccionados. Em termos lineares, para se poder afirmar a presença de um acto isolado com natureza comercial, em cédula de IRS, não basta o apuramento contabilístico de lucro, sendo necessário que tal ganho seja, em alguma medida, resultado, efeito, de actividades capazes de promoverem um aumento do valor inicial das realidades envolvidas. É que, se nos bastássemos com o critério singelo da percepção de um ganho, de uma remuneração, seriam enormes e mesmo inultrapassáveis as dificuldades no estabelecimento de uma linha fronteiriça segura para separar e acantonar, em primeira linha, as situações próximas, muitas vezes, interligadas, de incidência para os rendimentos da categoria E (rendimentos de capital) e da categoria G (mais-valias), no ano de 1994, previstas, respectivamente, pelos arts. 6.º e 10.º CIRS.
Na esteira desta forma de entender, in casu, presentes os fundamentos congregados, pela AT, inicialmente, no relatório da Inspecção-Geral de Finanças e, posteriormente, transpostos, sem aditivos, para a nota de fundamentação das correcções ao rendimento tributável pontos 8 e 9 dos factos provados, com facilidade, verificamos a total e completa falta de determinação e alusão a qualquer tipo de actividade, desenvolvida pelo impugnante, no sentido de acrescentar valor aos créditos que adquiriu, aos bancos, por importância muito inferior ao montante dos débitos que incorporavam, para, de seguida, os alienar/ceder por verbas superiores às que teve de desembolsar no momento da cessão dos créditos bancários. Atentando-se no facto de a diligência inspectiva em apreço ter sido dirigida à Casal Iniciativas e Investimentos, SGPS, S.A., pelo que, se confere destaque aos seus registos contabilísticos e à conformidade legal das relações mantidas, entre outras, com a Metalurgia Casal, S.A., no que tange à apresentação de motivos para tributar, em IRS, rendimentos, ditos comerciais, auferidos pelo impugnante, somos confrontados com a simples inclusão de operações matemáticas, demonstrativas de que este e outro obtiveram determinado rendimento correspondente à diferença entre o que pagaram, aos bancos, pela cessão dos créditos e o que receberam da sociedade devedora. Nada se podendo objectar ao raciocínio estritamente aritmético, este exclusivo elemento fundamentador traduz, sem dúvida, o apuramento, possivelmente contabilístico, de um ganho. Contudo, não sendo questionável que o impugnante obteve esse acrescento (basta a diferença entre o que pagou e o que logo recebeu no ano de 1993), os fundamentos coligidos pela AT deixam, totalmente, por elucidar e justificar a qualificação do rendimento correspondente como susceptível de integrar a categoria C do IRS e, em particular, de se reconduzir à previsão do art. 4.º n.º 2 al. g) CIRS. Acresce, nenhum outro elemento documental disponibilizado nos autos contém dados factuais que nos ajudem a vislumbrar outro, mais consistente e de acolher, tipo de apoio para o enquadramento jurídico, da situação julganda, concretizado pela AT e que conduziu à efectivação da liquidação impugnada.
Assim sendo, na medida em que, com base na factualidade assente e única disponível, para nós, objectivamente, somente resulta seguro ter o impugnante marido concretizado um negócio, consubstanciado na mera aplicação de dinheiro/capital, bastante vantajoso, lucrativo, do ponto de vista financeiro, primeiro, na compra (cessão de créditos) que fez aos bancos e, depois, nas verbas que, por esses mesmos créditos, conseguiu perceber junto da sociedade devedora, pese embora, não seja possível ocultar a ocorrência de um patente e significativo acrescento do seu património, temos de discordar que tal aumento patrimonial e os rendimentos que o motivaram sejam sujeitos à incidência do IRS, na condição, defendida pela AT, de sujeitos à previsão do versado art. 4.º n.º 2 al. g) CIRS.
Em suma, é de acolher o fundamento que os Rtes avançaram na conclusão A. (desenvolvido nas conclusões T. a Z.) deste apelo, no sentido de a liquidação adicional impugnada estar inquinada por vício de violação de lei, derivado da errónea qualificação do rendimento tributável, pelo que, servindo este para justificar a peticionada anulação do visado acto tributário, se reputam prejudicados todos os demais fundamentos coligidos por aqueles, para atacar a decisão da 1.ª instância, que, por perfilhar entendimento antagónico, não pode subsistir.
*******
III
Destarte, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, acorda-se:
- conceder provimento a este recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida;
- julgar procedente a impugnação judicial e anular o acto tributário de liquidação adicional objectado.
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Sem custas.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Porto, 18 de Junho de 2009
Aníbal Ferraz
Dulce Neto
Fernanda Brandão