Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00105/04
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/11/2004
Relator:Dulce Neto
Descritores:DEDUÇÃO DE IVA – ART. 19º CIVA
FACTURAS NA FORMA LEGAL- ART. 35º DO CIVA
Sumário:1. Estabelecendo a lei determinadas exigências relativas à emissão de facturas – (cfr. art. 35º do CIVA que enuncia requisitos vários e pormenorizados quanto ao seu preenchimento, que são condição para a dedução do imposto por parte do sujeito passivo adquirente, em harmonia com o preceituado no art. 19º nº 2 do CIVA) - com o objectivo claro de evitar a fuga e a evasão fiscais, é de concluir que a factura constitui uma formalidade “ad substantiam” para o exercício do direito à dedução do IVA, a qual não pode ser dispensada na prova do respectivo facto nem substituída por prova testemunhal.
2. As facturas que não preencham todos os requisitos legais a que se refere o art. 35º do CIVA, designadamente por não discriminarem os serviços que em concreto foram prestados, as quantidades unitárias e seus totais, não podem considerar-se passadas “em forma legal” e, consequentemente, não permitem a dedução do respectivo IVA de harmonia com o art. 19º nº 2 do CIVA, independentemente da prova da realidade das operações subjacentes.
3. Essa falta de forma legal não fica sanada com a junção de declarações em que se atestam os elementos omitidos, já que essas declarações não constituem “documentos equivalentes” a facturas, sabido que os “documentos equivalentes” a que a lei se refere têm, eles próprios e por si só, de conter todos os requisitos enunciados no art. 35º do CIVA, o que não acontece com essas declarações.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juizes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

B .., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra a liquidação de IVA relativa ao ano de 1991 e respectivos juros compensatórios, tudo no valor total de 4.557.373$00.
Terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A.A sentença recorrida fez incorrecta aplicação e interpretação do disposto nos artigos 19º nº 2, 28º nº 1 al. b) e 35º nºs 1 e 5 do CIVA, quando considerou que as declarações subscritas pelos emitentes das facturas em causa nos autos e anexas às mesmas, não podem ser considerados documentos equivalentes para efeitos do previsto nos normativos acima citados;
B. De acordo com as referidas normas, bem como com as instruções veiculadas pela Direcção de Serviços do IVA, “documento equivalente” a factura é aquele que, não tendo a mesma natureza, contenha todos os elementos que são exigidos pelo art. 35º do CIVA;
C.Não estando vedado, no CIVA, o recurso a documentos equivalentes a facturas para corrigir ou completar erros ou omissões verificadas nas facturas, quando já não seja possível a sua anulação e substituição, deve esse procedimento ser admitido, em nome do Princípio da Proporcionalidade consagrado no artigo 266º nº 2 da C.R.P., e reconhecido o direito à dedução do IVA liquidado documentos;
D. A sentença recorrida padece, ainda, de falta de fundamentação de facto, ao não explicitar as razões pelas quais emitiu o juízo referido na conclusão A.;
E. A mesma decisão fez, também, errada valoração dos indícios recolhidos pela Administração Fiscal e vertidos no relatório de inspecção tributária – no que respeita à factura emitida por A .. – uma vez que os elementos apontados a este respeito não são, ao contrário do que foi consignado no probatório, reveladores de que a mesma não corresponde a uma transacção comercial efectiva, pelo facto de se reportarem, na sua maioria, a circunstâncias alheias àquela prestação de serviços de mão-de obra;
F. Esta circunstância, conjugada com a prova testemunhal produzida e tendo presente que é à Administração Fiscal que compete a prova da verificação dos pressupostos da sua actuação, permitiria dar como demonstrada a efectiva prestação dos serviços titulados por aquela factura, tal como sucedeu com as demais em causa nos autos;
G. A sentença recorrida violou, assim, além das normas já citadas, também o disposto nos artigos 74º nº 1 da LGT e 82º nº 1 do CIVA.
* * *
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Mmº Juiz “a quo” proferiu despacho a sustentar o julgado.
O Digno Magistrado do Ministério Público teve vista dos autos e não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
* * *
Na sentença recorrida julgou-se provada a seguinte materialidade fáctica:
a. O impugnante encontra-se colectado pelo exercício da actividade de “Construção Civil - Construção e Reparação de Edifícios”, CAE 45211 e enquadrado para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado no regime normal com periodicidade mensal – cfr. fls. 58;
b. Em consequência de exame efectuado à escrita da impugnante foi apurado que esta havia deduzido indevidamente o IVA de Esc. 2.489.882$00 relativo às facturas emitidas por J .., Construções Ldª, A .., E .., E .. e F .., Ldª, as quais não continham a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos e dos serviços prestados – cfr. fls. 7 a 13 e docs. de fls. 16 a 40;
c. E que havia deduzido indevidamente o IVA de Esc. 136.000$00 relativo à factura emitida por A .., a qual não continha a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos e dos serviços prestados e com indícios reveladores de não corresponder a qualquer transacção comercial – cfr fls. 8, 13 e docs. de fls. 14 e 15;
d. E que havia deduzido indevidamente o IVA de Esc. 56.828$00 relativo a rendas de um contrato de aluguer de longa duração de veículo automóvel – cfr. fls. 11;
e. Com base naqueles factos os serviços elaboraram as Notas de Apuramento Modelo 382 – cfr. fls. 46;
f. Pelos Serviços foi liquidado o IVA em falta de Esc. 2.682.710$00 e juros compensatórios de Esc. 1.874.673$00 – cfr. fls. 47 e 48;
g. A impugnante foi notificada para proceder ao pagamento daquele imposto e juros compensatórios até 31 de Agosto de 1996 o que não veio a fazer – cfr. fls. 58;
h. Tendo sido emitidas certidões de dívida e instaurado processo executivo – cfr. fls. 56 a 58.

Ao abrigo do disposto no art.712º do CPC, fixa-se, ainda, a seguinte matéria de facto que igualmente se mostra provada:
i. Na sequência de exame à escrita do impugnante, pelos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária, foi elaborado o relatório que se encontra documentado a fls. 7/13, que se dá aqui por integralmente por reproduzido, e no qual, no essencial, se consignou o seguinte:
«SUBCONTRATOS
Foram analisados minuciosamente os documentos constantes desta conta, verificando-se que muitos deles não estão processados de acordo com o n° 5 do art. 35° do IVA, isto é os serviços e os bens neles contidos não se encontram devidamente discriminados e quantificados. Por outro lado, chama-se a atenção para a data da maior parte das facturas coincidir com os últimos meses do ano, com valores muito significativos, o que pode revelar facturação falsa - facturas de favor e facturas falsas propriamente ditas - a fim de ajustar margens de lucro, aumento dos custos, cobrir outros custos para os quais não tivesse documentos legais ( mão de obra clandestina), etc.
Assim, foi elaborada uma relação das facturas, que se junta à presente informação, que não obedecem ao referido artigo e de acordo com o ofício n° 1811044 de 06/12/91, do gabinete do Subdirector Geral, cortar o direito à dedução, visto que o adquirente procedeu à dedução do imposto com base em documentos passados sem forma legal.
Para além disso, em fiscalizações cruzadas que foram efectuadas e por consulta ao sistema informático do IVA/IRS, há a destacar que alguns emitentes dos documentos constantes da relação acima referida, têm indícios de facturação falsa, conforme se vai expor.
Emitente: A (...).
Contribuinte c/ indícios relevantes de emissão de facturação falsa propriamente dita.
Resumo da informação elaborada para efeito das ordens de serviço nºs 51017 de 05/09/94 e 58988 de 10/03/95:
1. O sujeito passivo liquida imposto nas facturas que emite, mas não cumpre quaisquer obrigações fiscais, nomeadamente:
- não entrega as declarações periódicas de IVA (art. 28º nº 1 al. c) do Código do IVA);
- não apresenta as declarações de rendimentos mod/2 com o respectivo anexo do movimento efectuado na categoria C - rendimentos comerciais (art. 57º al. b) do Código do IRS).
- inexistência de elementos de escrita.
2. Das informações elaboradas (fiscalizações cruzadas) para as empresas Saviarte (...) e Edimarante (...) concluiu-se que o sujeito passivo emitiu facturação falsa para estas firmas, no valor respectivamente de 27.354.750$00 e 16.854.700$00.
3. As compras feitas por A .., nos anos de 1991, 1992 e 1993, respectivamente de 129.445$00, 2.805.875$00 e 79.432.$00 revelam uma actividade de muito menor dimensão. O volume de negócios e o apuramento do lucro tributável, para os referidos anos, foi apurado por presunção e por aplicação dos métodos indiciários, ao abrigo do artigo 84º do Código do IVA e artigo 38º do Código do IRS.
4. Não tem empregados inscritos na Segurança Social. Os operários que porventura tivesse era pessoal eventual sem possibilidades de identificação, que era contratado conforme o trabalho para executar.
5. Nas facturas emitidas para B .. nos anos de 1991 a 1993 e que estão devidamente identificadas na relação anexa à presente informação, no valor total de 2.302.000 $00 verificam-se os seguintes factos e situações:
- As facturas não estão devidamente discriminadas, conforme o n° 5 do art. 35º do CIVA;
- As facturas foram emitidas no final dos exercidos;
- - Não faz B .. qualquer prova aceitável dos pagamentos a este sujeito passivo dado que os correspondentes recibos de quitação do pagamento são meras saídas de numerário».

E julgou como não provados outros factos com relevo para a decisão, acrescentando que quanto à produção da prova testemunhal «não se fez prova quanto à existência de qualquer operação material subjacente relativa á factura em que se discriminam trabalhos prestados por A .. em escola de Vila Nova de Foz Côa.
* * *
Do relatório da fiscalização que sustenta a liquidação do IVA na parte impugnada resulta terem sido os seguintes os fundamentos que a determinaram:
- indevida dedução do IVA de Esc. 2.489.882$00 relativo às facturas emitidas por J.., Construções .., A .., E .., E.. e F, Ldª, por essas facturas não conterem a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos e dos serviços prestados;
- indevida dedução do IVA de Esc. 136.000$00 relativo à factura emitida por A.., a qual não continha a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos e dos serviços prestados, e também por existirem indícios reveladores de não corresponder a qualquer transacção comercial.

Na sentença recorrida julgou-se que a liquidação não padecia dos vícios que o impugnante lhe imputava, designadamente porque nenhuma dessas facturas revestia a forma legal prevista no art. 35º do CIVA para que pudesse ser permitida a dedução do IVA ao abrigo do art. 19º do CIVA e, além disso, quanto à factura emitida pelo A .., por terem sido apontados indícios de ela não corresponder a efectivas transacções comerciais e de o impugnante não ter logrado provar a materialidade das alegadas operações subjacentes.
Concretamente, julgou-se que os artigos 19º e 35º do CIVA «vieram consagrar determinadas exigências relativamente aos documentos com base nos quais podia ser deduzido IVA, de modo a evitar a evasão fiscal, garantindo não só a posição daquele que adquiriu os bens ou serviços como também o controlo pelos serviços da Administração Fiscal no que respeita à arrecadação do imposto. Esta exigência é um corolário da necessidade de que as relações entre a Administração Fiscal e o contribuinte se pautem pela transparência e veracidade.
Presumindo-se verdadeira a contabilidade do contribuinte – art. 75º da Lei Geral Tributária – a lei teve de estabelecer mecanismos de controlo daquela por banda da Administração Fiscal, sob pena de se permitir a evasão fiscal. A necessidade da contabilidade estar organizada segundo a lei comercial ou fiscal é uma delas.
No que respeita à dedução do imposto, a exigência de que os documentos revistam a forma legal exigida, é um corolário daqueles princípios, sob pena, da Administração Fiscal renunciar ao seu direito de controlo, permitindo a evasão fiscal. (...).
Da prova produzida nos autos, resulta que os documentos com base nos quais foi deduzido o IVA não preenchiam os requisitos das indicadas normas legais, nomeadamente por não conterem a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos e dos serviços prestados – art. 35º nº 5 al. b) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, pelo que, nos termos daquela disposição e art. 19º nº 2 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, não podia aquele ser deduzido.
Nem o facto de o impugnante ter juntado declarações a atestar os elementos em falta releva, pois tais declarações não podem ser consideradas documentos equivalentes para efeitos de direito à dedução do imposto.
Neste sentido, e por todos, veja-se o Acórdão do TCA, no Processo 6180/02, onde se afirma:
II)- A lei estabeleceu, determinadas exigências relativas à emissão de facturas com o objectivo claro de evitar a fuga e evasão fiscais e daí ter estabelecido requisitos vários e pormenorizados quanto ao preenchimento das facturas que devem ser cumpridos pelos operadores económicos sob pena de não ser possível a dedução do IVA liquidado em tais documentos. Desta forma se acautela o interesse da Fazenda Pública e se previne a fraude fiscal.
III)- Nesse sentido o artigo 35º do CIVA estabelece determinados requisitos na emissão de facturas ou documentos equivalentes que são condição para a dedução do imposto por parte do sujeito passivo adquirente nos termos do art. 19º nº 2 do mesmo Código.
IV)- Não tem direito à dedução do IVA no caso das facturas supra referidas em virtude de nos ditos documentos, que a Administração Fiscal não considerou para efeitos de dedução do imposto, apenas é referido "prestação de Serviços" ou Cedência de mão de obra", não havendo qualquer referência às quantidades.
V)- E não se pode considerar que tal lacuna nas facturas em causa fica sanada com a junção pela impugnante de declarações em que se atestam os elementos omitidos porquanto decorre da lei não só que apenas dão direito à dedução do Imposto sobre o Valor Acrescentado, as facturas ou documentos equivalentes passados na forma legal, como também as declarações não podem ser classificadas de documentos equivalentes.».

Subscrevemos, na íntegra, este entendimento, adiantando que tendo a factura por finalidade a comprovação das transacções ou serviços prestados por quem a emite, por forma a permitir que a fiscalização tributária possa controlar as componentes do lucro tributável e os respectivos impostos, a comprovação da sua existência tem de ser feita exclusivamente por via documental, pela exibição, ainda que em 2ª via, das facturas ou documentos equivalentes que suportam os valores contabilizados.
Com efeito, estabelecendo a lei determinadas exigências relativas à emissão de facturas – (cfr. art. 35º do CIVA, que enuncia requisitos vários e pormenorizados quanto ao seu preenchimento, que são condição para a dedução do imposto por parte do sujeito passivo adquirente, em harmonia com o preceituado no art. 19º nº 2 do CIVA) - com o objectivo claro de evitar a fuga e a evasão fiscais, é de concluir que a factura constitui uma formalidade “ad substantiam” para o exercício do direito à dedução do IVA, a qual não pode ser dispensada na prova do respectivo facto, pois que nos termos do disposto no art. 655º do Cód.Proc.Civil, se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, alguma formalidade especial (ad substantiam) não pode esta ser dispensada, excluindo-se, dessa forma, a prova testemunhal e por presunções de harmonia com o estipulado nos arts. 393º nº 1 e 351º do Código Civil.
Ora, as facturas aqui em questão, apesar de conterem os elementos referidos nas alíneas a) e d) do nº 5 do art. 35º, não preenchem os requisitos legais a que se referem as als. b) e c) desse normativo, pois não discriminam nem os serviços (nem a sua natureza) que em concreto foram prestados, nem as quantidades unitárias ou totais dos mesmos, elementos esses essenciais à devida identificação da operação e à correcta actuação dos mecanismos de controle da liquidação e da dedução do respectivo IVA.
Tratando-se de facturas que não respeitam integralmente o artigo 35° n° 5 do CIVA, não se pode considerar que estejam passadas “em forma legal” e, consequentemente, não permitem a dedução do respectivo IVA de harmonia com o artigo 19º nº 2 do CIVA, independentemente da prova que se faça da realidade das operações subjacentes.
E as declarações escritas com a discriminação dos trabalhos correspondentes a cada uma das facturas (com a destrinça por unidades, metros, preços e quantias totais a pagar) que foram agora juntas aos autos pelo impugnante, não podem ser aceites para a validação formal das respectivas facturas nos termos legais, já que a lei é muito clara ao obrigar que essa discriminação seja feita na própria factura e não em documentos particulares anexos.
E nem essas declarações constituem “documentos equivalentes” a facturas nem a sua anexação às facturas transformam estas em “documentos equivalentes”, já que os “documentos equivalentes” a que a lei se refere têm, eles próprios e por si só, de conter todos os requisitos enunciados no art. 35º do CIVA, o que não acontece com aquelas declarações.
Não colhe, pois, a argumentação do recorrente vazada nas conclusões A) a D).

Relativamente à factura emitida pelo A .., e independentemente da questão da existência de indícios de tal factura não corresponder a efectivas transacções comerciais, o certo é que, também ela, padecia das mesmas irregularidades formais, não mencionando nem a quantidade nem a denominação usual dos bens transmitidos e dos serviços prestados, em desobediência ao estatuído no art. 35º do CIVA, pelo que nunca poderia conferir direito à dedução do imposto nela liquidado.
Pelo que, em relação a tal factura, não aproveita ao contribuinte, para efeitos de dedução do IVA, a eventual insuficiência de indícios da simulação ou sequer a prova de que a operação se verificou na realidade, ficando, assim, prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas no recurso e vertidas nas conclusões E) a G), sendo de manter a decisão de total improcedência da impugnação judicial.
* * *
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 4 Unidades de Conta.
Porto, 11 de Novembro de 2004
Dulce Manuel Conceição Neto
José Maria Fonseca Carvalho
João António Valente Torrão