Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00280/12.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/06/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS PARA CONHECEREM DE PROCESSOS DE INJUNÇÃO.
DÍVIDA PROVENIENTE DO INCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO.
Sumário:I- Do quadro normativo definido pelos artigos 13.º do CPTA e 97.º do CPC/2015 resulta que: (i) estando em causa uma questão de competência material que apenas respeita aos tribunais incluídos na jurisdição administrativa e fiscal, a mesma só pode ser arguida ou oficiosamente conhecida até ser proferido despacho saneador ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final; (ii) não sendo esse o caso, e não havendo sentença transitada em julgado que tenha apreciado concretamente a questão da competência, a mesma pode ser suscitada pelas partes ou conhecida oficiosamente pelo tribunal.
II- Os tribunais administrativos são competentes em razão da matéria para conhecer das dívidas reclamadas ab origine em processo de injunção apresentado perante o Balcão Nacional de Injunções.
III- Nos termos no artigo 11.º, n.º2 do CPTA, é o Estado que detém legitimidade passiva para ser demandado no âmbito duma ação administrativa comum que tenha por objeto a reclamação de dívida decorrente do incumprimento, por parte de organismo da Administração direta, da obrigação do pagamento de serviços que alegadamente lhe foram prestados no âmbito de contrato de prestação de serviço que celebrou com o prestador. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:PT Comunicações, SA
Recorrido 1:Estado Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1.RELATÓRIO.
PT Comunicações, SA, por incorporação, mediante transferência global do património, da sociedade PTP..., SOLUÇÕES EMPRESARIAIS DE TELECOMUNICAÇÕES E SISTEMAS, inconformada, interpõe recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (doravante TAF de Braga), em 16/06/2014, na ação administrativa comum que intentou contra o Estado Português, que julgou procedente a exceção da ilegitimidade processual passiva do Réu Estado Português, absolvendo-o da instância.
**
A Recorrente alegou, e formulou as seguintes CONCLUSÕES de recurso:
«
1.A Douta Sentença proferida fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis, porquanto julgou procedente a exceção da ilegitimidade passiva, absolvendo assim da instância, o Réu Estado Português.
2.Na Douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” é referido que “não resulta do alegado na presente ação factos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade extracontratual do Réu Estado Português. E, não sendo o referido objeto do litígio relativo a responsabilidade civil, a legitimidade passiva não pertence ao Estado a ser representado pelo Ministério Público, como dispõe o nº 2 do artigo 11º do CPTA, por entendermos, como supra referido, interpretando restritivamente o normativo, que este tipo de ação não é abrangida pelo nº 2 do artigo 10º do CPTA.”
3.Ora, no requerimento de injunção apresentado no Balcão Nacional de Injunções, a ora Recorrente indicou como entidade então Requerida o “Estado Português – Direção Regional Agricultura Pescas do Norte”.
4.Nesta, como noutras situações semelhantes, o Balcão Nacional de Injunções, por livre iniciativa e sem qualquer intervenção da ora Recorrente, fez incluir no requerimento de injunção a menção “A notificar na pessoa do Magistrado do Mº Pº junto do T. Adminis. Círculo Lisboa-Av.D.João II, Nº 1.08.01-Ed.G-6ºP, 1990-097 LISBOA”.
5.Tal deve-se, ao que se julga, ao teor do Ofício nº 18249/2009, de 04/09/2009, emitido pela Procuradoria-Geral da República, remetido ao cuidado da Exma. Senhora Directora - Geral da Administração do Estado e junto aos requerimentos de injunção, que ora se reproduz: “Nos requerimentos de injunção em que são requeridos serviços da administração directa do Estado, integrados em ministérios, não obstante a indicação concreta dos mesmos como requeridos, deve entender-se que tais providências são interpostas contra o Estado. Porque a representação do Estado em juízo deve ser assumida pelo Ministério Público, a notificação daquele (devedor/requerido), para efeitos de pagamento ou de oposição, deve ser efectuada na pessoa do magistrado do Ministério Público junto do Tribunal competente”.
6. As Direções Regionais (no caso em apreço de Agricultura e Pescas), conhecidas pela sigla DRAP, são serviços periféricos da administração direta do Estado, traduzindo-se esta na prossecução das atividades e funções do Estado, diretamente por órgãos do próprio Estado.
7. Constituem assim, serviços que se inserem na estrutura orgânica dos respetivos Ministérios, pertencendo à pessoa coletiva Estado, prosseguindo pois as funções estaduais respetivas, pelo que são destituídos de personalidade jurídica e judiciária, inconceptíveis pois de serem parte.
8. A ação, foi efetivamente proposta pela A. contra o Estado, uma vez que o contrato de prestação de serviços de telecomunicações, para os serviços e rede de telecomunicações instalada, foi devidamente autorizado por despacho, pela hierarquia da Administração direta do Estado e de acordo com regras estabelecidas.
9. Pelo que, foi demandada a pessoa coletiva Estado, dotada de personalidade jurídica da qual decorre, como se disse, a personalidade judiciária, e não a Direção Regional de Agricultura e Pesca do Norte desprovida de tal característica.
10. A recorrente foi no decurso da ação, notificada para apresentar aperfeiçoamento ao requerimento de injunção, por despacho que considerou “manifesta insuficiência na exposição da matéria factual vertida no requerimento de injunção…”, ao que acedeu, tendo descrito com pormenor qual o tipo de relação contratual existente entre as partes, justificando dessa forma a origem do montante peticionado (causa de pedir e pedido), com junção de prova documental (proposta, adjudicação, fatura emitida, correspondência entre as partes).
11. O regime estabelecido no nº 2 do art.º 10º do CPTA, reporta-se à definição da legitimidade processual passiva nas ações administrativas que tenham por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, estabelecendo que quem é parte demandada “…é a pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos…”.
12. Estabelece o princípio da coincidência entre personalidade jurídica e judiciária, mas admite os Ministérios e os órgãos administrativos como sujeitos processuais, conferindo assim, legitimidade aos Ministérios.
13.No entanto, tal regime vale apenas para as ações administrativas especiais (impugnação de ato, condenação à prática de ato e impugnação de normas (cfr. estabelecido no art.º 50º e seguintes, art.º 66º e segs, art.º 72º e segs do CPTA), assim como, para as ações de reconhecimento de direito ou de condenação à adoção ou abstenção de comportamentos (cfr. artº 37º nº 2 alínea a) a e) do CPTA).
14.Como conclui Joana Martins, em http://embuscadocatperdido.blogspot.pt, “o art.º 10º nº 2 do CPTA, foi pensado para o antigo recurso de anulação de atos administrativos e impugnação de normas regulamentares; - vide Mário de Almeida, “Manual de Processo Administrativo” 2012”.
15.Não sendo tal regime, aplicável a ações administrativas comuns que tenham por objeto a responsabilidade civil (contratual ou extracontratual) do Estado, como é o caso em apreço, em que se impõe e exige o princípio da coincidência.
16.Assim, se conclui que, este normativo, é aplicável regra geral, às ações administrativas especiais, bem como á generalidade dos litígios que seguem a forma de ação administrativa comum, com exceção das ações relativas a contratos ou ação de responsabilidade civil extracontratual, em que só a pessoa coletiva Estado tem personalidade judiciária.
17.Tal exceção ainda é mais notória, se atendermos ao disposto nos arts. 11º, nº2 do CPTA e art. 20º do CPC, tendo por objecto uma relação contratual estabelecida entre Recorrente e Recorrido, o Ministério Público é competente para representar o Estado.
18. Como afirma Esperança Mealha, em “Personalidade Judiciária e Legitimidade Passiva das Entidades Públicas”, Publicações Cedipre Online 2, Centro de Estudos de Direito Público e Regulação Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, in www.cedipre.fd.uc.pt, Novembro de 2010: “ …(nas ações administrativas comuns abrangidas pela regra do artigo 11º nº 2 do CPTA), o desrespeito pelo principio da coincidência traduzir uma situação de falta de personalidade judiciária (ou…de ilegitimidade passiva) do ministério ou do órgão demandado…”; “o artº11º nº2 CPTA só terá aplicação nas ações “puras” de responsabilidade ou sobre contratos…” em que a personalidade judiciária pertence apenas ao Estado (por força da regra da representação do Estado pelo Ministério Público nessas acções – artigo 11º/2 CPTA).”.
19. Assim sendo, o Estado Português tem legitimidade passiva, sendo parte legítima nos presentes autos.».

Termina requerendo a revogação da decisão recorrida.
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O Recorrido contra-alegou, mas não apresentou conclusões, sustentando que o Réu, diversamente do decidido, tem personalidade judiciária para ser demandado nos autos, devendo ainda assim ser absolvido da instância mas com fundamento na incompetência material do tribunal.
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2. DO OBJETO DO RECURSO- QUESTÕES DECIDENDAS.
As questões suscitadas pelo ora Recorrente no âmbito do presente recurso jurisdicional serão apreciadas no respeito pelos parâmetros estabelecidos, para tal efeito, pelos artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redação conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi no art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
De acordo com a motivação e conclusões apresentadas pelo Recorrente, as questões suscitadas que cumpre decidir, cifram-se em saber se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento por ter decidido a absolvição do Estado, da instância, com fundamento em falta de legitimidade.
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3.FUNDAMENTAÇÃO.
3.1.MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a decisão a proferir por este tribunal dão-se como provados os seguintes factos e ocorrências processuais:

1-Em 24/11/2011, a PTP...-Soluções Empresariais Telecomunicações, S.A apresentou no Balcão Nacional de Injunções, o requerimento de injunção n.º 292896/11.0YIPRT, de fls. 4 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e qual consta designadamente o seguinte:
«(…)
REQUERIDO: ESTADO PORTUGUÊS- DIRECÇÃO REGIONAL AGRICULTURA E PESCAS NORTE

O (s) requerente (s) solicita(m) que seja(m) notificado(s) o(s) requeridos, no sentido de lhe(s) ser paga a quantia de € 12.563,20 conforme discriminação e pela causa a seguir indicada:
Capital: €11.994,92 Juros de mora: €415,38 à taxa de: 8,00%, desde 20-06-2011 até à presente data; …
Contrato de: Fornecimento de bens ou serviços.
Data do contrato: 20-05-2011…
Exposição dos factos que fundamentam a pretensão:
Proc.: P40311000861 N. Factura; Data Limite de Pagamento; Capital Mai-11; 00080000472; 19-06-2011; 11994.82 as facturas foram enviadas e correspondem aos serviços contratados – aí se incluindo Sistemas de Informação, Soluções empresariais de comunicações electrónicas (Voz, Dados, Redes, Internet, Multimédia, Equipamentos, Planos de Preços, Videoconferência, Rede Inteligente, Plataformas RDIS e ADSL), Outsourcing de sistemas de informação, instalação, gestão e manutenção das infraestruturas e equipamentos de suporte, datacenter, alojamento, gestão e segurança aplicacional, relativos ao n. de cliente 001…3.»

2- Encontra-se junto ao requerimento de injunção uma informação proveniente da Procuradoria-Geral da República, dirigida ao Balcão Nacional de Injunções, do seguinte teor:
“Nos requerimentos de injunção em que são requeridos serviços da administração directa do Estado, integrados em ministérios, não obstante a indicação concreta dos mesmos como requeridos, deve entender-se que tais providências são interpostas contra o Estado. Porque a representação do Estado em juízo deve ser assumida pelo Ministério Público, a notificação daquele (devedor/requerido), para efeitos de pagamento ou de oposição, deve ser efectuada na pessoa do magistrado do Ministério Público junto do Tribunal competente”.

3- O Estado Português, representado pelo Ministério Público, apresentou a oposição de fls. 9 a 12 dos autos.

3- Em 02/02/2012 o procedimento de injunção foi remetido para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga- cfr. fls. 22 dos autos.
4- O referido procedimento foi distribuído no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga como ação administrativa comum.

5- Por despacho de 23/02/2012, emanado pelo TAF de Braga, a autora foi convidada a aperfeiçoar o requerimento de injunção no que concerne à alegação da matéria factual - cfr. fls. 23 dos autos.
6- A autora juntou a petição inicial de fls. 30 e segts. dos autos.
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3.2. DE DIREITO
3.2.1. Está em causa a decisão proferida pelo TAF de Braga que julgou o Estado Português, ora recorrido, parte ilegítima nos presentes autos e, consequentemente, absolveu-o da instância.
O tribunal a quo considerou que o Estado não detinha legitimidade processual passiva para ser demandado nestes autos, afirmando não resultar «do alegado na presente ação factos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade extracontratual do Réu Estado Português. E, não sendo o referido objeto do litígio relativo a responsabilidade civil, a legitimidade passiva não pertence ao Estado a ser representado pelo Ministério Público, como dispõe o nº 2 do artigo 11º do CPTA, por entendermos, como supra referido, interpretando restritivamente o normativo, que este tipo de ação não é abrangida pelo nº 2 do artigo 10º do CPTA.».
Na base desta decisão está o entendimento sufragado pelo TAF de Braga de acordo com o qual a relação jurídica que constitui objeto da ação não configura uma situação de responsabilidade contratual, ancorando-se antes na omissão de um dever de prestar imputável à Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Norte.
3.2.2.A Recorrente discorda desse julgamento, asseverando, em síntese, que na presente situação estão em causa relações contratuais, pelo que, ao caso não se aplica o regime do art.º 10.º, n.º2 do CPTA, mas antes o disposto no art.º 11.º, n.º2 do CPTA, pelo que a pessoa coletiva a ser demandada tinha de ser o Estado.
3.2.3.O Recorrido, embora concorde com a Recorrente quanto à legitimidade do Estado para ser demandado como sujeito passivo nestes autos, subscrevendo estarem em causa relações de natureza contratual, defende a manutenção da decisão de absolvição da instância, mas com fundamento na incompetência material do TAF de Braga para conhecer da lide, conquanto, a seu ver, os tribunais administrativos não são materialmente competentes para tramitaram processos de injunção, tal como resulta de parecer emitido pela Procuradoria Geral da Republica, que cita, pertencendo a competência para esse efeito aos tribunais comuns.
Vejamos.
3.2.4.Da Incompetência Material do TAF de Braga.
3.2.4.1.O Ministério Público, na sua contra-alegação, suscitou a falta do pressuposto da competência material do TAF de Braga para conhecer dos presentes autos, por entender, como se enunciou, serem competentes os tribunais comuns.
De acordo com o art. 13.º do CPTA o “… âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria …”.
Porém, conforme entendimento jurisprudencial que se tem vindo a firmar sobre esta questão, não pode ver-se no artigo 13.º do CPTA o estabelecimento de uma solução normativa que permita ao julgador o conhecimento do pressuposto processual da competência do tribunal independentemente da fase ou momento processual em que se encontre uma ação administrativa, máxime, tratando-se de uma ação administrativa comum como no caso sub judice.
No que concerne à ação administrativa comum, o legislador, no artº. 42.º do CPTA determinou que a mesma seguisse os termos definidos no Código de Processo Civil, tudo sem prejuízo das regras específicas definidas nos arts. 43.º a 45.º do mesmo Código.
Ora, quanto ao pressuposto da competência do tribunal, dispõe o artigo 97.º do CPC/ 2013:
«1- A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e, exceto se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral ou voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.
2-A violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final».
Sobre a relevância do preceituado nesta disposição, expendeu-se em Acórdão deste TCAN, de 07.12.2012, P. 01091/09.4BEPRT que «O regime normativo previsto no contencioso administrativo quanto ao pressuposto processual relativo ao tribunal (competência) não afasta as regras insertas no CPC com o mesmo compatíveis ou concatenáveis presentes as demais regras de tramitação processual insertas no CPTA, sendo que aquele regime normativo não se tem por completo e fechado.».
3.2.4.2.Resulta do quadro normativo definido pelos artigos 13.º do CPTA e 97.º do CPC/2015 que: (i) estando em causa uma questão de competência material que apenas respeita aos tribunais incluídos na jurisdição administrativa e fiscal, a mesma só pode ser arguida ou oficiosamente conhecida até ser proferido despacho saneador ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final; (ii) não sendo esse o caso, e não havendo sentença transitada em julgado que tenha apreciado concretamente a questão da competência, a mesma pode ser suscitada pelas partes ou conhecida oficiosamente pelo tribunal.
3.2.4.3. Com acuidade para a questão em análise, prevê-se no art.º 595.º, n.º1, al. a) do CPC/2013 que o despacho saneador se destina a «Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente», consagrando-se, por sua vez, no n.º3 que «No caso previsto na alínea a) do n.º1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas;…».
À luz do disposto neste preceito, que sucedeu ao artigo 510.º do CPC (na redação que lhe foi introduzida pela reforma operada através do DL n.º 329-A/95, de 12.12, e do DL n.º 180/96, de 25.09) a decisão proferida em sede de saneador que conheça de exceção dilatória (mormente, da incompetência), uma vez transitada, só constitui caso julgado formal quanto às questões ali concretamente apreciadas, pelo que a declaração genérica ou tabelar feita naquela sede quanto à verificação/regularidade dos pressupostos processuais não faz caso julgado formal (cfr., entre outros, Acs. STJ de 08.01.2009 - Proc. n.º 08B3797, de 25.06.2009 - Proc. n.º 08S2463 in: «www.dgsi.ptstj»).
Neste sentido, veja-se também o acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ de 27.11.1991, proferido no processo n.º 002964, onde se discorreu que, para que «… se forme o caso julgado sobre a competência absoluta do tribunal, é indispensável que o juiz analise uma questão concreta de competência e a decida por despacho que transite em julgado. O réu alegou, por exemplo, que o tribunal é incompetente em razão da matéria …; o juiz conhece da arguição e julga-a improcedente; se esta decisão transitar em julgado, a questão respetiva fica arrumada definitivamente, não podendo mais tarde o juiz decidir, com fundamento no texto invocado pelo réu, que a ação é da competência do tribunal administrativo. »
Assumidos estes princípios, no caso em análise é inegável que este Tribunal pode conhecer da invocada incompetência material do TAF de Braga, uma vez que não se está perante regras de competência que apenas respeitem aos tribunais administrativos e fiscais (suscita-se a questão da competência dos tribunais comuns para conhecer do pleito), nem existe sentença com transito em julgado proferida sobre o fundo da causa.
3.2.4.4. O Recorrido ancora a incompetência material do TAF de Braga para conhecer da lide, brevitatis causa, no entendimento segundo o qual, de acordo com o quadro legal gizado pelo legislador para o procedimento de injunção, em cujo âmbito foi criado o Balcão Nacional de Injunções, ser claro que a competência para a tramitação desses procedimentos está reservada aos tribunais comuns, não sendo os tribunais administrativos materialmente competentes para conhecerem este tipo de procedimentos.
A respeito desta questão, não podemos deixar de citar o Acórdão deste TCAN, de 11/02/2015, proferido no processo n.º 00447/14.5BEBRG, que a relatora subscreveu como adjunta, onde se expenderam as seguintes considerações: «O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República emitiu o parecer n.º 33/2011, votado em 26.01.2012, por maioria com 3 votos de vencido, do qual se extraem as seguintes conclusões, para aqui relevantes:
“(…)
1.ª – O Balcão Nacional de Injunções é uma secretaria judicial integrada na orgânica dos tribunais judiciais, tendo, enquanto secretaria-geral, competência para tramitar as injunções em todo o território nacional [artigo 16.º, n.ºs 2 e 4, alínea b), do Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio, e artigos 1.º e 3.º da Portaria n.º 220-A/2008, de 4 de Março];
2.ª- Os procedimentos regulados no regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (acção declarativa especial e injunção), têm aplicação apenas no âmbito da jurisdição comum, sendo inaplicáveis na jurisdição administrativa;
3.ª– As acções para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que sejam da competência dos tribunais administrativos seguem os termos do processo de declaração do Código de Processo Civil, nas formas ordinária, sumária ou sumaríssima [artigos 37.º, n.º 1, alínea h), 42.º e 43.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos];
(…)».
Todavia, como também se pode ler nesse acórdão, afirmou-se que «tanto quanto conhecemos, na jurisprudência dos tribunais centrais administrativos é pacífico o entendimento de que o processo de injunção é dedutível também contra entidades públicas, seguindo-se depois no contencioso administrativo o meio processual adequado (neste sentido ver os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.01.2010, processo n.º 05635/09, e de 20.11.2014, processo 05608/09, e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 01.07.2010, processo 00337/09.3 BEAVR).».
3.2.4.6. Conforme se atesta no mencionado acórdão, sobre a questão da competência dos tribunais administrativos para conhecerem de processos de injunção, é pacífico o entendimento dos tribunais centrais administrativos, manifestado em vários acórdãos, em como os tribunais administrativos são competentes para conhecer de processos de injunção deduzidos contra entidades públicas.
Assim sendo, subscrevendo a citada jurisprudência, impõe-se julgar improcedente a suscitada exceção da incompetência material do TAF de Braga.
3.2.5.Da Ilegitimidade Processual Passiva do Réu
3.2.5.1. A legitimidade processual mais não é do que a “susceptibilidade de ser parte numa ação aferida em função da relação dessa parte com o objecto daquela acção” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lisboa, Lex, 1997, pág. 136 e ss) e esse pressuposto tem em vista garantir “ a coincidência entre os sujeitos que, em nome próprio, conduzem o processo e aqueles em cuja esfera jurídica a decisão judicial vai directamente produzir a sua eficácia” (cfr. Carlos Lopes do Rego, “Legitimidade das partes e interesse em intervir em processo civil”, in Revista do Ministério Público, Ano 11, n.º 41, 37-86,40.).
3.2.5.2.Na situação em análise, extrai-se da petição inicial e documentos juntos que a autora/Recorrente pretende ver condenado o Estado a pagar-lhe uma dívida, no montante global de € 11.994,82 (capital em dívida, acrescida juros de mora vencidos calculados desde a data do vencimento da fatura até integral pagamento), decorrente da falta de pagamento de serviços faturados, alegadamente prestados pela Recorrente no âmbito de um contrato de prestação de serviços celebrado com a Direção Regional de Agricultura e Pesca do Norte.
Tendo em conta o objeto da ação, definido pelo pedido e pela causa petendi enunciadas, não oferece dúvida que se trata de matéria referente à execução de um contrato de prestação de serviços, pelo que a presente ação tem por objeto uma relação contratual.
3.2.5.3.O artigo 10.º, n.º 1 do C.P.T.A estabelece que “cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos autores”, indicando, assim, um critério para se aferir da legitimidade passiva.
Já o n.º 2 daquele normativo prevê, por sua vez, que “quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”.
Por seu turno, o n.º2 do artigo 11.º do C.P.T.A., estabelece que “ Sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objecto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas colectivas de direito público ou os ministérios podem ser representadas em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, cuja actuação no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte».
3.2.5.4. A jurisprudência dos tribunais superiores desta jurisdição tem sido consistente a afirmar que o regime legal inserto no n.º 2 do art.º 10.º do CPTA, se reporta à disciplina ou definição da legitimidade processual passiva nas ações administrativas que tenham por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública- [cfr. Ac. STA de 03.03.2010 - Proc. n.º 0278/09 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Acs. TCA Norte de 11.01.2007 - Proc. n.º 0534/04.8BEPNF, de 24.05.2007 - Proc. n.º 00184/05.1BEPRT, de 19.07.2007 - Proc. n.º 00805/05.6BEPRT, de 11.11.2011 - Proc. n.º 00161/07.8BEBRG, de 25.11.2011 - Proc. n.º 03586/10.8BEPRT in: «www.dgsi.pt/jtc].E que tal regime apenas respeita às ações administrativas especiais [impugnação de ato, condenação à prática de ato legalmente devido e de impugnação de normas - arts. 50.º e segs., 66.º e segs. e 72.º e segs. CPTA] e, bem assim, às ações de reconhecimento de direito ou de condenação à adoção ou abstenção de comportamentos [v.g., as previstas no art. 37.º, n.º 2, als. a), b), c), d) e e) do CPTA], deixando de fora do seu âmbito de aplicação as ações administrativas comuns que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade.
3.2.5.5.No tocante a tais ações, como já deixamos sinalizado, a jurisprudência é unânime em afirmar que, atento o disposto no artigo 11.º, n.º2 do C.P.T.A. [quando estejam em causa ações relativas a relações contratuais ou de responsabilidade] parte demandada é o Estado, que deve ser representado, nessas ações, pelo Ministério Público.
E, bem assim, que a instauração de uma ação administrativa comum que tenha por objeto uma relação contratual ou de responsabilidade, no âmbito da pessoa coletiva Estado, contra um seu ministério ou órgão, determina a absolvição da instância da entidade demandada com fundamento na falta do pressuposto processual da personalidade judiciária, exceção dilatória insuprível, tudo alicerçado no entendimento segundo o qual o art.º 11.º, n.º2 do C.P.T.A. não tem a virtualidade de conferir personalidade judiciária a quem não a possui no quadro das referidas ações administrativas comuns.
Este entendimento tem sido sufragado pela jurisprudência dos tribunais administrativos, destacando-se, entre outros, os seguintes acórdãos:
- do TCAN, de 21/02/2008, processo 639/06.0BEBRG-A, no qual pode ler-se que "(...) a legitimidade passiva na acção comum cabe, em princípio aos ministérios em que tais órgãos se integrem, salvo se se tratar de uma acção relativa a contratos ou responsabilidade, caso em que a acção deve ser proposta contra o Estado, o qual é representado pelo Ministério Público ... cfr. Pedro Gonçalves, A acção administrativa comum, Stvdia Ivridica, n.° 86, BFDUC, págs. 160 e 161.
- do TCAN, de 22/02/2007, processo n° 02242/04.0BEPRT, onde se escreveu que "só nas acções de contratos ou responsabilidade "pura" é que a legitimidade passiva pertence ao Estado, sendo que em todas as outras em que incumbe a um qualquer órgão da Administração a prática ou desenvolvimento que se prenda com os direitos dos particulares a legitimidade passiva pertence, no caso, ao Ministério respectivo".
- do STA, de 01.10.2015, proferido no processo n.º 0556/15.
3.2.5.6. Estando em causa uma ação administrativa comum em que a pretensão objeto da demanda incide sobre contratos, é o Estado que tem de ser demandado.
Assim, à luz da relação material controvertida configurada pela A., é ao Estado Português que assiste, em exclusivo, legitimidade processual passiva para ser objecto de demanda nesta acção, atento o disposto nos artigos 10°, n° 1 e 11°, n° 2, do CPTA, impondo-se, por conseguinte, a revogação da decisão recorrida e a baixa dos autos ao tribunal de primeira instância, para que os autos aí prossigam os seus legais termos.
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4. DECISÃO:
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga para que os mesmos aí prossigam os seus legais termos.
Sem custas.
Notifique.
DN.
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Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pela relatora (cfr. artº 131º, nº 5 do CPC “ex vi” artº 1º do CPTA).
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Porto, 06 de novembro de 2015
Ass.: Helena Ribeiro
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins