Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01361/21.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/29/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:DECRETO-LEI N.º 117/2010, DE 25 DE OUTUBRO;
DIRECTIVA 98/34/CE;
COMBUSTÍVEIS; ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE DIREITO;
Sumário:
1 - O disposto no artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, ao determinar as percentagens de incorporação de biocombustíveis a observar pelas “entidades incorporadoras”, constituía uma “regra técnica” [na aceção do artigo 1.º, ponto 11, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, datada de 22 de junho de 1998] a qual só seria oponível aos destinatários particulares se o respetivo projecto tivesse sido comunicado à Comissão Europeia, nos termos previstos no artigo 8.º n.º 1 daquela Directiva.

2 – Assim não tendo sucedido, e falta de idónea base legal substantiva, os actos praticados pela Entidade Nacional para o Sector Energético, EPE, ao abrigo do disposto no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, são inválidos e contenciosamente anuláveis por violação de lei, por erro nos seus pressupostos de direito, por promanados em desconformidade com o direito da União Europeia.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO


ENTIDADE NACIONAL PARA O SECTOR ENERGÉTICO, EPE (ENSE) [devidamente identificada nos autos] Ré na acção administrativa que contra si foi intentada por [SCom01...], Ld.ª [também devidamente identificada nos autos] na qual formulou pedido no sentido de ser anulada a decisão proferida no âmbito do processo 07/DB/2021 e nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, pela qual foi determinado que pagasse a quantia de € de €91.048,00, a título de compensações do 4.º trimestre de 2020, inconformada com a Sentença proferida, por via da qual foi julgada procedente a acção e anulado o acto impugnado, inconformada, veio interpor recurso de Apelação.
*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
A. O presente Recurso vem interposto da sentença proferida nos autos em referência, que julgou a presente ação procedente e, em consequência, anulou o ato administrativo de pagamento de compensações por incumprimento das obrigações de biocombustíveis previstas no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, referente ao 4.º Trimestre de 2020, impugnado nos presentes.
B. O Tribunal a quo decidiu da invalidade do ato impugnado à luz do direito comunitário, anulando-o nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA e considerando como prejudicados os vícios assacados pela ora Recorrida ao ato impugnado.
C. Com efeito, socorrendo-se do acórdão proferido pelo TJUE proferido no processo C-604/2021, na sequência do pedido de reenvio prejudicial no âmbito do processo 860/21.1BEBRG, e dele fazendo uma incorreta interpretação, considerar, que o ato impugnado nos presentes é ilegal por o projeto legislativo referente ao Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, ao fixar, no seu n.º do artigo 11.º, a obrigação de incorporação de determinada percentagem de biocombustíveis e, nessa medida, constituir uma regra técnica, não ter sido objeto de comunicação à Comissão Europeia, sendo inoponível aos particulares e, nessa medida, entendeu que o ato impugnado padece de um vício gerador de anulabilidade, nos termos do de um vício gerador de anulabilidade, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 .º, n.º 1 do CPA.
D. Ora, é aqui que encerra o erro de julgamento perpetrado pelo Tribunal a quo, motivado por uma incorreta interpretação e aplicação do Direito ao caso sub judice.
E. Começa-se por dizer que o Acórdão proferido pelo TJUE – na sequência de um reenvio prejudicial promovido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no âmbito de um processo onde foi suscitada a inoponibilidade do Decreto-Lei n.º 117/2010 aos particulares, com fundamento na violação do Direito da União Europeia – não analisou o caso concreto, limitando-se a esclarecer a interpretação que deve ser dada a um conjunto de normas constantes da Diretiva 98/34/CE.
F. Assim, a pronúncia realizada pelo TJUE não aporta um novo fundamento de nulidade ou anulabilidade do ato administrativo em apreço.
G. Como referido, no seguimento de um conjunto de questões prejudiciais formuladas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no âmbito do processo n.º 860/21.1BEBRG, foi proferido Acórdão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no passado dia 09/03/2023.
H. O referido Acórdão do TJUE veio esclarecer a interpretação que deve ser dada a um conjunto de normas consagradas na Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, conforme alterada pela Diretiva 2006/96/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006.
Com efeito, o mesmo declarou que:
“1) O artigo 1.º, ponto 4, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação, conforme alterada pela Diretiva 2006/96/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006, deve ser interpretado no sentido de que: uma legislação nacional que fixa um objetivo relativo à incorporação de 10 % de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários introduzidos no consumo por um operador económico relativamente a um determinado ano é abrangida pelo conceito de «outra exigência» na aceção do artigo 1.º, ponto 4, da Diretiva 98/34, conforme alterada, e constitui assim uma «regra técnica» na aceção do artigo 1.º, ponto 11, da Diretiva 98/34, conforme alterada, a qual apenas é oponível aos particulares se o seu projeto tiver sido comunicado em conformidade com o artigo 8.º, n.º 1, da Diretiva 98/34, conforme alterada.”
I. Concluindo, nessa medida, que o objetivo relativo à incorporação de 10 % de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários introduzidos no consumo por um operador económico relativamente a um determinado ano constituiu uma «regra técnica» na aceção do artigo 1.º, ponto 11, da Diretiva 98/34, conforme alterada, a qual apenas é oponível aos particulares se o seu projeto tiver sido comunicado à Comissão Europeia.
J. Ora, ainda que a ora Ré Recorrente não sufraga o entendimento supra do TJUE, importa que o ato administrativo em crise não é ilegal, conforme considerou o Tribunal a quo, tendo, de resto, a pronúncia do TJUE se limitado à consideração sobre a inoponibilidade aos particulares das normas de direito nacional.
K. Com efeito, o ato administrativo foi praticado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 117/2010, o qual à data de se encontrava plenamente em vigor, sendo que atualmente a sua vigência só não se mantém porquanto foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2022, 9 de dezembro, o qual estabelece metas relativas ao consumo de energia proveniente de fontes renováveis, transpondo parcialmente a Diretiva (UE) 2018/2001. Assim, a ora Ré Recorrente encontrava-se vinculada a proferir o ato administrativo impugnado nos exatos termos em que foi proferido, sob pena de violação do princípio da legalidade.
L. Razão pela qual o ato administrativo em apreço não padece (nem poderia padecer, de resto) de qualquer vício gerador de ilegalidade. Isto porque, independentemente da norma legal ser oponível ou inoponível aos particulares, a mesma era oponível à Administração Pública, i.e., à ora Ré Recorrente.
M. Pelo que, não estamos perante um problema de ilegalidade do ato administrativo em crise, conforme peticionado nos presentes, mas antes perante uma (eventual) questão de responsabilidade civil extracontratual do Estado Português por alegados danos decorrentes do exercício da função político-legislativa. Nesses termos, entendendo a Autora que a vigência do Decreto-Lei n.º 117/2010 no ordenamento jurídico português afetou a sua esfera jurídica, deve recorrer aos mecanismos processuais adequados para o efeito, o que não passa pela impugnação do ato administrativo praticado pela ora Ré Recorrente com fundamento na inoponibilidade do Decreto-Lei n.º 117/2010.
N. Por outro lado, sempre se diga que, mesmo que se admitisse que a inoponibilidade do ato administrativo impugnado, no momento em que foi praticado, fosse suscetível de gerar a sua anulabilidade, o (alegado) vício deixou de existir em função do lapso temporal no entretanto verificado, consolidando-se o ato no ordenamento jurídico. Veja-se, a propósito, o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 08/02/2013, no âmbito do processo n.º 00235/11.0BEPNF, nos termos do qual “ocorre caducidade do direito de ação quando o A., perante ilegalidades imputadas ao ato administrativo impugnado que são cominadas apenas com o desvalor da anulabilidade, não observa o prazo que se mostra previsto no art. 58.º, n.º 2 do CPTA”
Pelo que, por força do lapso temporal no entretanto verificado, a eventual invalidade sempre se encontraria sanada.
O. Em face do exposto, a sentença ora recorrida padece de um erro de julgamento, porquanto o ato impugnado não padece de qualquer vício gerador de mera anulabilidade, por violação do disposto na Diretiva n.º 98/34/CE aquando da elaboração e publicação do diploma legal que legitimou a sua prática, o que deve conduzir à anulação da sentença recorrida, o que invoca.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se que ao presente Recurso seja dado provimento, ordenando-se a anulação da sentença recorrida, por estarem verificados os fundamentos de anulação da sentença,
Com o que se fará a esperada Justiça.
[…].”

**

A Recorrida apresentou Contra Alegações, no âmbito das quais elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]

1- De acordo com a decisão proferida pelo T.J.U.E. em 09.03.2023, as metas de incorporação fixadas no artigo 11.º do DL 117/2010 de 25-10 são inoponíveis aos seus destinatários, desde logo porque não foram cumpridas as obrigações do Estado Português de comunicação prévia desta norma técnica à Comissão Europeia, o que retira a base legal à norma em questão, esvaziando-a do ordenamento jurídico.

2- Nos processos impugnatórios, refere o artigo 95.º n.º 3 do CPTA, que o Tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade invocadas, mas não só, também deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares, em obediência ao Princípio do Contraditório, quando exigido.

3- Assim, o Tribunal, nos processos impugnatórios, não tem de limitar a sua decisão à pronúncia sobre as causas de invalidade invocadas pelas partes, já que não só pode, como deve, identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas.- Cfr. n.º 3 parte final do artigo 95.º do CPTA.

4- Pelo que, ao pronunciar-se pela invalidade da norma técnica constante do artigo 11.º da Lei 2010/17 de 25-10, decorrente da violação do artigo 8.º n.º 1 da Diretiva 98/34 da U.E. que impunha a sua comunicação prévia à Comissão, antes da sua aprovação e aplicação no Estado membro, neste caso, Portugal, bem andou o Tribunal A Quo, que cumpriu expressamente o que a Lei Processual Administrativa lhe impõe.

5- O ato administrativo impugnado foi praticado ao abrigo de uma norma técnica- artigo 11.º do DL 117/2010 de 25-10- que foi declarada ilegal, de acordo não só com o juízo do TJUE, mas também do Supremo Tribunal Administrativo, como resulta da decisão proferida no processo 02739/17.2BEBRG-A, por Acórdão de 06-07-2023 da 1.ª Secção, processo em que o Recorrente era parte, e cuja decisão não ignora.

6- De acordo com a decisão do TJUE, a ordem de pagamento fundamentada naquela legislação nacional ilegal, aplicada aos destinatários particulares (como o é a aqui Autora- recorrida) torna esse ato inválido e contenciosamente impugnável por violação da lei, por erro nos pressupostos de direito – falta de base legal.

7- Também no âmbito interno ou nacional existe, já, decisão inatacável sobre esta matéria, concretamente o Acórdão do STA acima citado.

8- Nos processos impugnatórios, o Tribunal não está limitado nem no tempo, nem quanto ao conhecimento de qualquer vício gerador de invalidade do ato administrativo impugnado que não tenha sido invocado pelos particulares ou pelo Ministério Publico, sob pena de se esvaziar de sentido o conteúdo vertido na segunda parte do número 3 do artigo 95.º do CPTA, que impõe ao julgador o dever de identificar outras causas de invalidade, sem descriminar se de nulidade ou anulabilidade, o que deve obviamente acontecer sempre que a impugnação tenha sido deduzida em tempo pelo Particular ou pelo Ministério Publico.

9- O Tribunal deve poder conhecer de todos os vícios que estando presentes num determinado ato sejam suscetíveis de atacar a sua validade enquanto ele não se tornar definitivo do ponto de vista da sua imposição ao particular.

10- O facto de, decorridos os prazos p. e p. no artigo 58.º do CPTA estar vedado ao destinatário impugnar o ato ferido de anulabilidade não significa que o juiz não possa conhecer de outras causas de invalidade do ato administrativo, quando confrontado com o processo impugnatório, instaurado atempadamente, pois uma interpretação diversa esvaziaria de sentido o disposto no artigo 95.º n.º 3 segunda parte e nos artigos 161.º e 163.º todos do CPTA.

11- O n.º 6 do artigo 161.º do CPTA refere expressamente que quando na pendência de processo impugnatório, o ato impugnado seja anulado por sentença proferida noutro processo, pode o autor fazer uso do disposto nos n.ºs 3 e 4 do presente artigo para obter a execução da sentença de anulação.

12- Como se refere no Acórdão do STA já citado, o ato em crise é inválido e contenciosamente anulável por vício de violação da lei, por erro nos pressupostos de direito- falta de base legal.

13- Esta decisão superior conclui, no mesmo sentido, que o julgamento do TJUE é plenamente aplicável no caso do presente processo, uma vez que a jurisprudência daquele Tribunal Europeu, quanto à interpretação fixada no direito da EU, designadamente em processo de reenvio prejudicial, torna-se obrigatória quer no âmbito da causa em que o reenvio foi operado, quer em quaisquer outros processos em que seja pertinente a aplicação das mesmas normas interpretadas. (Negrito e sublinhados nossos)

14- Mais refere que além do Tribunal Nacional destinatário, ficar vinculado pela interpretação dada, o Acórdão do TJUE vincula também os outros órgãos jurisdicionais a quem seja submetida questão idêntica.(Negrito e sublinhados nossos)

15- Os tribunais nacionais (Tribunais Comuns do Direito da União Europeia), tem o dever de desaplicar a legislação nacional que julguem contrária ao direito da União Europeia, em obediência ao Princípio do Primado do Direito da U.E., acautelando a garantia de proteção jurídica aos particulares decorrente do efeito direto das normas de direito comunitário.

16- A decisão recorrida interpretou corretamente quer o disposto no artigo 95.º n.º 3 conjugado com o disposto nos artigos 161 e 163.º do CPTA, quer as normas do Direito Comunitário, cuja direta aplicação no âmbito nacional assegurou e interpretou de forma correta e adequada.

17- Ao decidir de acordo com o Direito Europeu, nos termos em que o fez, o Tribunal A Quo limitou-se a agir ao abrigo da Lei, aplicando o direito ao caso subjudice após identificar todas as causas de invalidade do ato objeto de impugnação.

18- A falta de base legal do ato administrativo que aplicou as compensações com base na norma ilegal contida no artigo 11.º do DL 117/2010 de 25-10 não é restrita ao processo em que foi declarada, antes se impõe a sua inaplicabilidade em geral, a todos os seus destinatários, o que o Tribunal A Quo reconheceu ao declarar procedente a ação, resultado da correta interpretação e aplicação do Direito da União, expresso no Acórdão do TJUE.

19- Ao pretender que o ato ilegal que praticou está sanado pelo decurso do tempo, o recorrente confunde e mistura o disposto no n.º 1 do artigo 95.º do CPTA com o seu n.º 3 e designadamente com a segunda parte deste dispositivo, que contém uma previsão especial para os processos impugnatórios, que não limita o julgador ao Princípio do Dispositivo ou, nomeadamente, ao Princípio consagrado no artigo 608.º n.º 2 do CPC, mas lhe consente e exige um regime mais alargado de decisão.

20- O Acórdão do TJUE referido, pronunciou-se sobre a matéria em discussão nos presentes autos na medida em que versou matéria que torna inoponível a norma do artigo 11.º do DL 110/17 de 25-10 a todos os destinatários particulares que possam ser abrangidos por aquela disposição ilegal, como é o caso da recorrida que aquela norma ilegal afetou obrigando-a enquanto destinatário registado, a apresentar os TdB calculados de acordo com as percentagens estabelecidas, para cada ano, naquele normativo, impossíveis de obter, de resto, e a condenou nas compensações correspondentes à sua não apresentação.

21- Se com a decisão do TJUE dúvidas subsistissem quanto à extensão da aplicação do dispositivo daquele Acórdão, as mesmas mostram-se dissipadas pelo STA no Acórdão citado de 06.07.2023, que refere na sua Conclusão II: “… em face daquele seu Acórdão (do TJUE) de 9.3.2023, resulta, por si, incontornável a procedência da impugnação contenciosa, aqui em apreciação, da ordem de pagamento fundamentada naquela legislação nacional tida como inoponível aos destinatários particulares, sendo pois tal ato impugnado inválido e contenciosamente anulável por vício de violação da Lei por erro nos pressupostos de direito (falta de base legal).”

22- A obediência à lei, por parte da Administração Publica não pode significar que se exima às suas obrigações de legalidade só porque dispõe de uma norma vigente num determinado momento, mas cuja ilegalidade vem entretanto a ser declarada, antes lhe impondo dar cumprimento à obrigação de revogação administrativa dos atos ilegais perante a constatação da invalidade da norma que sustentou a sua decisão como impõe o artigo 165.º do CPA, designadamente enquanto os mesmos não se mostrem contenciosamente anulados.

23- O ato administrativo em crise não se consolidou (ainda) no ordenamento jurídico pois a sua impugnação atempada impediu que se tornasse definitivo quanto aos seus efeitos, na esfera jurídica da recorrida.

24- A sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento, é o ato impugnado que padece efetivamente de vício de violação da lei por erro nos pressupostos de direito - falta de base legal, que, de resto, é contemporânea do Diploma Legal que continha a norma do artigo 11.º, que violou, sempre, a Diretiva 98/34 CE ao não respeitar as regras para a sua aprovação.

25- O facto de este ato ter sido praticado ao abrigo de um diploma que se encontrava em vigor à data, não afasta a sua invalidade por falta de base legal – vicio de violação da lei por erro nos pressupostos de direito, como bem referem os Acórdãos, respetivamente do TJEU e do STA citados.

26- A decisão proferida pelo Tribunal A Quo não viola qualquer dispositivo legal ou Princípio fundamental do direito, designadamente os pretendidos e citados pela recorrente, pelo que deve manter-se e produzir todos os efeitos que a lei consente, julgando-se improcedentes as conclusões formuladas e consequentemente o recurso interposto pelo R., com todas as consequências legais.

27- Caso assim se entenda, deve o processo ser reenviado ao Tribunal A Quo a fim de ser proferida decisão que tendo em atenção todos os demais fundamentos de invalidade e inconstitucionalidade reclamados pela Autora, ora recorrida, na Ação, a julgue procedente.

TERMOS EM QUE,

Com o sempre douto entendimento de V.ªs Ex.ªs, Venerandos Juízes Desembargadores, que assim decidindo farão a habitual e costumada Justiça, deve o recurso ser rejeitado, por infundado, mantendo-se a Douta Decisão recorrida, nos seus precisos termos.
Caso assim se não entenda, deve o Tribunal apreciar as demais causas de invalidade invocadas pela Autora na P.I. impugnatória, para tanto baixando os autos à Primeira Instancia- TAF DE BRAGA.
[…].”

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.



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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

Face ao que é a essência da Sentença sob recurso, e a base na qual assentará a prolação da presente decisão, julgamos ser suficiente a remessa para o probatório constante da Sentença recorrida, o que assim decidimos.

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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 26 de junho de 2023, que tendo apreciado a pretensão deduzida pela Autora contra a Ré, no sentido de ser anulada a decisão proferida pelo Presidente do Conselho de Administração da ENSE, que no âmbito do processo 07/DB/2021 e nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, determinou que a Autora ora Recorrida pagasse a quantia de €91.048,00, a título de compensações do 4.º trimestre de 2020, veio a julgar pela sua procedência e a anular o acto impugnado.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.


Cotejadas as Alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, delas se extrai que por si vem sustentada, em suma, a ocorrência de erro de julgamento em matéria de direito porque o acto administrativo impugnado não é ilegal, por ter sido praticado ao abrigo de um diploma legal que à data se encontrava em vigor e que só foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2022.

Cumpre apreciar e decidir.

Analisada a Sentença recorrida, constatamos que a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, em sede do relatório sentencial efectuado referiu que a Autora veio impugnar a decisão da autoria da Ré ora Recorrente tomada na sequência da invocada verificação do incumprimento das metas de incorporação de biocombustíveis no 4.º trimestre de 2020, tendo-a condenado [à Autora] no pagamento da compensação de €91.048,00, por aplicação do regime previsto no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, tendo sustentando [a Autora] que o acto impugnado padece, entre o mais, de violação de lei por não ter cometido qualquer infracção e não ter incumprido as obrigações de incorporação de biocombustíveis, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, defendendo que não se insere na categoria de incorporador por deter a qualificação de destinatário registado.

Mais referiu a Mm.ª Juíza no relatório sentencial que a Autora veio requerer a ampliação da instância com fundamento no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia proferido a 09 de março de 2023, no âmbito do reenvio prejudicial ocorrido no processo n.º 860/21.1BEBRG [que foi por si – Autora - junto aos autos – Cfr. fls. 347 e 351 dos autos – SITAF], ampliação essa que não foi admitida, tendo todavia referido que o Tribunal iria decidir da invalidade do acto impugnado à luz do direito comunitário.

E logo após [depois de ter efectuado o saneamento dos autos], em sede das questões que lhe cumpria decidir, referiu competir-lhe julgar sobre se o acto impugnado padece dos vícios que lhe são apontados, bem como, do suscitado em virtude da decisão proferida pela Tribunal de Justiça da União Europeia quanto à inoponibilidade da norma de direito nacional aos particulares, tendo para o efeito vindo a fixar a matéria de facto que julgou por relevante, com cujo julgamento, de resto, se conformou a Recorrente, porquanto a sua pretensão recursiva não versa sobre qualquer erro de julgamento em matéria de facto.

Com referência aos elementos de prova que a suportam, veio o Tribunal a quo a enunciar as razões que conduziram à apreciação do mérito da causa, tendo estribado juridicamente a sua posição no sentido de que a pretensão da Autora tinha de proceder, tendo por isso julgado procedente a acção, anulando o acto proferido pela Ré, e condenando-a nas custas processuais a que deu causa.

Ora, como assim resulta da instrução dos autos, a Autora ora Recorrida tinha junto aos autos cópia do Acórdão proferido pelo TJUE, decisão judicial esta que, de resto, havia sido especialmente dirigida ao TAF de Braga por aquele mesmo Tribunal [Cfr. fls. 351 dos autos – SITAF].

Como assim resulta da Petição inicial, a Autora já assacava ao acto impugnado, invalidade que tinha subjacente a violação de lei, com fundamento, em suma, em que não lhe podia ser exigido o pagamento das compensações a que se reporta o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, por ser inaplicável o disposto no artigo 11.º do mesmo diploma legal [Cfr. entre outros, pontos 80 a 84 da Petição inicial].

Para além disso, tendo subjacente o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea c) e 412.º, n.º 2, ambos do CPC, o Tribunal a quo não podia obnubilar, enquanto facto tangível, o suporte documental constante dos autos, cujo conhecimento oficioso, de resto, sempre lhe é devido por força do exercício das suas funções.

Os termos e os pressupostos de direito invocados pela Autora para efeitos da convocação daquele diploma legal não vinculam o Tribunal, sendo certo que o que a Autora peticionou, entre o mais, foi a anulação do acto prolatado pela Ré [Cfr. alínea a) do pedido formulado a final da Petição inicial], e tal assim foi julgado ocorrer pelo Tribunal a quo, conforme para aqui se extrai parte da essencialidade da fundamentação por si aportada, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Através da presente acção, pretende-se a apreciação da legalidade do acto administrativo que ordenou o pagamento do valor de um determinado valor, a título de compensação pelo alegado não cumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis relativas ao 4.º trimestre de 2020.
Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que o acto administrativo impugnado, que ordenou o pagamento da compensação, foi praticado nos termos conjugados nos artigos 11.º, 18.º e 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, que estabeleceu os critérios de sustentabilidade para a produção e utilização de biocombustíveis e biolíquidos e definiu os limites de incorporação obrigatória de biocombustíveis para os anos 2011 a 2020, transpondo os artigos 17.º a 19.º e os anexos III e V da Directiva n.º 2009/28/CE, do Conselho e do Parlamento Europeu, de 23 de Abril, e o n.º 6 do artigo 1.º e o anexo IV da Directiva n.º 2009/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril.
Ora, o artigo 11.º do aludido Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, estabeleceu as metas e as obrigações de incorporação, determinando que as entidades que incorporem combustíveis no mercado para consumo final no sector dos transportes terrestres, estão obrigadas a contribuir para o cumprimento das metas de incorporação nas seguintes percentagens de biocombustíveis, em teor energético, relativamente às quantidades de combustíveis por si colocadas no consumo, fixando-se uma percentagem de 11% para o ano de 2021.
Dispondo ainda o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 152-C/2017 que: «1 - O incumprimento das obrigações de apresentação dos TdB como comprovativo da incorporação de biocombustíveis nos termos do n.º 2 do artigo 11.º e dos artigos 13.º e 18.º determina o pagamento de compensações no valor de (euro) 2 000, por cada TdB em falta. (…)
4 - No caso de os incorporadores em incumprimento não regularizarem a respetiva obrigação de incorporação nos termos dos números anteriores, a entidade fiscalizadora especializada para o setor energético comunica o incumprimento à DGEG para determinação de suspensão da certificação de interveniente do Sistema Petrolífero Nacional, até à regularização da situação de incumprimento.
5 - A determinação e liquidação do pagamento das compensações, bem como a suspensão da certificação, competem à DGEG. (…)».
Constituindo a obrigação de incorporação de uma percentagem de biocombustíveis uma regra técnica, ao abrigo da Directiva n.º 98/34/CE, o Estado Português estava obrigado a comunicar o projecto de diploma à Comissão Europeia.
Efectivamente, a Directiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Junho de 1998 estabeleceu um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas, exigindo no artigo 8.º, n.º1, que: «os Estados-membros comunicarão imediatamente à Comissão qualquer projecto de regra técnica, excepto se se tratar da mera transposição integral de uma norma internacional ou europeia, bastando neste caso uma simples informação relativa a essa norma. Enviarão igualmente à Comissão uma notificação referindo as razões da necessidade do estabelecimento dessa regra técnica, salvo se as mesmas já transparecerem do projecto».
[…]”
Fim da transcrição

Ora, em conformidade com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, o legislador quis transpôr para a ordem jurídica interna os artigos 17.º a 19.º e os anexos III e V da Directiva n.º 2009/28/CE, do Conselho e do Parlamento Europeu, de 23 de abril, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis, assim como transpôr o n.º 6 do artigo 1.º e o anexo IV da Directiva n.º 2009/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril, relativa às especificações da gasolina e do gasóleo rodoviário e não rodoviário, e à introdução de um mecanismo de monitorização e de redução das emissões de gases com efeito de estufa, e entre o mais, estabelecer os critérios de sustentabilidade de produção e utilização de biocombustíveis e de biolíquidos, independentemente da sua origem, assim como definir os limites de incorporação obrigatória de biocombustíveis para os anos de 2011 a 2020.

Como assim se lê no preâmbulo do diploma “[…] a incorporação de biocombustíveis nos transportes terrestres, em substituição dos combustíveis fósseis, para além de contribuir decisivamente para alcançar o objectivo de 31 % do consumo final de energia com origem renovável, assume especial relevância para a redução das emissões de gases com efeito de estufa, para a diversificação da origem da energia primária e para a redução da dependência energética externa em relação aos produtos petrolíferos, cumprindo os objectivos subjacentes à ENE 2020. […] Deste modo, o presente decreto-lei determina os critérios para a qualificação dos biocombustíveis e biolíquidos como sustentáveis e cria um novo mecanismo de apoio à incorporação dos biocombustíveis no cabaz de combustíveis consumidos no sector dos transportes, dando continuidade aos mecanismos de promoção da utilização dos biocombustíveis, previstos nos Decretos-Leis n.ºs 62/2006, de 21 de março, e 49/2009, de 26 de fevereiro. Para verificação do cumprimento das metas de incorporação é criado um sistema de emissão de títulos de biocombustíveis (TdB), atribuindo-se uma valorização adicional aos biocombustíveis produzidos a partir de resíduos e detritos ou de matéria-prima com origem lenho-celulósica, bem como os que sejam produzidos a partir de matérias endógenas, de forma a privilegiar o valor acrescentado nacional e em concordância com a ENE 2020. Este sistema de TdB permite que os mesmos sejam transaccionáveis pelos agentes económicos, dando a cada incorporador, como forma de comprovação do cumprimento da sua meta, a opção entre obter os TdB necessários através da incorporação de biocombustíveis ou adquirir esses títulos a agentes que os tenham em excesso. O incorporador que não entregue os títulos que comprovem o cumprimento da meta de incorporação definida fica obrigado ao pagamento de uma compensação.
[…]”

Ora, é do que assim tratam os autos.

Ou seja, a Ré praticou um acto administrativo nesse domínio, impondo à Autora o pagamento de uma compensação, e a Autora, por seu turno, invocou a ilegalidade/invalidade desse acto, peticionando a final da Petição inicial a sua anulação.

O Tribunal a quo, em conformidade com o decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no reenvio prejudicial efectuado no âmbito do processo n.º 860/21.1BEBRG, e que correu termos sob o n.º C-604/2021, apreciou e decidiu que “[…] Decorre, assim, do decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia que as metas de incorporação de biocombustíveis e respectivos pagamentos exigidos ao Autor, como previstas no artigo 11.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 117/2010, correspondem a regras técnicas e que, por não terem sido cumpridas as obrigações de comunicação prévia à Comissão, não lhe podem ser oponíveis.
Aqui chegados, será de recordar que o primado do direito da União Europeia exige que este Tribunal acompanhe o entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia, vertido no acórdão n.º C-604/2021, para concluir que o acto impugnado ao ser desconforme com o direito da União Europeia, terá de ser anulado, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º1, do CPA.
Deixando de existir sustentação legal para que possa ser exigido ao Autor o pagamento da compensação em causa.
Considerando a posição alcançada, fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios.
[…]”

Assenta a pretensão recursiva da Recorrente, em sede do imputado erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, no pressuposto, em suma, que o acto administrativo é legal porque emitido ao abrigo do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, que então estava em vigor, e que a mesma estava vinculada na sua prolação em obediência ao princípio da legalidade, e que a pretensão da Autora ora Recorrida é ilegal, por se tratar de uma incorporadora que tinha a obrigação de cumprir o disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro. Nada refere a Recorrente de substancial em torno do julgamento efectuado pelo Tribunal a quo, visando a interpretação e aplicação dos artigos 8.º e 9.º da Diretiva 98/34/CE, mormente, em torno da observância, pelo legislador nacional, do primado do direito comunitário, originário e derivado, e da sua vinculatividade para as instâncias jurisdicionais nacionais, o que julgamos ser assaz relevante.

Vejamos.

Efectivamente, em torno da interpretação e aplicação dos artigos 8.º e 9.º da Diretiva 98/34/CE, e que reputamos ser nuclear para efeitos do que a final era a pretensão anulatória da Autora, e em que também vêm a radicar as Contra alegações por si dirigidas à pretensão recursiva da Recorrente, este TCA Norte veio já a prolatar, de forma unânime e reiterada, jurisprudência com a qual a Sentença recorrida tem o devido alinhamento, de que destacamos o Acórdão proferido no Processo n.º 856/21.3BEBRG, datado de 04 de outubro de 2023, o Acórdão proferido no Processo n.º 2639/17.6BEBRG, e o Acórdão proferido no Processo n.º 1584/21.5BEPRT, ambos datados de 30 de novembro de 2023, decisões judiciais essas em que interviemos na qualidade de Adjunto.

Esses Acórdãos deste TCA Norte foram proferidos com amparo em jurisprudência do TJUE, de que destacamos o mesmo Acórdão tomada pelo Tribunal recorrido [datado de 09 de março de 2023, proferido no Processo “Vapo Atlantic” (C-604/21, EU:C:2023:175), acessível em [acessível no link: https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=271072&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=2407524, que aqui deixamos enunciado], do qual, por facilidade, para aqui extraímos com interesse para a decisão a proferir, o que segue:

Início da transcrição
“[…]
1) O artigo 1.°, ponto 4, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação, conforme alterada pela Diretiva 2006/96/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006, deve ser interpretado no sentido de que: uma legislação nacional que fixa um objetivo relativo à incorporação de 10 % de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários introduzidos no consumo por um operador económico relativamente a um determinado ano é abrangida pelo conceito de «outra exigência» na aceção do artigo 1.°, ponto 4, da Diretiva 98/34, conforme alterada, e constitui assim uma «regra técnica» na aceção do artigo 1.°, ponto 11, da Diretiva 98/34, conforme alterada, a qual apenas é oponível aos particulares se o seu projeto tiver sido comunicado em conformidade com o artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva 98/34, conforme alterada.
2) O artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva 98/34, conforme alterada pela Diretiva 2006/96, deve ser interpretado no sentido de que: uma legislação nacional que visa transpor o artigo 7.°-A, n.° 2, da Diretiva 98/70/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 1998, relativa à qualidade da gasolina e do combustível para motores diesel e que altera a Diretiva 93/12/CEE do Conselho, conforme alterada pela Diretiva 2009/30/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, em consonância com o objetivo que figura no artigo 3.°, n.° 4, da Diretiva 2009/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE, não é suscetível de constituir uma mera transposição integral de uma norma europeia na aceção do artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva 98/34, conforme alterada, e, por conseguinte, de se eximir à obrigação de comunicação prevista nesta disposição.
3) O artigo 4.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2009/30, deve ser interpretado no sentido de que: esta disposição não constitui uma cláusula de salvaguarda prevista num ato vinculativo da União, na aceção do artigo 10.°, n.° 1, terceiro travessão, da Diretiva 98/34, conforme alterada pela Diretiva 2006/96.
[…]”
Fim da transcrição

Atento o teor deste Acórdão do TJUE, e com base no que aí foi apreciado e decidido, o STA veio a proferir Acórdão no Processo 02739/17.2BEBRG-A, datado de 06 de julho de 2023, em que a relação jurídica controvertida de base era similar à que ora está em apreço nestes autos, de onde para aqui extraímos, por facilidade e dado o seu interesse para a decisão a proferir, o seu sumário, como segue:

Início da transcrição
“[…]
I - Do Acórdão do TJUE de 9/3/2023, “Vapo Atlantic” (C-604/21), proferido em reenvio prejudicial operado pelo TAF/Braga no processo 860/21.1BEBRG, resulta que o disposto no nº 1 do art. 11º do DL nº 117/2010, de 25/10, nas suas sucessivas versões até à sua revogação pelo DL nº 84/2022, de 9/12, ao determinar as percentagens de incorporação de biocombustíveis a observar pelas “entidades incorporadoras”, constituía uma “regra técnica” (na aceção do art. 1º, ponto 11, da Diretiva 98/34) a qual só seria oponível aos destinatários particulares se o respetivo projeto tivesse sido comunicado à Comissão Europeia, nos termos previstos no art. 8º nº 1 daquela Diretiva (o que não sucedeu). Mais resulta do Acórdão do TJUE que aquela norma nacional não é suscetível de constituir uma mera transposição integral de uma “norma europeia”, não se subsumindo, pois, à exceção prevista naquele art. 8º nº 1 da citada Diretiva, nem é suscetível de integrar uma “cláusula de salvaguarda”.
II - Esta jurisprudência interpretativa do TJUE impõe-se também no âmbito do presente processo, onde se discute questão idêntica, tornando inútil a manutenção do reenvio prejudicial aqui também operado (“Vapo Atlantic II”, C-413/22), em que foram colocadas ao TJUE questões suplementares, pois que, em face daquele seu Acórdão de 9/3/2023, resulta, por si, incontornável a procedência da impugnação contenciosa, aqui em apreciação, da ordem de pagamento fundamentada naquela legislação nacional tida como inoponível aos destinatários particulares (como a aqui Autora/Recorrente), sendo, pois, tal ato impugnado, inválido e contenciosamente anulável por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito (falta de base legal).
[…]”
Fim da transcrição

E neste conspecto, tendo presente aqueles identificados Acórdãos deste TCA Norte [onde o ora Relator interveio como Adjunto] e onde foi conhecida e apreciada, em torno das questões aí suscitadas, na sua essência, matéria de igual natureza e mérito àquelas que aqui ora vêm colocadas, aderindo à jurisprudência por eles firmada [sem reservas, embora com as adaptações que mostrem necessárias, designadamente em sede da matéria de facto], aqui damos por enunciada parte da fundamentação aportada no Acórdão proferido no Processo n.º 2639/17.6BEBRG, datado de 30 de novembro de 2023 [de que será junta cópia aos autos] tendo em vista alcançar uma interpretação e aplicação uniformes do direito [cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil], como segue:


Início da transcrição
“[…]
No caso vertente, o ato administrativo impugnado determinou à A. o pagamento de compensações no valor de €142.000,00 (cento e quarenta e dois mil euros) pelo incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis relativas ao 1.º Trimestre de 2020.
Essas metas de incorporação resultam do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 que, de acordo com o acórdão do TJUE supracitado, constituem normas técnicas.
Ora, se tais metas de incorporação constituem normas técnicas, deveriam ter sido comunicadas à Comissão Europeia, sob pena de serem inoponíveis e inaplicáveis aos particulares.
A comunicação prévia das regras técnicas encontra-se prevista no artigo 8.º da sobredita Diretiva, nos seguintes termos:
1. Sob reserva do disposto no artigo 10º, os Estados membros comunicarão imediatamente à Comissão qualquer projeto de regra técnica, exceto se se tratar da mera transposição integral de uma norma internacional ou europeia, bastando neste caso uma simples informação relativa a essa norma. Enviarão igualmente à Comissão uma notificação referindo as razões da necessidade do estabelecimento dessa regra técnica, salvo se as mesmas já transparecerem do projeto.
Não tendo sido efetuada tal comunicação, como resulta da matéria de facto provada nos presentes autos, concluímos que o referido ato administrativo, já que fundamentado no Decreto-Lei n.º 117/2010, padece de invalidade, devendo ser anulado, como, efetivamente, o foi pela sentença recorrida.
Acresce que, com relevância para os presentes autos, no âmbito do processo n.º 2739/17.2BEBRG-A, que tramitou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, e cujo objeto é idêntico ao dos presentes autos, designadamente, a impugnação de um ato administrativo praticado pela ora recorrente traduzido na aplicação de compensações à ora recorrida, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu Acórdão em 06 de julho de 2023, o qual julgou procedente, por provada, a ação administrativa da recorrente, determinando a anulação de tal ato [...]
[...]
Importa, transcrever, ainda, parte do teor deste acórdão do STA de 6/07/2023, que infirma totalmente as conclusões da recorrente:
“21. Deste Acórdão do TJUE, de 9/3/2023, resulta, pois, em conclusão, que o disposto no nº 1 do art. 11º do DL nº 117/2010, de 25/10, nas suas sucessivas versões até à sua revogação operada pelo DL nº 84/2022, de 9/12, ao determinar as percentagens de incorporação de biocombustíveis a observar pelas “entidades incorporadoras”, constituía uma “regra técnica” (na aceção do art. 1º, ponto 11, da diretiva 98/34), a qual só seria oponível aos destinatários particulares (como a aqui Autora) se o respetivo projeto tivesse sido comunicado à Comissão nos termos previstos no art. 8º nº 1 da Diretiva 98/34. Mais declarou o TJUE que tal norma nacional não é suscetível de constituir uma mera transposição integral de uma “norma europeia” (não se subsumindo, pois, à exceção prevista no art. 8º nº 1 da Diretiva 98/34), nem é suscetível de se integrar numa cláusula de salvaguarda.
Ora, este julgamento do TJUE, proferido em 9/3/2023 no âmbito daquele mecanismo de reenvio prejudicial (C-604/21) operado pelo TAF/Braga no âmbito do processo 860/21.1BEBRG, é decisivo, por si, para determinar a sorte deste nosso presente processo.
Na verdade, não sendo a norma contida no nº 1 do art. 11º do DL 117/2010, de 25/10, oponível aos destinatários particulares, ela não era, consequentemente, oponível à aqui Autora/Recorrente, pelo que o ato impugnado, praticado pela Ré/Recorrida “ENSE”, consistindo numa ordem de pagamento fundamentada num incumprimento daquela norma, queda-se sem fundamento legal, incorrendo, pois, em vício de erro nos pressupostos de direito (falta de base legal).
Dúvidas não pode haver que aquele julgamento do TJUE é plenamente aplicável no caso do presente processo, uma vez que a jurisprudência daquele tribunal europeu, quanto à interpretação fixada do direito da UE, designadamente em processo de reenvio prejudicial, torna-se obrigatório quer no âmbito da causa em que o reenvio foi operado quer em quaisquer outros processos em que seja pertinente a aplicação das mesmas normas interpretadas. Efetivamente, além de o tribunal nacional destinatário ficar vinculado pela interpretação dada, o Acórdão do TJUE vincula também os outros órgãos jurisdicionais a quem seja submetida uma questão idêntica.
Ora, no presente processo, estamos perante um litígio substancialmente idêntico, apenas variando a quantia da compensação a dever ser, alegadamente, paga pela Autora/Recorrente e o espaço temporal a que tal compensação se reporta (no nosso caso, o ano de 2016, a que, nos termos do aludido nº 1 do art. 11º do DL 117/2010, correspondia uma obrigação de incorporação de biocombustíveis na percentagem de 7,5% - cfr. alínea c). Sendo irrelevantes, quanto à manutenção dessa inoponibilidade, a variação das várias versões do DL 117/2010 até á sua revogação pelo DL 84/2022, de 9/12 (nomeadamente, as versões introduzidas pelos DLs. 6/2012, de 17/1, 69/2016, de 3/11 – em que se baseou o ato aqui impugnado, 152-C/2017, de 11/12 e 8/2021, de 20/1).
Em face do julgamento do TJUE, tornam-se, pois, inúteis as eventuais respostas às questões prejudiciais colocadas suplementarmente ao TJUE pelo reenvio prejudicial operado, à cautela, no âmbito deste nosso processo, uma vez que, independentemente dessas respostas, a já estabelecida inoponibilidade aos destinatários particulares (como a aqui Autora/Recorrente) da norma impositiva contida no nº 1 do art, 11º do DL 117/2010, impõe, por si, irremediavelmente, uma decisão de procedência da presente ação impugnatória, por força de vício do ato impugnado, por erro nos pressupostos de direito (falta de base legal) – o que se decide.”
Pelo exposto, temos que, não sendo a norma inserta no nº 1 do art. 11º do DL 117/2010, de 25/10, oponível aos destinatários particulares, ela não era, consequentemente, oponível à aqui Autora/Recorrente, pelo que o ato impugnado, praticado pela Ré/Recorrente “ENSE”, consistindo numa ordem de pagamento fundamentada num incumprimento daquela norma, fica sem fundamento legal, incorrendo em vício de erro nos pressupostos de direito (falta de base legal).
[...]
Note-se, ademais, que o citado Acórdão do TJUE, de 9/3/2023, ao declarar a inoponibilidade, aos destinatários/particulares, da legislação portuguesa em causa, já pressupõe preenchida uma das condições para que essa consequência seja possível: o “efeito direto” do relevante direito da UE. Isto é, a possibilidade de os particulares poderem invocar este direito europeu em ordem a salvaguardarem os seus direitos e interesses, eventualmente contra legislação nacional que o contrarie (cfr. Acórdão fundamental “Van Gend en Loos”, 26/62).
E, nos termos do Acórdão fundamental “CIA Security Service (C-194/94), aliás citado pelo TJUE no Acórdão interpretativo de 9/3/2023, «há que concluir que a Diretiva 83/189 deve ser interpretada no sentido de que a inobservância da obrigação de notificação acarreta a inaplicabilidade das “regras técnicas” em questão, de modo que não podem ser opostas aos particulares», sendo que ao juiz nacional «compete recusar a aplicação de uma “regra técnica” nacional que não tenha sido notificada em conformidade com a Diretiva”.
Não tendo sido assim considerado pelo Tribunal a quo, independentemente de qualquer outra invalidade, a sentença padece de erro de julgamento, no que, em concreto respeita à interpretação do artigo.° 11, do Decreto-Lei n.° 117/2010, conjugado com os artigos 1.°, 8.° e 9.°, da Directiva 98/34/CE, o que determina a revogação da sentença recorrida, com as demais consequências legais.
[...]“
Fim da transcrição

Como assim deflui do extraído supra, a solução jurídica que aí foi alcançada, e que teve presente, na sua base fundamental, o julgamento de que está em causa uma “regra técnica” que não foi notificada à Comissão Europeia em conformidade com a Directiva n.º 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, datada de 22 de junho de 1998, e que as normas em causa a que se reporta o Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro [em particular o seu artigo 11.º, n.º 1], não sendo oponíveis aos previstos destinatários, in casu, à Autora ora Recorrida, e tendo-o sido porque a Ré ora Recorrente emitiu acto administrativo que lhe dirigiu e que a final consubstancia uma ordem para pagamento, não incorreu o Tribunal a quo, na realidade, no invocado erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, julgando antes com acerto, por estar subjacente ao acto impugnado uma actuação contrária à lei, fundada em erro nos pressupostos da sua aplicação, desde logo, em desconformidade com o direito da União Europeia.

Neste conspecto, dada a manifesta improcedência do recurso jurisdicional, julgamos ser desnecessária, por inútil para os termos dos autos, a apreciação e decisão em torno de outros erros de julgamento imputados pela Recorrente à Sentença recorrida.




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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro; Directiva 98/34/CE; Combustíveis; Erro nos pressupostos de direito.

1 - O disposto no artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, ao determinar as percentagens de incorporação de biocombustíveis a observar pelas “entidades incorporadoras”, constituía uma “regra técnica” [na aceção do artigo 1.º, ponto 11, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, datada de 22 de junho de 1998] a qual só seria oponível aos destinatários particulares se o respetivo projecto tivesse sido comunicado à Comissão Europeia, nos termos previstos no artigo 8.º n.º 1 daquela Directiva.

2 – Assim não tendo sucedido, e falta de idónea base legal substantiva, os actos praticados pela Entidade Nacional para o Sector Energético, EPE, ao abrigo do disposto no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, são inválidos e contenciosamente anuláveis por violação de lei, por erro nos seus pressupostos de direito, por promanados em desconformidade com o direito da União Europeia.
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IV – DECISÃO

Face ao que deixamos expendido supra, e tendo subjacente o disposto nos artigos 27.º, n.º 1, alínea i) e 94.º, n.º 5, ambos do CPTA e artigo 656.º do CPC, julgamos em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente Entidade Nacional para o Sector Energético, EPE, confirmando assim a Sentença recorrida.




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Custas a cargo da Recorrente – Cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.
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Junte aos autos cópia do Acórdão proferido no Processo n.º 2639/17.6BEBRG

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Notifique, também com remessa de cópia do Acórdão referido antecedentemente.

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Porto, 29 de janeiro de 2024.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator