Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00447/09.7BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/23/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:LIQUIDAÇÃO VS NOTIFICAÇÃO, VÍCIO FORMAL
Sumário:I – O artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário só tem a ver com a notificação dos actos tributários, destinando-se a estabelecer as consequências das deficiências das notificações e não o regime dos vícios dos actos notificados, daí que, no âmbito desse artigo 37.°, a Administração apenas pode suprir as deficiências da notificação, mas não as do acto notificado.

II – Consubstancia vício formal do próprio acto de liquidação, por ser relevante, a errónea enunciação no mesmo dos factos tributários que deram origem à liquidação a que se refere o artigo 123.º, n.º 1, alínea c) do Código de Procedimento Administrativo, vigente à data.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A., SA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, em 03/07/2017, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por A., S.A., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Rua (…), contra o acto de liquidação de retenção na fonte de IRC, e respectivos juros compensatórios, do ano de 1998, no valor de €3.586,52.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1) O Tribunal a quo considerou que o ato impugnado sofre de vício de forma, por divergência entre a designação do rendimento sujeito a tributação e a designação do rendimento referido na liquidação notificada.
2) O tribunal parte do entendimento de que existe vício de forma, por considerar que a notificação da liquidação refere que o ato tributário se ficou a dever a “remunerações de membros de órgãos estatutários”, e a origem dos rendimentos que realmente justifica essa liquidação refere “comissões pagas a não residentes”.
3) Ora no presente caso é possível concluir de modo diverso daquele que concluiu o ilustre julgador do tribunal a quo, isto é, que a liquidação impugnada cumpre os requisitos de fundamentação exigidos pelo artº 77º nº 1 e nº 2 da LGT.
4) Pois consta dos factos provados sob os nºs 1, 2, 3, 4 e 5 da douta sentença e do relatório de inspeção junto aos autos quais foram os motivos de facto e de direito que levaram a Administração tributária a praticar o ato.
5) In casu a correção efetuada à empresa ficou-se a dever ao pagamento das comissões pagas ao não residente A.,SA, a partir de Fevereiro de 1998, sem que tenha efetuado as retenções de imposto.
6) E aqui há que realçar que o procedimento administrativo de liquidação é composto por uma série de atos dirigidos à concreta determinação do montante do imposto a pagar e culmina com o ato de aplicação da taxa à matéria tributável.
7) A obrigatoriedade da fundamentação impõe-se à Administração na fase de decisão do procedimento. (Artº 77º nº 1 da LGT)
8) Conforme resulta do P.A. e dos pontos nº 1 e 2 do probatório, no caso em apreço estamos perante um procedimento de inspeção tributária.
9) Os atos tributários aqui em crise resultaram do relatório de inspeção elaborado em consequência do referido procedimento de inspeção.
10) Os atos tributários que resultem do relatório fundamentam-se nas suas conclusões, através da sua adesão ou concordância com estas.
11) A fundamentação das liquidações impugnadas é a que resulta quer do relatório de inspeção, quer do parecer do inspetor tributário, que mereceu a concordância do Diretor de Finanças de Aveiro.
12) E este é o documento decisivo para determinar o teor da fundamentação externada pela Administração fiscal.
13) E da leitura do referido documento, resulta evidente que a correção efetuada à empresa se ficou a dever a que no ano de 1998 a sociedade impugnante “pagou comissões a não residentes pessoas singulares e pessoas coletivas” sem que tivesse efetuado as respetivas retenções na fonte relativas aos pagamentos feitos à sociedade A.,SA, apurando IRC-Retenção na fonte em falta no valor de 651.267$00 (ou €3.248.51).
14) Aceitamos que possa ter causado alguma estranheza ao Tribunal, o conteúdo da notificação da liquidação, a que se reporta o ponto 5 do probatório, pois numa primeira análise pode dar a impressão que a natureza dos rendimentos é “remuneração de membros de órgãos estatutários de pessoas coletivas”.
15) Mas o que é certo é que tais documentos são documentos emitidos por computador, produzidos em série, e de acordo com um padrão, que muitas vezes não se adequam com todo o rigor à situação a que se reportam, considerando-se que o Tribunal a quo assim o devia ter entendido.
16) E de todo o modo não são aptos para aferir a fundamentação da liquidação.
17) Pois o que é relevante para averiguar sobre a fundamentação é o teor da fundamentação inserta no relatório de inspeção.
18) Pois aí se consubstancia a decisão do procedimento.
19) E essa decisão é que contém a fundamentação. (Artº 77º nº 1 da LGT)
20) As notificações referentes ao montante de imposto a pagar não são efetuadas para efeitos de comunicação da fundamentação (pois essa já foi comunicada antes) mas tão só para efeitos de reação ao ato de liquidação, abrindo-se prazo a partir destas notificações para pagar e para reclamar ou impugnar, nos termos e prazos dos artigos 70º e 102º do CPPT.
21) Pelo que se encontra cumprido o artº 77º nº 1 da LGT, não carecendo o ato administrativo impugnado de fundamentação.
22) Na sentença sindicada diz-se que a divergência quanto à origem dos rendimentos mencionada no relatório e na notificação da liquidação, induz em erro qualquer destinatário que desconheça o contexto em que decorreu o procedimento que levou a essa decisão.
23) É manifesto que não se pode tirar esta conclusão, em face do procedimento que antecedeu a liquidação e do comportamento da impugnante no referido procedimento.
24) Conforme já foi invocado pela recorrente na sua contestação, e aqui volta a alegar, não se pode dizer que o “erro cometido na notificação da liquidação” não permitiu à impugnante saber a que se devia o montante exigido a título de imposto.
25) É manifesto que não se pode tirar esta conclusão, em face do comportamento da impugnante no referido procedimento.
26) Da leitura da posição tomada pela impugnante, na reclamação graciosa, no recurso hierárquico e na presente impugnação, resulta que esta conhece os motivos porque as correções lhe foram efetuadas, o que lhe possibilitou interpor os referidos meios graciosos e judiciais de contestação do ato de liquidação.
27) Resulta da leitura dos artigos 1º, 2º e 3º da p.i, que a ora recorrida compreendeu perfeitamente as razões em que se baseia a liquidação impugnada, de tal modo que contesta as correções que foram efetuadas derivadas de ter colocado à disposição certas quantias a não residentes, sem ter efetuado a devida retenção na fonte.
28) E uma vez que a impugnante contestou a avaliação e quantificação da matéria coletável que foi efetuada é porque a compreendeu, assim a situação questionada nos autos não consubstancia qualquer falta de fundamentação.
29) E aliás como se decidiu no acórdão do TCA-Norte de 18/05/2017, que apreciou um caso idêntico ao da impugnante, em que se colocava a questão de saber qual a consequência de uma notificação que padece de irregularidade, e em que foi entendido que os atos de liquidação em questão encontram-se devidamente fundamentados, padecendo tão só a respetiva notificação de irregularidade suscetível de sanação.
30) O ilustre julgador decide que a liquidação impugnada deve ser anulada porque a divergência entre a notificação e o ato tributário afeta a maneira como tal ato se expressa, e o mesmo viola o artigo 123º nº 1 c) do CPA.
31) A exigência de que deve constar do ato a enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, quando relevantes, prevista no artº 123º nº 1 c) do CPA, prende-se com as exigências de fundamentação e reporta-se ao ato administrativo e não ao ato de notificação.
32) Os vícios do ato a notificar, designadamente a falta de fundamentação não se confundem com os vícios do ato de notificação que não contiver os elementos legalmente exigidos. Os primeiros dão origem à ilegalidade do ato por vício de falta de fundamentação, os segundos têm como consequência a irregularidade do ato de notificação, por sua vez, a ineficácia do ato a notificar.
33) E como vimos o ato tributário é válido e contém a fundamentação legalmente exigida.
34) A irregularidade cometida existe na notificação do ato tributário, e não afeta a validade do ato notificado, na medida em que esta se trata de um ato exterior a este.
35) Assim, os vícios que determinam a invalidade da notificação não determinam a invalidade do ato notificado, não podendo o mesmo ser anulado como preconiza o Tribunal a quo.
36) O Tribunal a quo fez uma incorreta apreciação da prova, e violou os artigos 77º nº 1 e nº 2 da LGT e 62º nº 1 do CPPT.
TERMOS EM QUE, deve ordenar-se a revogação da douta sentença, como é de LEI E JUSTIÇA.”

A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir pela procedência da impugnação deduzida pela ora Recorrida contra a liquidação de IRC, por vício de forma.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença recorrida foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“3.1 Matéria de facto dada como provada.
Com base nos documentos junto aos autos e no processo administrativo (PA) apenso considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:
1. Consta do Relatório de inspeção, datado de 4/8/1999 e homologado por despacho de 6/8/1999, que a AT levou a cabo uma ação de inspeção à atividade da agora Impugnante na qual apurou que no ano 1998 esta sociedade “pagou comissões a não residentes pessoas singulares e pessoas coletivas” sem que tivesse efetuado as respetivas retenções na fonte relativas aos pagamentos feitos à sociedade A., SA, apurando IRC-Retenção na fonte em falta no valor de 651,267$00 (ou €3.248,51) – fls. 1 a 15 do PA;
2. Em 4/8/1999 a AT elaborou declaração oficiosa mod. 101, relativa a retenções na fonte de IRC do ano 1998 devidas pela agora Impugnante discriminando as retenções em falta em cada um dos meses de junho a dezembro, no valor total de 651.267$00 (ou €3.248,51) e atribuindo aos respetivos rendimentos o código 08 – fls. 16 do PA;
3. Na mesma data (4/8/1999) a AT elaborou informação onde consta que “o sujeito passivo (agora Impugnante) não efectuou as retenções sobre as comissões creditadas a A.,SA”, no valor global de 651.267$00 (ou €3.248,51) – fls. 17 a 23 do PA;
4. Em 20/10/1999 a AT efetuou a liquidação nº 6420002864, relativa a IRC-Retenções na fonte de 1998 devidas pela agora Impugnante, no valor de 651.268$00 acrescido do valor de 67.765$00 relativo a juros compensatórios, no valor global de 719.033$00 correspondente a €3.586,52 – fls. 98 do PA e doc. 2 anexo à p.i., a fls. 12 do processo físico;
5. Em finais de 1999 a AT notificou à agora Impugnante a liquidação a que alude o ponto anterior fazendo constar que a “natureza do rendimento” sujeito a tributação corresponde a “Remuneração de Membros de Órgãos Estatutários de Pessoas Colectivas” e que o valor pode ser pago voluntariamente até 6/12/1999 – artigo 4º da p.i. e fls. 12 do processo físico;
6. Em 3/3/2000 a agora impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação a que alude a notificação referida no ponto anterior – fls. 24 e seguintes do PA;
7. Em informação de 8/9/2000, prestada pela inspetora autora do Relatório a que se refere o ponto 1 supra, foi proposta anulação do documento de cobrança, a qual mereceu parecer concordante no sentido de, com urgência, se retificar a situação de falta de código para a situação de retenções na fonte de IRC resultante de pagamentos de comissões a não residentes, que, por sua vez, mereceu despacho, de 7/10/2000, no sentido de remeter a reclamação para a Divisão de Justiça Tributária por se entender que não está «em causa a “substância” mas apenas a “forma”» e ser «comummente aceite o principio da prevalência ou primado da primeira (substância) s/ a segunda (forma)» - fls. 33 a 35 do PA;
8. Por despacho concordante de 29/11/2000, foi aprovado o projeto de decisão da reclamação no sentido do indeferimento por se entender «o documento de cobrança de IRC emitido, modelo 20, não previa este tipo de rendimentos, daí haver um entendimento interno, segundo o qual tais correções eram inscritas no campo “Remunerações de Membros de Órgãos Estatutários de Pessoas Colectivas”. Em face do exposto e atendendo a que as correcções efetuadas são efetivamente devidas, estando em causa apenas uma alteração de campos na nota de cobrança, somos de parecer que a reclamação deve ser indeferida» - fls. 36 e 37 do PA;
9. Notificado, a agora Impugnante exerceu o direito de audição pugnando pelo deferimento da Reclamação por entender que “a liquidação efetuada não corresponde a qualquer facto tributário referido no Relatório de Inspecção” – fls. 40 a 42 do PA;
10. Por despacho de 13/9/2001 a AT decidiu indeferir a Reclamação Graciosa por considerar que “A anomalia verificada é resultado da inadequação do documento de cobrança, face à então recente alteração legislativa que não foi, de imediato, acompanhada pela correspondente adaptação do sistema informático. Não se nos afiguram suficientes para (que) possa vir a ser invocado vício de forma, já que a reclamante tinha conhecimento da vontade expressa no relatório do Serviço de Inspeção, de promover a liquidação do imposto encontrado em falta e essa mesma liquidação veio-lhe a ser atempadamente notificada”, concluindo pela ausência de vício de forma apesar da “discordância verificada entre a vontade manifestada no Relatório de Exame e o resultado evidenciado na nota de cobrança pelas razões já apontadas” – fls. 43 a 45 do PA;
11. Notificada do indeferimento da pretensão, a agora Impugnante apresentou recurso hierárquico em 17/10/2001 – fls. 46 a 48 e 49 e seguintes do PA;
12. Por despacho de 30/10/2008, a AT indeferiu o recurso hierárquico porque, não obstante a divergência apontada, a agora Impugnante conhecia os fundamentos da liquidação e se alguma dúvida restasse deveria ter usado a faculdade prevista no artigo 37º do CPPT, pelo que não o tendo feito o vício ficou sanado- fls. 90 a 96 do PA;
13. Em 18/11/2008 a AT notificou a agora Impugnante do teor da decisão acima referida – fls. 97 a 99 do PA
14. Em 14/2/2009, sob registo postal, a petição inicial da presente impugnação foi apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu – fls. 2 do processo físico.
3.2 Matéria de facto dada como não provada:
Não se apuraram factos a considerar como não provados com relevância para a boa decisão da questão.
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4 – Motivação de facto
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art.º 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos art.º 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos descritos no probatório.
Do conjunto da materialidade apurada resultou a convicção de que em ação inspetiva à atividade da agora Impugnante a AT verificou que esta pagou, em 1998, comissões a não residentes, sujeitas a IRC, sem que tivesse efetuado as respetivas retenções na fonte; pelo que a AT efetuou correções no sentido de liquidar o imposto em falta, no valor de € 3.248,51, a que crescem juros compensatórios no montante de € 338,01 (no total de € 3.586,52) – factos 1 a 4 de 3.1 supra.
A AT notificou a agora Impugnante para pagar essas quantias, mas fez constar da nota de cobrança notificada que a liquidação resulta de rendimentos de “Remuneração de Membros de Órgãos Estatutários de Pessoas Colectivas” – facto 5 de 3.1 supra.
Não se discute que a divergência entre a origem do rendimento que originou a correção proposta no Relatório da Inspeção e a respetiva liquidação (Comissões pagas a não residentes) e a origem do rendimento que consta na nota de cobrança notificada (Remuneração de Membros de Órgãos Estatutários de Pessoas Colectivas) resulta do facto de ter havido uma recente alteração legislativa (aditamento, pelo Decreto-Lei nº 25/98, de 10 de fevereiro, da alínea f) ao artigo69º, nº1 do CIRC e da alínea g) do artigo 75º, nº1, do mesmo código), que passou a prever aquela obrigação de retenção na fonte sem que tivesse havido uma oportuna adaptação do impresso modelo 20 que serve de “documento de cobrança” de IRC em casos de falta de retenção na fonte (daí que nesse documento continuava a não existir um campo relativo às retenções devidas por pagamento de comissões a não residentes).
O litígio resulta do facto de o Relatório se referir a um tipo de rendimento e a liquidação notificada se referir a outro, cujo facto tributário a Impugnante considera não se ter verificado (isto é, a AT apurou falta de retenção por pagamento de comissões a não residentes, mas nada indica que tivesse havido falta de retenção por pagamento de remunerações de membros de órgãos estatutários da sociedade agora Impugnante).
A AT afirma que a Impugnante não usou a faculdade prevista no artigo 37º do CPPT (pedido de certidão gratuita com a finalidade de suprir alguma notificação insuficiente), e a esta sociedade não contesta., pelo que se considera que essa realidade não se encontra sob litígio.
Subsiste, portanto, apenas uma divergência de entendimentos sobre o valor e efeitos da discrepância da designação atribuída à origem dos rendimentos a que se reporta a liquidação impugnada.”

Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, adita-se ao ponto 4 do probatório a matéria a seguir sublinhada:
4. Em 20/10/1999 a AT efectuou a liquidação n.º 6420002864, relativa a IRC-Retenções na fonte, dos períodos de 06 a 12 de 1998, devidas pela agora Impugnante, no valor de 651.268$00 acrescido do valor de 67.765$00 relativo a juros compensatórios, no valor global de 719.033$00 correspondente a €3.586,52, constando como factos tributários, sob a menção “tipo de rendimento” - Remunerações de Órgãos Estatutários – fls. 29 do processo administrativo.
Salientamos que a nota de apuramento das retenções na fonte reproduzida na notificação vertida no ponto 5 do probatório corresponde à informação do acto de liquidação ínsita a fls. 29 do processo administrativo.
Certamente por lapso de escrita, nesse ponto 4 da decisão da matéria de facto motiva-se a respectiva factualidade com base no documento de fls. 98 do PA, corrigindo-se, agora, a indicação para fls. 28 do processo administrativo (e fls. 29, como referimos).

2. O Direito

A Fazenda Pública não se conforma com a sentença recorrida que julgou procedente a impugnação judicial. Vejamos, pois, se o Juiz a quo fez errado julgamento ao considerar que a liquidação de IRC de 1998 e respectivos juros padece de ilegalidade que impõe a respectiva anulação.
A decisão recorrida, em resumo, julgou a impugnação procedente, com fundamento em vício de forma, por valorar a discrepância entre as origens do rendimento tributável, indicada no Relatório de inspecção e indicada na liquidação:
«(…) Uma liquidação (ato tributário em sentido restrito) que, como no caso dos autos, indique que uma origem dos rendimentos tributáveis (“remuneração dos membros dos órgãos estatutários”) divergente da origem dos rendimentos que realmente justifica essa liquidação (comissões pagas a não residentes) constitui um “vício de forma”, na medida em que constitui um “divergência” entre a realidade e a descrição que consta do ato tributário, que afeta a maneira como tal ato se expressa e induz em erro qualquer destinatário que desconheça o contexto em que decorreu o procedimento que levou a essa decisão. Pelo que, tal ato viola designadamente o disposto no artigo 123º, nº 1, al. c), do CPA/1996, na medida em que a ali aludida “enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem” não se confunde com a “fundamentação” a que se refere alínea d) do mesmo artigo.
Aquela “divergência” só poderia considerar-se degradada em mera irregularidade, sem efeitos anulatórios, se pudéssemos concluir com segurança que dela não resultou qualquer lesão efetiva dos valores e interesses que a dita exigência de “forma” visa proteger. (…)»
Assim, a sentença recorrida acolheu a causa de pedir exposta na petição inicial: o vício de forma do acto de liquidação, resultante da apontada divergência entre a designação do rendimento sujeito a tributação e a designação do rendimento referido na liquidação notificada, faltando uma nota justificativa da indicação do valor das “comissões pagas a não residentes” no campo relativo a “remunerações de membros de órgão estatutários”.
As partes concordam que existe uma divergência entre o “nomem” do rendimento sujeito a tributação, conforme apurado na acção inspectiva, e do rendimento constante do documento de cobrança notificado, e ambas as partes sabem e concordam que apenas está em causa a existência dos factos tributários correspondentes ao primeiro (retenções na fonte por pagamento de comissões a não residentes em território português).
A Impugnante reconhece a existência da acção inspectiva na qual foi proposta a liquidação de IRC devido por falta de retenções na fonte do imposto relativo a “comissões pagas a não residentes” e não discute que a divergência apontada à liquidação em causa, cujo valor coincide com aquele que foi apurado no Relatório de inspecção, poderá resultar do facto de, na altura da liquidação e da notificação, ainda não ter sido adaptado o respectivo impresso modelo 20 às novas exigências colocadas pela nova redacção dos artigos 69.º e 75.º do CIRC, dada pelo Decreto-Lei n.º 25/98, de 10 de Fevereiro.
A Recorrente insurge-se contra o decidido, invocando, no essencial, que “O Tribunal a quo considerou que o ato impugnado sofre de vício de forma, por divergência entre a designação do rendimento sujeito a tributação e a designação do rendimento referido na liquidação notificada. O tribunal parte do entendimento de que existe vício de forma, por considerar que a notificação da liquidação refere que o ato tributário se ficou a dever a “remunerações de membros de órgãos estatutários”, e a origem dos rendimentos que realmente justifica essa liquidação refere “comissões pagas a não residentes”. Ora no presente caso é possível concluir de modo diverso daquele que concluiu o ilustre julgador do tribunal a quo, isto é, que a liquidação impugnada cumpre os requisitos de fundamentação exigidos pelo artº 77º nº 1 e nº 2 da LGT. (…)”
Ora, desde logo, ressalta que a sentença recorrida não anulou a liquidação de IRC posta em crise por discrepância entre a notificação da liquidação e a própria liquidação. Aliás, conforme resulta da decisão da matéria de facto (incluindo o aditamento realizado por este tribunal), a notificação enviada reproduzia os termos em que foi emitida a liquidação em 20/10/1999. Acresce não ter a decisão recorrida evidenciado a verificação de qualquer vício de forma por falta de fundamentação.
Na linha da defesa vertida na sua contestação, a Fazenda Pública identificou a questão levantada na petição inicial no âmbito da fundamentação da liquidação – cfr. os seus artigos 8.º e 9.º - “A questão que é levantada prende-se com a fundamentação da liquidação”. Esta deslocação do invocado vício de forma para o vício de falta de fundamentação é reiterada no presente recurso, conforme se observa pela leitura da maioria das conclusões das suas alegações.
Tudo indica que a Recorrente se terá convencido estar perante questão idêntica à que já foi julgada por este TCAN, no âmbito do Acórdão de 18/05/2017, no processo n.º 3681/04-Aveiro. Contudo, nesse indicado Acórdão, o cerne do problema residia na distinção entre as deficiências da notificação e as do próprio acto de liquidação; onde, em síntese, se concluiu que o artigo 37.°, n.º 1, do CPPT permite a sanação de deficiências dos actos de notificação, sendo que a notificação deficiente do acto de liquidação, podendo determinar a ineficácia do acto notificando, é insusceptível de produzir a sua invalidade, por não ter a ver com o próprio acto e com os seus pressupostos. A notificação ao contribuinte não integra o acto tributário, pelo que a sua eventual irregularidade não afecta a validade deste mas a sua eficácia. A notificação de um acto tributário é um acto exterior a este, o que significa que os vícios que, eventualmente, afectem a respectiva notificação levam à invalidade da mesma e à consequente ineficácia do acto notificado, mas não afectam a validade do acto tributário. Fundamentação do acto tributário e notificação da fundamentação são realidades distintas e com consequências diversas: a falta da primeira leva à anulação do acto por vício de forma, sendo que a falta da segunda constitui irregularidade sanável que não inquina a validade do acto.
Desde logo, de forma avisada, a sentença recorrida salienta não estar em causa, in casu, a fundamentação do acto, nem a regularidade da notificação: “Afigura-se que não está em causa a fundamentação do acto, que a Impugnante não nega conhecer, nem a regularidade da notificação, que a Impugnante não discute.”
Nesta conformidade, o presente recurso concentra-se em questões não abordadas na decisão recorrida e que não estão em apreço nos autos, não dirigindo, como veremos, um ataque eficaz à sentença recorrida.
O tribunal a quo, aderindo à tese da Impugnante, anulou a liquidação de IRC posta em crise, por considerar que a mesma padecia de vício de forma, uma vez que nessa liquidação que foi notificada à Impugnante constava, erroneamente, como natureza do rendimento sujeito a tributação “Remunerações de membros de Órgãos Estatutários de Pessoas Colectivas”, em vez de “Comissões pagas a não residentes”.
A questão não se mostra, assim, somente focada na notificação efectuada, mas intrínseca à própria liquidação emitida em 20/10/1999, na medida em que a notificação se limita a reproduzir a liquidação anteriormente efectuada pela AT.
Note-se que o presente acto de liquidação surge como consequência natural de um procedimento inspectivo (cfr. ponto 1 do probatório), sendo no relatório de inspecção tributária que consta a fundamentação desta posterior liquidação.
É, por isso, legítimo afirmar que se devem ter por fundamentadas as liquidações fundadas em correcções derivadas do relatório da inspecção quando de tal relatório constam as razões dessa correcção e posterior liquidação.
É que para saber se o acto de liquidação está ou não fundamentado não pode o julgador alhear-se do relatório da inspecção, pois este é o culminar de um procedimento que o procedimento liquidatário comporta, visando a procura da verdadeira situação tributária do contribuinte e a sua efectiva comprovação.
Mostra-se pacífico que o procedimento em causa não culminou com um acto de liquidação consentâneo com a motivação do relatório de inspecção, dado que, conforme apurado na acção inspectiva, apenas está em causa a existência dos factos tributários correspondentes a retenções na fonte por pagamento de comissões a não residentes em território português, e não remunerações de órgãos estatutários, conforme consta do acto de liquidação emitido em 20/10/1999. Verificando-se, por isso, que nenhum imposto é devido por remuneração de membros de órgãos estatutários de pessoas colectivas.
Logo, conforme decidiu a sentença recorrida, a liquidação de IRC enferma de erro na identificação dos factos tributários que subjazem à mesma, sem que exista qualquer explicação contemporânea do acto de liquidação para tal desconformidade em relação às conclusões do relatório de inspecção. Não há dúvida que deve sempre constar do acto de liquidação, porque relevante, a enunciação dos factos tributários que deram origem à liquidação – cfr. artigo 123.º, n.º 1, alínea c) do Código de Procedimento Administrativo (CPA) vigente à data. É esta errónea enunciação dos factos (como sendo remunerações de órgãos estatutários) que gera o evidente vício de forma do acto de liquidação. Como, de forma escorreita, é sublinhado pelo tribunal recorrido, não está em causa a fundamentação do acto (que consta das conclusões e da decisão que recaiu sobre o relatório inspectivo) a que se refere a alínea d) do artigo 123.º do CPA.
Também não colhe o argumento, avançado nas decisões proferidas no âmbito dos meios graciosos de que a Recorrida lançou mão, de que se a Impugnante, porventura, tinha dúvidas quanto à fundamentação da divergência poderia lançar mão do expediente regulado no artigo 37.° do CPPT. Ora, no caso dos autos, o vício não é da notificação, dele enferma o próprio acto notificado, daí que o tribunal “a quo” não tenha sequer considerado o disposto no n.º 1 do artigo 37.º do CPPT, nem tinha que o fazer, pois a questão que lhe foi trazida pela Impugnante respeitava à legalidade formal da própria liquidação, que não da notificação desta.
Vejamos o correcto julgamento efectuado pelo tribunal “ a quo”:
«(…) Na perspetiva da Impugnante tal situação (divergência consubstanciada na liquidação notificada) equivale a um vício de forma que afeta a validade do ato tributário.
Ao longo dos procedimentos de defesa graciosa a AT parece ter reduzido o “vício de forma” aos casos de preterição de formalidades legais essenciais. Segundo esse entendimento não haveria tal vício de forma porque “a liquidação do imposto devido, que era do conhecimento da reclamante, com os fundamentos dados a conhecer pelo relatório (…), foi devidamente notificado” nos termos do artigo 66º do CPT então em vigor, e porque “a falta da eventual comunicação prévia à reclamante, a que se refere a informação prestada pelos Serviços de Inspeção tributária, não pode ser havida como formalidade essencial”.
Em rigor, a Impugnante não atribui ao ato de liquidação o vício de forma por falta de validade da notificação dos fundamentos constantes do Relatório da inspeção nem, no essencial, por falta de comunicação da justificação para a apontada divergência.
O facto que constitui a “essência” do vício de forma invocado pela Impugnante consubstancia-se na existência da divergência formal entre a designação da origem do rendimento tributável, tal como foi descrito no Relatório da inspeção, e a designação atribuída no documento de cobrança a que alude a notificação da liquidação.
Ora, a existência de tal divergência não é um facto litigioso: ambas as partes o reconhecem.
A Impugnante considera que essa divergência é “formal”, no sentido de que não ficciona a existência de dois atos substancialmente diferentes, um relativo a retenções na fonte por comissões pagas a não residentes e outro relativo a remunerações de membros de órgãos estatutários; tal divergência verifica-se apenas na forma como vem expresso: no Relatório, a correção relativa ao facto tributário real reporta-se às comissões pagas a não residentes; no documento de cobrança alude-se à tributação de “remuneração e membros de órgão estatutários”, que é um facto substancialmente inexistente.
Portanto, a questão a resolver não é a de saber se ocorre a descrita divergência formal, mas antes a de saber se tal divergência constitui um “vício de forma” suscetível de ferir o ato tributário notificado de ilegalidade anulatória.
Fora dos casos expressamente previstos na lei, os vícios do ato administrativo são sancionados, em regra, com a anulabilidade, podendo também acontecer que originem meras irregularidades, designadamente quando da violação da forma legal não resulte qualquer lesão efetiva dos valores e interesses protegidos pelo preceito violado.
Os vícios dos atos administrativos em matéria tributária ou dos atos tributários geradores de anulabilidade enquadram-se genericamente em 4 categorias: erro sobre os pressupostos de direito, erro sobre os pressupostos de facto, incompetência e vício de forma (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª ed. 2011, volume II, cometários 12 a 17, pág. 115-126.
A “forma” do ato administrativo é a maneira pela qual este se exterioriza: quanto à “forma” a lei prescreve essencialmente que o ato é escrito e revelar a data e autoria, deve conter fundamentação acessível e o ato tributário (liquidação em sentido restrito, como operação de quantificação do quantum concretamente devido) deve conter os elementos essenciais das necessárias operações aritméticas e deve respeitar as formalidades legais essenciais previamente estabelecidas (artigos 150º, 151º, 152º e seguintes do novo CPA/2015 ou 122, 123, 124º e seguintes do CPA/1996).
Uma liquidação (ato tributário em sentido restrito) que, como no caso dos autos, indique que uma origem dos rendimentos tributáveis (“remuneração dos membros dos órgãos estatutários”) divergente da origem dos rendimentos que realmente justifica essa liquidação (comissões pagas a não residentes) constitui um “vício de forma”, na medida em que constitui um “divergência” entre a realidade e a descrição que consta do ato tributário, que afeta a maneira como tal ato se expressa e induz em erro qualquer destinatário que desconheça o contexto em que decorreu o procedimento que levou a essa decisão. Pelo que, tal ato viola designadamente o disposto no artigo 123º, nº 1, al. c), do CPA/1996, na medida em que a ali aludida “enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem” não se confunde com a “fundamentação” a que se refere alínea d) do mesmo artigo.
Aquela “divergência” só poderia considerar-se degradada em mera irregularidade, sem efeitos anulatórios, se pudéssemos concluir com segurança que dela não resultou qualquer lesão efetiva dos valores e interesses que a dita exigência de “forma” visa proteger.
Como relevou o DM Ministério Público no seu douto Parecer, não está em causa uma situação resultante de um lapso irrelevante derivado de prática burocrática standardizada. Pelo contrário, a AT admite que optou por imputar, no preenchimento do documento de cobrança modelo 20 então disponível, o valor do rendimento correspondente a “comissões pagas a não residentes” no campo correspondente a “Remunerações de elementos de órgãos estatutários”, por, nessa altura, o referido impresso-tipo ainda não ter sido adaptado à nova previsão legal resultante do aditamento efetuado pelo Decreto-Lei nº 25/98, de 10 de fevereiro.
Ou seja, a apontada “divergência” não resultou de lapso inconsciente, mas de uma opção voluntária, embora ditada pela necessidade de suprir a falta de diligência de outros serviços da administração tributária sem funções “liquidadoras”.
Note-se que as consequências dessa falta de diligência administrativa não podem ser imputadas aos sujeitos passivos, mas apenas à própria AT.
Resulta da posição da Impugnante que esta aceitaria que o ato tivesse sido praticado com a “forma” concretamente utilizada com a condição de lhe ter sido comunicada a explicação para a opção acima referida, de maneira a garantir que a liquidação notificada correspondia à correção proposta no Relatório da inspeção e que seria de afastar a possibilidade de duplicação da exigência de pagamento do mesmo valor sob a designação de “comissões pagas a não residentes”.
A AT sustenta que uma vez que não existe obrigação legal de juntar tal nota explicativa implica que a sua omissão não pode originar qualquer vício de forma.
Afigura-se que não tem razão: estamos perante um caso especial em que a AT, por condicionamentos burocráticos apenas imputáveis a si própria, não cumpriu o dever de expressar corretamente a forma do ato tributário que praticou na sequência das correções propostas no Relatório de inspeção, criando conscientemente uma evidente e incontestada divergência entre a realidade e forma expressa no ato tributário notificado; esse incumprimento de um dever legal, relativo à externalização do ato, poderia ter sido sanado de maneira expedita e satisfatória para as partes se a AT tivesse emitido a referida nota explicativa, como foi reconhecido por funcionários com elevadas responsabilidades dentro da própria AT e vem aceite pela Impugnante. (…)
Não se diga que a agora impugnante poderia ter usado a faculdade prevista no artigo 37º do CPPT (ou artigo 22º do CPT) e que não o tendo feito se considera que o vício ficou sanado. Essa faculdade destina-se a suprir insuficiência do ato de notificação, e não a suprir vícios do próprio ato notificado.
A falta de emissão da nota justificativa reporta-se à própria forma do ato de liquidação concretamente notificado, e não ao respetivo ato que o comunica.
No caso dos autos a AT nem sequer invoca que emitiu a dita nota explicativa e que por lapso não a juntou à notificação e que, por isso, ocorreu uma insuficiência da notificação.
De qualquer maneira, destinando-se a dita nota explicativa a suprir o vício de forma cometido no próprio ato notificado, se tivesse sido produzida integrar-se-ia naquele ato, contribuindo para a respetiva validade; do mesmo modo, a inexistência de qualquer nota explicativa tem de repercutir-se na validade desse ato tributário, e não apenas na sua eficácia. (…)
Também não se diga que o ato deve manter-se porque, apesar do vício de que padece, o princípio da prevalência da substância em relação à forma impõe tal solução. Na realidade, esse princípio, previsto no artigo 11º, nº 3, da LGT impõe que persistindo dúvida sobre o sentido nas normas de incidência, deve atender-se à substância económica dos factos tributários, e não à sua forma.
Como resulta da própria lei, este princípio não pretende aplicar-se a atos tributários, mas às operações económicas que constituem “factos tributários” sujeitos às regras de incidência dos tributos e apenas quando esteja em causa a existência de dúvida relativa à interpretação do sentido das normas de incidência (sendo certo que atos e factos tributários são realidades inconfundíveis: atos são decisões administrativas relativas a situações concretas e factos são situações da vida sujeitas a tributação por existir prévia previsão legal expressa nesse sentido).
A proceder a tese da AT, no segmento sob análise, o ato de liquidação a notificar poderia ter qualquer conteúdo e forma, à vontade da AT, desde que preexistisse um Relatório de inspeção já notificado, no pressuposto que a liquidação pouco ou nada acrescentaria ao conhecimento dos factos advindo da fundamentação constante do Relatório. Ora, tal margem de liberdade seria absurda quando reconhecida a uma atividade, como a tributária, tão intensamente vinculada em resultado da necessidade de controlar a sua feição inerentemente hostil e lesiva.
Assim, as normas limitadoras da atividade da AT tendem a funcionar como freios indispensáveis para atenuar a impulsividade agressora da máquina fiscal (ou, ainda figuradamente, como um açaime num animal feroz). Isso também se aplica às normas relativas à “forma” dos atos e às “formalidades” dos procedimentos.
Uma vez que a obrigação de identificar corretamente a origem ou facto tributário visa permitir o controlo interno e externo da validade do ato tributário, habilitando a AT e os outros interessados com um “título” ou “escrito”, que descreve sinteticamente o sentido da decisão administrativa de forma correspondente a determinada realidade tributária, externalizando esse ato, tanto no sentido em que o torna “público” como no sentido em que materializa uma determinada “forma” cujo aspeto e conteúdo se tornam “relativamente definitivos”.
No caso concreto não se verifica com certeza absoluta a ausência de uma lesão aos direitos e interesses protegidos pela norma violada, já que não é evidente que AT pretendia exigir o pagamento do IRC de retenções na fonte resultantes de “comissões pagas a não residentes” apesar de para isso indicar que estava a interpelar no sentido de a Impugnante proceder ao pagamento de retenções na fonte resultantes de “remunerações de membros dos órgãos estatutários”. E não existia tal certeza em resultado de inexistir qualquer elemento explicativo da situação.
Se a AT não tinha qualquer intenção de “duplicar” a tributação (sob designações diferentes do respetivo facto tributário) poderia/deveria ter reconhecido razão à posição assumida pela agora Impugnante e efetuado nova notificação ou praticado novo ato tributário (manual ou não) isento do vício, até porque na altura não existia qualquer risco de caducidade do direito de tributar.
Pelo que se reconhece motivo para conceder provimento ao pedido com o fundamento sob análise. (…)”
Constatado, portanto, o vício formal, entende o tribunal recorrido que a “divergência” só poderia considerar-se degradada em mera irregularidade, sem efeitos anulatórios, se pudéssemos concluir com segurança que dela não resultou qualquer lesão efectiva dos valores e interesses que a dita exigência de “forma” visa proteger.
Salientamos que, por força da abordagem adoptada no presente recurso, a Recorrente não questionou o seguinte segmento decisório, que, por isso, transitou em julgado:
No caso concreto não se verifica com certeza absoluta a ausência de uma lesão aos direitos e interesses protegidos pela norma violada, já que não é evidente que AT pretendia exigir o pagamento do IRC de retenções na fonte resultantes de “comissões pagas a não residentes” apesar de para isso indicar que estava a interpelar no sentido de a Impugnante proceder ao pagamento de retenções na fonte resultantes de “remunerações de membros dos órgãos estatutários”. E não existia tal certeza em resultado de inexistir qualquer elemento explicativo da situação.
Tendo presente que os recursos jurisdicionais se destinam a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores, visando anulá-las ou alterá-las com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento), dentro dos fundamentos da sua impugnação, e que o seu objecto está delimitado pelas conclusões das respectivas alegações – cfr. artigo 635.º, n.º 4 do Código de Processo Civil; uma vez que a Recorrente se focou somente em vício que determinaria a invalidade da notificação, deixando incólume a validade do acto de liquidação, não impugnou neste recurso a decisão recorrida quanto à impossibilidade, in casu, de degradação do vício formal verificado na própria liquidação em mera irregularidade. Não tendo a Recorrente atacado no seu recurso os efeitos anulatórios desse vício, não pode este tribunal conhecer esse segmento decisório, mostrando-se estabilizado por não ser objecto do recurso.
Pelo exposto, impõe-se concluir que a sentença recorrida deve manter-se na ordem jurídica, com a respectiva anulação da liquidação impugnada, sendo de negar provimento ao recurso.

Conclusões/Sumário

I – O artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário só tem a ver com a notificação dos actos tributários, destinando-se a estabelecer as consequências das deficiências das notificações e não o regime dos vícios dos actos notificados, daí que, no âmbito desse artigo 37.°, a Administração apenas pode suprir as deficiências da notificação, mas não as do acto notificado.
II – Consubstancia vício formal do próprio acto de liquidação, por ser relevante, a errónea enunciação no mesmo dos factos tributários que deram origem à liquidação a que se refere o artigo 123.º, n.º 1, alínea c) do Código de Procedimento Administrativo, vigente à data.


IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 23 de Janeiro de 2020


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães