Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00021/22.2BEPRT-B
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/10/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; REPETIÇÃO;
EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO;
AUTORIDADE DE CASO JULGADO;
Sumário:1 - A repetição da providência ocorre quando exista uma mesma identidade, que no essencial passa por verificar se as partes, os fundamentos e o pedido são os mesmos.

2 - Se os fundamentos [de facto e de direito] apresentados pelo Requerente como justificantes do prenchimento dos requisitos determinantes do decretamento da providência, a que se reporta o artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, são os mesmos, está vedada a apresentação de nova providência cautelar.

3 - A excepção de caso julgado visa evitar que o Tribunal duplique as decisões sobre idêntico objecto processual, contrariando na decisão posterior o sentido de decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo de decisão anterior.

4 - A força e autoridade de caso julgado tem por finalidade evitar que a regulação jurídica da relação jurídica possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


AA [devidamente identificado nos autos], Requerente no Processo cautelar que intentou contra o Ministério das Finanças, a Autoridade Tributária e Aduaneira, e a Caixa Geral de Aposentações [todos devidamente identificados nos autos], no qual requereu que (i) sejam os Requeridos MF e AT condenados a dar início ao procedimento de realização de Junta Médica do Requerente pela Requerida CGA, comunicada ao abrigo dos artigos 11º e 13º do Decreto-Regulamentar nº 41/90, de 29 de Novembro, em conjugação com os artigos 33º e seguintes da Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, e a Junta Médica da ADSE, de 12/10/2018; e (ii) sejam os Requeridos MF e AT condenados a manter o Requerente com o direito a ausência do trabalho por faltas por doença, em virtude das doenças incapacitantes, de acordo com a Junta Médica de 12/08, pelo menos até ao trânsito em julgado do processo principal a intentar, e tendo em conta a possibilidade conferida nos termos do Despacho Conjunto nº A-179/89/XI, de 12/09, devendo, para tal, considerar-se como justificadas as faltas entre 12/08 e a data em que se realize a Junta Médica pela Requerida CGA, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgada procedente a excepção de caso julgado, e consequentemente, absolveu os Requeridos da instância, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“IV) - CONCLUSÕES
I – ENQUADRAMENTO DO PROCESSADO:

A. O Recorrente intentou processo cautelar, acima melhor identificada contra as Recorridas, Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), Ministério do Estado e das Finanças (MF) e Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA)

B. O Recorrente tem contrato de trabalho com a Requerida, desempenhando, desde há vários anos, funções de atendimento aos contribuintes, tramitação de processos e demais funções associadas.

C. O Recorrente mantém a incapacidade 73 ,83 % e a Recorrida procede ao pagamento do respectivo vencimento com os respectivos descontos para a Requerida Caixa Geral de Aposentações (cfr. Documento n.º ... junto com a petição inicial).

D. O Recorrente apenas recebe a remuneração mínima não dispondo de quaisquer outros rendimentos, tendo o justo receio de ficar em licença sem vencimento e sem remunerações mensais enquanto não lhe é realizada a junta Médica na Caixa Geral de Aposentações, tendo doenças incapacitantes para o trabalho (cfr. Documento n.º ... junto com a petição inicial).

E. Na origem do presente processo está o Ofício n.º ... de 20 de Dezembro de 2021 em que a Recorrida AT comunicou a decisão de indeferimento quanto ao pedido de aposentação (cfr. Documento n.º ...0 junto com a petição inicial).

F. E ainda foi comunicado por intermédio do Ofício nº ...0 de 23.11.2021 da Requerida Caixa Geral de Aposentações, referindo-se ai que “… a Junta de Recurso, realizada em 23 de novembro de 2021 não considerou o(a) subscritor (a) em referência absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, pelo que o pedido de aposentação por incapacidade foi indeferido, por despacho de 23 de novembro de 2021, proferido pela Direcção desta Caixa no uso da delegação de poderes publicada no Diário da República, II Série, nº 244 de 2019.12.19.”

G. Acontece que o mencionado acto administrativo suspendendo (concretamente e apenas o Documento n.º ...0) ofende a autoridade de caso julgado da decisão transitada em julgado (cfr. Documento n.º ...3 ora junto e dado por reproduzido – que consta do processo administrativo):

i) Sentença do Processo n.º 313/19.8BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, Unidade Orgânica 1;
ii) Sentença do Processo n.º 3205/18.4BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, Unidade Orgânica 1;
Conforme processo administrativo da Caixa Geral de Aposentações a fls. 1811 e seguintes.

Além disso,

H. Até ao momento não foi realizada e comunicada o auto da Junta Médica de acordo com as formalidades previstas no Decreto n.º 41/90 de 29 de Novembro e Lei nº 35/2014 de 20 de Junho.

I. O acto administrativo que até ao presente momento, ainda que de modo “precário”, regula a situação do Recorrente é a junta médica realizada a 12 de Outubro de 2018 que, além da incapacidade identificada, recomenda a realização de “junta médica da CGA do art.º 11º do Decreto regulamentar nº 41/90, de 29 de Novembro” (cfr. Documento n.º 5 junto com a petição inicial).

J. Conforme a recomendação da ADSE para a CGA, em respeito pelo disposto no art.º 11.º, al. g) do Decreto Regulamentar nº 41/90, de 29 de Novembro.

K. A realização da junta médica ao abrigo dos normativos legais acima identificados é um direito que assiste ao Recorrente, como é seu direito manter-se ausente do trabalho enquanto se mantiver a incapacidade para o mesmo, e ainda, até realizar a pretendida junta médica que possa vir esclarece, de facto, quais os reais contornos das doenças incapacitantes de que padece e que consequências estas terão no seu trabalho.

L. O que é facto é que o Recorrente não se encontra em condições de realizar a sua actividade profissional de forma alguma.

M. As partes recorridas têm vindo a omitir as suas obrigações na medida em que, além de não cumprirem o que está determinado na lei, colocam o Recorrente num impasse que se arrasta há largos anos. Tal situação urge ser salvaguardada e, sobretudo, definida.

II) – NULIDADE:

N. Contrariamente à interpretação que o Tribunal a quo parece fazer na sua decisão, a verdade é que não se realizou qualquer junta médica. Ou melhor, a junta médica pretendida pelo Autor, aqui Recorrente, e já recomendada pela ADSE, nunca se chegou a realizar. Tanto o Tribunal na sua decisão como as Requeridas confundem a “junta médica realizada” em Novembro de 2021, chamemos-lhe assim, como sendo a junta médica recomendada, contudo, a verdade é que laboram em erro redundando assim numa incorrecta apreciação da factualidade do caso sub judice.

O. A Junta Médica realizada em 12 de Outubro de 2018 que, além da incapacidade identificada, recomenda a realização de “Junta Médica da CGA do artigo 11º do Decreto Regulamentar n.º 41/90 de 29 de Novembro” (cfr. Documento n.º 5 junto com a petição inicial).
Refere o mencionado artigo o seguinte:
1- A junta médica fundamenta os seus pareceres na observação clínica e no exame dos processos.
2- A junta médica deve elaborar parecer escrito fundamentado em relação a cada funcionário ou agente que lhe seja presente, do mesmo devendo constar, conforme a situação:
g) A eventual incapacidade permanente para o serviço, com recomendação ao respectivo serviço sugerindo a apresentação à junta médica da Caixa Geral de Aposentações.”

P. Ora, como resulta de forma evidente, a recomendação acima mencionada não tem nada que ver com o Ofício nº ... de 20 de Dezembro de 2021 que comunicou a decisão de indeferimento quanto ao pedido de aposentação (Cfr. Documento nº ...0 junto com a petição inicial).

Q. Nem com Ofício nº ...0 de 23.11.2021 da Requerida Caixa Geral de Aposentações, referindo-se ai que “… a Junta de Recurso, realizada em 23 de novembro de 2021 não considerou o(a) subscritor (a) em referência absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, pelo que o pedido de aposentação por incapacidade foi indeferido, por despacho de 23 de novembro de 2021, proferido pela Direcção desta Caixa no uso da delegação de poderes publicada no Diário da República, II Série, nº 244 de 2019.12.19.” (cfr. Documento n.º ...0 junto com a petição inicial).

R. Aplica-se e aquele acto (concretamente e apenas o Documento n.º ...0) ofende a autoridade de caso julgado da decisão transitada em julgado (cfr. Documento n.º ...3):
i)Sentença do Processo n.º 313/19.8BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, Unidade Orgânica 1;
ii) Sentença do Processo n.º 3205/18.4BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, Unidade Orgânica 1;

S. Pelo que, o Ofício nº ... de 20 de Dezembro de 2021 que comunicou a decisão de indeferimento quanto ao pedido de aposentação e Ofício nº ...0 de 23.11.2021 da Requerida Caixa Geral de Aposentações, referindo-se ai que “… a Junta de Recurso, realizada em 23 de novembro de 2021 (Cfr. Documento nº ...0 junto com a petição inicial) não é a “Junta Médica da CGA do artigo 11º do Decreto Regulamentar n.º 41/90 de 29 de Novembro” recomendada pela Junta Médica de 12 de Outubro de 2018 pela A.D.S.E. (cfr. Documento n.º 5 da petição inicial).

T. Ao invés, além da prática do acto devido quanto à omissão do procedimento quanto ao Documento n.º 5, entre vários fundamentos de impugnação do Documento n.º ...0 a violação de lei e de procedimento e a ofensa da autoridade de caso julgado. Conforme processo administrativo da Caixa Geral de Aposentações a fls. 1811 e seguintes.

U. Pelo que, verifica-se a nulidade da Sentença prevista na al. c) e d) do n.º 1 do art.º 615.º do Código Processo Civil, em conjugação com os art.ºs 1.º, 94.º, 95.º e 140.º, n.º 3, todos do CPTA.

III) – erro de julgamento – inexistência de Excepção DilATÓRIA DE Caso Julgado

V. O Tribunal a quo na sua Sentença considerou

“Face a tudo o que antecede, julga-se procedente a arguida excepção de caso julgado e, em consequência, absolvem-se as Entidades Requeridas da Instância”.

W. Para tal conclusão o douto Tribunal fundamentou a sua decisão nos seguintes termos “ Estabelece a lei processual que se repete a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
Começando desde logo pela identidade de sujeitos, a mesma ressuma com absoluta clareza, porquanto quer nos presentes autos, quer naqueles que correram os termos neste tribunal, sob o n.º 433/21.9BEPRT, surgem igualmente, como partes na relação material controvertida, o Requerente e as Entidades Requeridas Ministério das Finanças, Autoridade Tributária e Aduaneira e Caixa Geral de Aposentações, dúvidas não existindo no que a tal matéria respeita”

X. Quanto ao segundo pressuposto, considera o Tribunal: “Já que respeita o pedido, e conforme advém da leitura do requerimento inicial apresentado non referido processo 433/21.9BEPRT, é cristalina a sua absoluta identidade, sendo absolutamente a mesma pretensão prosseguida pelo Requerente.”

Y. Por último, entende a Sentença que, “… no que se refere à causa de pedir, a mesma ocorre quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, entendendo-se a causa de pedir como o próprio facto jurídico genético do direito, donde se deverá atender a todos os factos invocados que foram injuntivos da decisão, correspondendo, pois, à alegação de todos os factos constitutivos do direito e relevantes no quadro das soluções de direito plausíveis a que o tribunal deve atender, independentemente da coloração jurídica dada, sendo que a causa de pedir deve ser preenchida com os factos essenciais causantes do efeito jurídico pretendido.

No caso presente, não pode olvidar-se o efeito jurídico pretendido pelo Requerente é sempre, e em última análise, obrigar as entidades demandadas à realização de junta médica para a verificação de incapacidade permanente para o trabalho e o reconhecimento do direito à ausência do trabalho por faltas por doença. E, perscrutadas as duas demandas, ressalta com meridiana clareza que os factos essenciais nos quais o Requerente, fundamenta tais pedidos se prendem com a recomendação elaborada pela ADSE, na junta médica ocorrida em 2018, na incapacidade de 73% que lhe foi fixada, bem assim como o facto de a doença que lhe foi reconhecida constar do elenco do Despacho Conjunto n.º A- 179/89/XI, de 12/09.
O facto de ter o Requerente vindo aduzir mais factualidade (que não nova ou diferente) na presente demanda em nada afecta ou faz alterar a relação material controvertida na qual se sustenta para justificar o seu pedido. Contrariamente, antes se prende a mesma com uma tentativa de justificar o porquê da interposição de uma nova acção, ao arrepio das disposições constantes nos artigos 577.º, 560.º e 581.º do CPC, sem que todavia, deixe de assentar a sua pretensão nos mesmos efeitos jurídicos essenciais.”

Z. Assim, considera, “Verificando-se a tríplice identidade prevista no artigo 580.º CPC, impõe-se concluir estar-se perante a excepção dilatória de caso julgado, excepção esta que imporá a absolvição das Entidades Requeridas da instância, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 576.º CPC, o que desde já se declara.

Ora, o Recorrente não se conforma com tal posição, se não, vejamos,

Inexistência Excepção Dilatória de Caso Julgado

Ponto prévio,
AA. Desde já se adianta que esta figura não é apropriada ao caso das providências cautelares, devido aos pressupostos destes procedimentos e natureza das suas decisões.
BB. Com efeito, a providência cautelar, como nos dizem os autores Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, porque se destina a «...prevenir o perigo da demora inevitável no processamento normal da acção (...) necessita de ter uma estrutura bastante mais simplificada, em consonância com o seu fim específico. Ao apreciar os pressupostos da providência, o juiz não poderá exigir, na prova da existência e da violação do direito do requerente, nem na demonstração do perigo de dano que o procedimento se propõe evitar, o mesmo grau de convicção que naturalmente se requer na prova dos fundamentos da acção. De contrário, o remédio nenhuma eficácia teria no combate à doença que se propõe debelar. Em lugar da prova do direito, o juiz deverá contentar-se nestes casos, como a própria lei (art. 401.º,1) afirma em termos gerais, com uma probabilidade séria da existência do direito; e, em vez da demonstração do perigo de dano invocado, bastará que o requerente mostre ser fundado (compreensível ou justificado) o receio da sua lesão».
CC. Resulta do exposto que a decisão tomada na providência cautelar não tem autonomia, dependendo sim do processo principal. Por outro lado, esta não é uma decisão sobre o mérito da causa, pois é meramente provisória e destina-se tão-só a acautelar os efeitos úteis da acção, enquanto a decisão definitiva não é tomada.
DD. Por conseguinte, a decisão em causa não tem capacidade para formar caso julgado nem dentro, nem fora do processo.
EE. Face ao que fica referido, é de afastar a figura do caso julgado, pois o legislador pretendendo alcançar os mesmos efeitos práticos, senão todos, pelo menos alguns, previu a figura da repetição da providência no n.º 4 do artigo 381.º do Código de Processo Civil, onde se diz que “Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado
De todo o modo, sempre se diria
FF. Os requisitos da exceção do caso julgado (comuns à exceção de litispendência) prendem-se com a ideia de repetição de uma causa, com vista a evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artigo 580º do CPC) e com a ideia da tripla identidade – dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir – decorrente do artigo 581º do CPC.
GG. Visa-se, deste modo, não só evitar o dispêndio desnecessário de tempo, de dinheiro e de esforços, mas principalmente o de “evitar duplicações inúteis da actividade jurisdicional: apenas uma das decisões que viesse a ser proferida teria real utilidade, uma vez que de duas decisões transitadas em julgado vale só a que primeiro transitou, quer sejam conformes, quer divergentes” (Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, pps. 242 e seguintes). No que concerne
HH. No artigo 580.º, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, define-se, nomeadamente, o conceito de caso julgado como pressupondo “… a repetição de uma causa; … se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado …” (n.º 1), sendo que a aludida excepção tem “… por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior …” (n.º 2)
II. E no artigo seguinte concretizam-se os respectivos requisitos referindo-se que se repete “ … a causa quando se propões uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir …” (n.º 1), sendo que há “… identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica …” (n.º2), há “… identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico …” (n.º3) e há “… identidade de causa de pedir quanto a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico …” (n.º 4)
JJ. No caso sub judice, segundo resulta da fundamentação recorrida quanto a este quesito aqui em análise, estará em causa se se verifica, a identidade de pedido e causa de pedir entre ambas as acções cautelares, por um lado a presente acção por outro o processo 433/21.9BEPR.
Importa, assim, determinar se no caso existe identidade de pedidos e de causa de pedir.
KK. A causa de pedir poder-se-á dizer que consiste no facto concreto ou composto factual concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, consubstanciando-se numa indicação de factos suficientes para individualizar o facto jurídico gerador da causa de pedir (cfr. artigo 581.º n.º 4 do CPC).
LL. Assim, a causa de pedir não consiste na categoria legal invocada, no facto jurídico abstrato configurado pela lei, mas, antes, nos concretos factos da vida a que se virá a reconhecer, ou não, força jurídica bastante e adequada para desencadear os efeitos pretendidos pelo Autor, ou seja, a causa de pedir traduz-se nos acontecimentos da vida em que aquele apoia a sua pretensão.
MM. Por sua vez tal efeito jurídico que se pretende obter com a acção consistirá no pedido, devendo entender-se quele efeito como visando, essencialmente, o efeito prático.
NN. Ora a individualização duma acção, face ao que se mostra previsto no n.º 4 do artigo 581.º do CPC e é consensual ao nível da doutrina e jurisprudência, afere-se pela causa do direito, o que a substância ou fundamenta. (teoria da substanciação).
OO. A acção identifica-se e individualiza-se, não pela norma abstrata da lei, mas pelos elementos de facto que convertem em concreto a vontade legal.
PP. Assim e para que o tribunal reconheça ao autor o direito que o mesmo invoca há-de este alegar factos susceptíveis de gerar esse direito, segunda a ordem jurídica constituída.
QQ. Esses factos, postos em contato com a ordem jurídica, é que constituem a causa de pedir, o fundamento ou fundamentos da ação.
RR. Portanto, ocorre a exceção de caso julgado quando se instaura um processo, estando definitivamente decidido, no mesmo ou em tribunal diferente, outro processo entre os mesmos sujeitos, tendo o mesmo objeto e fundado na mesma causa de pedir.
SS. O caso julgado, como exceção dilatória, pressupõe assim a repetição da acção em dois processos diferentes, visando-se como a mesma evitar que o Tribunal se possa debruçar, duplamente, sobre a mesma pretensão correndo o risco desprestigiante, de se contradizer, tornando, dessa forma, precário o valor da segurança e certeza do direito, pelo que a mesma determina que o R./requerido seja absolvido da instância no segundo processo.
Neste contexto,
TT. É no articulado inicial que o Autor/Recorrente deve indicar a causa de pedir, sendo que esta, como aludimos supra, exerce uma função individualizadora do pedido para o efeito da conformação do objeto do processo.
UU. Sendo incontestado e incontestável o facto de que o aqui Autor intentou a providência que correu termos sob o número de processo n.º 433/21.9BEPRT, o pedido aí formula é diverso do invocado pelo Recorrente em sede de acção principal e de que os presentes autos cautelares constituem apenso.
VV. Na primeira acção, processo 433/21.9BEPRT, o pedido é:
Nestes termos e nos melhores de Direito aplicável requer a V. Exa. que se digne admitir o presente processo cautelar e, em consequência, o seu decretamento, por estarem preenchidos os requisitos legais:
i) Com a providência cautelar de regulação provisória de uma situação jurídica (cfr. art.º 112.º, n.º 2, al. e), do CPTA) ou de intimação para adoção de uma conduta por parte da Administração (cfr. art.º 112.º, n.º 2, al. i), do CPTA), de modo a que os Requeridos Autoridade Tributária e Ministério das Finanças iniciem o procedimento de realização da Junta médica do Requerente na Requerida Caixa Geral de Aposentações comunicada ao abrigo dos art.ºs 11.º e 13.º do Decreto Regulamentar n.º 41/90 de 29 de Novembro em conjugação com o art.º 33.º e ss. e 36.º e ss. da Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho e a Junta médica da A.D.S.E. de 12-10-2018;

ii) E, ainda, cumulativamente, por intermédio de providência cautelar de suspensão de eficácia de um acto administrativo (al. a) do n.º 2 do art.º 112.º do CPTA) ou de regulação provisória (al. e) do n.º 2 do art.º 112.º do CPTA) ou intimação para abstenção de conduta (al. i do n.º 2 do art.º 112.º do CPTA), de modo que os Requeridos Autoridade Tributária e Ministério das Finanças mantenham o Requerente com o direito a ausência do trabalho por faltas por doença em virtude das suas doenças incapacitantes, de acordo com a junta médica da A.D.S.E. de 12-10-2018, com o prazo inicial de 18 meses acrescido da prorrogação por mais 18 meses, conforme previsto no art.º 25.º da Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho e quanto ao limite de ausência por doença nos termos dos art.ºs 36.º e 37.º do mesmo diploma legal e no Despacho Conjunto n.º A-179/89/XI, de 12/09 (cfr. Documento n.º 5), com o respectivo direito a remuneração.

WW. Pelo contrário, na presente acção, o pedido é feito nos seguintes termos:
Nestes termos e nos melhores de Direito aplicável requer a V. Exa. que se digne admitir o presente processo cautelar e, em consequência, o seu decretamento, por estarem preenchidos os requisitos legais:
O pedido de condenação na prática dos actos administrativos legalmente devidos de modo a que os Requeridos Autoridade Tributária e Ministério das Finanças iniciem o procedimento de realização da Junta médica do Requerente na Requerida Caixa Geral de Aposentações comunicada ao abrigo dos art.ºs 11.º e 13.º do Decreto Regulamentar n.º 41/90 de 29 de Novembro em conjugação com o art.º 33.º e ss. e 36.º e ss. da Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho e a Junta médica da A.D.S.E. de 12-10-2018, o que não fizeram até ao momento, ao abrigo dos art.ºs 37.º, n.º 1, al. b), f), g), h), i) e/ou j), e 66.º e ss. do CPTA;

Que os Requeridos Autoridade Tributária e Aduaneira e Ministério das Finanças mantenham o Requerente com o direito a ausência do trabalho por faltas por doença em virtude das doenças incapacitantes de acordo com a Junta Médica de 12/08, pelo menos até ao transito em julgado do processo principal a intentar, de que a presente acção cautelar é seu pressuposto, e tendo em conta a possibilidade conferida nos termos do Despacho Conjunto nº A-179/89/XI, de 12/09, devendo para tal considerar-se como justificadas as faltas entre 12/08 (Documento nº ...) e a data em que se realize a junta médica junto da CGA.

XX. Assim, sendo certo que o objectivo do Recorrente até possa ser o mesmo, que as Recorridas cumpram com as suas obrigações, a verdade é o pedido formulados em ambas as acções não correspondem, nem tem na sua base exactamente a mesma factualidade, não se podendo considerar assim que se verifique uma situação de caso julgado.
YY. Na verdade, ao contrário do que é trazido à colação nos presentes autos, no processo 433/21.9BEPRT, por exemplo, não é feita qualquer referência às sentenças transitadas em julgado que não são cumpridas pelas Recorridas.
ZZ. Concretamente,
Em processo anterior, transitado em julgado (Processo n.º 313/19.8BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, Unidade Orgânica 1 e Processo n.º 3205/18.4BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, Unidade Orgânica 1) a Requerida CGA foi condenada

Na verdade, a junta médica ordenada pelo Tribunal no âmbito do processo 3205/18.4BEPRT e pretendida pelo Requerente nunca chegou a ser realizada.

AAA. Ao contrário do que têm procurado defender os Requeridos, estes não cumpriram o desígnio a que estavam, e continuam a estar, obrigadas, isto é a realização da junta médica ao abrigo da legislação aplicável.

BBB. Igualmente, esta fundamentação e factualidade, constitui uma inovação face ao primeiro processo que, em boa verdade, o Tribunal não teve, pelo menos nesta sede cautelar, oportunidade de se pronunciar tal como peticionado pelo Recorrente. (Cfr. Documento n.º ...3 junto com o requerimento inicial)

CCC. O caso julgado, como exceção dilatória, pressupõe assim a repetição da ação em dois processos diferentes, visando-se com a mesma evitar que o Tribunal se possa debruçar, duplamente, sobre a mesma pretensão correndo o risco desprestigiante, de se contradizer, tornando, dessa forma, precário o valor da segurança e certeza do direito, pelo que a mesma determina que as Recorridas sejam absolvidas da instância no segundo processo.

DDD. Temos, assim, que para sabermos se há ou não risco de repetição da ação, importa atender-se não só ao critério fixado e desenvolvido nos citados artigos 580.º n.º 1 e 581.º ambos do CPC, mas também à diretriz substancial traçada no n.º 2 do art. 580.º, onde se afirma que aquela exceção visa obstar a que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

EEE. É no articulado inicial que o Autor/Requerente deve indicar a causa de pedir sendo que esta exerce uma função individualizadora do pedido para o efeito da conformação do objeto do processo.

FFF. Na situação em discussão nos autos constata-se que o Requerente, aqui Recorrente, deduz nova pretensão cautelar ora sob análise, peticionando agora “O pedido de condenação na prática dos actos administrativos legalmente devidos de modo a que os Requeridos Autoridade Tributária e Ministério das Finanças iniciem o procedimento de realização da Junta médica do Requerente na Requerida Caixa Geral de Aposentações comunicada ao abrigo dos artigos 11.º e 13.º do Decreto Regulamentar n.º 41/90 de 29 de Novembro em conjugação com o art.º 33.º e ss. e 36.º e ss. da Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho e a Junta médica da A.D.S.E. de 12-10-2018, o que não fizeram até ao momento, ao abrigo dos artigos 37.º, n.º 1, al. b), f), g), h), i) e/ou j), e 66.º e ss. do CPT”, alegando, agora e ao contrário da anterior providência, factos que no seu entendimento alteram os pressupostos relativos ao requisito do «fumus boni iuris»

GGG. De acordo com os artigos 79º e seguintes do requerimento inicial, o Recorrente traz à discussão nova factualidade (e documentos) que não foi trazida anteriormente, muito menos foi apreciada no âmbito do processo 433/21.9BEPRT, em que as Requeridas/Recorridas haviam já sido condenadas a diligenciar no sentido de realizarem:
(i)Nova Deliberação da Junta Médica,
(ii) Nova Deliberação da Junta de Recurso e
(iii) Nova Decisão final sobre o pedido de aposentação por incapacidade.
HHH. Esta última factualidade, documentos e ilegalidades, não constam dos fundamentos invocados pelo Autor/Recorrente em anterior providência cautelar, não sendo peticionado, naquela providência, o cumprimento das sentenças acima referidas e transitadas em julgado, ao contrário do que acontece nos presentes autos. Igualmente, estas sentenças e decisões transitadas em julgado apenas agora, constituem base de sustentação para procedência do pedido do Requerente.
III. Assim, tendo em conta os considerandos atrás tecidos e presente o ora exposto, dúvidas não podem subsistir que no que respeita à pretensão cautelar sub judice, não se verifica qualquer excepção de caso julgado, na medida em que os pedidos formulados divergem e, além do mais, na presente providência consta factualidade que não foi apreciada nem julgada no processo cautelar “primitivo”.
Ainda, e dentro do mesmo raciocínio,
JJJ. Constituem assim factos posteriores que não foram apreciados, nem sobre eles se formou caso julgado. O entendimento, perfilhado na Sentença recorrida, incorre assim em notória violação do disposto no artigo 621.º do CPC, a respeito do alcance do caso julgado, que dispõe que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga
KKK. A Sentença recorrida viola, assim, o preceito legal mencionado, na medida em que pretende extrapolar os efeitos de uma decisão, a primeira, para a presente, segunda, sendo que ambas têm pedidos e factualidade trazida ao conhecimento do Tribunal diversa.
LLL. Pelo que, salvo respeito por opinião diversa, considera o Autor que não existe fundamento para a pretendida excepção de caso julgado, devendo aquela, em consequência, improceder.
MMM. Assim. a autoridade de caso julgado de uma sentença só existe na exacta correspondência com o seu conteúdo e daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu.
NNN. Acresce, que um dos pedidos agora formulado, na acção principal e na presente providência, não está, notoriamente, incluído no caso julgado da primeira acção.

Termos em deve ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências, fazendo-se assim Justiça.”

**

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Contra Alegações, cujas conclusões para aqui se extraem como segue:

III - Conclusões:
a) O Recorrente fundamenta o seu recurso imputando à sentença recorrida o desvalor de nulidade prevista nas alíneas c) e d) do art.º 615.º do CPC, em conjugação com os artigos 1.º, 94.º, 95.º e 140.º, n.º 3, todos do CPTA.
b) Contudo, o ora recorrente não concretiza em que factos se baseia para alegar tal nulidade, não identificando onde está a eventual contradição entre a decisão e os seus fundamentos ou em que se revela a eventual obscuridade ou ambiguidade da mesma, que torna a decisão ininteligível.
c) Com efeito, e como ficou amplamente demonstrado, o Recorrente percebeu perfeitamente o teor da mesma (o que se concluiu pela forma como a impugnou), sendo a sentença perfeitamente clara e o raciocínio nela vertido lógico e conforme às normas legais aplicáveis.
d) Igualmente não se alcança a que questões estará o Recorrente a referir-se para fundamentar a alegada nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
e) Uma vez que o juiz procedeu à apreciação da exceção invocada e julgando a mesma procedente, fica prejudicada a apreciação das demais questões.
f) Imputa ainda o Recorrente o alegado vicio de erro de julgamento por inexistência de caso julgado, alegando que a sentença confundiu os factos.
g) Mas também aqui sem qualquer razão.
h) A sentença parte de uma comparação dos dois requerimentos das providencias cautelares que estão em causa e faz uma identificação dos pressupostos exigidos para que se verifique a exceção do caso julgado.
i) E basta uma leitura desse paralelismo para se constatar e concluir como fez a sentença recorrida e bem, pela “tríplice identidade prevista no artigo 580º do CPC, impõe-se concluir estar-se perante a excepção dilatória de caso julgado…”,
j) Face ao que precede, conclui-se pela improcedência total da argumentação expendida pelo Recorrente no recurso apresentado, não merecendo a sentença impugnada qualquer censura, uma vez que a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação das normas legais vigentes, não se verificando os vícios que o ora recorrente lhe assaca.

Termos em que, e com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado improcedente, devendo, em consequência, ser confirmada a douta Sentença recorrida.

*

O Recorrido Ministério das Finanças apresentou Contra Alegações, cujas conclusões para aqui se extraem como segue:

III-Conclusões:

1. O Recorrente fundamenta o seu recurso imputando à sentença recorrida o desvalor de nulidade prevista nas alíneas c) e d) do art.º 615.º, do CPTA conjugado com o disposto conjugação com os art.ºs 1.º, 94.º, 95.º e 140.º, n.º 3, todos do CPTA.
2. Contudo o Recorrente não concretiza em que factos se baseia para alegar tal nulidade, não identificando onde está a eventual contradição entre a decisão e os seus fundamentos ou em que se revela a eventual obscuridade ou ambiguidade da mesma, que tornam a decisão ininteligível.
3. Mas não contrario do que alega, e como ficou amplamente demonstrado o Recorrente percebeu perfeitamente o teor da mesma, (o que se concluiu pela forma como a impugnou), sendo a sentença perfeitamente clara e o raciocínio nela vertido lógico e conforme às normas legais aplicáveis.
4. Igualmente não se alcança a que questões estará o Recorrente a referir-se para fundamentar a alegada nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CCPC.
5. Uma vez que o juiz procedeu à apreciação da exceção invocadas e julgando a mesma procedente, fica prejudicada a apreciação das demais questões.
6. Imputa ainda o Recorrente o alegado vicio de erro de julgamento por inexistência de caso julgado, alegando que a sentença confundiu os factos.
7. Mas também aqui sem razão.
8. A sentença parte de uma comparação dos dois requerimentos das providencias cautelares que estão em causa e faz uma identificação dos pressupostos exigidos para que se verifique a exceção do caso julgado.
9. E basta uma leitura por esse paralelismo para se constatar e concluir como fez a sentença recorrida e bem, pela “tríplice identidade prevista no artigo 580º do CPC, impõe-se concluir estar-se perante a excepção dilatória de caso julgado…”,
10. Face ao que precede, conclui-se pela improcedência total da argumentação expendida pelo Recorrentes no recurso apresentado, não merecendo a sentença impugnada qualquer censura, uma vez que a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação das normas legais vigentes, não se verificando os vícios que o Recorrente lhe assaca.

Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso e mantida a sentença recorrida.

Assim se realizando a devida e necessária JUSTIÇA.”


*

A Recorrida Caixa Geral de Aposentações não apresentou Contra alegações.

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de sustentação de não ocorrência da invocada nulidade da Sentença recorrida, assim como despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

**

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitadas pelo Recorrente e patenteada nas conclusões apresentadas consistem, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida (i) padece da nulidade a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPC; (ii) errou o Tribunal a quo em torno do julgamento por si prosseguido e que foi determinante da absolvição da instância dos Requeridos, por ocorrência de caso julgado.

**

III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
Com pertinência para a apreciação da presente excepção, resulta provada a seguinte factualidade:
A) A 11/02/2021, o Requerente instaurou neste Tribunal uma providência cautelar designada de “regulação provisória de uma situação jurídica ou de intimação para adopção de uma conduta por parte da Administração”, tendo como fito que “(...) os Requeridos Autoridade Tributária e Ministério das Finanças iniciem o procedimento de realização da Junta Médica do Requerente na Requerida Caixa Geral de Aposentações, comunicada ao abrigo dos art.ºs 11º e 13º do decreto Regulamentar nº 41/90 de 29 de Novembro em conjugação com o art.º 33º e ss. e 36º e ss. da Lei nº 35/2014 de 20 de Junho e a Junta Médica da ADSE de 12-10-2018; e, ainda, cumulativamente, por intermédio de providência cautelar de suspensão de eficácia de um acto administrativo (al. a) do n.º 2 do art.º 112.º do CPTA) ou de regulação provisória (al. e) do n.º 2 do art.º 112.º do CPTA) ou intimação para abstenção de conduta (al. i do n.º 2 do art.º 112.º do CPTA), para que os Requeridos Autoridade Tributária e Ministério das Finanças mantenham o Requerente com o direito a ausência do trabalho por faltas por doença em virtude das suas doenças incapacitantes, de acordo com a junta médica da A.D.S.E. de 12-10-2018, com o prazo inicial de 18 meses acrescido da prorrogação por mais 18 meses, conforme previsto no art.º 25.º da Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho e quanto ao limite de ausência por doença nos termos dos art.ºs 36.º e 37.º do mesmo diploma legal e no Despacho Conjunto n.º A-179/89/XL de 12/09 (...) com o respectivo direito à remuneração, (...)” (cf. consulta aos autos via plataforma SITAF);
B) A providência cautelar identificada em A) correu os seus termos sob o nº 433/21.9BEPRT (cf. idem);
C) A providência cautelar identificada em A) foi interposta contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, o Ministério das Finanças e a Caixa Geral de Aposentações (cf. idem);
D) Em sede da providência cautelar referida em A), peticionou o Requerente, a final, o seguinte: “(...) requer a V. Exa. que se digne admitir o presente processo cautelar e, em consequência, o seu decretamento, por estarem preenchidos os requisitos legais: i) Com a providência cautelar de regulação provisória de uma situação jurídica (cfr. art.º 112.º, n.º 2, al. e), do CPTA) ou de intimação para adoção de uma conduta por parte da Administração (cfr. art.º 112.º, n.º 2, al. i), do CPTA), de modo a que os Requeridos Autoridade Tributária e Ministério das Finanças iniciem o procedimento de realização da Junta médica do Requerente na Requerida Caixa Geral de Aposentações comunicada ao abrigo dos art.ºs 11.º e 13.º do Decreto Regulamentar n.º 41/90 de 29 de Novembro em conjugação com o art.º 33.º e ss. e 36.º e ss. da Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho e a Junta médica da A.D.S.E. de 12-10-2018; ii) E, ainda, cumulativamente, por intermédio de providência cautelar de suspensão de eficácia de um acto administrativo (al. a) do n.º 2 do art.º 112.º do CPTA) ou de regulação provisória (al. e) do n.º 2 do art.º 112.º do CPTA) ou intimação para abstenção de conduta (al. i do n.º 2 do art.º 112.º do CPTA), de modo que os Requeridos Autoridade Tributária e Ministério das Finanças mantenham o Requerente com o direito a ausência do trabalho por faltas por doença em virtude das suas doenças incapacitantes, de acordo com a junta médica da A.D.S.E. de 12-10-2018, com o prazo inicial de 18 meses acrescido da prorrogação por mais 18 meses, conforme previsto no art.º 25.º da Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho e quanto ao limite de ausência por doença nos termos dos art.ºs 36.º e 37.º do mesmo diploma legal e no Despacho Conjunto n.º A-179/89/XI, de 12/09 (cfr. Documento n.º 5), com o respectivo direito a remuneração.” (cf. idem);
E) Na referida acção, invoca o Requerente, como causa de pedir, que sofre, desde há vários anos, de problemas de saúde que o incapacitam para o exercício da sua actividade profissional, tendo-lhe sido fixada, a 15/02/2018, a incapacidade de 73% por certificado multiusos; invoca que, em sede de junta médica da ADSE, ocorrida a 12/10/2018, foi recomendada a sua sujeição a junta médica da Requerida CGA, e foram as suas doenças classificadas como sendo enquadradas no Despacho Conjunto nº A-179/89/XI, de 12/09; mais sublinhando que tem direito a permanecer a receber as respectivas remunerações mensais, enquanto não lhe é realizada a Junta Médica na Requerida CGA; alega ainda o Requerente que, caso venha a ser colocado numa situação de licença sem remuneração, ficará privado de qualquer meio de sobrevivência e sustento, porquanto não dispõe de outros rendimentos e tem encargos acrescidos e dificuldades económicas e financeiras em resultado da incapacidade suportada (cf. idem);
F) O Requerente interpôs a referida providência indicando que estaria dependente de acção a propor, tendente à condenação para a adopção de um comportamento e para a condenação ao cumprimento de deveres de prestar (cf. idem);
G) A referida providência cautelar foi julgada improcedente, por sentença proferida a 16/05/2021, sentença essa confirmada por Acórdão prolatado pelo Venerando Tribunal Central Administrativo do Norte, datado de 24/09/2021 (cf. idem);
H) A presente providência cautelar foi instaurada a 22/09/2022 (cf. fls. 1 e seguintes dos presentes autos);
I) A presente providência cautelar corre por apenso aos autos de acção principal, que corre os seus termos sob o nº 21/22.2BEPRT-A, tendo por objecto a condenação da Administração à prática de actos devidos, bem como no cumprimento dos deveres de prestar (cf. processo apenso aos presentes autos).”


*

Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º do CPC, aditamos ao probatório a factualidade que segue, que está constante dos autos:

J) No dia 25 de janeiro de 2021, ao abrigo do disposto nos artigos 157.º e 173.º do CPTA, o ora Recorrente instaurou acção de execução de Sentença judicial contra Caixa Geral de Aposentações, que corre termos no TAF do Porto sob o Processo 313/19.8BEPRT-A, visando a Sentença proferida nos autos principais [no Processo 313/19.8BEPRT, embora a Sentença tenha sido proferida no processo cautelar intentado como incidente, Processo n.º 3205/18.4BEPRT, tendo subjacente o disposto no artigo 121.º do CPTA], em 11 de novembro de 2019, pela qual foi anulado o despacho proferido pela Executada e que indeferiu o pedido de aposentação por incapacidade, formulado pelo Exequente e que condenou a executada a proferir nova decisão, expurgada dos vícios verificados, tendo a final da Petição formulado o seguinte pedido:
i) ser a executada condenada a cumprir os termos da sentença proferida na acção declarativa, no prazo de 30 dias a contar do transito em julgado da decisão a proferir nos presentes autos;
ii) ser a executada condenada, na pessoa do presidente do seu conselho directivo, no valor diário de € 50,00 [cinquenta euros], por cada dia de atraso no cumprimento da decisão judicial a proferir nos presentes autos, para além daqueles 30 dias, a título de sanção pecuniária compulsória.”

L) Da referida Sentença a que se reporta o Processo principal n.º 313/19.8BEPRT [embora a Sentença tenha sido proferida no processo cautelar intentado como incidente, Processo n.º 3205/18.4BEPRT] para aqui se extrai o seu segmento decisório, como segue:

“[…]
Em face do exposto, julga-se a ação procedente e, consequentemente:
a) Anula-se o despacho do R. de 30/10/2018 que indeferiu o pedido do A.
b) Condena-se o R. à prática dos seguintes atos:
- Nova Deliberação da Junta Médica, devidamente fundamentada, ou seja, com a indicação das razões factuais em que alicerçam o diagnóstico que conduz à ausência da incapacidade permanente, exteriorizando, mesmo usando os termos técnicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada, de modo a permitir ao destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente, compreender o sentido e os fundamentos desse diagnóstico;
- Nova Deliberação da Junta de Recurso, devidamente fundamentada, ou seja, com a indicação das razões factuais em que alicerçam o diagnóstico que conduz à ausência da incapacidade permanente, exteriorizando, mesmo usando os termos técnicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada, de modo a permitir ao destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente, compreender o sentido e os fundamentos desse diagnóstico;
- Nova decisão final sobre o pedido de aposentação por incapacidade, devidamente fundamentada, ou seja, com a indicação das razões factuais em que alicerçam o diagnóstico que conduz à ausência da incapacidade permanente, exteriorizando, mesmo usando os termos técnicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada, de modo a permitir ao destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente, compreender o sentido e os fundamentos desse diagnóstico.
[…]”

Fundamentação: os factos J) e L) indicados supra, assim resultaram provados, por força do conhecimento que este Tribunal deles tem em face do exercício das suas funções, mediante consulta que fez ao SITAF, nos termos do artigos 5.º, n.º 2, alínea c) e 412.º, n.º 2, ambos do CPC [e que as partes – mais concretamente, o Recorrente e a Recorrida CGA - não podem ignorar, por serem aí partes].

**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 08 de novembro de 2022, que com referência ao pedido formulado pelo Requerente a final do Requerimento inicial, no sentido da condenação dos Requeridos MF e AT a dar início ao procedimento de realização de Junta Médica do Requerente pela Requerida CGA, comunicada ao abrigo dos artigos 11º e 13º do Decreto-Regulamentar nº 41/90, de 29 de Novembro, em conjugação com os artigos 33º e seguintes da Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, e a Junta Médica da ADSE, de 12/10/2018, assim como, a manter o Requerente com o direito a ausência do trabalho por faltas por doença, em virtude das doenças incapacitantes, de acordo com a Junta Médica de 12/08, pelo menos até ao trânsito em julgado do processo principal a intentar, e tendo em conta a possibilidade conferida nos termos do Despacho Conjunto nº A-179/89/XI, de 12/09, devendo, para tal, considerar-se como justificadas as faltas entre 12/08 e a data em que se realize a Junta Médica pela Requerida CGA, julgou procedente a excepção de caso julgado, e consequentemente, absolveu as Requeridas da instância.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Aqui chegados.

Inconformado com a Sentença proferida, veio o Requerente ora Recorrente apresentar recurso de Apelação, com fundamento na ocorrência das nulidades a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPC, e em erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, por ter o Tribunal a quo julgado pela ocorrência da excepção de caso julgado.

Cumpre apreciar para já a ocorrência das invocadas nulidades da Sentença, como patenteada sob as conclusões N) a U) das Alegações de recurso.

Neste conspecto, para aqui extraímos o artigo 615.º do CPC, como segue:

Artigo 615.º
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”

As causas de nulidade das sentenças a que se reporta taxativamente o artigo 615.º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a Sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, distinguindo-se dos erros de julgamento (error in judicando) de facto e/ou de direito imputadas às Sentenças recorridas, resultantes de desacerto quanto à realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

As nulidades que pelo Recorrente vêm sinalizadas por reporte ao disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ocorrem, em suma, quando se verifique a falta de fundamentação da Sentença ou omissão de pronúncia sobre questão que o Tribunal devesse apreciar ou conhecer.

Compulsadas as identificadas conclusões, delas não se retira, minimamente, de onde emerge a ocorrência das invocadas nulidades, pois que o Recorrente se limita a formular alegações reportadas a factos que não estão sequer sob impugnação [Cfr. conclusões N) a T)], para finalizar conclusivamente pela verificação das nulidades.

Dessas conclusões não retiramos a invocação de qualquer pressuposto determinante de nulidade, antes pelo contrário, o que refere o Recorrente sob a conclusão N), é uma interpretação errada do Tribunal a quo, e que o Tribunal a quo errou em torno da junta médica realizada, por não corresponder à recomendada pela ADSE, o que tudo redunda na incorrecta aplicação da factualidade.

Não assiste por isso razão alguma ao Recorrente em torno das invocadas nulidades, pois em conformidade com o que o mesmo sustenta, a padecer a Sentença de alguma irregularidade na formulação da solução jurídica a que chegou a Mm.ª Juíza, tal contende é com erro de julgamento, o que aporta consequências diversas.

Com efeito, analisada a Sentença recorrida constatamos que a Mmª. Juíza a quo, depois de ter apreciado a matéria exceptiva invocada pelos Requeridos, e de ter julgado, em suma, que ocorre a excepção de caso julgado, julgou prejudicada a apreciação das demais questões, de fundo, que vinham arguidas pelo Requerente ora Recorrente, o que se acha em absoluta consonância, quer com o n.º 1 do artigo 608.º do CPC, quer com o seu n.º 2, pois que apreciou de uma questão processual que foi determinante da absolvição da instância dos Requeridos e por efeito dessa decisão, e dos implícitos efeitos processuais, o conhecimento do mérito da pretensão do Requerente ficou assim prejudicada.

E neste conspecto, tendo o Tribunal a quo apreciado e decidido sobre os termos e pressupostos pelos quais ocorre o caso julgado e absolvido da instância os Requeridos, e se a motivação recursiva do Recorrente estivesse certa, isto é, se fosse merecedora de este Tribunal de recurso lhe dar acolhimento, então o que aconteceria, é que a Sentença recorrida não padece das invocadas nulidades de decisão proferida face aos seus próprios fundamentos, ou de omissão de pronúncia, mas antes de erro de julgamento, o que é sancionável com a revogação da Sentença.

Termos em que não padecendo a Sentença recorrida das invocadas nulidades a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPC, improcede assim a pretensão recursiva do Recorrente, a que se reportam as conclusões N) a U) das suas Alegações.

Prosseguindo agora para efeitos de apreciação do invocado erro de julgamento.

Em sede do invocado erro de julgamento, sustentou o Recorrente, em suma, que errou o Tribunal a quo ao ter julgado ocorrer a excepção de caso julgado, por os respectivos requisitos não se verificarem no domínio das providências cautelares [Cfr. conclusões AA) a EE)], e por outro lado, que sempre não ocorre a identidade do pedido, e em suma, porque como assim alegou sob o ponto 79.º e seguintes do Requerimento inicial, trouxe à discussão nova factualidade e documentos que não foram levados ao Processo n.º 433/21.9BEPRT, e que são respeitantes ao facto de as Requeridas terem sido judicialmente condenadas a realizar nova junta médica e à prolação de nova decisão final sobre o pedido de aposentação por incapacidade, factos que são relevantes para aferir de forma diversa o fumus iuris. [Cfr. conclusões TT) a NNN)].

Sustenta assim o Recorrente que os pedidos formulados divergem num e noutro Processo e que nos presentes autos foi apresentada essa factualidade, que não foi apreciada nem julgada no Processo n.º 433/21.9BEPRT, tendo assim sido violado o artigo 621.º do CPC pelo Tribunal a quo.

Por sua vez, sustentam as Recorridas ATA e Ministério das Finanças que não assiste razão ao Recorrente em torno do invocado erro de julgamento, porque a sentença parte de uma comparação dos dois requerimentos das providencias cautelares que estão em causa e faz uma identificação dos pressupostos exigidos para que se verifique a exceção do caso julgado, e que, basta uma leitura desse paralelismo para se constatar e concluir como fez a sentença recorrida e bem, pela “tríplice identidade prevista no artigo 580º do CPC, impõe-se concluir estar-se perante a excepção dilatória de caso julgado.

Ou seja, a questão fulcral suscitada na pretensão recursiva deduzida pelo Recorrente, assenta a final na invocação da não ocorrência da excepção de caso julgado dada a inexistência de identidade de pedido e de causa de pedir.

Vejamos.

Neste patamar, cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo para efeitos de ter julgado pela ocorrência da excepção de caso, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Estabelece a lei processual que se repete a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

Começando desde logo pela identidade de sujeitos, a mesma ressuma [com absoluta] com absoluta clareza, porquanto quer nos presentes autos, quer naqueles que correram os seus termos neste tribunal, sob o nº 433/21.9BEPRT, surgem igualmente, como partes na relação material controvertida, o Requerente e as Entidades Requeridas Ministério das Finanças, Autoridade Tributária e Aduaneira e Caixa Geral de Aposentações, dúvidas não existindo no que a tal matéria respeita.

Já no que respeita o pedido, e conforme advém da leitura do requerimento inicial apresentado no referido processo nº 433/21.9BEPRT, é cristalina a sua absoluta identidade, sendo absolutamente a mesma a pretensão prosseguida pelo Requerente.

Por fim, e no que se refere à causa de pedir, a mesma ocorre quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, entendendo-se a causa de pedir como o próprio facto jurídico genético do direito, donde se deverá atender a todos os factos invocados que forem injuntivos da decisão, correspondendo, pois, à alegação de todos os factos constitutivos do direito e relevantes no quadro das soluções de direito plausíveis a que o tribunal deva atender, independentemente da coloração jurídica dada, sendo que a causa de pedir deve ser preenchida com os factos essenciais causantes do efeito jurídico pretendido.

No caso presente, não pode olvidar-se que o efeito jurídico pretendido pelo Requerente é sempre, e em última análise, obrigar as entidades demandadas à realização de junta médica para a verificação de incapacidade permanente para o trabalho e o reconhecimento do direito à ausência do trabalho por faltas por doença. E, perscrutadas as duas demandas, ressalta com meridiana clareza que os factos essenciais nos quais o Requerente fundamenta tais pedidos se prendem com a recomendação elaborada pela ADSE, na junta médica ocorrida em 2018, na incapacidade de 73% que lhe foi fixada, bem assim como o facto de a doença que lhe foi reconhecida constar do elenco do Despacho Conjunto nº A-179/89/XI, de 12/09.

O facto de ter o Requerente vindo aduzir mais factualidade (que não nova ou diferente) na presente demanda em nada afecta ou faz alterar a relação material controvertida na qual se sustenta para justificar o seu pedido. Contrariamente, antes se prende a mesma com uma tentativa de justificar o porquê da interposição de uma nova acção, ao arrepio das disposições constantes nos artigos 577º, 580º e 581º, todos do CPC, sem que, todavia, deixe de assentar a sua pretensão nos mesmos factos jurídicos essenciais.

Assim, impõe-se concluir que se verifica também preenchia a identidade de causas de pedir entre as duas demandas, o que desde já se declara.

Sublinhe-se que não se está aqui perante uma mera inadmissibilidade de nova providência cautelar, à luz do previsto no nº 4 do artigo 362º do CPC, porquanto estamos perante distintas acções principais.

Verificando-se a tríplice identidade prevista no artigo 580º do CPC, impõe-se concluir estar-se perante a excepção dilatória de caso julgado, excepção esta que imporá a absolvição das Entidades Requeridas da instância, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 576º do CPC, o que desde já se declara.
[…]”
Fim da transcrição

Ora, em torno do sustentado pelo Recorrente sob as conclusões AA) a EE) das suas Alegações de recurso, julgamos desde já que não lhe assiste razão.

Com efeito, a necessidade e fundamento para a petição pelo interessado e o decretamento pelo Tribunal, de uma providência cautelar tem justaposto desde logo, a invocação da existência de fundado receio da ocorrência de prejuízo de difícil reparação ou da constituição de uma situação de facto consumado, que importa salvaguardar até à prolação da decisão na acção principal, para assim ser assegurado o seu efeito útil.

É neste domínio que assim ensina José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 3.ª Edição – Reimpressão, Coimbra Editora, 1982, páginas 623/624, quando refere que “Há casos em que a formação lenta e demorada da decisão definitiva expõe o presumido titular do direito a riscos sérios de dano jurídico; para afastar estes riscos, para eliminar o dano, admite-se a emanação duma providência provisória ou interina, destinada a durar somente enquanto não se elabora e profere o julgamento definitivo.

Como refere Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, 3.ª edição, 2004, pág. 124, sendo julgada “[...] injustificada uma providência ou afirmada a sua caducidade, o requerente não pode formular nova pretensão de conteúdo idêntico dentro da mesma acção, ainda que sejam outros os factos alegados como fundamento. Mas já não existe impedimento legal a que seja solicitada outra providência de conteúdo diferente ou destinada a tutelar interesses diferentes daqueles que se visaram com a providência anterior.”

Portanto, nos termos do artigo 362.º, n.º 4 do CPC [e independentemente do conceito de caso julgado, que tem na base a discussão e fixação do direito, e da sua definitividade], aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, o que assim resulta é que é proibida a repetição da providência na pendência da mesma causa.

A repetição da providência ocorre quando exista uma mesma identidade, que no essencial passa por verificar se as partes, os fundamentos e o pedido são os mesmos. Ou seja, se os fundamentos [de facto e de direito] apresentados como justificantes do prenchimento dos requisitos determinantes do decretamento das providências, a que se reporta o artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, se são os mesmos, está vedada a apresentação de nova providência cautelar.

Porém, como assim apreciou o Tribunal a quo, e sem reparo deste Tribunal de recurso, não estamos perante o julgamento da inadmissibilidade de nova providência cautelar, pois que o Autor ora Recorrente, interpôs acções principais distintas.

Prosseguindo, e agora para efeitos de apreciação do vertido sob as conclusões TT) a NNN) das Alegações de recurso.

A questão a que se reportam os autos, atinente à ocorrência de caso julgado encontra-se bem abordada e desenvolvida no Acórdão deste TCA Norte proferido no Processo n.º 2038/20.2BEBRG, datado de 14 de janeiro de 2022, em termos que subscrevemos [com as adaptações que se mostrem devidas] a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito [cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil], e que aqui reiteramos como segue:



Início da transcrição
“[…]
Como é consabido, uma vez transitadas em julgado, as decisões dos tribunais tornam-se estáveis, isto é, o nelas decidido, não pode vir a ser submetido a posterior novo julgamento (Manuel Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 306 e 307; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, págs. 704 e 705.)

Essas decisões, porque dirimiram o concreto conflito que foi submetido pelas partes à decisão do tribunal, logo que transitem em julgado, por não admitirem recurso ordinário, ficam a ter força obrigatória dentro e fora do processo, mas nos limites fixados pelos arts. 580º e 581º do CPC (art. 619º, n.º 1 do mesmo Código), impondo-se, de modo absoluto, a todos os tribunais, às partes e, inclusivamente, dentro de determinados limites e pressupostos, a terceiros, intra e extra processualmente.
Deste modo é que, como referido, o art.º 619º, n.º 1 do CPC., “transitada em julgado a sentença ou despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º”, e nos termos do art. 621º “a sentença constitui caso julgado nos precisos termos em que julga”. Esta imutabilidade e indiscutibilidade da decisão transitada em julgado, como «garantia processual de fonte constitucional enquanto expressão do princípio da segurança jurídica, própria do Estado de Direito (cf. artigo 2.º da Constituição)» ( cfr. RUI PINTO, in Código de Processo Civil anotado, Almedina, vol. II, Almedina, 2018, nota 2-I ao art.619, pág.185) manifesta-se, de acordo com a construção doutrinária e jurisprudencial do caso julgado:
a) Num efeito negativo e formal, que opera como exceção dilatória e que evita que o Tribunal julgue a ação repetida (entre os mesmos sujeitos e sobre o mesmo objeto processual) e reproduza ou contradiga a decisão anterior, nos termos dos arts. 577º/i), 578º, 580º e 581º do C. P. Civil: «Entre as mesmas partes e com o mesmo objeto (isto é, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir), não é admissível nova discussão: o caso julgado opera negativamente, constituindo uma exceção dilatória que evita a repetição da causa (efeito negativo do caso julgado)»[ LEBRE DE FREITAS, in «Um polvo chamado Autoridade do Caso Julgado», pág.693, in www.portal.oa.pt ).
Neste caso, a decisão anterior impede o conhecimento do objeto posterior (Ac. do TRG de 07.08.2014, proferido no processo nº600/14.TBFLG.G1.)
b) Num efeito positivo e material, que opera no conhecimento de mérito da causa, através da autoridade do caso julgado, quando, apesar de existir identidade de sujeitos ou via equiparada a esta, se está perante objetos processuais distintos.
«Entre as mesmas partes, mas com objetos diferenciados entre si e ligados por uma relação de prejudicialidade, a decisão impõe-se enquanto pressuposto material da nova decisão: o caso julgado opera positivamente, já não no plano da admissibilidade da ação mas no do mérito da causa, com ele ficando assente um elemento da causa de pedir (efeito positivo do caso julgado)- LEBRE DE FREITAS, in artigo citado in ii, pág.693.
Temos, assim, que o caso julgado tem “por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior” e, na sua vertente positiva, não implicando a tríplice identidade quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir, “tem o efeito positivo de impor a primeira decisão como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito” ( cfr. Ac do STJ de 26/2/2019, processo nº 4043/10.8TBVLG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Em conclusão, a autoridade de caso julgado decorre de “uma exigência de boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, dando expressão aos valores da segurança e certeza inerentes a qualquer ordem jurídica: a res judicata obsta a que uma mesma ação seja instaurada várias vezes, impede que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante uma composição, tendencialmente definitiva, dos litígios que os tribunais são chamados a resolver: a intangibilidade (tendencial) do caso julgado visa evitar a existência de decisões, em concreto, incompatíveis. A força e autoridade de caso julgado tem por finalidade evitar que a regulação jurídica da relação jurídica possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica” (Ac STJ de 14/5/2019, processo 1049/18.2T8GNR-A.S1, disponível em www.dgsi.pt15].
No que concerne às decisões proferidas pelos tribunais administrativos, o n.º 1 do artigo 158.º do CPTA, reafirmando o princípio constitucional da obrigatoriedade das decisões dos tribunais e da prevalência sobre as decisões de quaisquer outras autoridades estabelece expressamente que tais decisões «são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas». E no seu n.º 2 prevê-se que « A prevalência das decisões dos tribunais administrativos sobre as das autoridades administrativas implica a nulidade de qualquer ato administrativo que desrespeite uma decisão judicial e faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar, nos termos previstos no artigo seguinte». Reafirma-se neste preceito a regra de que são nulos os atos administrativos que ofendam os casos julgados, estabelecida no artigo 161.º, n.º2, alínea i) do CPA.
[…]
Assim, o primeiro exercício a efetuar é de cariz interpretativo, no caso, aferir o verdadeiro sentido e alcance da sentença proferida no processo n.º 613/20.4BEBRG. Ora, a sentença, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 152.º do CPC, é «o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa». Destarte, prevê o artigo 154º, nº 1 e nº 2 do C.P.C que as «decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas», não podendo em princípio a justificação «consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição», o que mais não é do que uma concretização do comando constitucional inscrito no artigo 205º, nº 1 da Lei Fundamental (CRP), nos ternos do qual as «decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
Tendo a sentença como fim resolver um conflito de interesses de modo a restabelecer a paz social, a mesma só será alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação (M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, p. 348). E daí que a falta de especificação dos respetivos fundamentos, de facto ou de direito, constitua causa de nulidade da decisão judicial (artigo 615º, nº 1, al. b) do C.P.C., com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho).
Ora, sendo a sentença um ato jurídico por via do qual o Tribunal decide uma causa, pode muito bem acontecer que a mesma não seja clara, precisa ou inequívoca, e que, por via disso, suscite divergências interpretativas, deixando incertezas sobre o seu sentido e alcance, tal como de resto pode suceder com qualquer ato de comunicação humana, em que se proceda à exteriorização do pensamento por meio da linguagem. Aliás, como bem se expendeu em Acórdão do STJ, de 28.07.1994, CJ, Ano II; Tomo 2, p. 166: «as decisões, como os contratos, como as leis, como, afinal, todos os textos, têm de ser interpretados e não lidos; ler não é o fim; é o princípio da interpretação».
Pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/02/2011, proferido no processo n.º 190-A/1999.E1.S1 que constitui afirmação corrente a de que a sentença proferida em processo judicial constitui um verdadeiro ato jurídico a que se aplicam as regras reguladoras dos negócios jurídicos – pelo que as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são igualmente válidas para a interpretação de uma sentença - o que determina que a sentença deve ser interpretada com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto.
Sendo inequívoco que as sentenças judiciais são atos jurídicos, naturalmente que ser-lhe-ão aplicáveis as regras de interpretação consignadas para os negócios jurídicos, como de resto decorre do disposto no artigo 295º do C.C.
De acordo com o artigo 236º, nº 1 do Cód.Civil «a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele». Contudo, «sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida» (nº 2 do art. 236º citado).
O nº 1 do artigo 236º do Cód. Civil consagrou uma interpretação objetivista (denominada teoria da impressão do destinatário), ao passo que o seu nº 2 consagrou uma interpretação subjetivista, relativamente à qual deixa de se justificar a proteção das legítimas expectativas do declaratário e da segurança do tráfico.
Estando em causa a interpretação de uma sentença tem-se «por adquirido que a interpretação da decisão judicial não tem por objecto a reconstrução da mens judicis - mas a descoberta do sentido preceptivo que se evidencia no texto do acto processual, a determinação da estatuição nele presente» (Cfr. Ac. do TRC, de 15.01.2013, Henrique Antunes, Processo nº 1500/03.6TBGRD-B.C1). Ou seja, «não se tratando de um verdadeiro negócio jurídico, a decisão judicial não traduz uma declaração pessoal de vontade do julgador, antes exprimindo “uma injunção aplicativa do direito, a vontade da lei”, no caso concreto, correspondendo ao “resultado de uma operação intelectual que consiste no apuramento de uma situação de facto e na aplicação do direito objectivo a essa situação” ( Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/11/1998, processo nº 98B712, ITIJ, citando Rosenberg e Schwab)» ( cfr. Ac. do STJ, de 03.02.2011, Lopes do Rego, Processo nº 190-A/1999.E1.S1).
De acordo com a jurisprudência que tem vindo a produzir-se neste domínio, a decisão judicial deve ser interpretada de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário - a parte ou outro tribunal - possa deduzir do seu contexto. (Neste sentido, entre muitos: Ac. do STJ, de 05.12.2002, Ferreira Girão, Processo nº 02B3349, Ac. do STJ, de 05.11.2009, Oliveira Rocha, Processo nº 4800/05.TBAMD-A.S1, Ac. do STJ, de 03.02.2011, Lopes do Rego, Processo nº 190-A/1999.E1.S1, Ac. do STJ, de 26.04.2012, Maria do Prazeres Beleza, Processo nº 289/10.7TBPTB.G1.S1, ou Ac. do STJ, de 20.03.2014, Fernandes do Vale, Processo nº 392/10.3TBBRG.G1.S1; Ac. do STA, de 23.02.2012, Francisco Rothes, Processo nº 01153/11; Ac. da RC, de 22.03.2011, Teles Pereira, Processo nº 243/06.3TBFND-B.C1, ou Ac. da RC, de 15.01.2013, Henrique Antunes, Processo nº 1500/03.6TBGRD-B.C1. Contudo, no citado Ac. do TRC, de 22.03.2011, refere-se e justifica-se a necessidade de se ponderarem, simultaneamente, as regras próprias da interpretação da lei, face novamente à particular natureza do ato a interpretar em causa).
Entende-se por «declaratário normal» o que seja «medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante», a não ser que este, razoavelmente, não pudesse contar com tal sentido (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 223).
Já o «comportamento do declarante» (a que se refere o nº 1 do art. 236º do C.C.) terá aqui que ser desvalorizado ou habilmente concretizado, importando antes de mais ter presente que qualquer decisão judicial é a necessária conclusão de um pré-ordenado procedimento; e que o seu autor «se situa “numa específica área técnico jurídica”, investido na função de aplicador da lei, que, por sua vez, está obrigado a interpretar, em conformidade com as regras estabelecidas no artigo 9º do Código Civil, dirigindo-se a outros técnicos de direito» (Ac. do STJ, de 03.02.2011, Lopes do Rego, Processo nº 190-A/1999.E1.S1).
«Assim, as afirmações decisórias contidas num pronunciamento judicial, não valem desgarradas do acto de aplicação do Direito que as determinou ou, tão pouco, pela sua aparência semântica. Valem, isso sim, no quadro jurídico que a elas conduziu e na medida - e só nessa medida - em que nesse quadro adquiriram significado e são passíveis de uma reconstrução racional. Valem, pois, enfim, como afirmações decisórias de cariz técnico-jurídico cujo sentido passa pelo processo argumentativo que as justificou.
É neste sentido que os elementos objetivos (correspondentes ao ato de interpretação e aplicação do Direito, visto este como percurso do qual a decisão constitui o ponto de chegada) se destacam (os elementos objetivos), na compreensão do sentido de uma decisão judicial, da pura afirmação, descontextualizada desse ato, que essa decisão pareça expressar, se isso (o que nela pareça) não obtiver uma efetiva comprovação, racionalmente expressa, no antecedente ato de interpretação e aplicação do Direito» (Ac. do TRC, de 22.03.2011, Teles Pereira, Processo nº 243/06.3TBFND-B.C1).
Logo, na interpretação da decisão judicial ter-se-á que atender (conforme toda a jurisprudência anteriormente citada): à parte decisória propriamente dita (ao dispositivo final); aos seus fundamentos; e mesmo à globalidade dos atos que a precederam (quer se trate de atos das partes, ou de atos do tribunal), bem como a outras circunstâncias relevantes, mesmo posteriores à respetiva elaboração.
«Por outras palavras, a identificação do objecto da decisão passa pela definição da sua estrutura, constituída pela correlação teleológica entre a motivação e o dispositivo decisório, elementos que reciprocamente se condicionam e determinam, fundindo-se em síntese normativa concreta (cfr. Castanheira Neves, RLJ 110º, pags. 289 e 305).
De realçar, ainda, que, embora o objecto da interpretação seja a própria sentença, a verdade é que, nessa tarefa interpretativa, há que ter em conta outras circunstâncias, mesmo que posteriores, que funcionam como meios auxiliares de interpretação, na medida em que daí se possa retirar uma conclusão sobre o sentido que se lhe quis emprestar (Vaz Serra, RLJ, 110-42)» (Ac. do STJ, de 05.11.2009, Oliveira Rocha, Processo nº 4800/05.TBAMD-A.S1).
Sendo, porém, a decisão judicial um acto formal, - amplamente regulamentado pela lei de processo e implicando uma «objectivação» da composição de interesses nela contida -, «não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso» (art. 238º, nº 1 do C.C.).
Concluindo, para a interpretação de uma sentença, «não basta considerar a parte decisória, cumprindo tomar em conta a fundamentação, o contexto, os antecedentes da sentença e os demais elementos que se revelem pertinentes, sempre garantindo que o sentido apurado tem a devida tradução no texto» (Ac. do STJ, de 26.04.2012, Maria do Prazeres Beleza, Processo nº 289/10.7TBPTB.G1.S1).
Ainda muito recentemente, o STJ, no seu acórdão de 16/12/2021, proferido no processo n.º 970/18.2T8PFR.P1.S1, a respeito da interpretação das sentenças, conclui que «I. As regras da interpretação dos negócios jurídicos são aplicáveis à interpretação das sentenças enquanto actos jurídicos. Daí que uma sentença judicial (por via do estatuído no citado artº 295º) deve ser interpretada à luz do artº 236º, ambos do Código Civil»
[…]”

Ora, como assim reconhece o Recorrente sob a conclusão XX) das suas Alegações de recurso, em todos os processos por si intentados, visando a Caixa Geral de Aposentações e também o Ministério das Finanças e a Autoridade Tributária e Aduaneira, o móbil da sua pretensão é essencialmente um, com nuances, isto é, que seja submetido a junta médica da CGA, e que seja mantida a justificação da sua ausência assim como a retribuição. No fundo e a final, na base do que assenta a pretensão do Recorrente é que sejam cumpridas as obrigações que para essas entidades – particularmente, a Caixa Geral de Aposentações - decorrem da lei e da/s Sentença/s já proferida/s e transitada/s em julgado.

Vejamos.

No Processo n.º 433/21.9BEPRT, o aí Requerente, ora Recorrente veio requerer a adopção de providência cautelar de regulação provisória de uma situação jurídica (cfr. art.º 112.º, n.º 2, al. e), do CPTA) ou de intimação para adoção de uma conduta por parte da Administração (cfr. art.º 112.º, n.º 2, al. i), do CPTA), de modo a que os Requeridos Autoridade Tributária e Ministério das Finanças iniciem o procedimento de realização da Junta médica do Requerente na Requerida Caixa Geral de Aposentações comunicada ao abrigo dos art.ºs 11.º e 13.º do Decreto Regulamentar n.º 41/90 de 29 de Novembro em conjugação com o art.º 33.º e ss. e 36.º e ss. da Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho e a Junta médica da A.D.S.E. de 12-10-2018; e em cumulação com esse pedido, a adopção de providência cautelar de suspensão de eficácia de um acto administrativo (al. a) do n.º 2 do art.º 112.º do CPTA) ou de regulação provisória (al. e) do n.º 2 do art.º 112.º do CPTA) ou intimação para abstenção de conduta (al. i do n.º 2 do art.º 112.º do CPTA), para que os Requeridos Autoridade Tributária e Ministério das Finanças mantenham o Requerente com o direito a ausência do trabalho por faltas por doença em virtude das suas doenças incapacitantes, de acordo com a junta médica da A.D.S.E. de 12-10-2018, com o prazo inicial de 18 meses acrescido da prorrogação por mais 18 meses, conforme previsto no art.º 25.º da Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho e quanto ao limite de ausência por doença nos termos dos art.ºs 36.º e 37.º do mesmo diploma legal e no Despacho Conjunto n.º A-179/89/XI, de 12/09 com o respectivo direito a remuneração.

Este pedido de adopção daquelas duas providências cautelares, foi intentado no TAF do Porto em 11 de fevereiro de 2021, como preliminar da acção principal.

Por requerimento de 22 de fevereiro de 2021, prolatado nesse processo, o mesmo veio requerer, entre o mais, que deve ser desconsiderado o pedido de “suspensão de eficácia de um acto administrativo” (al. a) do nº 2 do artigo 112 do CPTA), na medida em que não existe, neste momento, qualquer acto administrativo emitido pelas Requeridas que o Requerente pretenda ver suspenso, mantendo-se os demais pedidos, nomeadamente, regulação provisória e intimação para abstenção de conduta.

Referiu por aquele requerimento de 22 de fevereiro de 2021, como para aqui ora extractamos o que segue::

Início da transcrição
“[…]
5. Tendo em conta os pedidos formulados e os factos expostos ao longo da petição inicial apresentada é possível extrair daí dois pedidos fundamentais, em primeiro, o Requerente pretende que as Requeridas Autoridade Tributária e Ministério das Finanças iniciem o procedimento de realização da junta médica na Requerida Caixa Geral de Aposentações.
6. A Acção de que dependerá a providência cautelar apresentada é a acção de condenação à adopção de um comportamento, a que se refere o artigo 37º nº 1 alínea h) do CPTA, e acção de condenação ao cumprimento de deveres de prestar, a que se refere o artigo 37º nº 1 al. h) do CPTA, sendo adequado, no caso concreto, assegurar a realização das pretensões em causa, em domínios em que não existe acto administrativo cuja suspensão deva ser pedida.
7. Cumulativamente, o Requerente peticiona que, enquanto não se realizar a junta médica, este mantenha o direito a ausência do trabalho por faltas por doença, com o respectivo direito a remuneração, também este pedido se enquadra nas Acções referidas.
Ainda,
C.Do Acto administrativo em crise
8. Tal como referido no requerimento inicial, artigos 27 e seguintes, o acto administrativo que regula, ainda que de modo “precária” a situação do Requerente é a junta médica realizada ao Requerente a 12 de Outubro de 2018, que, além da incapacidade identificada, recomenda a realização de “junta médica da CGA do artigo 11º do Decreto Regulamentar nº 41/90, de 29 de Novembro”, conforme Documento n.º 5 do requerimento inicial.
9. Sendo este parecer a pedra de toque do peticionado pelo Requerente na providência apresentada.
[…]
12. Deverá ser desconsiderado o pedido de “suspensão de eficácia de um acto administrativo” (al. a) do nº 2 do artigo 112 do CPTA), na medida em que não existe, neste momento, qualquer acto administrativo emitido pelas Requeridas que o Requerente pretenda ver suspenso, mantendo-se os demais pedidos, nomeadamente,
regulação provisória e intimação para abstenção de conduta.
[…]”
Fim da transcrição

Nesse Processo foi proferida Sentença pelo TAF do Porto, em 16 de maio de 2021, julgando improcedente a providência cautelar, do que o aí Requerente, ora Recorrente, interpôs recurso de Apelação para este TCA Norte, que por seu Acórdão datado de 24 de setembro de 2021, julgou pela sua improcedência, mantendo a Sentença recorrida [após o que o Recorrente deduziu recurso de revista para o STA, que não foi admitido por Acórdão datado de 09 de dezembro de 2021, e de cuja decisão recorreu para o Tribunal Constitucional, recurso que não foi admitido pelo STA por despacho datado de 04 de janeiro de 2022 e quanto ao que o Recorrente deduziu Reclamação, que o Tribunal Constitucional veio a indeferir e a confirmar a não admissão do recurso, por seu Acórdão datado de 26 de abril de 2022].

Para aqui extractamos parte daquele Acórdão deste TCA Norte [transitado em julgado], datado de 24 de setembro de 2021, como segue:

Início da transcrição
“[…]
O julgamento do Tribunal a quo não merece censura porquanto, efectivamente, como assim resultou provado [Cfr. ponto 35 do probatório] e como assim foi notificado pela AT, até que venha a ser notificado da decisão final da junta médica da CGA, o Requerente manter-se-á na situação de faltas justificadas, o que é de dizer e concluir, que inexiste a eventualidade da ocorrência de qualquer prejuízo de difícil reparação nem de facto consumado.

Portanto, a incerteza só residirá na data em que a Junta médica vem a ser realizada [se é que a mesma já não aconteceu em março de 2021 face ao que resulta do ponto 34 do probatório], só que essa factualidade, só por si, não constitui fundamento para se ter por verificado o periculum in mora, pois não se coloca sequer a hipótese de ocorrer uma situação de facto consumado, nem a ocorrência de quaisquer prejuízos, e muito menos de difícil reparação, já que ao Requerente é prestado pela AT retribuição que lhe permite garantir a sua subsistência [Cfr. pontos 47, 48 e 49 do probatório, supra], e é claro, nunca poderá neste quadro factual, ser colocado na situação de licença sem vencimento.
[…]”
Fim da transcrição

Por seu turno, na acção principal a que se reporta o Processo n.º 21/22.2BEPRT-A, instaurada em 09 de junho de 2022, em que o ora Recorrente é Autor e Rés as ora Recorridas, foi proferida decisão de suspensão da instância, com fundamento na existência de questão prejudicial, a ser apreciada no Processo 313/19.8BEPRT-A, que é atinente ao processo de execução da Sentença proferida nesses autos, mormente, no processo que é dele incidente, n.º 3205/18.4BEPRT, e onde foi decidido antecipar o juízo sobre a causa principal.

Compulsado o Processo 313/19.8BEPRT-A, constatamos que por ele é visada a execução da Sentença proferida no Processo principal [Cfr. alíneas J) e L) do probatório], que o Exequente motivou pela apresentação da Petição inicial em 25 de janeiro de 2021.

Nesse Processo a CGA informou que a Junta de recurso, realizada em 23 de novembro de 2021 não considerou o Requerente ora Recorrente absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, pelo que o pedido de aposentação por incapacidade foi indeferido, por despacho de 23 de novembro de 2021, proferido pela Direção da Caixa no uso da delegação de poderes publicada no Diário da República, II Série, n.º 244 de 2019-12-19.

Em conformidade com o que assim apreciou o Tribunal a quo, para lá do julgamento em torno da ocorrência da excepção de caso julgado, julgamos ainda que estamos é perante a autoridade de caso julgado, formado pela Sentença proferida no Processo n.º 313/19.8BEPRT, a qual se encontra já em execução sob o Processo 313/19.8BEPRT-A, impulsionado pelo Exequente aqui ora Recorrente, em 25 de janeiro de 2021.

Vejamos pois.

No Processo 21/22.2BEPRT-A, que é a acção principal do Processo cautelar n.º 21/22.2BEPRT, foi determinada a suspensão da instância, por existência de questão prévia, atinente à existência de causa prejudicial, que é a acção de execução a correr termos no TAF do Porto sob o n.º 313/19.8BEPRT-A.

Neste Processo n.º 21/22.2BEPRT-B, que é cautelar, foi proferida Sentença que julgou pela ocorrência de caso julgado, e em suma, por ter o Requerente, ora Recorrente, repetido a causa propondo uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, e que se verifica assim a tríplice identidade prevista no artigo 580.º do CPC.

Apreciou e decidiu o Tribunal a quo que em torno da identidade dos sujeitos e dos pedidos que resulta clara essa ocorrência, e que no que toca ao pedido, conforme assim advém da leitura do Requerimento inicial apresentado no Processo n.º 433/21.9BEPRT, que é cristalina a sua absoluta identidade, e que a pretensão prosseguida pelo Requerente, ora Recorrente, é absolutamente a mesma, e que em torno da causa de pedir, que a mesma também ocorre por estar na sua base o mesmo facto jurídico a partir do qual se deve atender aos factos invocados e relevantes no quadro das soluções de direito plausíveis a que o Tribunal deva atender.

Mais decidiu que o efeito jurídico pretendido pelo Requerente é sempre, e em última análise, o mesmo, e que passa pela prolação de decisão tendente a condenar as entidades demandadas a realizar junta médica para a verificação da sua incapacidade permanente para o trabalho e o reconhecimento do direito à ausência do trabalho por faltas por doença, e que em face do patenteado em ambos os articulados iniciais, que os factos essenciais com base nos quais o Requerente pretende dar sustentação à sua pretensão, têm subjacente uma junta médica realizada pela ADSE em outubro de 2018, onde lhe foi fixada uma incapacidade de 73%, bem assim como o facto de a doença que lhe foi reconhecida constar do elenco do Despacho Conjunto n.º A-179/89/XI, de 12 de setembro.

Referiu ainda o Tribunal a quo, que o facto de o Requerente aduzir mais factualidade num ou noutro Processo, que em nada afecta ou faz alterar a relação material controvertida que tem face às três entidades demandadas, e que sustentam o pedido formulado na qual se sustenta para justificar o seu pedido na base dos mesmos factos jurídicos essenciais, encerrando em si uma tentativa de justificar o porquê da interposição de uma nova acção e de novo pedido cautelar.

Como assim julgamos, não sendo as causas de pedir e os pedidos absolutamente iguais, são todavia coincidentes na essencialidade do que é a pretensão do Autor ora Recorrente, ou seja, pretende sempre obter o mesmo efeito jurídico que tem como pressuposto de base a precedência do mesmo facto jurídico.

Atentos os sujeitos [de uma banda o Requerente ora Recorrente, e da outra, a CGA, a ATA e o Ministério das Finanças], atenta a causa de pedir e os pedidos deduzidos a final de cada um dos Requerimentos iniciais que motivaram os Processos 433/21.9BEPRT e os presentes autos [21/22.2BEPRT-B], julgamos ser manifesto que, como assim de resto o admite o ora Recorrente [Cfr. conclusão XX das Alegações de recurso], que a pretensão material visada pelo Recorrente é una, e que se pauta por que a ATA e o Ministério das Finanças dêem início ao procedimento de realização de junta médica na CGA na sequência da junta médica da ADSE realizada em 12 de outubro de 2018, e bem assim, que a ATA/MF tenham e mantenham o Requerente com o direito de ausência do trabalho por faltas por doença face à sua incapacidade como fixada pela ADSE em 12 de outubro de 2018, e como assim julgamos, por aí ocorre a identidade da causa de pedir [pois que a sua pretensão advém do mesmo facto jurídico, que é a existência de junta médica da ADSE e de não ser iniciado o procedimento para a sua submissão a junta médica da CGA] e a identidade do pedido [que é a sua submissão à junta médica da CGA, e que o mantenham com ausência por faltas justificadas, considerando para tanto o Despacho Conjunto n.º 179/89/XI, de 12 de setembro.

Mas para além disso, não podendo ser obnubilado que para efeitos do exercício dos respetivos direitos, o legislador disciplinou uma forma de acção, resulta para nós evidente que a pretensão do Requerente ora Recorrente é alcançável por via da execução da Sentença proferida no Processo n.º 313/19.8BEPRT a que se reportava o Processo cautelar n.º 3205/18.4BEPRT intentado como preliminar daquele [Cfr. artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, 3.º, n.º 4, 157.º, n.º 1, 160.º, n.º 1, 173.º, n.ºs 1 e 2 e 175.º, n.º 1, todos do CPTA], e onde foi julgado, já com trânsito em julgado, condenar a Ré CGA na emissão de:

“- Nova Deliberação da Junta Médica, devidamente fundamentada, ou seja, com a indicação das razões factuais em que alicerçam o diagnóstico que conduz à ausência da incapacidade permanente, exteriorizando, mesmo usando os termos técnicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada, de modo a permitir ao destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente, compreender o sentido e os fundamentos desse diagnóstico;
- Nova Deliberação da Junta de Recurso, devidamente fundamentada, ou seja, com a indicação das razões factuais em que alicerçam o diagnóstico que conduz à ausência da incapacidade permanente, exteriorizando, mesmo usando os termos técnicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada, de modo a permitir ao destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente, compreender o sentido e os fundamentos desse diagnóstico;
- Nova decisão final sobre o pedido de aposentação por incapacidade, devidamente fundamentada, ou seja, com a indicação das razões factuais em que alicerçam o diagnóstico que conduz à ausência da incapacidade permanente, exteriorizando, mesmo usando os termos técnicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada, de modo a permitir ao destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente, compreender o sentido e os fundamentos desse diagnóstico.

E por consulta que fizemos ao Processo n.º 313/19.8BEPRT, aí corre por apenso o Processo n.º 313/19.8BEPRT-A intentado pelo ora Recorrente em 25 de janeiro de 2021, e que visa, precisamente, a condenação da CGA a submeter o Recorrente a junta médica e seguimento dos demais termos, e como assim aí está patenteado, já foi realizada junta médica em 23 de novembro de 2021, com cujo sentido decisório o Exequente ora Recorrente parece não concordar, face aos termos e pressupostos que por si foram aí invocados, e que sendo controvertidos, aí têm de ser dilucidados, ou seja, esse é o tempo, o espaço e o modo processual para a sua apreciação e decisão.

Ou seja, trata-se de questão que tem de ser resolvida por via dessa forma de processo, onde de resto o Exequente formulou o devido pedido e cuja instrução dos autos se encontra em curso.

E como também resulta evidente, sendo o Recorrente funcionário das demais entidades administrativas [da ATA e MF] e estando em curso um procedimento tendente a determinar se o mesmo padece de incapacidade e que seja determinante de decisão em torno da sua aposentação, até que tal aconteça, a sua ausência ao serviço mostra-se justificada, conquanto essa ausência ao serviço se mostre fundada em motivo de doença que tenha acolhimento legal.

Ou seja, tendo presente a Sentença proferida em 11 de novembro de 2019 no Processo n.º 3205/18.4BEPRT, em respeito pelo caso julgado formal e material que daí resultou, está a CGA incursa num dever de actuação, que até ser proferida decisão que constitua caso administrativo decidido, a ATA/MF apenas podem ser condenados no que for resultante em face do que for decidido pela CGA, e a coberto da lei, o que o Recorrente não invoca nem fundamenta nos presentes autos.

Como assim julgamos, o emaranhado procedimental e jurídico processual em que se tem o próprio Autor ora Recorrente apenas será desenlaçado com a prolação de decisão final por parte da CGA em torno da apreciação da sua capacidade para estar ao serviço, ou para ser aposentado, com o que necessariamente terão de se conformar a ATA/MF, o que ocorrerá, necessariamente em sede do processo de execução que correr termos sob o Processo n.º 313/19.8BEPRT-A.

Conforme assim se sumariou no Acórdão proferido no Processo n.º 433/21.9BEPRT, que resultou de julgamento feito por este mesmo colectivo:

Início da transcrição
“[…]
7 - A mera apreciação, em sumaria cognitio, da legalidade atinente à submissão do Requerente a junta médica, não lhe confere qualquer direito em torno da regulação da questão de fundo sobre a qual versa o litígio que tem com os Requeridos, pois que a final, o que pretende é ver declarada por junta médica a sua incapacidade para o trabalho, por motivos de saúde.
8 - A característica da provisoriedade tem subjacente que a decisão cautelar não pode fazer antecipar, a título definitivo, a constituição ou o reconhecimento de situações que só a decisão a proferir no processo principal pode determinar a título definitivo, o que na relação jurídica administrativa controvertida subjacente à demanda a que se reportam aos autos passará, não por uma mera questão de trâmite como é o determinar o início de um procedimento, mas antes, saber a final se depois de realizada a junta médica, o Requerente vê garantido na sua esfera jurídica o reconhecimento de que é incapaz para o trabalho, em razão dos seus invocados problemas de saúde.
[…]”
Fim da transcrição

Mas como já vimos supra, na decorrência do que assim foi apreciado no Processo n.º 313/19.8PEPRT, o pedido de condenação em processo cautelar na prática de acto ou na adopção de uma conduta/comportamento, que o devia ser como sustenta o ora Recorrente, em torno da sua submissão a junta médica da CGA, tal ficou absolutamente prejudicado, por já existir na ordem jurídica Sentença judicial com trânsito em julgado de tanto determinante, quanto a cujo segmento decisório a ora Recorrente refere que não foi cumprido, mas quanto ao que o mesmo requereu a sua execução do julgado.

Com efeito, e ao contrário do que assim sustenta o Recorrente sob a conclusão GGG) e seguintes, não pode ser o facto de o mesmo ter junto ao processo judicial Sentenças transitadas em julgado, para como assim refere, dar mais sustentação ao seu pedido nestes autos, que se tem assim pela ocorrência de factos posteriores, e desta forma, que sendo assim novos na sua perspectiva, é assim diversa a causa de pedir e diverso o pedido, tendo dessa forma o Tribunal a quo violado o artigo 621.º do CPC.

A Sentença proferida no Processo n.º 313/19.8BEPRT diz respeito à mesma relação jurídica controvertida de base, e quanto a saber se com a actuação da CGA [que é a entidade com o papel principal na demanda do Autor ora Recorrente], foi dada execução ao julgado anulatório e condenatório constante do seu segmento decisório, essa é matéria que não pode ser conhecida nestes autos, nem pode aqui ser apreciada/tornar a ser apreciada, e decidida para efeitos de condenar a CGA a iniciar procedimento administrativo de submissão a junta médica, nem a ATA/MF condenados a ter e a manter a ausência do Recorrente ausente do trabalho por faltas justificadas por doença, se a decisão da CGA não for determinante da fixação da sua incapacidade para o trabalho.

Conforme ensina Miguel Teixeira de Sousa [Cfr. O objecto da sentença e o caso julgado material (O estudo sobre a funcionalidade processual), in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 325, páginas 176 e 179], a excepção “[…] do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a exceção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente [...], mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica [...]. Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente.

Como assim julgamos, é manifesto que a actuação quer do Tribunal a quo, quer das autoridades administrativas estão a coberto da autoridade de caso julgado, firmado quer pela Sentença proferida no Processo n.º 3205/18.4BEPRT – no Processo cautelar n.º 313/19.8BEPRT onde foi decidido antecipar o juízo da causa principal - [que foi confirmada por este TCA Norte e cujo recurso de Revista não foi admitido pelo STA], e cujo julgado anulatório e condenatório se encontra a ser executado no Processo n.º 313/19.8BEPRT-A, com o que contende, ou faz prejudicar o pedido constante do Processo n.º 21/22.2-BEPRT-A, assim como com o pedido cautelar deduzido como incidente neste mesmo Processo, que corre termos por apenso sob o Processo n.º 21/22.2BEPRT-B, ora sob apreciação.

Note-se ainda, que no Processo n.º 21/22.2BEPRT, que é cautelar, foi proferida Sentença que julgou pela sua extinção, no abrigo do disposto no artigo 123.°, n.º 1, alínea a) do CPTA, por não ter sido tempestivamente interposta a ação principal de impugnação dos actos em causa nesses autos [a que se reporta o Processo n.º 21/22.2BEPRT-A, e onde está sob impugnação, precisamente, a notificação provinda da CGA quanto ao resultado da junta médica], o que foi confirmado por Acórdão deste TCA Norte, datado de 08 de agosto de 2022, já transitado em julgado.

De maneira que, tem de improceder a pretensão recursiva do Recorrente, por não incorrer as invocadas nulidades, nem o invocado erro de julgamento.

*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Providência cautelar; Repetição; Excepção de caso julgado; Autoridade de caso julgado.

1 - A repetição da providência ocorre quando exista uma mesma identidade, que no essencial passa por verificar se as partes, os fundamentos e o pedido são os mesmos.

2 - Se os fundamentos [de facto e de direito] apresentados pelo Requerente como justificantes do prenchimento dos requisitos determinantes do decretamento da providência, a que se reporta o artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, são os mesmos, está vedada a apresentação de nova providência cautelar.

3 - A excepção de caso julgado visa evitar que o Tribunal duplique as decisões sobre idêntico objecto processual, contrariando na decisão posterior o sentido de decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo de decisão anterior.

4 - A força e autoridade de caso julgado tem por finalidade evitar que a regulação jurídica da relação jurídica possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica.

***

IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente AA, confirmando a Sentença recorrida.

*

Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goze – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

**

Notifique.

*

Porto, 10 de março de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Fernanda Brandão, em substituição
Helena Ribeiro