Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00739/05.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/11/2013
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:PRESCRIÇÃO; CONHECIMENTO OFICIOSO; DIREITO DE AUDIÇÃO; MÉTODOS INDIRECTOS
Sumário:1. O dever de conhecimento oficioso da prescrição da obrigação tributária, a que alude o artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não se estende ao tribunal de recurso da decisão que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação correspondente com fundamento diverso;
2. Na vigência do artigo 60.ºda Lei Geral Tributária e na redação anterior à que lhe foi introduzida pelo artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, o sujeito passivo que tivesse sido ouvido em anterior fase do procedimento de liquidação, não tinha que ser novamente ouvido antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda não se tivesse pronunciado.
3. A administração tributária só tem o dever de recorrer a métodos indiretos para presumir custos não declarados e não documentados se a sua existência for evidenciada ou demonstrada e o seu valor não puder ser diretamente determinado;
4. A invocação de valores de rentabilidade fiscal média na ordem dos 50%, obtidos com os proveitos apurados pela administração tributária, não evidencia, por si só, a existência de custos não declarados e não documentados.
Recorrente:JC(...)
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. Jerónimo dos Santos Cardoso, n.i.f. (...), com domicílio indicado na (…) em S. Cosme, 4420 Gondomar, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a presente impugnação judicial, que teve por objeto a decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º 28244, interposto do despacho de indeferimento no processo de reclamação graciosa n.º 1783-01/400044.7, instaurado no Serviço de Finanças de Gondomar (...), relativo às liquidações de I.R.S. dos anos de 1997, 1998 e 1999.

Recurso este que foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.2. Notificado da sua admissão, o Recorrente apresentou as respetivas alegações e formulou as seguintes conclusões:

1. A prescrição é de conhecimento oficioso.

2. As dívidas relativas aos anos de 1997 e 1998 estão extintas por prescrição.

3. A data dos factos encontrava-se em vigor o Código de Processo Tributário (CPT), que estabelecia o prazo de prescrição de 10 anos, a contar do início do ano seguinte àquele em que tivesse ocorrido o facto tributário, ou seja, no caso em apreço desde 01/01/1998, 01/01/1999 e 01/01/2000, tudo de acordo com o disposto no artigo 34°, n°s 2 e 3 do CPT.

4. O CPT (artigo 34°) e a LGT (artigo 49°) referem que, tanto o recurso hierárquico como a impugnação, interrompem a prescrição.

5. Ora, no caso em apreço, antes de 01/01/2007 o processo esteve em duas situações parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte e, por via disso, será de contar, somando todos os períodos de prescrição que relativamente aos anos de 1997 e 1998 já ultrapassam o prazo de prescrição de 10 anos, nos termos do disposto no artigo 34°, n°s 2 e 3 do CPT e, em consequência, mostrar-se-ão aquelas dividas extintas por prescrição.

Acresce que,
6. O recorrente não foi notificado para exercer o direito de audição a preceder a liquidação Adicional, que ocorreu antes de Maio de 2001, em clara violação do Art°. 60°, n° 1, alínea a) da LGT.
7. Não foi, no entanto, este o entendimento do Mm. Juiz “a quo” que aplica ao caso sub judice a Lei 16-A/2002, de 31 de Maio que altera o n° 1, alínea a) do Art°. 60° da LGT, e que, como continua a afirmar na sua sentença, tem carácter interpretativo e é de aplicação imediata.
8. A Lei 16-A/2002, de 31 de Maio, não tem, como é evidente, aplicação retroactiva.
9. Nos termos do artigo 60° da LGT, em vigor em 2001, ano da Liquidação Adicional em causa, o então Oponente teria de exercer o direito de audição a preceder a liquidação adicional.
10. Não tendo os serviços da Administração Fiscal dado ao ora Impugnante a possibilidade de participar na formação dos actos tributários subjacentes à formação da Decisão, ora decidenda, através da sua audiência prévia, a preceder o acto de liquidação, nem tendo, ao menos, sido invocado um qualquer argumento para a inexistência ou a dispensa de tal formalidade (Art°s. 103° do CPA e 60°, n° 2 da LGT), é ilegal e, consequentemente, inválida tal Decisão e ilegal a liquidação.
11. Há ainda na douta sentença erro e má aplicação da Lei no que concerne ao vicio de violação de lei por não aplicação pela A.F. dos métodos indirectos.
De facto,
12. O recorrente nos exercícios de 1997, 1998 e 1999 emitiu facturação paralela que omitiu ao registo da contabilidade.
13. A contabilidade não tinha espelhados os elementos que pela sua análise pudessem levar a A.F. a fixar o lucro tributável, pelo que não tinha, nem teve, qualquer valor probatório.
14. Pois apesar destes factos a A.F. recorreu, para as correcções a efectuar, aos métodos directos o que foi corroborado pelo Mer. Juiz “a quo” na sua sentença.
15. Fundamenta a decisão na sua interpretação dos Art°s. 87° a 89° da LGT.
16. Ora, o Art°. 88°, n° 1 declara expressamente que a A.T. só pode proceder a avaliação indirecta nos casos e condições previstos na lei, sendo que a lei - (Art°. 88°) diz o seguinte: “A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizam o apuramento da matéria tributável (...) a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração (...) c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária (…)”, o que no caso concreto em análise se verificou.
17. Apesar da aplicação dos Métodos Indirectos assumir natureza subsidiária, não pode ser de uso arbitrário.
Para impedir esse uso arbitrário no Parecer 3/92 do Dr. Freitas Pereira cuja doutrina foi sancionada por despacho do Director Geral das Contribuições e Impostos de 02/01/1992, diz na alínea g) “No caso desses elementos não serem comprovados e tratando-se de encargos que tenham inequivocamente a natureza de “custos de proveitos” - como é o caso do custo das existências vendidas - não parece ser correcta, em princípio, a simples não aceitação como custos fiscais desses encargos - deverá promover-se então a aplicação de métodos indiciários ou, no sistema anterior a 1989, a tributação pelas regras do grupo B da Contribuição Industrial”, (in Ciência e Técnica Fiscal n° 365, pag. 352);
18. A própria Constituição da República Portuguesa consagra a possibilidade em casos excepcionais, das Empresas serem tributadas não em função dos lucros efectivamente aferidos através dos seus registos contáveis, mas sim com base nos lucros presumivelmente realizados (de José Gomes Canotilho e Vital Moreira - C.R.P. anotada - Coimbra 1993, pag. 463);
19. Independentemente do método de tributação utilizado, os instrumentos, postos ao serviço da Administração Fiscal no âmbito do Principio da Demanda da Verdade Material, têm como objectivo surpreender e medir a capacidade económica patenteada pelos Contribuintes (Art°. 4° da L.G.T.) e mercê desse desígnio promover uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza (art°s. 103° e 81° da Constituição);
20. A Inspecção Tributária, confrontada com Rentabilidades afastadas dos parâmetros normais para o Sector, deveria ter aprofundado os seus Procedimentos de Auditoria em estrita observância dos Princípios da Legalidade Tributária (Art°. 8° e 55° da L.G.T.) e do Inquisitório (Art°. 58° da L.G.T.) por forma a fazer a maior aproximação possível à Rentabilidade avalianda o que pressupunha estabelecer um nexo de causalidade entre os Proveitos efectivamente realizados e os correspectivos Custos de Aquisição;
21. Na douta sentença é referido como fundamentação do bom procedimento dos Serviços da Administração Fiscal na aplicação dos Métodos Directos, “que esta foi possível face aos elementos constantes da contabilidade e aos elementos recolhidos dos clientes”.
- Mas a contabilidade, por si só, não bastou para aferir das vendas - Como as vendas e prestação de serviços não estavam contabilizadas, em consequência, a A.F. procurou-as fora da contabilidade e bem.
- Porque é que quanto aos custos que não estão contabilizados, a A.F. não procedeu da mesma forma??
O seu procedimento orientou-se pelo seguinte raciocínio, se não há documentos, não há custos, não houve compras!!
22. O que é um evidente e claro erro de julgamento.
23. A falta de comprovantes idóneos e genuínos da realização dos Custos não podem constituir óbice para a sua quantificação, pelo que a Administração Fiscal, a coberto da alínea b) dos Art°s. 87° e 89°, ambos da Lei Geral Tributária, deveria recorrer aos Métodos indirectos de Avaliação para estimar os Custos de Compras e demais Custos Operacionais e finalmente, apurar o Lucro que atendesse à efectiva capacidade económica do impugnante;
24. Com efeito, o que é público e notório não carece de demonstração, ou retomando o ilustre tratadista, a prova produzida, não resulta da exibição da documentação necessária mas da evidência dos factos.
Os actos notórios não carecem de alegação nem de prova porque são notórios são os acessíveis ao conhecimento geral (nota 6 ao Art°. 123° do C.P.P.T. Anotado de Jorge Lopes de Sousa);
25. Tributar o rendimento real significa atingir a matéria colectável realmente obtida pelo sujeito passivo e nunca, de modo algum, modelar tributos iníquos em termos quantitativos por flagrante contenção com Princípios Constitucionalmente protegidos;
26. Também o impõe o princípio do respeito da capacidade contributiva na tributação com a resultante proibição de uma tributação desproporcionada. (Direito Tributário, pág. 148 de Diogo Leite Campos)
27. A Administração Fiscal no uso dos seus poderes investigarmos está vinculada a formular tanto quanto possível “the best judjement” - por forma a reconstruir a verdade material que fora desvirtuada pela ocorrência de anomalias graves, socorrendo-se de um acervo de elementos de prova indirectos, mormente de índices ou de indícios, carreados de acordo com as regras de experiência comum que, não obstante abstractas são tecnicamente válidas (pag. 311 in A quantificação da obrigação tributária - Deveres de Cooperação e Avaliação dc Saldanha Sanches Editora LEX e Castro Mendes, in “O Conceito de Prova em Processo Civil” (1961) pag. 176/186;
No mesmo sentido Acórdão do T.C.A. de 08/05/2001.
Há, assim, na douta sentença recorrida erro e má aplicação da lei, e que não se pode deixar de invocar, nos termos do Art°. 685°-A do C.P.C..
1.3. A Fazenda Pública não contra-alegou.
A M.mª Juiz a quo ordenou então a subida dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo que, por decisão da Senhora Conselheira Relatora, se julgou hierarquicamente incompetente para conhecer do recurso e competente para o efeito este Tribunal Central Administrativo Norte.
Notificado dessa decisão, o Recorrente requereu a remessa dos autos a este tribunal, o que foi deferido.
Neste tribunal, a Exmª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer onde promoveu fosse solicitada a remessa do processo de execução fiscal, para consulta e a título devolutivo ou, assim não se entendendo, fosse negado provimento ao recurso jurisdicional nos termos do parecer emitido pelo Exmº Colega junto do Supremo Tribunal Administrativo, cujo teor subscreve inteiramente.
1.4. Por despacho do relator, foi ordenada a notificação de ambas as partes para se pronunciarem quanto à inadmissibilidade do recurso, na parte em que tem por fundamento a prescrição da dívida impugnada.
Nesse despacho ficou consignado o que agora esquematicamente se expõe:
a) a prescrição é oposta à decisão recorrida, porque integra as conclusões do recurso e se pede a revogação com tal fundamento;
b) mas não foi suscitada perante o tribunal recorrido, sendo uma questão nova que aquele não apreciou;
c) as questões novas podem ser apreciadas incidentalmente pelo tribunal de recurso, se forem do conhecimento oficioso e o tribunal dispuser dos elementos necessários ao seu conhecimento;
d) mas o Recorrente não pede o seu conhecimento incidental nem a extinção da instância por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide; pede, em vez disso, a revogação da decisão de primeira instância com esse fundamento;
e) por outro lado, e embora a prescrição seja do conhecimento oficioso, o tribunal não dispõe dos elementos necessários ao seu conhecimento.

Concluindo-se que nem o recurso pode ser admitido com esse fundamento nem a prescrição pode ser incidentalmente apreciada.
Notificado do seu teor, o Recorrente veio insistir no conhecimento da prescrição com os seguintes fundamentos:
«A questão da prescrição não foi suscitada nas peças processuais apresentadas na 1.ª instância porque nessas datas não teriam ainda decorrido os prazos de prescrição.
A prescrição é do conhecimento oficioso.
E não tendo o Mer. Juiz “a quo” apreciado, como se lhe impunha, a questão da prescrição, o impugnante em fase de recurso aponta essa omissão.
O impugnante alegou em ponto prévio que a prescrição é do conhecimento oficioso e, em consequência, deveria ser oficiosamente conhecida.
Aliás, a norma do Artº. 175º do C.P.P.T. impõe o conhecimento oficioso da prescrição das dívidas tributárias.
E esta norma é objecto de interpretação inconstitucional e (contra legem) quando é interpretado no sentido de que o Tribunal perante o qual a questão é suscitada não tem de apreciar essa prescrição, por violação do disposto no Art.º 203º da C.R.P.
O Tribunal de recurso na posse de todo o processo (a que está apenso o processo administrativo) dispõe de todos os elementos ao conhecimento da questão».
Sobre tal requerimento incidiu decisão final de não conhecimento do objeto do recurso nos termos que a seguir se transcrevem parcialmente:
«(…) dispõe o artigo 684.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que o âmbito do recurso é externamente delimitado pelo âmbito material da própria decisão recorrida. O que é visto como uma importante limitação ao objeto do recurso, visto implicar que, em regra, o recurso só pode incidir sobre questões que tenham sido ou devessem ter sido apreciadas pelo tribunal recorrido.
“Compreendem-se perfeitamente as razões porque o sistema foi assim arquitectado. A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os tribunais superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios” (ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in «Recursos em Processo Civil - Novo Regime», segunda edição, rev. e act., pág. 94).
É certo que o tribunal tem o dever de se pronunciar sobre questões do conhecimento oficioso – cfr. artigo 660.º, n.º 2, segunda parte, do Código de Processo Civil. E é verdade que a prescrição é uma questão do conhecimento oficioso – artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Mas são distintas a questão que o tribunal de recurso aprecia incidentalmente no âmbito dos seus poderes oficiosos e a questão de conhecimento oficioso que o recorrente levanta no recurso contra a decisão recorrida.
No primeiro caso, o tribunal de recurso consulta os elementos do processo e extrai oficiosamente uma conclusão (em primeira mão), que poderá até extinguir o recurso e impedir, na prática, o conhecimento do seu objeto.
No segundo caso, o tribunal de recurso verifica – ao conhecer do objeto do recurso – se a questão poderia ter sido oficiosamente apreciada pelo tribunal recorrido (designadamente porque a prescrição já teria então ocorrido) e se, por isso, o tribunal recorrido omitiu o dever respetivo. O que poderá conduzir à procedência do recurso e, se for o caso, ao conhecimento dessa questão, em substituição do tribunal recorrido.
No primeiro caso, a prescrição não faz parte do âmbito do recurso e é apreciada no âmbito dos poderes oficiosos do tribunal de recurso (em primeiro grau).
No segundo caso, a prescrição é questão central do recurso e a segunda instância verifica se a prescrição deveria ter sido apreciada no âmbito dos poderes oficiosos do tribunal recorrido (em segundo grau).
O caso dos autos não se enquadra em nenhuma dessas hipóteses. O recorrente nunca alegou que a questão deveria ter sido apreciada pelo tribunal recorrido e que tal apreciação deveria ter conduzido a decisão diversa em primeira instância. E também não pede que o tribunal de recurso conheça incidentalmente da prescrição. Alega apenas que a prescrição ocorreu (especificando agora – a fls. 156 dos autos – que ocorreu depois dessa decisão) e pede que a decisão recorrida seja revogada com tal fundamento.
Mas, a ser assim, o âmbito do recurso extravasa o âmbito da decisão recorrida: ao pretender-se que o tribunal de recurso conheça da prescrição sem limitação ao âmbito possível do conhecimento da mesma questão pelo tribunal recorrido está-se a pretender integrar no objeto do recurso matéria que não fazia (nem podia fazer) parte do objeto da decisão recorrida.
Assim sendo, o recurso é ilegal, nesta parte.
Resta saber se a prescrição pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal de recurso.
Sublinhe-se que, qualquer que seja a decisão a proferir neste âmbito, não interfere com o anteriormente decidido, quanto à ilegalidade do recurso. Do que se trata agora é de saber se o tribunal tem todos os elementos necessários para – independentemente do que foi alegado/requerido – conhecer oficiosa e incidentalmente da prescrição.
Ora, a resposta é negativa. Como se referiu no douto despacho de fls. 122, lavrado pela Sr.ª Conselheira Relatora no Supremo Tribunal Administrativo, o conhecimento da questão da prescrição implica a necessidade de apurar e fixar diversa factualidade relevante, designadamente a existência de atos interruptivos e suspensivos da prescrição ocorridos no âmbito do processo de execução fiscal, que não se encontra apensado aos presentes autos (porque foi entretanto devolvido ao Serviço de Finanças, ainda pelo Supremo Tribunal Administrativo, antes de os autos serem remetidos a este T.C.A.N., cfr. fls. 141).
E não existe norma que determine ao tribunal de recurso o dever de avocar (de novo) o processo executivo para se certificar que a prescrição não ocorreu antes de conhecer do objeto do recurso propriamente dito. O que existe é norma que obriga o tribunal, qualquer que ele seja, a conhecer incidentalmente da prescrição se, por alguma outra razão, o processo executivo e os demais de que dependa o seu conhecimento, se encontram em poder desse tribunal. O que, como já se salientou, não é o caso.
E também não se entrevê nenhuma inconstitucionalidade nesta interpretação, designadamente por violação do artigo 203.º da Constituição da República Portuguesa. A independência dos tribunais – que aquele preceito constitucional consagra – significa antes de mais que os tribunais têm autonomia na interpretação das leis e do direito. Em relação às partes, por maioria de razão. E o que o ora Recorrente parece pretender é que este tribunal afronta a lei se não aderir à interpretação dessa lei que a Recorrente lhe pretende impor. E isso é que afrontaria a independência dos tribunais.
Por todo o exposto, julgando a decisão de primeira instância irrecorrível, na parte em que tem por fundamento a prescrição das dívidas, ao abrigo do disposto nos artigos 700.º, n.º 1, alínea b), e 704.º, ambos do Código de Processo Civil (aqui aplicável por força do artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), decido não conhecer do objeto do recurso, nesta parte.
Pelo seu decaimento nesta parte fica desde já o Recorrente condenado nas custas devidas, que se fixam em 1/3 (um terço) das que vierem a ser apuradas e que se reportem à instância do presente recurso.
Notifique.
Oportunamente, voltarão os autos com termo de conclusão para apreciação da parte restante do recurso.».
1.5. Notificado desta decisão, o Recorrente veio dela interpor recurso para o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos dos artigos 280.º, n.º 2, e 284.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, invocando oposição com o acórdão da 2.ª Secção deste tribunal – Proc. 0702/07, de 03/10/2007.
Por despacho do relator – a fls. 164 dos autos – foi decidido que o recurso não poderia ser admitido, designadamente porque a decisão de que ora se recorre é um despacho do relator e as decisões individuais do relator não são diretamente recorríveis para o Supremo.
Mais foi determinado fossem ambas as partes notificadas para dizer se se opunham à convolação do recurso no requerimento a que alude o artigo 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com a advertência de que o seu silêncio seria entendido como não oposição.
Nenhuma das partes respondeu.
1.6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
1.7. Analisados os fundamentos do recurso, devidamente delimitados pelas respetivas conclusões, perspetivam-se as seguintes questões fundamentais a decidir:
1.ª Saber se a prescrição deve ser conhecida pelo tribunal de recurso e, em caso afirmativo, a dívida impugnada se encontra prescrita [conclusões “1.ª” a “5.ª”];
2.ª Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de direito ao concluir que o artigo 13.º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, é aplicável retroativamente e, em consequência, era dispensável a audição prévia antes da liquidação [conclusões “6.ª” a “10.ª”];
3.ª Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento no que concerne ao vício de violação da lei por não aplicação pela administração tributária dos métodos indiretos [conclusões “11.º” a “27.ª”].
2. Fundamentação de Facto
Em primeira instância foram dados como provados os seguintes factos:
1 - O ora impugnante foi objecto de uma inspecção tributária realizada aos exercícios económicos dos anos de 1997, 1998 e 1999.
2 - Dessa inspecção tributária resultou uma correcção em sede de IRS e de IVA, e cujas liquidações adicionais de IRS dos anos de 1997, 1998 e 1999, ora se impugnam.
3 - As liquidações adicionais ora em crise, encontram-se a fls. 104 a 109 do PA (reclamação graciosa) e que aqui se dão por reproduzidas.
4 - Os fundamentos para as correcções em causa, constam do relatório da inspecção tributária constante do PA (reclamação graciosa) de fls. 19 a 91 e que aqui se dão por reproduzidas, mas cujos extractos a seguir se transcrevem: “Os valores constantes das contas correntes dos anos de 1997 a 2000 recolhidos nos seus clientes e para cruzamento de informação não são coincidentes com os registos efectuados na escrita da firma e consequentemente nem todas as facturas de proveitos se encontram reflectidas nas correspondentes declarações fiscais para efeitos de IVA e IR. (...) Exemplo: Cliente: BC(..),Sa. (.,.) valor da facturação registada no cliente: Ano de l997-12.717.609$00(...)valor da facturação registada na firma: Ano de 1997-5.839.179$00(...) Sociedade de Construções SC(…), Sa.(...) Valor da facturação registada no cliente: Ano de 1997.117.994.747$00, Valor da facturação registada na firma: Ano de 1997.25.798.067$00. (...) Face aos indícios verificados, com declarações periódicas para efeitos de IVA por norma com créditos de imposto e a reportar de período para período, e para efeitos de IRS, declarando prejuízos constantes, com custos que não se enquadram nos proveitos declarados e apresentando rentabilidade fiscal negativa, procedeu-se à recolha da facturação emitida junto dos clientes tendo-se constatado omissões significativas de registos de proveitos à escrita e em todos os anos em que incidiu a acção inspectiva, com consequentes diminuições de entregas de prestações tributárias que estava legalmente obrigado a entregar nos Cofres do Estado quer para efeitos de IVA quer para efeitos de IRS.(...) Conferidas as contas correntes de clientes, conjuntamente com os registos efectuados na escrita pelo sujeito passivo verifica-se o seguinte: (...)A facturação da escrita tem uma sequência cronológica sem faltas, no entanto utiliza facturação paralela verificando-se duplicação de facturas com o mesmo número, uma registada na escrita e em nome do cliente X e outra omitida à escrita e processada em nome do cliente Y. Para a grande maioria das firmas com quem trabalhou tem facturas que registou e outras que emitiu à escrita. (...) Da facturação omissa à escrita foram elaboradas por anos relações discriminativas da facturação e seu valor conforme anexo junto.(...) I.R.S. - Correcções Técnicas(...)Procedeu à apresentação das mod. 2 para efeitos de IRS, (…) descrevendo-se de seguida os valores declarados em mapa de demonstração de resultados apurados.(...) Correcções efectuadas: Acréscimo de proveitos não registados respeitantes a facturação omissa à escrita conforme relação de facturação já descrita. (...) Notificado nos termos dos art°s 60 da LGT e art° 60° do RCPIT não exerceu o direito de audição.(...)”.
5 - Aos rendimentos dos anos de 1997, 1998 e 1999, foram efectuados acréscimos aos proveitos na importância de Esc: 238.796.836$00, 279.250.676$00 e 162.721.668$00, respectivamente, cfr, fls. 22 do PA (reclamação graciosa).
6 - A petição inicial foi apresentada no Serviço de Finanças de Gondomar (…), em 07 de Abril de 2005.
Tendo-se ainda ali consignado que a convicção do Tribunal se tinha alicerçado, «na consideração da matéria de facto dada como assente, nos factos alegados e não impugnados, e nos documentos acima identificados».
Sobre a factualidade não provada, consignou-se não existir, com interesse para a decisão.
3. Fundamentação de Direito
3.1. A primeira questão sobre a qual este tribunal é chamado a tomar posição é a de saber se o tribunal de recurso tem o dever de conhecer da prescrição da obrigação tributária suscitada ex novo – e como questão prévia – em recurso da decisão que julgou improcedente a impugnação judicial que incluía no seu objeto as liquidações respetivas.
Esta questão é submetida à conferência depois de o relator ter entendido que não fazia parte do objeto do recurso nem estavam reunidos os pressupostos do seu conhecimento oficioso.
Da audição do Recorrente antes dessa decisão resulta que não está em causa a inadmissibilidade do recurso com esse fundamento, mas o dever do conhecimento oficioso desta questão, que seja incidentalmente suscitada na instância respetiva. Do que se trata, por isso, não é de saber se essa questão faz parte do objeto do recurso, mas saber se o tribunal de recurso tem o dever de dela conhecer oficiosa e incidentalmente, em primeira mão, por lhe ter sido oposta por uma das partes, na sua pendência.
A este respeito, importa começar por salientar que os tribunais superiores têm entendido que a impugnação judicial não é o meio processual adequado para o conhecimento da questão da prescrição da obrigação tributária, por este processo visar apreciar a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação e a prescrição não ter a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação. Admite-se, contudo, o conhecimento incidental desta questão, para aferir se tem utilidade prática a apreciação da legalidade do ato impugnado. Ou seja, em impugnação judicial, a prescrição é apreciada apenas para aferir se deve a instância prosseguir ou deve ser declarada a inutilidade superveniente da lide (neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», I volume, Áreas Editora 2006, pág. 708). Por identidade ou até maioria de razão, a mesma questão só pode ser incidentalmente colocada na pendência do recurso dessa decisão para aferir da utilidade da apreciação do próprio recurso.
Não é, assim, o problema do conhecimento oficioso da prescrição que aqui se pode colocar em termos imediatos (e que só faria sentido colocar quando o meio processual escolhido é adequado ao seu conhecimento), mas o problema do conhecimento oficioso das causas de inutilidade da lide.
Nesta parte, tem-se entendido que as causas de inutilidade superveniente da lide são também do conhecimento oficioso, por estarem conexionadas com o interesse processual ou interesse em agir, que é assumido pela doutrina como pressuposto processual ou condição da ação. E que não tem de existir apenas no momento em que o processo se inicia, mas também ao longo dele, justificando a sua falta a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (parece ir neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2006.06.28, processo n.º 0189/06, disponível em redação integral in www.dgsi.pt.).
Assim sendo, as causas de inutilidade superveniente da lide são também do conhecimento oficioso em fase de recurso, tendo o seu julgamento cabimento na alínea h) do n.º 1 do artigo 700.º do Código de Processo Civil.
No entanto, o dever de conhecimento oficioso dessas questões pelo tribunal ad quem pressupõe que existam nos autos os elementos necessários ao seu julgamento (neste sentido, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in «Recursos em Processo Civil - Novo Regime», segunda edição, rev. e act., pág. 26).
Sendo que no caso, não existem nos autos elementos que objetivamente apontem para a inutilidade superveniente da lide com tal fundamento nem os mesmos foram minimamente fornecidos pelo Recorrente. A sua confirmação estaria dependente do apuramento de diversa factualidade relevante, que não é possível com os elementos disponíveis nos autos, até porque o processo não chegou a este tribunal acompanhado do processo executivo e de informações e outros processos ou procedimentos que, em concreto, se revelassem necessários. E não existe norma que imponha o dever de avocar o processo executivo ao recurso da decisão de uma impugnação judicial para despistar a eventual ocorrência da inutilidade do prosseguimento da lide.
Por outro lado – e centrando agora o problema do conhecimento oficioso da prescrição – assinala-se que o artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário tem inserção sistemática no seu Título IV, secção VII que, rege sobre as causas de suspensão, interrupção e extinção do processo de execução fiscal. Decorrendo expressamente da sua redação que o dever de conhecimento oficioso tem lugar em processo em que tenha intervindo anteriormente o órgão de execução fiscal. E o enquadramento sistemático deste normativo também não pode ser indiferente à correta interpretação do âmbito dos deveres de conhecimento oficioso do tribunal. Dele decorrendo, pelo menos, que não foi nunca intenção do legislador conceder ao Recorrente a faculdade de escolher ou meio processual para suscitar a questão da prescrição e a instância onde é suscitada, sobretudo quando esse meio não é o adequado para o seu conhecimento a título principal e a lei disponibiliza o meio processual adequado para o fazer na instância própria.
Razões porque deve o despacho do relator ser confirmado neste particular e o conhecimento desta questão prévia deve ser indeferido.
3.2. A segunda questão que integra o objeto do recurso consiste em saber se o tribunal recorrido fez correta aplicação da lei ao concluir que a audição prévia não era devida no procedimento, antes da liquidação, por o Recorrente ter sido ouvido anteriormente, quando foi notificado das conclusões do relatório.
A este respeito, o tribunal recorrido assinalou que o artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, introduziu nova redação ao artigo 60.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, que dispensa a audição prévia em tais circunstâncias. E que esta norma tem caráter interpretativo e é de aplicação imediata.
O Recorrente contrapõe que tal norma não pode ser de aplicação retroativa. Isto é, não pode aplicar-se a procedimentos em que a fase de audição prévia que a lei interpretativa veio dispensar, já tenha decorrido antes da sua entrada em vigor.
Não é isso, porém, que decorre do artigo 13.º do Código Civil. O seu texto «começa por estabelecer que a lei interpretativa se integra na lei interpretanda, querendo com isto significar que relativamente a leis desta natureza não há que aplicar o princípio da não retroactividade», sendo que «a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e a situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA [lei antiga] com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas» (J. Baptista Machado, in «Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador», Almedina 1990, págs. 245/246).
Há até quem defenda que não existe verdadeira retroatividade de aplicação de normas interpretativas, seja porque não se tratam de normas jurídicas em sentido próprio, seja porque a norma aplicável é a norma interpretanda, e não a norma interpretada (neste sentido, DIOGO LEITE DE CAMPOS e mónica horta neves leite de campos, in «Direito Tributário», 2.ª ed., pág. 220.
Tal proibição só poderia, por isso, resultar de lei especial – que seria, no caso, ou o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa ou o artigo 12.º da Lei Geral Tributária.
Mas nenhum destes artigos proíbe a retroatividade de normas interpretativas em si mesmas. O que estes dispositivos proíbem é a retroatividade de normas que (sejam ou não interpretativas) impliquem, direta ou indiretamente, uma repercussão nos elementos essenciais dos impostos, por contenderem com as respetivas normas de incidência ou de fixação da respetiva taxa. E a norma que rege sobre as situações em que é dispensado o direito de audição não tem tal repercussão, até porque se trata de uma norma de natureza procedimental.
Por outro lado, também não se pode dizer que a modelação dos casos em que os interessados devem ser ouvidos antes da decisão do procedimento tributário, nos termos operados pela Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, interfira com o conteúdo essencial das garantias dos contribuintes (no caso, a garantia da participação na formação das decisões que lhes digam respeito), uma vez que a dispensa abrange apenas os casos em que os contribuintes já tenham sido ouvidos anteriormente no mesmo procedimento e não tenham sido invocados factos novos sobre os quais ainda não tenha tido a oportunidade de se pronunciar.
No sentido de que a aplicação do artigo 13.º, n.º 1 da referida Lei a situações pretéritas não interfere com a proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa se pronunciou o douto Acórdão do Tribunal Constitucional de 2005.04.05 (acórdão n.º 353/05). No sentido da sua conformidade com o artigo 12.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, vd. por todos o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2012.05.16 (processo n.º 0675/11).
De todo o exposto decorre que deve, nesta parte, ser integralmente confirmado o juízo firmado na douta sentença recorrida sobre esta matéria.
3.3. A última questão que integra o objeto do recurso consiste em saber se a douta sentença recorrida fez má aplicação da lei no que concerne ao vício de violação da lei imputado à decisão da administração tributária por não ter recorrido a métodos indiretos.
Na decisão recorrida, considerou-se que a administração tributária só teria que recorrer a métodos indiretos quando não fosse possível a determinação direta e exata da matéria tributável, atento o princípio da subsidiariedade da avaliação indireta, consagrado no artigo 85.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. E que, no caso, a administração tributária conseguiu aceder ao valor exato dos proveitos omitidos através da circularização efetuada aos clientes da impugnante, não havendo fundamento para o recurso a métodos indiretos. Quanto aos custos que o ali impugnante pretendia fossem relevados, considerou-se na sentença recorrida que teriam que estar documentados para que fossem fiscalmente dedutíveis. E que, para além dos custos documentados que a administração tributária considerou, nenhuns outros foram provados.
O Recorrente não se conforma com o assim decidido, porque a administração tributária está obrigada a aferir os rendimentos reais do sujeito passivo, de onde decorre o dever de presumir os custos que com toda a evidência existam. E que a administração tributária foi confrontada com rentabilidades afastadas dos parâmetros normais do setor, pelo que deveria ter aprofundado os seus procedimentos de auditoria, por forma a fazer a maior aproximação ao lucro real.
A este respeito, deve assinalar-se que, nos termos do artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real. O que significa que, na avaliação direta ou indireta da matéria tributável de uma empresa individual ou coletiva (o dispositivo também se aplica a rendimentos comerciais, industriais e agrícolas de pessoas singulares), a administração tributária deve procurar o rendimento realmente auferido. Sendo que a aferição dos créditos realmente verificados no seio da empresa se deve fazer considerando tanto as componentes positivas da riqueza gerada como as suas componentes negativas.
Não se aceita, por conseguinte, uma interpretação das regras de incidência respetivas ou de determinação da matéria coletável que suporte a desconsideração de custos evidenciados, apenas porque não estão documentados. Ao invés, deve entender-se que a exigência de documentação do custo tem em vista precisamente a sua confirmação e que a administração tributária não pode desconsiderar os custos indocumentados cuja ocorrência seja apurada ou constitua uma incontornável evidência. Dizendo de outro modo: à luz deste princípio, deve entender-se que a não dedutibilidade de custos indocumentados – atualmente consignada no artigo 45.º, n.º 1, alínea g), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aplicável aos rendimentos empresariais das pessoas singulares por força do artigo 33.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – diz respeito aos custos cuja existência não possa ser confirmada por falta de documentação.
Por outro lado, os custos cuja existência possa ser confirmada mas cujo valor não possa ser diretamente determinado por falta de documentação devem ser apurados por métodos indiretos, como decorre do artigo 90.º, n.º 1, alínea f), da Lei Geral Tributária.
Ora, o que o Recorrente veio dizer ao tribunal foi precisamente que a administração tributária incorreu em erro na interpretação daqueles preceitos ao considerar os proveitos omitidos sem ter em conta os custos necessários para os gerar, apenas porque não estão documentados.
No entanto, a administração tributária só poderia ter incorrido em tal erro ao desconsiderar custos cuja existência confirmou ou deveria ter confirmado à face dos elementos que apurou. E nem na fase administrativa, nem na fase graciosa do procedimento se assumiu alguma vez que tenham sido suportados custos que o Recorrente não declarou ou contabilizou, nomeadamente os necessários aos proveitos omitidos. Sendo que dali não resulta também que o valor efetivamente declarado pelo Recorrente na parcela dos custos diga respeito apenas aos custos necessários para gerar os proveitos também declarados. E que, por conseguinte, devessem ter sido realizadas diligências adicionais com vista ao apuramento de custos não declarados.
Ninguém duvidará, por outro lado, que caberia agora ao Recorrente demonstrar em tribunal que os custos que ele próprio declarou estão subavaliados ou que não podiam estar conexionados com os proveitos omitidos.
E isso o Recorrente nem sequer tentou fazer. E não tentou fazer porque, em seu entender, a existência de custos não declarados constitui uma evidência, que não carece de demonstração. E não carece de demonstração porque os índices de rentabilidade fiscal obtidos pela administração tributária «na ordem, respetivamente, dos 54,5%, 56% e 40%», seriam, nas suas palavras, «perfeitamente desproporcionadas e absurdas» (cfr. artigo 17.º da douta petição inicial).
Deve contrapor-se, no entanto, que nunca ficou demonstrado que os índices de rentabilidade fiscal obtidos fossem notoriamente excessivos, face à atividade exercida, ou que fossem incompatíveis com a capacidade de produção do Recorrente. O tribunal recorrido não deu como provados quaisquer factos de que tal pudesse ser extraído nem o Recorrente põe em causa o seu julgamento de facto.
Não se aceita, por outro lado, que a desproporcionalidade ou a irrealidade de tais índices deva constituir uma evidência em si mesma, em termos que tal conclusão pudesse ser extraída recorrendo apenas a factos do conhecimento geral ou a regras da experiência comum. E que, por conseguinte, o Recorrente se pudesse dispensar de alegar e demonstrar em tribunal factos concretos que permitissem acompanhar o seu juízo.
Do exposto decorre que não existiam, nem existem agora, elementos nos autos que sustentem a pretensão do Recorrente à evidência de custos diversos daqueles que ele próprio declarou.
Pelo que o recurso também não merece provimento nesta parte.
4. Conclusões
4.1. O dever de conhecimento oficioso da prescrição da obrigação tributária, a que alude o artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não se estende ao tribunal de recurso da decisão que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação correspondente com fundamento diverso;
4.2. Na vigência do artigo 60.ºda Lei Geral Tributária e na redação anterior à que lhe foi introduzida pelo artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, o sujeito passivo que tivesse sido ouvido em anterior fase do procedimento de liquidação, não tinha que ser novamente ouvido antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda não se tivesse pronunciado.
4.3. A administração tributária só tem o dever de recorrer a métodos indiretos para presumir custos não declarados e não documentados se a sua existência for evidenciada ou demonstrada e o seu valor não puder ser diretamente determinado;
4.4. A invocação de valores de rentabilidade fiscal média na ordem dos 50%, obtidos com os proveitos apurados pela administração tributária, não evidencia, por si só, a existência de custos não declarados e não documentados.
5. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e assim confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 11 de Janeiro de 2013
Ass.: Nuno Bastos
Ass.: Irene Neves
Ass.: Pedro Marques