Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00327/16.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/07/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:RECLAMAÇÃO DAS DECISÕES DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO
PRESSUPOSTOS PARA DISPENSA DE GARANTIA
RESPONSABILIDADE DO EXECUTADO
Sumário:I. Assim, nos termos do artigo 52º, nº 4 da LGT, a Administração Tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
II. Assim, a isenção fica assim dependente de dois pressupostos alternativos: ou a (i) existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou (ii) a falta de meios económicos para a prestar. Porém, tal dispensa não depende apenas da verificação de um destes dois pressupostos, sendo necessário o preenchimento de um outro pressuposto cumulativo: que a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.
III. Sendo o processo de execução fiscal, um processo de natureza judicial, as regras aplicáveis em matéria de ónus da prova são as previstas no disposto no art.º. 342.º, e 344.º Código Civil e no art. .74.º, nº. 1, da LGT, e é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois tratam-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, M…, Lda interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Braga que julgou improcedente a reclamação interposta, nos termos do art.º 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do ato do órgão da execução fiscal, que no processo de execução fiscal n.º0353201501269666 que lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia.
Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formulou as conclusões que se reproduzem:
I. “(…) A douta sentença proferida negou provimento à Reclamação da Decisão do Órgão da Execução Fiscal, apresentada pela ora Recorrente com vista à anulação do despacho proferido, em 12 de janeiro de 2016, pelo Exmo. Senhor Diretor de Finanças de Braga, através do qual este indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia e consequentemente a suspensão do processo de execução apresentado pela ora Recorrente.

II. Através do indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, entendeu a AT que a ora Recorrente não provou o exigido pela última parte do n.º 4 do artigo 52.º da LGT - a falta de culpa do executado pela insuficiência ou inexistência de bens.

III. Tendo assim, o Tribunal a quo corroborado com a referida tese.

IV. No entanto, verificam-se, no entender da Recorrente, todos os requisitos legais de que o n.º 4 do artigo 52.º da LGT faz depender a dispensa de garantia.

V. Para julgar improcedente a presente Reclamação, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão no facto de, alegadamente, a Reclamante se ter limitado a alegar que não dissipou bens, sem ter comprovado tal facto,

VI. Fundamento com o qual a Recorrente não concorda de todo.

VII. Acrescentou o Tribunal a quo que, face ao avolumar de créditos incobráveis, a Recorrente demonstrou falta de cuidado e inércia na cobrança dos mesmos, que seriam suficientes para a prestação de garantia.

VIII. No entendimento da Recorrente, e com o devido respeito, tal conclusão do Tribunal a quo não se encontra ajustada à realidade empresarial, que, por vezes, implica, ainda que sejam realizadas diversas diligências para o evitar, que determinados créditos não sejam cobrados,

IX. Na medida em que, por vezes, a sua cobrança não é possível, por insuficiência de bens dos devedores, ou por outros motivos comercialmente válidos e que impedem que, por exemplo, se interrompam simplesmente os serviços prestados aos clientes,

X. Comprometendo-se com isso a manutenção de clientes e, consequentemente, da atividade da empresa,

XI. Havendo ainda que considerar a presunção de verdade e boa-fé dos registos contabilísticos e fiscais das empresas, que, no caso dos créditos incobráveis, têm obrigatoriamente como pressuposto a prévia realização de um conjunto de diligências de cobrança, que, neste caso, a Recorrente, naturalmente, levou a cabo.

XII. Ora, considerando que o próprio Tribunal a quo admite: a) a insuficiência de bens da Recorrente; b) o grave prejuízo que a prestação de uma garantia lhe causaria, levando-a à insolvência; não compreende a Recorrente de que forma lhe poderá ser imputada responsabilidade na situação de insuficiência patrimonial.

XIII. Na verdade, conforme alegado pela Recorrente, a insuficiência patrimonial deve-se exclusivamente à evolução negativa da sua atividade, bem como ao elevadíssimo valor da garantia em causa, que tem origem numa alegada dívida que a mesma reputa de indevida e cuja legalidade se encontra atualmente a ser aferida.

XIV. Sendo certo que a Recorrente disponibilizou prontamente toda a documentação que não só permite aferir a sua insuficiência de bens como também analisar a evolução negativa da sua atividade e comprovar a inexistência de atos de dissipação patrimonial.

XV. Por outro lado, a Recorrente demonstrou que nunca poderia prever a necessidade de prestação de uma garantia de tão avultado valor, e que resulta de uma dívida cuja legalidade não se encontra sequer aferida.

XVI. Não colocando em causa o respeito que a sentença proferida pelo Tribunal recorrido nos merece, e que é muito, a verdade é que a Recorrente jamais poderá concordar com o sentido da mesma.

Senão vejamos,

XVII. Conforme expressamente referido, é assente na mais avisada doutrina que a responsabilidade do executado, prevista na parte final do número 4 deve entender-se em termos de dissipação dos bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores e não mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens.

XVIII. Ora, se é verdade que a insuficiência dos bens da aqui Recorrente não foi provocada por nenhuma dissipação dos bens do seu património, o que resulta em facto negativo, a verdade é que, conforme se referiu acima, no entender dos Autores supra citados, ob.cit., p. 428, “nesta matéria não se está perante uma situação de impossibilidade prática de prova, pois a prova do facto negativo que é a irresponsabilidade do executado pode ser efetuada através da prova dos factos positivos, por via da demonstração das reais causas de tal insuficiência ou inexistência de bens”.

XIX. O que, nesta situação, se reconduzirá, no mínimo, a dever-se a considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da sua concorrência para a verificação daquele resultado.

XX. De facto, nos presentes autos, a Recorrente, empresa cumpridora das suas obrigações laborais, fiscais e contributivas, revela manifestamente uma gerência diligente e preocupada com a manutenção da atividade e dos postos de trabalho,

XXI. Sendo facto positivo suscetível de afastar a necessidade de prova negativa da irresponsabilidade da aqui Recorrente pela situação de inexistência ou insuficiência dos bens que resulta unicamente da natural evolução da sua atividade, sem qualquer ato de dissipação patrimonial ou de gestão imprudente por parte dos seus gerentes.

XXII. Na verdade, fruto de uma contingência fiscal que, conforme demonstrará em sede própria, carece de validade, vê-se impossibilitada de prestar qualquer garantia de um montante tão avultado,

XXIII. O que releva se for considerado que está a ser exigido à Recorrente que produza prova além do que lhe é exigível, para poder suspender um processo que exige o pagamento de uma dívida cuja legalidade não se encontra ainda determinada,

XXIV. Considerando-se que tal procedimento não se coaduna com o princípio da proporcionalidade que dever orientar o procedimento e processo tributário.

XXV. Sendo certo que a Recorrente, através de toda a fundamentação e prova documental junta aos autos demonstrou, dentro das possibilidades existentes na prova de um facto negativo, que a sua situação patrimonial resulta da mera evolução negativa da sua atividade,

XXVI. Resultando evidente que não ocorreu qualquer ato de gestão danosa que permita imputar à Recorrente a responsabilidade pela impossibilidade de prestação de garantia, nos termos do n.º 4 do artigo 52.º da LGT.

XXVII. Isto porque, a responsabilidade presente no n.º 4 do artigo 52.º da LGT prende-se, assim, com a responsabilidade pela eventual dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.

XXVIII. Perante toda a argumentação, doutrina e jurisprudências aqui expostas, entende a Recorrente que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, determinando-se a anulação do despacho de indeferimento proferido por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, por violação do disposto no n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa. se digne suprir, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, assim se fazendo inteira JUSTIÇA! (…)”

A Recorrida não contra-alegou

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no qual considerou que a deveria a sentença ser mantida e negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente (cf. art.º 635.º, n.º 4, do CPC), a questão que importa conhecer é de saber se sentença incorreu em erro de julgamento de direito por violação do disposto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT.

3. JULGAMENTO DE FACTO.

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)FACTOS PROVADOS
1. A Fazenda Pública, em 6/11/2015, instaurou contra a sociedade comercial “M…, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº 5…, o Processo de Execução Fiscal nº 0353201501269666, que corre termos no Serviço de Finanças de Barcelos, para cobrança de € 183.372,61.
2. A Reclamante, em 4/12/2015, apresentou, no Processo de Execução Fiscal identificado em 1, o requerimento que consta a fls. 7/14 do processo apenso e se dá por reproduzido, com vista à suspensão do processo executivo com dispensa de garantia no qual alegou que é manifesta a insuficiência de bens económicos na esfera da M… para assegurar a prestação de garantia no montante de € 231.958,39, que “a relação entre os proveitos da sociedade e o volume de gastos da mesma não lhe permitem dispor de tal verba para prestação de garantia”, que se encontra numa situação financeira frágil comprovada pelo Balancete de Novembro de 2015, tem um problema de tesouraria decorrente de créditos incobráveis no montante de € 218.512,04, que se encontram reflectidos na contabilidade, que constituiu garantia bancária a favor do Instituto de Emprego e Formação Profissional no montante de € 102.073,00, imposta por lei, e não detém qualquer imóvel pois o seu activo é composto apenas por material de escritório e instrumentos de trabalho, o que impossibilita a obtenção de garantia bancária, não lhe sendo imputável a situação de insuficiência de bens pois não dissipou bens.
3. O requerimento identificado em 2 foi acompanhado de cópia de garantia bancária no montante de € 102.073,00, emitida pela Caixa Geral de Depósitos a favor do “Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P.”; Mapa de Depreciações e Amortizações referente a 2014; cópia de extracto bancário de fls. 19 a 21 do processo apenso, Balanço e Demonstração de Resultados em 31/12/2014; Balancete 2015 (fls. 24/30 do processo apenso); e listagem de créditos de cobrança duvidosa/incobráveis, no montante global de € 218.512,04, documentos que constam a fls. 15/31 do processo apenso e se dão por reproduzidos.
4. Dá-se por reproduzido o despacho de fls. 40 do processo apenso, datado de 12/1/2016, que indeferiu a pretensão de dispensa de garantia aludida em 2, documento do qual se extracta, “Concordo com a informação e parecer prestados com os fundamentos deles constantes (…) não se encontram reunidas as condições legalmente exigidas para a sua dispensa, designadamente por não ter sido feito prova (art.º 74.º da LGT), pela executada, de que não lhe é imputável a insuficiência de bens no seu património, nem que a prestação da mesma lhe cause prejuízo irreparável”.
5. Dá-se por reproduzido o parecer e informação de fls. 40/41 do processo apenso, em que assentou o despacho aludido em 4, documentos dos quais se extracta, “(…) do requerimento apenas se extrai que existe uma manifesta falta de meios económicos, não se podendo concluir que a gestão da empresa esteja isenta de responsabilidade na insuficiência do seu património, para garantir a dívida, o que lhe competia, nos termos do n.º1 do art.º 74.º da LGT e art.º 170.º, n.º 3, do CPPT. (…) Quanto ao pedido de suspensão da execução (…) Da leitura, quer do normativo legal, quer do mencionado ofício-circulado, extrai-se que só a prestação de garantia, acompanhada de requerimento anunciando a intenção de sindicar a legalidade ou exigibilidade da dívida, é que propiciam a suspensão da execução.
Na situação, em apreço, não se mostram reunidas as condições legais para a suspensão do processo de execução, uma vez que não foi prestada a necessária garantia.”.
6. A Administração Tributária remeteu à Reclamante, sob registo postal, o ofício nº 159, de 14/1/2016, que consta a fls. 44 do processo apenso e se dá por reproduzido, com vista à notificação do despacho mencionado em 4.
7. Dá-se por reproduzida a informação de fls. 102 relativa à impossibilidade de localização do aviso de recepção respeitante ao ofício mencionado em 6.
8. A presente reclamação foi apresentada sob registo postal em 1/2/2016.
FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito.
*
A convicção do tribunal resultou da análise crítica da prova documental junta aos autos, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 412º Código de Processo Civil.
.(…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO

A questão que interessa conhecer é saber se sentença incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do disposto do n.º 4 do artigo 52.º da LGT.
Importa verificar se a Recorrente satisfez o ónus probatório que sobre si impendia de demonstrar que a falta de meios económicos revelados pela insuficiência / inexistência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda não é da sua responsabilidade.
Vejamos.
Os pressupostos da isenção de prestação de garantia, estão previstos no art.º 52.º, nº. 4, da LGT, do qual decorre que a Administração Tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
Assim, a isenção fica dependente de dois pressupostos alternativos: ou a (i) existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou (ii) a falta de meios económicos para a prestar. No entanto, a dispensa não depende apenas da verificação de um destes dois pressupostos, sendo necessário o preenchimento de um outro pressuposto cumulativo: que a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção. (cfr. acórdão do TCAN 2037/12.7 BEPRT de 21.03.2013).
Sendo o processo de execução fiscal, um processo de natureza judicial, as regras aplicáveis em matéria de ónus da prova são as previstas no disposto no art.º. 342.º, e 344.º Código Civil e no art.º 74.º, nº. 1, da LGT, e é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois tratam-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
O pedido dirigido ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária nos termos do n.º 3 do art.º 170.º do CPPT.
No requerimento datado de 04.12.2015, dirigido ao órgão da execução fiscal, a Reclamante, ora Recorrente ciente da sua obrigação de demonstrar que a causa de insuficiência de bens não lhe era imputável alega que “… a insuficiência de bens para a prestação de garantia de tal montante não poderá de forma alguma ser imputada à executada e decorre de factos adversos que lhe são totalmente alheios.
23. A acrescer, a M… tem ainda um real problema financeiro ou de tesouraria, decorrente do avolumar de créditos incobráveis de um conjunto de clientes, motivados por razões que lhe são totalmente alheias e não imputáveis,
24. Totalizando atualmente um valor de € 218 512,04 ……refletidos como tal na contabilidade da empresa, conforme documentos anexo, aqui junto com Doc. 3.
(…)
56. Como é fácil de concluir, nunca poderá a M… ser responsável pela insuficiência de bens para garantir a dívida exequenda.
57. Na medida em que, tendo a M… pautado a sua atuação pelo estrito cumprimento de todas as imposições legais …
60. E que não lhe é imputável a situação de insuficiência ou inexistência de bens para a prestação
(…)
60. Nunca tendo ocorrido qualquer dissipação de ativos por parte da M…. (…)”
Como supra se referiu, em conformidade com os artigos 54.º da LGT, art.º 170.º e n.º 3 do art.º 199.º do CPPT, é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de tal dispensa, nomeadamente, o ónus de provar que não lhe é subjetivamente imputável a insuficiência de bens penhoráveis, isto é, que não tem culpa pelo facto de o património penhorável se ter tornado inexistente ou insuficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda e do acrescido.
Mas será que os documentos junto com o pedido de dispensa de garantia, nomeadamente, a garantia bancária no montante de € 102.073,00, emitida pela Caixa Geral de Depósitos a favor do Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., Mapa de Depreciações e Amortizações, cópia de extrato bancário, Balanço e Demonstração de Resultados; Balancete, listagem de créditos de cobrança duvidosa/incobráveis, no montante global de € 218.512,04 e o artigo jornalístico retirado do site http:expresso.sapo.pt.economia/trabalho-temporário-crise-… de 29.01.2016. este junto aos autos em sede de reclamação, provam que a executada não tem culpa insuficiência de bens?
A Demonstração de Resultados, o Balancete, Balanço e Mapa de Depreciações e Amortizações dão uma imagem do ativo e passivo e dos resultados da empresa e indiciam falta de meios económicos e inexistência de património
A garantia bancária no montante de € 102.073,00 e listagem de créditos de cobrança duvidosa/incobráveis demonstram uma situação de fragilidade económica e de dificuldades de tesouraria, reforçada pelos extratos bancários e encargos que detêm para o exercício da atividade nomeadamente com o IEFP.
O artigo jornalístico indicia crise na colocação de trabalhadores em regime de trabalho temporário.
Como supra se transcreveu a Recorrente limitou-se no requerimento da reclamação dirigida ao órgão de execução fiscal a alegar que a insuficiência de bens para a prestação de garantia não lhe pode ser imputada, uma vez que, decorre de factos adversos que lhe são totalmente alheios. Agravados pelo avolumar de créditos incobráveis de um conjunto de clientes, motivados por razões que lhe são também totalmente alheias e não imputáveis.
E que pautou a sua atuação pelo estrito cumprimento de todas as imposições legais e não ocorreu qualquer dissipação de ativos por parte da M….
A linha de entendimento da jurisprudência, nomeadamente, dos acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 17.12.2008, do STA nos processos n.º 0327/08 8, (citado pela Recorrente), onde consta que A eventual dificuldade que possa ter o executado em provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição ao executado do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344.º do CC. (( ) Neste sentido, pode ver-se ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 451, nota (2) (página 467, na 2.ª edição), em que se refere que «já se tem entendido, erroneamente, que a extrema dificuldade de prova do facto pode inverter o critério legal de repartição do ónus da prova».)
É certo que por força do princípio constitucional da proibição da indefesa, que emana do direito de acesso ao direito e aos tribunais reconhecido no art. 20.º, n.º 1, da CRP, não serão constitucionalmente admissíveis situações de imposição de ónus probatório que se reconduzam à impossibilidade prática de prova de um facto necessário para o reconhecimento de um direito.
Mas, por um lado, no caso em apreço não se está perante uma situação de impossibilidade prática desse tipo, pois a prova do facto negativo que é a irresponsabilidade do executado pode ser efectuada através da prova de factos positivos, por via da demonstração das causas de tal insuficiência ou inexistência de bens.
Por outro lado, a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur». (( ) Essencialmente neste sentido, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 203, cujos ensinamentos são seguidos no Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/83, de 11-7-1983, publicado no Diário da República, I Série, de 27-8-1983.)
Estas regras, nesta situação, conduzirão, no mínimo, a dever-se considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado..(…) (destacado nosso) ” Cfr. ainda acórdãos nºs 0286/12 de 05.07.2012 e 016/11 de 02.02.2011 da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo e n.º 0596/11.1 BEPRT de 24.10.2011 e 00273/14.1 BEMDL de 16.10.2014 Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte.
A Reclamante / Recorrente foi parcimoniosa na sua alegação e também na prova que efetuou, pois somente alegou essas circunstâncias não demonstrando nada diretamente ou indiretamente.
No caso dos autos, não seria difícil à Recorrente alegar e provar causas que demonstrassem que não teve culpa na insuficiência ou inexistência de património pois embora se tratasse de facto negativo - irresponsabilidade do executado - podia ser efetuada através da prova de factos positivos, por via da demonstração das causas de tal insuficiência ou inexistência de bens.
A Recorrente embora impute a culpa à crise não fez alusão à dificuldade que a esta lhe gerou, e qual o impacto desta na suas contas, e ainda os meios financeiros que teve de despender, para lhes fazer frente e em que modo estes factores contribuíram na diminuição de resultados.
Faz alusão a créditos incobráveis, embora identifique os credores e o valor dos respetivos créditos, nada se diz quanto à data dos respetivos vencimentos as razões do incumprimento ou a qualquer interpelação para o cumprimento das obrigações dos respetivos contratos.
O Mapa de Depreciações e Amortizações, o Balanço e Demonstração de Resultados fazem um retrato da situação da económico-financeira da empresa, no entanto, não provam que a Recorrente não teve culpa na sua insuficiência, ou seja que não é da sua responsabilidade.
E também não é suficiente dizer que a sua atuação se pautou pelo estrito cumprimento de todas as imposições legais.
Em sede de recurso, a Recorrente nas suas alegações e conclusões densifica referindo que é uma empresa cumpridora das suas obrigações laborais, fiscais e contributivas, revela manifestamente uma gerência diligente e preocupada com a manutenção da atividade e dos postos de trabalho.

E que a crise que vinha afetar o setor da construção civil, - facto público e notório que não carece de alegação - a afetou e que a sua situação resulta da natural evolução da sua atividade sem qualquer ato de dissipação patrimonial ou de gestão imprudente por parte dos gerentes.

Como se referiu a situação de crise no setor em que a Recorrente labora, não é suficiente para provar a sua irresponsabilidade.

No que concerne à dissipação dos bens, os documentos apresentados provam que a Recorrente não detinha bens imóveis (somente móveis) consequentemente não os dissipou. Mas tal facto desacompanhado de outro elemento de prova não é suficiente para provar a falta de culpa e que não concorreu da sua atuação para a verificação daquele resultado.

Nesta caso, não estamos, perante uma situação de impossibilidade prática de prova, podia ser efetuada através da prova dos factos positivos, por via da demonstração das reais causas de tal insuficiência ou inexistência de bens, nomeadamente que fez um esforço de angariação de clientes, celebrou contratos e obteve prejuízos, as razões pelas quais não lhe eram pagos os serviços prestados e eventuais diligências realizadas para obter a cobrança dos seus créditos.

Em suma, embora a Recorrente tenha demonstrado os demais requisitos exigidos não logrou, contudo, demonstrar (impendendo sobre ele este ónus de prova) que, apesar da insuficiência de bens penhoráveis, não concorreu da sua atuação para a verificação daquele resultado, como a própria refere na conclusão XIX do recurso.

Não estando, provado o requisito que o nº 4 do art.º 52° da LGT faz depender a isenção da prestação de garantia, impunha-se forçosamente o indeferimento do pedido de isenção de garantia em causa.

Referia-se a ainda, em termo de nota final, que tratando-se de prova de facto negativo, devendo ser menor exigência probatória por parte do aplicador do direito em consonância com o principio da proporcionalidade, as provas produzidas e apresentadas com a reclamação não atingem tal desiderato.

Embora se reconheça a bondade do ponto de partida da crítica formulada pela Recorrente em sede de recurso, a consideração dos termos do pedido por ela formulado e os elementos que acompanharam tal pretensão determinam a confirmação da decisão recorrida.


4.2. E assim formulamos as seguintes conclusões:
I. Assim, nos termos do artigo 52º, nº 4 da LGT, a Administração Tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
II. Assim, a isenção fica assim dependente de dois pressupostos alternativos: ou a (i) existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou (ii) a falta de meios económicos para a prestar. Porém, tal dispensa não depende apenas da verificação de um destes dois pressupostos, sendo necessário o preenchimento de um outro pressuposto cumulativo: que a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.
III. Sendo o processo de execução fiscal, um processo de natureza judicial, as regras aplicáveis em matéria de ónus da prova são as previstas no disposto no art.º. 342.º, e 344.º Código Civil e no art. .74.º, nº. 1, da LGT, e é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois tratam-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida bem como o despacho recorrido.
Custas pela Recorrente.
Porto, 7 de julho de 2016
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento