Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00256/07.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/12/2012
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Anabela Ferreira Alves Russo
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
FUNDAMENTAÇÃO
CASO JULGADO
BENEFÍCIOS FISCAIS
ART. 44º DO EBF
DL N.º 202/96, DE 23-9
Sumário:I – Essencial para que se considere satisfeita a exigência legal da fundamentação dos actos é que o discurso contextual, expresso e externado pelo autor do acto dê a conhecer ao seu destinatário, pressuposto como um destinatário normal ou razoável colocado perante as aludidas circunstâncias, todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que foram a sua motivação orgânica.
II – Não existe violação de caso julgado se na sentença que se invoca como pressuposto dessa violação o pedido formulado é distinto daquele que é objecto de nova decisão administrativa ou, sendo-o, nessa mesma sentença, não foi efectuada qualquer apreciação do mérito da pretensão, isto é, não foi definida por apreciação do juiz uma determinada relação nem os bens materiais nela coenvolvidos por entretanto a lide ter sido julgada extinta por inutilidade superveniente da lide.
III – Independentemente da validade formal do atestado médico emitido para efeitos de a um contribuinte ser reconhecido o beneficio fiscal a que se reporta o art. 44º do EBF para o ano fiscal de 1995, não pode a Administração Fiscal atender ao mesmo para o ano fiscal de 2002 se, posteriormente à emissão daquele atestado, o contribuinte, voluntariamente se submeteu a nova avaliação que não lhe atesta grau de incapacidade suficiente ao reconhecimento daquele mesmo beneficio fiscal.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:J...
Recorrido 1:Direção de Finanças de Viana do Castelo
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
I. Relatório
J… (Recorrente), residente em F…, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a acção administrativa especial por si interposta - de anulação do despacho do Director de Finanças de Viana do Castelo, de 31 de Outubro de 2006 (complementado pelo despacho de 5 de Dezembro de 2006) pelo qual se determinou a «recusa do atestado de incapacidade» apresentado pelo Autor pelo que «irá tal facto ser comunicado à DSGRF para efeitos de alteração da retenção na fonte do IRS, no respectivo vencimento, por aplicação da tabela normal (sem deficiência)» - dela veio interpor o presente recurso, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões:
«A) A douta sentença sob recurso incorre em erro de julgamento em matéria de facto ao dar como provado, contra a prova documental produzida, que “em 20 de Novembro de 1997, no âmbito de um recurso hierárquico interposto pelo Autor contra decisão que indeferiu a reclamação graciosa da liquidação de IRS de 1995, o senhor Subdirector - Geral dos Impostos considerou que o atestado médico de incapacidade apresentado pelo ora Autor não possuía qualquer vício que impedisse a sua aceitação pela administração fiscal”, na parte em que sentencia que o recurso foi interposto contra decisão que indeferiu reclamação graciosa da liquidação de IRS do ano de 1995.
B) Deve ser alterada a al. e) do probatório de modo a que dele passe a constar: “Em 20 de Novembro de 1997, no âmbito de um recurso hierárquico interposto pelo Autor contra decisão que ordenou a sua notificação para apresentar novo atestado médico para efeitos de instrução de reclamação graciosa, o senhor Subdirector-Geral dos Impostos considerou que o atestado médico de incapacidade apresentado pelo ora Autor não possuía qualquer vicio que impedisse a sua aceitação pela administração fiscal”
C) Em face da prova documental produzida, deve ser aditado ao probatório o seguinte facto: “Em acção para o reconhecimento do direito à retenção do IRS devido, nos rendimentos do trabalho dependente que aufere, segundo a tabela respeitante a titulares deficientes e desde Janeiro de 1997, cujo processo tomou o n.º 24/9 7 no Tribunal Tributário de 1ª Instância de Viana do Castelo, foi proferida em 11 de Março de 1999 sentença, transitada, julgando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, uma vez que o direito a cujo reconhecimento se destinava a acção foi reconhecido por quem para tanto tinha competência
D) O âmbito do despacho de 20 de Novembro de 1997 do Senhor Subdirector-­Geral dos Impostos, como se colhe do seu teor, integrado com o da douta sentença do então Tribunal Tributário de 1ª Instância de Viana do Castelo de 11/03/1999, não se restringe ao IRS do ano de 1995, dele decorrendo, além do mais, o direito do recorrente à retenção na fonte a partir de 1 de Janeiro de 1997 pelas tabelas aplicáveis a titulares de rendimentos que sejam deficientes, em face da comprovação dessa qualidade pelo atestado médico de 13/11/1996,
E) Há efectiva contradição entre os despachos impugnados e o despacho do Senhor Subdirector-Geral dos Impostos de 20/11/1997 bem como a douta sentença de 11/03/1999 do então Tribunal Tributário de 1ª Instância de Viana do Castelo
F) Os despachos impugnados, ao “recusar” o atestado médico apresentado pelo ora recorrente, pretende arredar da ordem jurídica a decisão proferida pelo Senhor Subdirector-Geral dos Impostos em 20/11/1997, procedendo efectivamente à revogação de tal decisão, sem que, ademais da subversão das relações hierárquico-funcionais no seio da Direcção-Geral dos Impostos, o seu autor disponha de poderes (competência) para tal, com violação, pois, do preceituado no art.° 142,°, nº1 do CPA.
G) Os despachos impugnados, ao decidir em contradição com a douta sentença de 11/03/1999, transitada em julgado, desrespeitam esta douta decisão judicial
H) Os actos impugnados padecem do vicio de falta de adequada fundamentação na parte em que deles não decorrem motivos pelos quais se desviavam e decidiam de maneira diferente do consolidadamente decidido naquele despacho de 20/11/1997, proferido por superior hierárquico do autor daqueles.
I) A douta sentença sob recurso ao não julgar procedentes os alegados vícios dos actos impugnados, incorre em erro de julgamento, por erro nos pressupostos e violação dos invocados preceitos e princípios.
J) A douta sentença, ao decidir que não ocorre violação do art. 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais com base no facto de a nova avaliação a que o recorrente se submeteu não lhe ter reconhecido grau relevante de incapacidade, incorre igualmente em erro de julgamento, por erro nos respectivos pressupostos, na medida em que desconsidera o facto de ter sido interposto recurso da avaliação, cujo processo, consequentemente, não se encontra concluído.
K) A douta sentença não pode, pois, manter-se na ordem jurídica.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença sob recurso e julgando-se procedente a acção, como é de JUSTIÇA.».
A Entidade Recorrida apresentou as seguintes contra-alegações
«1. As condições de atribuição de benefícios fiscais são aferidas pela lei que vigora à data dos factos tributários.
2. A partir de 1 de Janeiro de 1996 passou a ser aplicável o disposto no Decreto-Lei n.° 202/96, em tudo o que respeita a pressupostos, avaliação e certificação da deficiência, para efeitos de atribuição de benefícios fiscais em IRS.
3. Mudaram os critérios de avaliação de incapacidades para efeitos de benefícios fiscais e, por isso, tornou-se exigível a comprovação da incapacidade de acordo com os novos parâmetros legais instituídos para a sua aferição.
4. O A. não logrou obter uma avaliação da sua deficiência consistente com os pressupostos do beneficio fiscal.
5. A avaliação da incapacidade efectuada pela entidade de saúde competente atribui-lhe grau de incapacidade inferior ao que dá direito ao benefício fiscal.
6. Considerando a falta de prova do facto constitutivo do direito, o Director de Finanças de Viana do Castelo proferiu despacho a alterar o regime de retenção na fonte de IRS que vinha sendo aplicado ao A.
7. O recurso hierárquico a que o A. faz referência e, portanto também a decisão proferida nele pelo Subdirector-Geral dos Impostos, respeitam à liquidação de IRS do ano de 1995.
8. O que significa que respeitava a factos tributários e pressupostos do benefício fiscal que estavam subordinados a um quadro normativo que deixou vigorar em 31 de Dezembro de 1995.
9. Desta forma, não faz nenhum sentido invocar contradição entre a decisão tomada no recurso hierárquico relativo à liquidação de IRS do ano de 1995 e a decisão proferida em reavaliação dos pressupostos do benefício fiscal em 2002 que são formal e substantivamente diferentes.
10. Por outro lado, não há violação de regras de hierarquia administrativa uma vez que, como se deixou em evidência na exposição dos factos a decisão de reavaliar a situação concreta do A. foi tomada pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
11. Finalmente, não há conflito com decisão judicial transitada em julgado.
12. Em primeiro lugar, porque a acção para reconhecimento de direito a que o A. faz referência terminou com uma decisão de extinção da instância por inutilidade da lide, portanto, sem pronunciamento sobre o lado substantivo do direito em causa. Em segundo lugar, porque ainda que tivesse conhecido do mérito do pedido formulado na acção, o quadro legal que subordina o direito ao benefício fiscal em 2002 não é o mesmo que era aplicável em 1995, data a que reportam os factos tributários e a respectiva qualificação que foram discutidas no recurso hierárquico em que, recorda-se, foi proferida decisão administrativa em favor da pretensão do então recorrente.
13. Portanto, quanto à substância do direito ao benefício fiscal em causa nos autos nada há a censurar ao acto impugnado.
14. A Administração Fiscal tem o dever legal de verificar as condições de atribuição do direito a benefícios fiscais, maxime, numa situação como a dos autos em que ocorreu alteração das condições legais de avaliação da incapacidade e, portanto, do reconhecimento do direito ao beneficio fiscal.
15. O A. não fez prova da sua incapacidade à luz do regime legal instituído pelo Decreto-Lei n.° 202/96.
16. Mais do que isso, a avaliação efectuada não confere direito ao benefício fiscal em causa.
17. For isso nada há a censurar ao julgado sob recurso.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso e mantida a Sentença recorrida.».
Neste Tribunal Central Administrativo, a Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
Importa decidir – atentas as questões suscitadas e a delimitação das mesmas realizadas nas alegações de recurso e respectivas conclusõesse a sentença sob recurso
- Incorreu em erro de julgamento da matéria de facto por:
(i) distintamente do plasmado na al. A) do probatório da sentença recorrida, o objecto do recurso hierárquico aí mencionadoe que culminou com despacho do Subdirector Geral dos Impostos – não ter sido o indeferimento da reclamação graciosa contra a liquidação de IRS de 1995, mas sim um despacho para apresentação de novo atestado médico para a instrução daquela reclamação graciosa e, em caso afirmativo, se deve ser ordenada a alteração da sua redacção;
(ii) do seu probatório não constar a decisão judicial, proferida no âmbito do processo n.° 24/97, pelo Tribunal Tributário de 1ª instância de V. do Castelo, que considerou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, porque, administrativamente, lhe fora reconhecido o direito à retenção do IRS devido pelos titulares deficientes e desde Janeiro de 1997 e, em caso afirmativo, se deve ser ordenado o seu aditamento;
- Enferma de erro de direito por ter julgado improcedentes os vícios imputados aos actos impugnados sendo que resultou provado, - corrigida e aditada a matéria de facto por força dos documentos juntos - que os mesmos actos não estão fundamentados, estão em contradição contra o despacho anterior proferido pelo Subdirector Geral das Finanças e violam caso julgado;
- Padece de erro de julgamento de direito ao ter decidido que não ocorre violação do art. 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais por a nova avaliação a que o Recorrente se submeteu lhe não ter reconhecido grau relevante de incapacidade, quando a decisão daquela avaliação ainda nem se mostra concluída.

II – Os Factos
Mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para o julgamento do mérito do presente recurso, nestes se integrando, para além dos apurados em primeira instância, outros que, comprovados documentalmente, se aditam, nos termos e ao abrigo do preceituado no art. 712, n.º 4 do CPC, por relevantes para apreciação do mérito do recurso.
Todos, apurados e aditados, que, lógica e cronologicamente, se enunciam pela forma seguinte:
1. A 15 de Março de 1996, o Reclamante apresentou a declaração modelo 1 do IRS, referente aos rendimentos auferidos no ano fiscal de 1995 tendo, a 20 de Junho de 1996, sido efectuada a liquidação do imposto e determinado reembolso a favor do contribuinte que lhe veio a ser pago a 16 de Julho de 1996 [cfr. processo administrativo apenso a estes autos].
2. A 15 de Novembro de 1996 e com base num atestado médico emitido a 13 de Novembro de 1996, pelo Centro de Saúde de Monção, o Reclamante apresentou uma reclamação graciosa solicitando a revisão da liquidação referente ao ano fiscal de 1995, por beneficiar do regime de isenção parcial de tributação previsto no Estatuto dos Benefícios Fiscais [cfr. processo administrativo apenso a estes autos].
3. No âmbito dessa reclamação foi proferido despacho pelo Chefe de Divisão [proferido no uso de poderes delegados pelo Director Distrital de Finanças de Viana do Castelo] em que lhe era solicitado que apresentasse novo atestado de incapacidade, para efeitos de instrução do processo de reclamação graciosa [cfr. processo administrativo apenso a estes autos].
4. Desse despacho interpôs o Reclamante recurso hierárquico tendo, por despacho de 20 de Novembro de 1997, o Subdirector-geral dos Impostos emitido decisão considerando que o atestado médico de incapacidade apresentado pelo ora Autor não possuía qualquer vício que impedisse a sua aceitação pela administração fiscal [cfr. processo administrativo apenso a estes autos].
5. O atestado em referência apresentado pelo Autor foi emitido a 13 de Novembro de 1996 e no mesmo se atesta (e descrimina), para efeitos do Decreto-Lei n.º 103-A/90, de 22 de Março, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 259/93, de 22 de Julho, que aquele possui uma incapacidade permanente anterior a 1995, de 60,8% [cfr. processo administrativo apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzido].
6. O Reclamante na qualidade de Autor intentou no Tribunal Tributário de 1ª instância de Viana do Castelo acção para reconhecimento de direito em matéria tributária, que seguiu seus termos sob o n.º 24/97, na qual pediu que lhe fosse reconhecido o direito à retenção de IRS na fonte segundo a tabela própria para deficientes [cfr., processo instrutor, cópia certificada da petição inicial da referida acção de reconhecimento].
7. A 9 de Dezembro de 1997, o então Autor fez juntar ao processo n.º 24/97 um requerimento dando conta da existência do processo administrativo de reclamação graciosa e do despacho do Subdirector-geral dos Impostos mencionado em 4., mas manifestando ter interesse na manutenção da lide por no acto de retenção na fonte do IRS sobre os vencimentos auferidos serem interventores não só a Administração Fiscal mas também a 3ª Delegação da Direcção Geral do orçamento [cfr. fls. 63 dos autos principais].
8. Por sentença de 11 de Março de 1999, veio a ser declarada extinta por inutilidade superveniente, a acção n.º 24/97 por ter sido já reconhecido pela entidade competente o direito que naqueles autos o Autor peticionava [[cfr. fls. 67-69 dos autos principais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
9. Por ofício de 3 de Novembro de 2006, da Direcção de Finanças de Viana do Castelo, foi o Autor notificado de que, por despacho de 31 de Outubro de 2006,foi determinada a recusa do atestado de incapacidade por si (Autor) apresentado e existente nestes Serviços, pelo que irá esse facto ser comunicado à DSGRF para efeitos de alteração da retenção na fonte do IRS, no respectivo vencimento, por aplicação da taxa normal (sem deficiência)”. [cfr. fls.31 dos autos].
10. O despacho referido no ofício mencionado em 1., e em que o Director de Finanças de Viana de Castelo declarou que «Concordo conforme me vem proposto no sentido da recusa do atestado de incapacidade questionado.» foi exarado sobre a «INFORMAÇÃO n.º 442/2006», que tem o seguinte teor integral:
Auditoria aos benefícios fiscais auferidos por funcionários portadores de deficiência
FUNCIONÁRIO: J…
1. Na sequência de uma auditoria efectuada pelo GAI, incidente sobre os atestados de incapacidade apresentados por funcionários da DGCI, procedeu-se à abertura de um procedimento de recusa do atestado apresentado pelo funcionário acima indicado.
2. Na pendência desse procedimento, o funcionário em causa submeteu-se a nova junta medica, no intuito de obter um novo atestado de incapacidade emitido de acordo com as novas regras de avaliação de incapacidades introduzidas pelo DL n ° 202/96 de 23 de Outubro
3. Em resultado desta atitude do funcionário e a seu pedido foi proferido despacho datado de 23 de Fevereiro de 2006 a suspender o procedimento ate a conclusão do processo de avaliação de incapacidade.
4. Porém, concluído aquele processo de avaliação, o funcionário não apresentou novo atestado de incapacidade por ter recorrido da avaliação que lhe foi efectuada disso fazendo prova e requerendo a manutenção da suspensão do presente procedimento.
5. Contudo, tendo em conta que se coloca a questão da caducidade do IRS do ano de 2002, e que, quando essa suspensão foi decretada em Fevereiro de ano em curso, se tinha em mente uma rápida resolução do assunto, o que, não aconteceu, parece-nos desaconselhável a manutenção da suspensão do procedimento.
6. Deste modo, cumpre-me propor a V. Exª que seja emitida decisão final de recusa do atestado de incapacidade apresentado pelo funcionário J… sem prejuízo de o mesmo poder apresentar, mais tarde, novo atestado de incapacidade, com efeitos retroactivos, se assim a junta médica o entender.
7. Finalmente, caso esta decisão venha a ser proferida, se determine aos Serviços processadores dos vencimentos a competente rectificação, no que concerne á taxa de retenção do IRS, bem como a comunicação à DTC, para efeitos de eventual revisão das liquidações do IRS de anos transactos.
É tudo o que me cumpre informar.
O Chefe da SAAA,»[cfr. fls.. 32 e 33]
11. Notificado daquele despacho, com cópia daquela informação, o Autor solicitou ao Senhor Director de Finanças de Viana do Castelo indicação sobre a disposição legal ao abrigo havia sido proferida a decisão, qual o órgão competente para apreciar a impugnação e o prazo que para tal dispunha, pedido que veio a ser indeferido por se entender que as informações que não constavam do oficio ou resultavam da lei ou não determinavam a insuficiência da notificação realizada [tudo, conforme requerimento que consta de fls. 34 e oficio de fls. 35-36, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzido].
12. O Autor insistiu para que lhe fosse prestada informação sobre «Ao abrigo de que disposição legal foi proferida a decisão notificada» defendendo que havia, em matéria de direito, falta de fundamentação daquela decisão [cfr. fls. 37 dos autos].
13. Sobre tal requerimento versou a «INFORMAÇÃO nº 525/2006», de 15 de Dezembro de 2006, na qual foi emitido o seguinte parecer:
«Auditoria aos benefícios fiscais auferidos por funcionários portadores de deficiência
FUNCIONÁRIO: J…
1. Foi, oportunamente, aberto procedimento administrativo, tendente à substituição de um atestado de incapacidade por parte do funcionário acima identificado, cuja decisão final foi notificada a coberto do ofício desta DF n° 19 422, datado de 3/11/2006.
2. Na sequência daquela notificação, o interessado apresentou em 23/11/2006, nesta DF, um requerimento pedindo os seguintes esclarecimentos:
• Qual a disposição legal, ao abrigo da qual foi proferida a decisão:
• Qual o órgão competente para a apreciação da impugnação do acto e respectivo prazo, nos termos do art° 68/nº1 - al. c) do CPA.
3. Por considerarmos que o interessado estaria perfeitamente ciente da fundamentação da decisão do procedimento, tendo em conta todos os elementos que lhe foram fornecidos ao longo do procedimento, apenas se deu resposta ao segundo dos esclarecimentos pedidos, o que aconteceu a coberto do oficio no 20912, datado de 4 do corrente, ai se informando que a norma da al. c) do n° 1 do art° 68° do CPA não se aplicava ao caso concreto.
4. Insiste, agora, o interessado, em novo requerimento datado de 12 do corrente, no sentido de ser esclarecido sobre as disposições legais que fundamentam a decisão notificada.
5. Assim, porque o interessado parece não estar suficientemente esclarecido sobre a legalidade da decisão em causa, deverão ser-lhe prestados os seguintes esclarecimentos adicionais:
• O procedimento em causa foi aberto em cumprimento do despacho do Ex.mo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, datado de 28/10/2004, proferido no relatório final da auditoria do GAI nº 4/2003/DN/NAUD3.
• Nos termos daquele despacho, o procedimento visava a substituição dos atestados de incapacidade questionados no referido relatório e a sua recusa se não fossem substituídos;
• Como o interessado não efectuou a substituição do referido atestado no prazo que razoavelmente o autor da decisão notificada entendeu conceder, tendo em conta o risco de caducidade do imposto, foi proferida decisão final de recusa (embora se saiba que o interessado ainda está a tentar proceder a essa substituição),
• Assim, o procedimento em causa tem cobertura legal no art° 128º do CIRS, conjugado com o art° 10º/n° 1 - al. d) do CPPT, não relevando o facto de o órgão da Administração que proferiu a decisão do procedimento ter actuado na dupla qualidade de entidade empregadora e autoridade tributária.
• A exigência de um novo atestado de incapacidade ao interessado resultou do facto de:
> O atestado anteriormente apresentado não conter o tipo de deficiência, o que no entender da Administração Tributária compagina uma falta dos requisitos formais exigidos pelo DL nº 341/93, de 30 de Setembro, e, por conseguinte, um atestado ineficaz perante a Administração Tributária.
> Aquele atestado ter sido emitido antes da entrada em vigor do novo sistema de avaliação de incapacidades para efeitos fiscais aprovado pelo DL n° 202/96, de 23 de Outubro, não podendo o mesmo ser aceite pela Administração tributária posteriormente à entrada em vigor daquele novo sistema, uma vez que, a incapacidade dos sujeitos passivos constitui um elementos relativo à sua situação pessoal sendo certo que a situação em 31 de Dezembro de cada ano releva para efeitos fiscais, nos termos do art° 13°/ n° 7 do CIRS, o que implica que a avaliação da incapacidade do interessado não releve para efeitos fiscais por se reportar a 31 de Dezembro de 1996 estando em causa o IRS de 2006.
6. Deste modo, caso a presente informação venha a merecer a concordância de V. Exª, deverá a mesma ser notificada ao interessado, com a indicação de que a mesma visa complementar a decisão que lhe foi notificada a coberto do oficio desta DF n° 19 422, acima mencionado, dela passando a fazer parte integrante.
À consideração superior.
O Chefe da SAAA,» [cfr. fls. 39 a 41, cujo teor aqui se reproduziu na íntegra]
14. Em 15 de Dezembro de 2006 pelo Senhor Director de Finanças de Viana do Castelo, foi proferido e exarado sobre esta última informação, novo despacho para complementar o referido em 1. e 2. supra, cujo teor é o seguinte: «Concordo. D.N.» [cfr. fls. 39].
15. a 6 DE Fevereiro de 2007, o Autor intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a presente acção administrativa especial conexa com matéria tributária pedindo a anulação do despacho referido em 9., 10. e complementado pelo despacho mencionado em 13. e 14. supra [cfr. fls. 2].
16. Por sentença de 22 de Dezembro de 2008, a referida acção foi julgada totalmente improcedente.
III – O Direito
Como vimos, o Recorrente começa por se insurgir contra a sentença sob recurso por, em seu entender, a mesma incorrer em erro de julgamento da matéria de facto já que, recordemos, (i) distintamente do plasmado na al. A) do probatório da sentença recorrida, o objecto do recurso hierárquico aí mencionado – e que culminou com despacho do Subdirector Geral dos Impostos – não ter sido o indeferimento da reclamação graciosa contra a liquidação de IRS de 1995, mas sim um despacho para apresentação de novo atestado médico para a instrução daquela reclamação graciosa e (ii) do seu probatório não constar a decisão judicial, proferida no âmbito do processo n.° 24/97, pelo Tribunal Tributário de 1ª instância de V. do Castelo, que considerou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, porque, administrativamente, lhe fora reconhecido o direito à retenção do IRS devido pelos titulares deficientes e desde Janeiro de 1997 .
3.1. Ora, constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impunha-se, naturalmente, que à sua apreciação viesse a ser dada primazia.
O que, sem afastar este pressuposto, no entanto, se deve, desde já, dar por prejudicado uma vez que resulta inequivocamente da matéria de facto elaborada neste Tribunal Central que a apreciação do recurso não se mostrava viável sem o aditamento de facto realizado e que, por outro lado, se impunha, face ao teor dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo instrutor, a sua correcção parcial, nos termos preconizados pelo Recorrente.
O que se fez, em especial, ou se preferirmos, pela necessidade de fazer operar a verdade material resultante dos mesmos documentos, deixando para momento posterior a relevância ou irrelevância dessa parcial correcção.
Acresce que, e no que ao aditamento consubstanciado na matéria aduzida em 9. do ponto II supra concerne, tal matéria, invocada em sede de petição inicial e como fundamento expresso do direito a reconhecer não podia, de todo, deixar de constar do probatório (ou dos factos assentes como não apurados) sob pena de se revelar absolutamente inacessível a apreciação do mérito da decisão (impugnada em todos os seus segmentos decisórios) e o mérito do próprio recurso.
Donde, sem necessidade de maior fundamentação, se julgam procedentes os erros de julgamento imputados à matéria de facto.
3.2. Posto isto, apreciemos, agora, os erros de julgamento de direito que vêm assacados à decisão sob recurso.
Nesta sede, o Recorrente começa por atacar o julgamento vertido na sentença por, contrariamente ao entendimento assumido naquela, e como resultaria da matéria corrigida e aditada, os actos impugnados não estarem fundamentados por estarem em contradição com despacho anterior proferido pelo Subdirector Geral das Finanças para além de violarem caso julgado.
Não cremos, porém, que lhe assista razão em qualquer um destes fundamentos de recurso apresentados.
Vejamos, então, de per si, cada um dos erros de direito imputados e os seus fundamentos para que fique claro porque assim o entendemos.
3.2.1. Da falta de fundamentação dos actos impugnados e a sua contradição com despacho anterior proferido pelo Subdirector Geral das Finanças
Para sustentar esta sua pretensão revogatória da sentença e demonstrar que os actos não se encontram fundamentados, alega o Recorrente que os actos impugnados padecem do vicio de falta de adequada fundamentação por deles não decorrerem motivos pelos quais se desviavam e decidiam de maneira diferente do decidido no despacho de 20/11/1997, proferido por superior hierárquico do autor daqueles mesmos despachos [cfr. conclusão H) das alegações de recurso].
A este propósito decidiu-se na 1ª instância que:
«Com pertinência para a delimitação do campo normativo relevante para a
decisão dessa questão apresentam-se as normas do art. 268º n° 3 da
Constituição da República Portuguesa (CRP) e do art. 125° do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Estabelece o art. 268º nº 3 da CRP:
“Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Por sua vez, o art. 125° do Código de Procedimento Administrativo estatui o seguinte:
“1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direi4o da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. Equivale a falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
O dever de fundamentação dos actos administrativos tem, geneticamente, uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo e uma função exógena, externa ou garantística de facultar ao cidadão a opção consciente entre o conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo.
Essencial para que se considere satisfeita a exigência legal da fundamentação dos actos é que “o discurso contextual, expresso e externado pelo autor do acto dê a conhecer ao seu destinatário, pressuposto como um destinatário normal ou razoável colocado perante as aludidas circunstâncias, todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que foram a sua motivação orgânica” – assim, acórdão STA de 25 Jun. 98, Ciência e Técnica Fiscal n.° 391, pág. 236.
Como se refere no acórdão STA 24 Mar. 2004, Recurso 01868/02, www.dgsi.pt, “o dever de fundamentação visa esclarecer o destinatário do acto acerca do seu itinerário cognoscitivo e valorativo, permitindo-lhe ficar a saber quais as razões, de facto de direito, que levaram à sua prática e porque motivo a Administração decidiu num sentido e não noutro. E, se assim é, pode dizer-se que um acto está fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal — o bonus pater família e de que fala o artº 487, n.° 2 do CC - fica a conhecer as razões que estão na sua génese, de forma a que, se o quiser, o possa sindicar de uma forma esclarecida” — neste mesmo sentido, entre muitos outros, acórdão STA 19 Mar. 81, recurso 13.031, acórdão STA 27 Out. 82, Acórdão Doutrinais (AD) 256, pág. 58, acórdão STA de 25 Jul. 84, AD 288 pág. 1386, acórdão STA 4 Mar. 87, AD319, pág. 849, acórdão 15 Dez. 87, AD 318 pág. 813, acórdão STA 21. Mar. 91, recurso 25.426, acórdão 28 Abr. 94, recurso 32.352, acórdão 30 Jan. 02, recurso 44.288 e acórdão 7 Mar. 2002, recurso 48.369.
No caso concreto, é claro que o despacho impugnado contém toda a fundamentação fáctica e jurídica exigível para que o autor apreenda o percurso que conduziu á decisão impugnada e, por isso, deve considerar-se satisfeita a exigência legal de fundamentação dos actos. ».
Foi, pois, com base no ora transcrito, e sem que qualquer reparo se nos ofereça realizar, que se decidiu pela improcedência do vício de falta de fundamentação imputado aos actos em causa.
De todo o modo, não podemos deixar ainda de adiantar, até pela forma como o Recorrente apresentou nesta parte o seu recurso [a falta de fundamentação apenas subsiste em sede de recurso na sua relação com a alegada contradição com decisão anterior do órgão e a violação do art. 142º do CPA], que, contrariamente ao que parece ser a tese que perfilha, o dever de fundamentação do acto administrativo não tem que considerar-se postergado por nele não virem indicados os factos ou razões pelas quais se decidiu em determinado momento em sentido contrário. Desde logo, porque o que do acto administrativo não pode deixar de constar são os factos e as razões de direito porque o órgão decisor decide num sentido e não noutro, constituindo uma eventual (ais) decisão (ões) de sentido distinto perante idêntica ou semelhante factualidade realidades que a parte poderá invocar para pôr e causa a legalidade da decisão (designadamente por violação do principio da igualdade) ou traduzir tão só uma insuficiente fundamentação
Mas, mesmo considerando, e até aceitando, que em certas circunstâncias o dever de fundamentação se não mostra cumprido se não for satisfeita a necessidade desse grau de especifica exigência de fundamentação distintiva, nunca, as mesmas, no caso concreto, se poderiam entender como verificadas.
É que essa especial exigência de fundamentação apenas seria compreensível se, como alega o Recorrente, tivesse aquele mesmo órgão, em relação àquele Recorrente, proferido decisão distinta perante a mesma situação de facto.
Ora, salvo o devido respeito, tal não ocorreu, já que a realidade fáctica subjacente aos despachos impugnados nestes autos é bem distinta da que foi considerada para efeitos da prolação do despacho de 20 de Novembro de 1997.
Efectivamente, e como aliás resulta da matéria de facto que o Reclamante exigiu fosse corrigida e do todo do recurso hierárquico interposto [cfr. factualidade apurada em 1. a 5. do ponto II supra e processo administrativo apenso], o despacho proferido a 20 de Novembro de 1997 pelo Subdirector Geral dos Impostos foi-o no contexto de uma reclamação graciosa interposta pelo ora Recorrente solicitando a revisão da liquidação referente ao ano fiscal de 1995, e na qual foi notificado de que era essencial para instrução dessa reclamação que apresentasse novo atestado médico.
Foi com esse despacho interlocutório proferido no âmbito da instrução dessa reclamação graciosa, repita-se, em que era solicitada a revisão da liquidação referente ao ano fiscal de 1995, que o Recorrente se não conformou e que, erigido em acto destacado, veio, após admissão do recurso hierárquico, a ser revogado.
Mas, é perfeitamente claro da factualidade apurada, e o Recorrente não pode, de todo, desconhecê-lo, que o que resulta desse despacho é que o Chefe de Finanças tinha, para efeitos de decisão da reclamação graciosa deduzida à liquidação do IRS de 1995, de aceitar como bom, pelas razões de direito adiantadas no mesmo despacho, o atestado que o Recorrente apresentara com data de 13 de Novembro de 1996.
Aliás, na fundamentação do despacho chamado à colação fala-se expressamente no quadro legal vigente nessa data e de como era diferente daquele que passou a vigorar a partir de 30 de Novembro de 1996 com a introdução no ordenamento jurídico do DL 202/46, aí se mencionando que nada havia a objectar ao atestado médico face ao disposto no art. 7º do referido DL 202/96, ou seja, a norma que refere que tal diploma só entrou em vigor em 30 de Novembro de 1996.
Em parte alguma tal despacho permite a extraordinária leitura realizada pelo Recorrente de que, a partir de então, não lhe poderia ser exigida por parte da Administração Fiscal, apresentação de qualquer outro atestado ou documento como forma de comprovar a deficiência invocada mesmo, como resulta do conhecimento do próprio Recorrente e é imposto pelo ordenamento jurídico português, a situação em causa haja sido objecto de alteração profunda, quer quanto ao reconhecimento quer quanto à comprovação da deficiência requerida.
Aliás, mesmo que tal constasse, ou tal leitura fosse admissível, face ao teor de um despacho desta natureza sempre o mesmo não poderia deixar de considerar-se ilegal por, através de tal despacho, o seu autor extravasar, em absoluto, as suas competências, concedendo ad eternum ao Reclamante um direito que só ao legislador cumpre, em cada momento, reconhecer.
Como se diz de forma, se é que nos é permitido, magistral no Ac. do TCA Sul de 7-12-2004, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Ascensão Lopes,
«(…) Como tem vindo a ser repetido na jurisprudência, estamos perante uma questão que não pode ser apreciada com base em meras interpretações administrativas, antes devendo ser apreciada exclusivamente face à lei, pois que em matéria de benefícios fiscais vigora o princípio da legalidade, nas suas vertentes formal e material (nº 2 do art. 106º da CRP), o que significa que é a lei que tem que definir os pressupostos da concessão de tais benefícios, sendo irrelevante o que as entidades administrativas entendem ou deixam de entender nessa matéria e, por consequência, irrelevante qualquer critério de avaliação daqueles pressupostos, ainda que constante de circulares dos serviços administrativos da DGCI ou da DGS, se tal critério não tiver cobertura legal. Na verdade, as circulares e as instruções administrativas não têm força de lei e apenas vinculam os serviços na ordem interna de determinada hierarquia e, por isso, nem vinculam os tribunais, nem os particulares, isentando estes de responsabilidade por actos praticados de acordo com estas instruções, quanto aos seus deveres fiscais acessórios (art. 74º do CPT).
Assim, tendo presente, o que é manifesto, que o âmbito de aplicação ou a realidade que se destinam a regular são totalmente distintas no caso do despacho de 20 de Novembro de 1997 e no despacho de 31 de Outubro de 2006 (complementado pelo despacho de 15-12-2006) e todo o mais exposto, se conclui que não há que falar-se, a este propósito, em violação do art. 142º do CPA que, em termos rigorosos, do ponto de vista técnico -jurídico e face à delimitação ou contextualização das situações em apreciação, não tem aqui qualquer aplicabilidade.
Improcede, pois, com este fundamento, o recurso interposto.
3.2.2. Da violação do caso julgado
Mas o Recorrente insiste ainda na revogação da sentença proferida por ser, em seu entender, manifesto que os despachos impugnados, «ao decidir em contradição com a douta sentença de 11/03/1999, transitada em julgado, desrespeitam esta douta decisão judicial», o que, conclui, não foi, e mal, reconhecido naquela sentença.
Para total compreensão do erro de julgamento invocado e em apreciação, importa recordar não só o alegado pelo Recorrente a este propósito na petição inicial mas também a factualidade que pertinentemente resultou apurada no ponto II supra.
Assim, na petição inicial, mais concretamente no art. 16.º daquela peça processual o Autor alegou que «(…) a matéria dos despachos impugnados tinha sido objecto de decisão proferida em recurso hierárquico, com data de 20/11/1997, pelo Senhor Subdirector - Geral dos Impostos, no uso de poderes delegados (…) decisão essa que, por sua vez, determinou a inutilidade superveniente da lide na acção para reconhecimento de direito que correu seus termos no então Tribunal Tributário de 1ª Instância de Viana de Castelo, porquanto «destinando-se esta acção a reconhecer um direito e matéria tributária ao autor, e pressupondo a mesma que esse direito não lhe era reconhecido pela entidade competente […] verificando-se que o mesmo já foi reconhecido por quem para tanto tinha competência, tornaram-se estes autos inúteis»
Tal matéria, como vimos em 3.1. deste ponto IIII, não foi levada ao probatório na sentença recorrida, mas foi por nós aditada passando a constar nos factos 6. a 8. do ponto II o seguinte:
- O Reclamante na qualidade de Autor intentou no Tribunal Tributário de 1ª instância de Viana do Castelo acção para reconhecimento de direito em matéria tributária, que seguiu seus termos sob o n.º 24/97, na qual pediu que lhe fosse reconhecido o direito à retenção de IRS na fonte segundo a tabela própria para deficientes [factualidade apura sob o n.º 6]
- A 9 de Dezembro de 1997, o então Autor fez juntar ao processo n.º 24/97 um requerimento dando conta da existência do processo administrativo de reclamação graciosa e do despacho do Subdirector-geral dos Impostos mencionado em 4., mas manifestando ter interesse na manutenção da lide por no acto de retenção na fonte do IRS sobre os vencimentos auferidos serem interventores não só a Administração Fiscal mas também a 3ª Delegação da Direcção Geral do orçamento [factualidade apura sob o n.º 7].
- Por sentença de 11 de Março de 1999, veio a ser declarada extinta por inutilidade superveniente, a acção n.º 24/97 por ter sido já reconhecido pela entidade competente o direito que naqueles autos o Autor peticionava [factualidade apura sob o n.º 8].
Ora, basta atentarmos na factualidade exposta, mormente no pedido formulado na petição inicial na acção n.º 24/97 do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Viana do Castelo e confrontá-lo com o teor dos despachos impugnados nestes autos para que se conclua, sem margem para dúvidas, que um e outro versam sobre situações distintas e, consequentemente, não ser passível de configuração qualquer contradição ou violação do decidido pelos despachos impugnados e, consequentemente, não poder ser dada qualquer relevância ou pertinência do instituto do caso julgado para a situação sub judicie. [na acção n.º 24/97 estava em causa o reconhecimento de um direito de retenção na fonte segundo a tabela própria para deficientes e no despacho de 31 de Outubro de 2006 está em causa a exigência
por parte da administração de um atestado médico para comprovar essa mesma deficiência no ano fiscal de 2002 na sequência de uma reavaliação dos pressupostos desse benefício fiscal para esse mesmo ano].
Mas, mesmo que se entendesse que o objecto numa e noutros era idêntico, jamais, mesmo assim, reafirme-se, podia entender-se estarmos perante uma situação de violação de caso julgado.
É que, como o recorrente seguramente não ignora, o caso julgado, aqui na vertente não de excepção de caso julgado (ou como obstáculo a uma nova decisão de mérito), mas de autoridade de caso julgado (de efeito positivo de imposição de uma dada decisão) «consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais e a todas e quaisquer autoridades quando lhes seja submetida a mesma relação quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação); por uma força vinculante infrangível ao acto de vontade do juiz que definiu em dados termos certa relação jurídica e portanto os bens materiais nele coenvolvidos, o bem jurídico reconhecido ou negado pela pronuntiatio iudicis torna-se incontestável; os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado material são traçados pelos elementos identificadores da acção em que foi proferida a sentença, as partes, o pedido e a causa de pedir (art.ºs 497 e 498); é preciso atender aos termos dessa definição estatuída na sentença; ela tem autoridade – faz lei - para qualquer processo futuro, mas só em exacta correspondência com o seu comando; não pode portanto impedir que em novo processo se dirima e discuta aquilo que ela mesma não definiu; a sentença só tem força de caso julgado material entre as partes, só vincula o juiz num novo processo em que as partes sejam as mesma que no anterior, tem lugar quando as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, não obstando à identidade das partes o facto de elas aparecerem no processo em posição inversa da que tiveram naquele em que foi proferida a sentença; vale entre nós a teoria da substanciação que exige sempre a indicação do título ou do acto ou facto jurídico em que se funda o direito afirmado pelo Autor; o objecto da acção e com ele o objecto da decisão e a extensão objectiva da autoridade do caso julgado que lhe corresponde identifica-se através do pedido e da causa de pedir (art.ºs 497 e 498). O que a lei quer significar é que uma sentença pode servir de fundamento da excepção do caso julgado quando o objecto da nova acção coincidindo no todo ou em parte com o do anterior, já está total ou parcialmente definida pela mesma sentença.».
Ora, como resulta linearmente das próprias alegações do Recorrente e o comprovam os documentos que no apuramento dos factos foram relevados, não houve, por parte do então Tribunal Tributário de 1ª Instância de Viana do Castelo qualquer pronúncia sobre o mérito da decisão, sobre a situação material controvertida tendo-se, apenas, na sentença em referência o Tribunal se limitado, por força de um facto superveniente que o próprio Autor trouxe aos autos, e com fundamento no exposto por esse mesmo Recorrente - que afirmou ter perdido o interesse na lide por o direito peticionado nos autos já lhe ter sido reconhecido administrativamente -, a julgar extinta a lide por inutilidade superveniente.
E, não tendo havido essa apreciação de mérito, essa definição judicial do direito não há, naturalmente, que falar-se em contradição ou em violação de decisão anterior e, consequentemente, em violação de (autoridade) de caso julgado.
3.3. - Do erro de julgamento de direito por ter sido decidido que não ocorre violação do art. 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais
A última questão que importa decidir é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito na parte em que decidiu que não há violação do art. 44º do EBF já que tal decisão assentou no facto de na nova avaliação a que o Recorrente se submeteu não lhe ter sido reconhecida incapacidade relevante para efeitos de beneficio fiscal quando essa avaliação ainda não se mostra concluída por ter sido interposto recurso da mesma [conclusão J) das alegações de recurso apresentadas].
Vejamos.
Na sentença sob recurso, sob esta questão, o Meritíssimo Juiz a quo expôs o seguinte raciocínio:
«O Autor invoca, finalmente, que o despacho em causa viola o art. 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, considerando que a identificação da deficiência no atestado médico, não constitui um requisito de validade do documento que atesta a incapacidade permanente, bastando que certifique o grau de incapacidade.
Vejamos.
Estabelecia-se no art. 16º do Estatuto dos Benefícios Fiscais na redacção vigente em 2002:
- Ficam isentos de tributação em IRS os rendimentos das categorias A, B e H auferidos por titulares deficientes, no termos seguintes:
(...)
4 - Para efeitos do disposto neste artigo, considera-se deficiente, aquele que apresente um grau de invalidez permanente, devidamente comprovado pela entidade competente, igual ou superior a 60%.”
Por sua vez, o DL 202/96, de 23 de Outubro, veio estabelecer o regime de avaliação de incapacidade das pessoas com deficiência, tal como definido no artigo 2° da Lei n.° 9/89, de 2 de Maio, para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei para facilitar a sua plena participação na comunidade.
Esse diploma apenas entrou em vigor em 30 de Novembro de 1996 (art. 7º n° do DL 202/96). No entanto, nos termos do n° 2 do art. 7º, o mesmo aplicava-se, com as devidas adaptações, aos processos em curso.
Resulta desta última norma de direito transitório que, em relação aos processos em curso, é dizer, processos de avaliação de incapacidades ainda não concluídos à data da publicação do referido diploma legal, já se aplicava o regime que do mesmo resultava, não obstante o mesmo só entrar em vigor em 30 de Novembro de 1996.
Ora, o Autor é portador de um atestado de incapacidade que foi emitido após a publicação do DL 202/96, mais concretamente em 13 de Novembro de 1996.
Assim, tal atestado já foi emitido no âmbito de aplicação do referido diploma legal, uma vez que, como vimos, o mesmo, não obstante fixar como data de entrada em vigor a de 30 de Novembro, era de aplicação imediata aos processos de avaliação em curso.
No entanto, a presente situação apresenta uma especificidade que importa considerar.
É que, o Autor, na sequência de notificação que lhe foi feita pela administração tributária para apresentar novo atestado, submeteu-se a nova avaliação médica e esta não lhe reconheceu o grau de incapacidade relevante de acordo com a norma supra referida, conforme resulta do próprio despacho impugnado.
Ora, perante este circunstancialismo, é evidente que a administração tributária não podia continuar a reconhecer como comprovada a incapacidade do Autor com base no atestado médico datado de Novembro de 1996.»
Em suma, entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que, pese embora o atestado em causa não ser passível de critica para o ano em que havia sido apresentado e como comprovativo do grau de deficiência invocada, não podia ser considerado para efeitos de manutenção de tal beneficio nos anos subsequentes por, posteriormente, o Recorrente ter sido submetido a nova avaliação que não lhe reconheceu o grau mínimo de incapacidade para efeitos de reconhecimento desse beneficio.
Particularidade que, afirma, não podia deixar de ser considerada e que faz cair por terra a pretensão anulatória do recorrente.
Ora, é precisamente contra este entendimento que o Recorrente se vem insurgir alegando que, não estando este grau de incapacidade definitivamente fixado, por ter impugnado tal avaliação, não podia o Tribunal assim decidir.
Não cremos, porém, que possa ser sufragado tal entendimento.
É que estando apurado que tal avaliação foi realizada e que não lhe foi reconhecida incapacidade em grau relevante para reconhecimento do direito ao beneficio fiscal em referência não podia, para efeitos de controlo fiscal ou de liquidação de IRS de 2002, entender-se que este contribuinte era titular do beneficio fiscal a que se reporta o art. 44º do EBF, sem prejuízo de, posteriormente, e sendo-lhe a impugnação alegada favorável, serem-lhe restituídas as quantias indevidamente retidas.
Note-se, aliás, em abono da actuação da Administração Fiscal e da boa fé da sua conduta no caso concreto, que, ainda que por um curto período de tempo, aquela, no exercício de poderes discricionários que lhe são próprios, entendeu, perante requerimento do contribuinte reclamante a informar que havia requerido nova avaliação, suspender o procedimento até que fosse proferida decisão final dessa nova avaliação, e que apenas veio a ordenar o seu prosseguimento após haver decisão desfavorável na avaliação em curso e perante o risco de caducidade do IRS relativo ao ano de 2002, mesmo consciente de que o contribuinte [segundo nova informação do próprio], havia impugnado o resultado da avaliação a que se submetera, já que, como se sabe, tal actuação impugnatória não tem efeitos suspensivos no processo de controlo em causa e apenas confere, como já afirmado, àquele, o direito a serem-lhe restituídas, as quantias que, confirmada que seja a deficiência em grau relevante, lhe não deveriam ter sido exigidas face ao beneficio fiscal em causa.
E, sendo assim, também aqui se conclui, como na sentença em recurso, pela improcedência do fundamento invocado e, consequentemente, do recurso jurisdicional interposto.
IV – Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
Negar provimento ao recurso
Custas pelo Recorrente.
Porto, 12-1-2012
Ass. Anabela Russo
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos