Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00910/16.3BEPRT |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 04/27/2023 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Ana Patrocínio |
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Descritores: | SOCIEDADE EXTINTA; PERSONALIDADE JUDICIÁRIA TRIBUTÁRIA: EXECUÇÃO FISCAL; |
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Sumário: | I - O artigo 3.º n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário deve ser interpretado no sentido de que a personalidade judiciária tributária resulta da atribuição da personalidade tributária a quem, em abstracto, e nos termos da lei tributária, a possa ter. II - Tem, por isso, personalidade judiciária tributária a sociedade comercial extinta nos termos da lei comercial, se no acto tributário lhe é atribuída personalidade tributária e das leis tributárias não resulta que, em abstracto, não a possa ter.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório «AA», contribuinte fiscal n.º ..., devidamente identificado nos autos, citado na qualidade de legal representante da sociedade executada "X, S.A.", interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 25/10/2022, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida no presente processo de OPOSIÇÃO relacionado com o processo de execução fiscal n.º ...53, instaurado pelo Serviço de Finanças ... com vista à cobrança da quantia exequenda no valor de €262.615,89 e acrescidos, referente a IVA, do ano de 2011. O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “A- Em face do cancelamento da matrícula da sociedade Winrest, SGPS, decorrente do encerramento da liquidação efectuado pela Ap....30,e sem que a sociedade extinta tenha procedido ao encerramento da liquidação os factos dados como provados sob os n.s 1 a 3 da sentença não o poderiam ter sido, dado que a remessa via postal de correspondência para sociedade encerrada não produz qualquer efeito, em face da extinção do destinatário, razão pela qual nem o acto de liquidação, nem o prazo para pagamento voluntário se consideram como perfeitos, porque notifcados ao seu destinatário- à data da expedição da notifcação a sociedade estava encerrada ( e com o respectivo registo comercial) há três anos; B- Do teor da deliberação tomada na acta que deliberou a dissolução e encerramento da liquidação não consta a nomeação de um representante para efeitos fiscais, facto que deveria ter sido dado como provado em face do teor da acta junta e bem assim, das informações oficiais acima referidas; C- O cancelamento da matrícula da sociedade equivalem à morte civil, e a sociedade perde a sua personalidade e capacidade judiciárias, que se extinguem; D- Uma sociedade cuja matrícula se encontra encerrada carece de personalidade e capacidade judiciárias para deduzir impugnação judicial de acto de liquidação, razão pela qual, é em sede da oposição à execução instaurada que cabe a discussão referente à validade do acto que se executa (ainda que na vertente de não decurso do prazo de pagamento voluntário); Termos em que deve ao recurso ser concedido provimento, com a consequente revogação da decisão proferida como é de Justiça.” **** Não houve contra-alegações. **** O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento. **** Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento. **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao considerar que os fundamentos invocados se prendem com a legalidade da liquidação e que, por isso, o oponente não pode obter o efeito de extinção da execução fiscal. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os factos seguintes: 1. "X, S.A."., NIPC ..., foi sujeita a ação inspetiva levada a efeito a coberto da Ordem de Serviço Interna n.º ...61, que decorreu entre 13.01.2015 e 24.02.2015, respeitante a IVA e ao ano de 2011 - informação prestada pelo OEF; 2. A sociedade recebeu notificações das liquidações do imposto (liquidações ...00 e ...01) em 14.03.2015, nos montantes de €230.000,00 e €32.615,89, respetivamente, a título de IVA e de juros compensatórios - informação prestada pelo OEF; 3. Não tendo sido efetuado o pagamento dentro do prazo concedido para o efeito, que terminou em 31.05.2015, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...53, que corre seus termos no Serviço de Finanças ..., para cobrança da quantia exequenda no valor de €262.615,89 e acrescidos, por falta de pagamento de IVA, do ano de 2011 - fls. 65, do p.f.; 4. Em 14.12.2011 foi decidido em assembleia geral de acionistas a dissolução da sociedade - fls. 14, do p.f. * Factos não provados: não se mostram provados quaisquer outros factos invocados relevantes para a decisão dos presentes autos. * Motivação. O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, conforme indicado em cada facto. Com efeito, as partes estão de acordo no essencial dos factos, conforme resulta dos articulados, sendo de natureza jurídica a questão que as opõe. Os demais factos não considerados resultam da circunstância de se tratar de conclusões, considerações jurídicas ou sem interesse para a decisão da causa.” *** O Recorrente começa por impugnar a decisão da matéria de facto, afirmando que os factos considerados provados nos pontos 1 a 3 não o poderiam ter sido. Com efeito, não existem quaisquer elementos comprovativos ínsitos nos autos que permitam retirar a ilação de que a sociedade executada tivesse sido sujeita a uma acção inspectiva, nem a informação oficial prestada nos termos do artigo 208.º do CPPT declara tal factualidade. Esta informação, sem estar fundada em quaisquer documentos, somente refere ter sido levada a cabo uma acção inspectiva a coberto da Ordem de Serviço Interna n.º ...61, sem que se mostre claro quem era o contribuinte visado. Nesta conformidade, o ponto 1 do probatório não poderá integrar a decisão da matéria de facto. Da mesma forma, não pode dar-se como provado que a sociedade executada tivesse recebido notificações das liquidações respectivas, dado que a informação prestada pelo órgão de execução fiscal não o afirma e os elementos aí descritos sustentam-se na base de dados de Gestão do IVA, do Sistema Electrónico de Citações e Notificações e do Portal de Informação www.ctt.pt, mas sem que se mostrem anexos quaisquer documentos comprovativos. Consequentemente, o mesmo é válido para o efectivo decurso do prazo de pagamento voluntário dessas liquidações mencionado no ponto 3 do probatório. Contudo, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, poderá permanecer na decisão da matéria de facto o seguinte, com as alterações indicadas, indo, em parte, ao encontro do teor das conclusões A e B das alegações do recurso: A - Foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...53, que corre seus termos no Serviço de Finanças ..., para cobrança da quantia exequenda no valor de €262.615,89 e acrescidos, referente a IVA, do ano de 2011 - fls. 65, do processo físico; B - Em 14.12.2011 foi decidido em assembleia geral de acionistas a dissolução da sociedade. Nessa mesma assembleia, pelo Presidente do Conselho de Administração foi informado que a sociedade, mais tarde executada, nessa data, não tinha débitos, nem créditos, nem activos, nem passivos a partilhar e, como tal, nada havia a liquidar, tendo declarado encerrada a liquidação da sociedade e dever o facto ser objecto de registo - fls. 14, do processo físico. Uma vez que o julgamento realizado em primeira instância vai no sentido de os fundamentos invocados na presente oposição se prenderem com a legalidade da liquidação e que com estes o Oponente não pode obter o efeito pretendido de extinção do processo de execução fiscal, o problema que ressalta é essencialmente de alegação, pelo que não vislumbramos qualquer utilidade em seleccionar e apurar quaisquer outros factos além dos indicados em A e B supra. 2. O Direito Estabilizada a decisão da matéria de facto, evidencia-se uma única conclusão no objecto do recurso: Uma sociedade cuja matrícula se encontra encerrada carece de personalidade e capacidade judiciárias para deduzir impugnação judicial de acto de liquidação, razão pela qual, é em sede da oposição à execução instaurada que cabe a discussão referente à validade do acto que se executa (ainda que na vertente de não decurso do prazo de pagamento voluntário). Observamos, pois, que o Recorrente não discute a circunstância de apenas ter invocado, na presente acção, questões e factos relacionados com a legalidade da dívida exequenda, acentuando a possibilidade de o realizar nesta oposição judicial por não ser viável e possível deduzir impugnação judicial. Por um lado, julgamos ser equívoca esta alegação, pois se o problema residisse ao nível da personalidade e capacidade judiciárias, então, também não seria possível apresentar a presente oposição judicial à execução fiscal. Por outro lado, a vertente do não decurso do prazo de pagamento voluntário mostra-se, agora, invocada de forma inovatória. Como resulta dos autos, trata-se aqui de uma questão nova, suscitada pela primeira vez, nesta sede recursiva. Efectivamente, como refere a sentença recorrida, a petição inicial é pouco clara, mas, ainda assim, depreende-se que a verdadeira causa de pedir da acção é o entendimento do oponente de que não podia haver liquidação após a dissolução da sociedade, porque a inspecção que gerou as liquidações que deram origem aos presentes autos ocorreu em 2015, quando em 2011 foi decidida a dissolução da sociedade. Como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras». Realmente, a questão de não ter decorrido o prazo de pagamento voluntário da liquidação, como questão nova, não pode ser conhecida em sede recursiva. Como é jurisprudência pacífica do STA, reiterada em vários acórdãos, com excepção das que sejam de conhecimento oficioso, não pode em sede de recurso conhecer-se de questões novas, ou seja, de questões que não tenham sido objecto da sentença, pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores – visando anulá-las ou alterá-las com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) – e não a decidir questões que, podendo e devendo ter sido suscitadas antes, o não foram. Neste sentido, entre muitos outros, pode ver-se o acórdão do STA, de 27/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 043/16, que contém vasta referência jurisprudencial. Salientamos que a questão referente à validade do acto que se executa, na vertente de não ter decorrido o prazo de pagamento voluntário, não é matéria de conhecimento oficioso deste tribunal. Assim, não é possível tomar conhecimento desta questão, impondo-se, contudo, esclarecer que teria sido legalmente viável deduzir impugnação judicial visando o acto de liquidação subjacente à presente execução fiscal, ao contrário do que é defendido pelo Recorrente. Labora este em erro, quando sustenta que a sociedade executada não poderia ser sujeito passivo de imposto, dado que, quanto à liquidação de IVA em apreço, na data em que foi efectuada, já a sociedade havia sido extinta, tendo deixado de ter personalidade e capacidade judiciárias. Com efeito, os accionistas da sociedade deliberaram a sua dissolução, entrando esta em liquidação e, declarando inexistir activo e passivo, consideraram tal liquidação encerrada, promovendo o respectivo registo; posteriormente, a AT considerou que seria devido IVA, no âmbito de acção inspectiva, tendo realizado a respectiva liquidação do imposto. As questões conexas com a extinção do sujeito passivo supra enunciadas foram já objecto de apreciação em acórdão do STA, de 01/07/2020, no âmbito do processo n.º 01041/17.4BEBRG, em termos que merecem a nossa concordância e para os quais passamos a remeter: “(…) É certo que (como se dá conta nos factos provados), as liquidações adicionais e as demonstrações de liquidações (…) foram endereçadas a entidade com a designação da impugnante e com o número de identificação fiscal desta, mas com o seguinte aditamento: «representado por: C…………………». Mas, como se sabe (e resulta do artigo 8.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), a representação é uma figura jurídica do direito tributário criada precisamente (e além do mais) para permitir a intervenção no procedimento tributário de «entidades desprovidas de personalidade jurídica mas que dispõem de personalidade tributária». Quer dizer: a identificação do representante foi ali inserida, não porque a Administração Tributária reconhecesse que a sociedade já não podia ser considerada sujeito de direitos e de obrigações tributárias, mas porque já não era reconhecida como tal pela lei civil e comercial (isto é, já não tinha personalidade jurídica civil ou comercial). De certa forma, a inserção daquela indicação ajuda a confirmar que a Administração Tributária lhe atribuiu personalidade jurídico-tributária. Também não está em causa que a Impugnante – ora Recorrente – se deve considerar uma sociedade extinta nos termos da lei comercial (face ao que consta dos pontos (…) dos factos provados e ao disposto no artigo 160.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais). Assim sendo, as duas questões sobre as quais o Supremo Tribunal Administrativo tem que se pronunciar são as de saber se a configuração de uma sociedade extinta como um sujeito passivo de imposto chega para lhe atribuir personalidade jurídica tributária e se, em caso negativo, lhe deve ser atribuída, ainda assim, personalidade judiciária tributária. À primeira questão respondemos negativamente. Ou seja, não é pelo facto de a Administração Tributária lhe atribuir personalidade jurídica tributária que a sociedade extinta a passa a ter efectivamente. Pelo que estamos de acordo com a afirmação, tirada da pág. 8 da decisão recorrida segundo a qual «o acto de liquidação de impostos pela Administração Tributária, do qual é sujeito passivo a sociedade extinta, não tem a virtualidade de fazer renascer a sua personalidade jurídica» (tributária). Pela simples razão de que a personalidade jurídica tributária não deriva de nenhum ato administrativo, mas da lei. Não se é sujeito de direitos em relações jurídicas tributárias porque a Administração assim o diz, mas porque o diz a lei tributária. É da identificação do sujeito de imputação dos deveres tributários no facto constitutivo da relação jurídica tributária, tal como se encontra tipificado nas regras de incidência subjetiva para cada tributo, e no facto constitutivo das obrigações tributárias formais ou acessórias, tal como a lei as configura, que extrairemos a suscetibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias para os efeitos do artigo 15.º da Lei Geral Tributária. Mas se isto é verdade, não o é menos que a subjetividade tributária não depende da personalidade jurídica em geral. Isto é, não é pelo facto de uma certa entidade ter deixado de ser considerada pessoa jurídica em geral (designadamente do ponto de vista do ordenamento jurídico civil ou comercial) que fica impedida de ter personalidade jurídica tributária. E isto sucede porque a lei tributária releva como facto gerador de obrigações tributárias muitas situações de facto que nem sequer são reconhecidas ou tratadas, noutros ordenamentos, como factos suscetíveis de gerar relações jurídicas. E considera, por isso, sujeitos de direito certas sociedades e certas unidades patrimoniais sem personalidade jurídica, quando tal seja necessário para realizar os fins da tributação mencionados no artigo 5.º da Lei Geral Tributária e, designadamente, a distribuição equitativa da carga contributiva. E esta observação vem ao caso porque, na decisão recorrida, foi dedicada muita atenção ao regime jurídico-comercial da liquidação e extinção das sociedades que, precisamente pelo que acima foi dito, prestam escassa serventia ao problema tratado. De todas elas, apenas a segunda parte do n.º 2 do artigo 147.º do Código das Sociedades Comerciais pode ser considerada uma disposição especificamente tributária (indevidamente enxertada num diploma com vocação distinta) e, ainda assim, sem interesse para o caso, porque não trata do problema de saber se a sociedade extinta tem personalidade tributária, mas do problema de saber quem tem responsabilidade tributária. Ou seja, não trata do problema de saber quem é que é o sujeito passivo na relação jurídica de imposto, mas do problema de saber quem deve ser chamado a pagar o imposto. E para quem tenha a ideia de que é a mesma coisa, importa objetar o seguinte: há muitas situações no direito tributário em que quem é chamado a pagar o imposto não é o sujeito passivo da relação jurídica tributária (a pessoa jurídico-tributária), mas quem detém o património ou a riqueza. O que sucede precisamente nos casos em que certas entidades que relevam como tal no direito tributário não são pessoas de direito privado e, por isso, não podem efetuar pagamentos. Mas pode – em abstrato – uma sociedade comercial extinta ter personalidade tributária? Faz sentido colocar esta questão em abstrato, porque a personalidade judiciária tributária resulta da personalidade tributária – artigo 3.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. O que significará, pelo menos, que não pode ser uma pessoa na relação processual tributária quem não a possa ser, em circunstância alguma, uma pessoa jurídica tributária. A esta questão deve responder-se afirmativamente. Uma sociedade comercial extinta pode ter personalidade tributária. Desde que possa ser considerada um centro de imputação de atividades económicas para efeitos tributários e os factos económicos respetivos sejam tributáveis. É o que resulta do artigo 18.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, na parte em que inclui entre os sujeitos passivos as organizações de facto que, nos termos da lei [ver o artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC], estejam vinculadas ao cumprimento de obrigações tributárias. Assim, uma sociedade extinta que regresse à atividade comercial, mas não dê cumprimento ao disposto no artigo 161.º do Código das Sociedades Comerciais, não deixa por isso de ser um sujeito passivo de IRC. O que sucede porque – como já acima referimos – o Código respetivo tributa sobretudo situações de conteúdo económico, independentemente do tratamento jurídico que lhes é dado pelo Direito Comum. Em sentido equivalente já se pronunciou este Supremo Tribunal, no acórdão de 17 de dezembro de 2014, processo n.º 1433/13. E é isso que sucede no caso? Isto é, a Recorrente é uma sociedade comercial extinta a que deve ser atribuída personalidade tributária? Esta é uma questão que já não faz sentido colocar aqui. Porque a questão de saber se – em concreto – uma sociedade extinta tem personalidade tributária já não releva para determinação da personalidade judiciária tributária. É uma questão para a determinação da legalidade da constituição da relação jurídica substantiva (isto é, para a aferição da legalidade concreta do ato tributário da liquidação) e não para a determinação da legalidade da constituição da relação jurídica processual. Tem a ver com a verificação do mérito da causa (se integrar o seu objeto) e não com a verificação dos pressupostos processuais. Resta-nos, então, a segunda questão acima formulada: a de saber se a Recorrente tem personalidade judiciária tributária. Tendo em conta que não estamos perante uma entidade que, em abstrato não possa ter personalidade jurídica tributária (isto é, que não possa constituir um centro de imputação de obrigações tributárias) e que lhe é imputado no ato tributário o dever de cumprimento de obrigações tributárias, deve responder-se afirmativamente a esta questão. Até porque, de outro modo, poderiam ocorrer situações em que aquele a quem é imputada personalidade tributária não poderia impugná-la por não lhe ser reconhecida personalidade judiciária tributária. E em que, por isso, se estabilizasse na ordem jurídica uma decisão administrativa em que se reconhece personalidade tributária a um sujeito a quem foi negada personalidade judiciária tributária. Em colisão aberta com a lei, porque isso significaria que, nestes casos, a personalidade judiciária tributária não resultou da personalidade tributária. Deve, assim, o artigo 3.º n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário ser interpretado no sentido de que a personalidade judiciária tributária resulta da atribuição da personalidade tributária a quem, em abstrato e nos termos da lei tributária, a possa ter. (…)” E é essa a pessoa que é o sujeito passivo da obrigação, determinado de acordo com a lei. É o que sucede, por exemplo, com as pessoas colectivas, cujo termo da personalidade jurídica não implica a extinção das respectivas dívidas, nem priva o credor de as exigir coercivamente - cfr. Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Março de 2003, proferido no processo n.º 1975/02, publicado no Apêndice ao Diário da República de 25 de Março de 2004. Portanto, a inexistência de personalidade jurídica não determina ipso facto que inexista personalidade tributária, na consideração de que, consoante o disposto no artigo 15.º da LGT, a personalidade tributária consiste na susceptibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias. “Assim como o Direito Penal e o Direito Processual elaboraram noções próprias de personalidade, de harmonia com as exigências características desses ramos de Direito, também as instituições tributárias construíram um conceito de personalidade que se aparta do genérico tal como se nos apresenta no Direito Comum. Não parece correto pretender que gozam de personalidade no campo do Direito Fiscal aqueles entes que a têm à face dos outros ramos do Direito, e só esses. As leis fiscais, visando transferir para entidades públicas a parte dos patrimónios que se julga devida participação daquelas no processo de formação de riqueza atingem, pela incidência tributária, realidades económicas, que nem sempre correspondem a situações jurídicas regularmente definidas”. – cfr. Soares Martinez, Direito Fiscal, p. 203. “O Direito português, bem como outros Direitos, obriga ao pagamento de tributos entes desprovidos de personalidade jurídica em geral. Daqui resulta que sujeitos carecidos de personalidade jurídica em geral são sujeitos passivos de impostos, titulares do conjunto de direitos e deveres que integram uma posição jurídica tributária” – cfr. Diogo Leite de Campos e outros, in LGT Anotada e comentada, 4.ª Ed., p. 164. “A personalidade tributária independe da consideração de determinada entidade como pessoa civil, bastando apenas a verificação referência a esta de um facto previsto na lei como obrigando ao pagamento de tributo (facto constitutivo da relação, facto tributário, nos termos supra referidos). Se tal se verificar - a junção do facto e da lei -, nasce obrigação tributária, e, consequentemente, está-se perante uma entidade com personalidade tributária (porque sujeito de uma relação desta natureza), seja uma pessoa propriamente dita, um simples património ou mesmo uma realidade de facto” – cfr. Joaquim Freitas Rocha e Outros Teoria Geral da Relação Jurídica Tributária, p. 67. Vale isso por dizer, na senda dos referidos acórdãos e referências doutrinais, que a sociedade extinta continua a ser o sujeito da relação jurídica tributária, mesmo que a lei designe outros responsáveis pelo respectivo pagamento, nada na lei obstando a que a AT pratique um acto tributário de liquidação de imposto já depois de extinta a pessoa (singular ou colectiva) sujeito passivo da obrigação jurídica tributária, ainda que o seu pagamento haja de ser exigido a outrem, que a lei designe como responsáveis pelo pagamento, designadamente os sócios. Como a questão de saber se a Administração Tributária poderia ter liquidado um determinado tributo a uma sociedade extinta não constitui fundamento válido de oposição (porque equivale à discussão da ilegalidade concreta da liquidação), concluiremos como na sentença recorrida, afirmando que com tal fundamento o oponente não poderá obter o efeito pretendido de extinção do processo de execução fiscal. Nesta conformidade, urge negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida na ordem jurídica. Conclusões/Sumário I - O artigo 3.º n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário deve ser interpretado no sentido de que a personalidade judiciária tributária resulta da atribuição da personalidade tributária a quem, em abstracto, e nos termos da lei tributária, a possa ter. II - Tem, por isso, personalidade judiciária tributária a sociedade comercial extinta nos termos da lei comercial, se no acto tributário lhe é atribuída personalidade tributária e das leis tributárias não resulta que, em abstracto, não a possa ter. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso. Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais. Porto, 27 de Abril de 2023 Ana Patrocínio Paula Moura Teixeira Conceição Soares |