Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00656/16.2BEBRG |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 01/28/2022 |
| Tribunal: | TAF de Braga |
| Relator: | Antero Pires Salvador |
| Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS, RELIGAÇÃO PT - EDP - DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA, SA |
| Sumário: | 1 . A competência do tribunal, em geral, não está dependente da personalidade judiciária de demandante(s) e demandado(s) ou sequer da legitimidade das partes, sendo que para a aferição da mesma nada releva um julgamento quanto à procedência da pretensão ou da acção. 2 . Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas à fiscalização dos actos jurídicos praticados por quaisquer entidades independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos, como sejam os concessionários. 3 . Estando em causa o pedido efectivado pela A. - enquanto titular de um estabelecimento comercial, na área do calçado - , à Ré – “EDP - Distribuição de Energia, SA” - empresa concessionária de prestação de serviços públicos de fornecimento de electricidade, em regime de exclusividade - no sentido desta ser condenada a proceder à operação material de "religação" de electricidade ao PT (Posto de Distribuição) existente na sua fracção predial, assentando tal desiderato petitório nas disposições constantes dos Dec. Lei 27/2006 e 29/2006, ambos de 15 de Fevereiro, 215-A/2012 e 215-B/2012, de 8 de Outubro, bem como no Regulamento de Relações Comerciais aprovado pela ERSE, o que a Ré recusa, sendo certo que o fornecimento de energia eléctrica é comprovadamente um serviço público essencial, temos assim de concluir que, não estando em causa qualquer contrato privado de fornecimento de energia, este sim celebrado com a EDP - Comercial - Comercialização de Energia, SA, a competência para conhecer e decidir deste pedido pertence aos tribunais da jurisdição administrativa |
| Recorrente: | D. |
| Recorrido 1: | EDP |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer. |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I RELATÓRIO 1 . “D., L. da", com sede na Rua (…), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Braga, datada de 29 de Janeiro de 2021, que, no âmbito da presente acção administrativa, julgando procedente a excepção de incompetência material do Tribunal, entendeu que a decisão dos presentes autos compete aos tribunais judiciais, assim absolvendo da instância a Ré “EDP - Distribuição de Energia, SA”. * Nas suas alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões: "A- A sentença recorrida enferma de manifesto lapso quando refere que está em causa, na presente ação, uma relação contratual de consumo/privada, não denotando qualquer aspeto publicista. B- Na verdade, como consta da pronúncia emitida pela Autora, no TAF do Porto, bem como o despacho judicial de 14/10/2020, tendo em atenção o pedido de prestação de (re)ligação ao PT existente na sua fração predial, tal consubstancia um litígio emergente de regras atinentes à distribuição de energia elétrica, bem como aos deveres da concessionária da RNT, sem que se discuta qualquer ato de natureza pré-contratual, ou qualquer contrato, administrativo ou de outra natureza. C- O contrato de consumo de eletricidade não foi celerado com a Ré, mas com a EDP- Comercial – Comercialização de Energia, S.A., que é uma entidade autónoma em relação à Ré. D- Sendo a Ré concessionária da rede de distribuição de energia elétrica, como resulta do disposto no Dec. Lei n.º29/2006, de 15/02, Dec. Lei n.º27/2006, de 15/02, Dec. Lei n.º215-A/2012 e Dec. Lei n.º215-B/2012, ambos de 8/10 e Regulamento n.º 561/2014, relativo às relações comerciais do sector elétrico, tem o exclusivo de serviço público de distribuição de energia elétrica, competindo à DGEG o respetivo licenciamento. E- Assim, a Ré foi demandada, nos presentes autos, no âmbito das suas “competências funcionais”. F- São poderes públicos, cuja apreciação compete aos tribunais de jurisdição administrativa, nos termos da al. d), do art. 4.º do ETAF, aprovado pela Lei n.º13/2002, de 19 de Fevereiro, com a redação de Dec. Lei n.º214-C/2015, de 2 de Outubro. G- Aliás, é jurisprudência corrente do Tribunal de Conflitos que as questões relativas aos P.T’s (Postos de Transformação) são da competência dos tribunais administrativos – cf. Acórdãos de 3/12/2015 e 2/3/2011. H- Continua a relevar, para determinação de tribunal competente, a distinção entre atos de gestão pública e atos de gestão privada, nas ações contra entidades privadas de mão pública, quando atuam no exercício de um poder público, sob o domínio de normas de direito administrativo, ao contrário do que acontece nos atos de gestão privada em que as partes estão numa situação de paridade, com submissão às normas de direito privado. I- Assim, o pedido de (re)ligação ao PT não emerge de qualquer relação contratual paritária entre a Autora e a Ré, mas integra uma pretensão da Autora ao abrigo de normas públicas relativas ao serviço (exclusivo) da Ré de distribuição de energia elétrica". E termina, com o seguinte pedido: "Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, ser revogada a sentença recorrida, em ordem a ser julgada competente para decidir o presente litígio o TAF de Braga, por ser o territorialmente competente". * Notificadas as alegações, apresentadas pela recorrente, supra referidas, veio a recorrente “EDP - Distribuição de Energia, SA” apresentar contra alegações que concluiu do seguinte modo: "i. A questão que se coloca nos autos baseia-se unicamente, e em síntese, na interpretação a dar às disposições constantes dos regulamentos aplicáveis ao setor elétrico, ii. Acabando por ser, na verdade, uma questão decorrente de uma relação comercial – inclusivamente prevista no Regulamento das Relações Comerciais – que é a interpretação da prerrogativa concedida à Recorrida (na qualidade de o Operadora de Rede) de definir o ponto de ligação das instalações à rede elétrica (V. Regulamento das Relações Comerciais nos seus artigos 189.º (indicação a tipologia) e 194.º (definição do ponto de ligação)); iii. Na verdade, a sindicância atinente ao ponto de ligação da instalação à rede elétrica pública só se coloca porque há uma relação de consumo e porque foi celebrado um contrato de fornecimento de energia elétrica entre a Recorrente e um dos comercializadores a operar no mercado, sendo, nessa sequência, que a Recorrida E-REDES abastece de energia elétrica a fração em causa; iv. Conforme doutamente afirma o Tribunal a quo, a competência dos tribunais afere-se em função dos termos da ação, tendo em consideração a pretensão formulada pelo Recorrente e os respetivos fundamentos; v. Não obstante o cerne do litígio seja referente a um bem essencial e não tenha sido celebrado entre a Recorrida e o Recorrente o contrato de fornecimento de energia elétrica – como nem poderia, atenta a separação de atividades de distribuição e comercialização – efetivamente não se verifica que o objeto da ação se prenda com a aferição de uma qualquer relação jurídico-material de natureza administrativa ou que seja regulada por normas de Direito Administrativo; vi. Nem sequer está em causa uma contenda diretamente relacionada diretamente com aspetos relacionados com o PTC (por ex. ato de ao licenciamento; estabelecimento; construção…), mas antes – unicamente e tão só – com a prerrogativa que à Recorrida cabe de definir o ponto de ligação à rede; vii. Para o consumidor, depois da instalação se encontrar abastecida de energia, não é importante o ponto de ligação, viii. Já para a ora Recorrida não é indiferente onde se situa o ponto de ligação da instalação, pois, para intervir no ponto de ligação – em caso de avaria ou de outra qualquer situação de emergência – da forma de ligação pretendida pela Recorrente e peticionada nos autos, já o não poderia fazer; ix. O que não se poderá conceber, atenta a necessidade de a Recorrida atuar de forma eficaz e oportuna quando assim se imponha; x. Aliás, como já referido em sede de contestação, uma vez que afirma o Recorrente ter refeito o PTC antigo – que era adstrito à exploração do edifício na sua configuração antiga e que tinha deixado de existir – a E-REDES não exige a utilização do novo espaço construído para instalação de um PTC, mas exige que o Recorrente crie condições de ligação em Média Tensão ao Ponto de Entrega que por aquela, na qualidade de Operadora de Rede, foi definido; xi. O que também demonstra que a questão não se prende com o PTC, mas com a forma em que é efetuada a ligação da instalação à rede de distribuição de energia elétrica; xii. Ou seja, a sindicância relaciona-se, no fundo, com o ponto de ligação da instalação à rede e não com qualquer aspeto administrativo referente ao PTC em causa; xiii. Conclui-se que os factos sub judice não se prendem com uma relação jurídica administrativa, mas antes a observância das disposições contempladas nos Regulamentos aplicáveis ao setor elétrico; xiv. Considerando que os tribunais administrativos e fiscais dispõem de uma competência limitada aos processos cujo objeto se prenda com litígios emergentes das relações jurídicas e administrativas e fiscais, enquanto que, para todos os demais, serão da competência dos tribunais judiciais (comuns), resultará estarmos face a uma incompetência absoluta deste tribunal em razão da matéria; xv. Não merece, pois, qualquer censura a decisão do Tribunal a quo". * O Digno Magistrado do M.º P.º, notificado nos termos do art.º 146.º, n.º1 do CPTA, não emitiu Parecer. * Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento * 2 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA. II FUNDAMENTAÇÃO 1 . MATÉRIA de FACTO A decisão recorrida, sem que, concretamente, fixe qualquer factualidade, é a seguinte: "D., LDª, N.I.P.C. (…), com sede na Rua (…), veio intentar a presente ação administrativa, contra EDP – Distribuição de Energia, S.A., formulando, a final da petição inicial, os pedidos que, para aqui, se extraem como segue: "Termos em que deve a presente acção ser julgada procedente e, consequentemente, ser a Ré condenada a proceder à religação de electricidade ao PT existente na fracção predial da Autora, com as consequências legais. Para tanto requer a citação da Ré para contestar, querendo, no prazo e sob cominação legal, devendo com a contestação juntar o respectivo processo administrativo." Como foi, já, avançado no despacho de fls. 261 da numeração SITAF, verifica-se que a Autora peticiona a condenação da Ré, EDP Distribuição – Energia, S.A., a proceder à “religação” de eletricidade ao PT (Posto de Transformação) existente na sua fração predial, com as demais consequências legais. Esse pedido, formulado pela Autora, assenta, especificamente, nas disposições constantes dos Decreto-Lei nº 215-A/2012 e Decreto-Lei nº 215-B/2012, ambos de 8 de outubro, bem como no Regulamento de Relações Comerciais aprovado pela ERSE, na redação em vigor à data dos factos. Ou seja, muito embora esteja em causa um bem essencial e a Ré exerça, a título de concessionária, tarefas originariamente cometidas ao poder público/administrativo, não se prefigura como relação jurídico-administrativa a relação, aqui, ora, em crise. Atente-se que está em causa a sindicância da atuação da Ré no sentido de não proceder à (re)ligação elétrica da fração da Autora a um PT alegadamente existente na sua fração – atuação essa levada a cabo no âmbito de uma relação contratual de consumo/privada, não denotando qualquer aspeto publicista. Como ensina Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., p. 195, “o requisito da competência resulta do facto de o poder jurisdicional ser repartido, segundo diversos critérios, por numerosos tribunais. Cada um dos órgãos judiciários, por virtude da divisão operada a diferentes níveis, fica apenas com o poder de julgar num círculo limitado de acções, e não em todas as acções que os interessados pretendam submeter à sua apreciação jurisdicional”. Assim, a competência é a parcela de jurisdição pertencente a cada um dos órgãos jurisdicionais, determinada de harmonia com certos critérios, nomeadamente o da natureza e qualidade das causas (matéria). E como ensina, também, Anselmo de Castro, “Direito processual Civil Declaratório”, vol. II, 1982, p. 18, pode, também, considerar-se a competência “como os limites (internos) que todo o juiz encontra no exercício das suas funções, limites esses que são postos pelo poder jurisdicional concorrente exercido pelos demais juízes”. Ora, no que tange aos Tribunais Administrativos e Fiscais, o âmbito da sua jurisdição vem definida no artigo 4º do E.T.A.F., resultando do disposto no artigo 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa que, compete aos tribunais administrativos e fiscais, o julgamento das ações e recursos contenciosos, que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais. Por sua vez, de acordo com estabelecido no nº 1 do artigo 211º da Constituição, os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, resultando do disposto no seu n.º 2 que, na primeira instância, pode haver tribunais com competência específica, e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas. Quanto à competência em razão da matéria, dispõe o n.º 1 do artigo 40º da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, que “1 - Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.”, consignando-se no seu n.º 2 que “A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada.”. No mesmo sentido, regula, também, o artigo 64º do C.P.C.. Cotejada a petição inicial, e atenta a formulação que a Autora dá à sua pretensão, e retomando o já acima expendido, verifica-se que, em rigor, o que está em causa é questão atinente à relação contratual privada estabelecida entre a Autora e a Ré. Quanto a tal matéria, pronunciou-se o acórdão do TCA Sul de 28.08.2015, no processo 12421/15, do seguinte modo: “[…] 3. O litígio envolvendo obrigações emergentes do serviço universal sob licença de comercialização de último recurso no sector da electricidade, configura uma situação jurídica subtraída à competência da jurisdição administrativa, atento o disposto no artº 4º nº 1 d) ETAF.”. Acolhendo estes ensinamentos, julga-se este Tribunal Administrativo e Fiscal incompetente em razão da matéria, sendo competente o Tribunal Judicial, absolvendo-se a Ré da instância, nos termos dos artigos 96º, 97º, n.º 1, 99º, 100º, 278º, n.º 1, alínea a), 576º, n.º 2, 577º, alínea a), e 578º, todos do C.P.C., aplicáveis ex vi do artigo 35º do C.P.T.A.. * Por ser procedente a exceção de incompetência material, é a Autora responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 6º do Regulamento das Custas Processuais. *** DECISÃO Face ao exposto, julgo procedente a exceção de incompetência material deste Tribunal, sendo competente o tribunal judicial, e absolvo a Ré da instância. Condeno a Autora no pagamento das custas. Registe e notifique". 2 . MATÉRIA de DIREITO No caso dos autos, - depois de, em 31/1/2017, o TAF de Braga, em sede de procedimento cautelar, ter antecipado a decisão do processo principal - art.º 131.º do CPTA - concluindo pela procedência da acção administrativa em causa - ter condenado a Ré a efectuar a ligação do estabelecimento explorado pela Autora (através do Posto de Transformação existente no prédio fruído pela Autora) à rede pública de distribuição, respeitando o acto de autorização provisória emitido pela DGEG e decidido inexistir razão para condenar a A. como litigante de má fé Cfr. Decisão complementar de 9/3/2017 - fls. 333 do processo físico.; - por Acórdão deste TCA de 26/5/2017, em provimento do recurso, ter sido revogada a decisão recorrida e determinada a baixa dos autos à 1.ª instância para aí prosseguirem os seus termos como providência cautelar, visando a tomada de uma decisão final cautelar - cfr. fls. 368 a381 do processo físico; - por sentença de 15/1/2018, do TAF de Braga, ter sido julgada procedente a providência cautelar, por Acórdão deste TCA de 18/5/2018 - cfr. fls. 587 a 603 do processo físico -, ter sido concedido provimento ao recurso, revogada a decisão do TAF de Braga e indeferida a providência cautelar, decisão mantida, em sede de reclamação cfr. Decisão do TCA - , de 28/6/2018 - cfr. fls. 616 a 623 do processo físico.; - nestes autos - acção principal - encontrando-se já o processo em condições de ser finalmente decidido de mérito, oficiosamente, foi suscitada a incompetência material dos tribunais administrativos, excepção que mereceu pronúncia contraditória das partes e que, pela decisão ora recorrida, foi então decidido que a competência para a decisão deveria ser deferida aos tribunais judiciais, por incompetência material dos tribunais administrativos, sendo assim esta a questão essencial a decidir nesta sede recursiva. Vejamos! Como advertia Manuel de Andrade "... a competência do tribunal … afere-se pelo 'quid disputatum' (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)"; é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do A.. E o que está certo para os elementos objetivos da ação está certo ainda para a pessoa dos litigantes. (...) É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respetivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão …" [cfr. "Noções Elementares de Processo Civil", Coimbra 1979, pág. 91] [no mesmo sentido e entre outros, Ac. STA de 03.05.2005 - Proc. n.º 046218; Acs. do Tribunal de Conflitos de 27.11.2008 - Proc. n.º 016/08, de 09.09.2010 - Proc. n.º 011/10, de 28.09.2010 - Proc. n.º 02/10, de 03.03.2011 - Proc. n.º 014/10 todos in: «www.dgsi.pt/jsta»; Acs. TCA Norte de 21.01.2010 - Proc. n.º 00337/07.8BEPNF, de 25.11.2011 - Proc. n.º 02750/10.4BEPRT, de 13.01.2012 - Proc. n.º 00844/11.8BEPRT, 28.06.2013 - Proc. n.º 2708/11.6BEPRT in: «www.dgsi.pt/jtcn»]. Por outro lado e tal como é, aliás, entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme, a competência do tribunal, em geral, não está dependente da personalidade judiciária de demandante(s) e demandado(s) ou sequer da legitimidade das partes, sendo que para a aferição da mesma nada releva um julgamento quanto à procedência da pretensão ou da acção. Determina o art. 212.º, n.º 3 da CRP que compete “… aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais …", prevendo-se no n.º 1 do art. 01.º do ETAF que os “… tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais ...”. Sem necessidade de outros considerandos jurídicos/dogmáticos acerca desta questão - repetidos vezes sem conta em diversos arestos - verifiquemos o caso dos autos, tendo em consideração a causa de pedir e o pedido efectivados na petição - elementos estruturantes da acção - e onde se deve aferir da competência material, à data da instauração da acção, in casu, em 1 de Abril de 2016. Ora o que está em causa é o pedido efectivado pela A. - enquanto titular de um estabelecimento comercial, na área do calçado - , à Ré – “EDP - Distribuição de Energia, SA” - empresa concessionária de prestação de serviços públicos de fornecimento de electricidade, em regime de exclusividade - no sentido desta ser condenada a proceder à operação material de "religação" de electricidade ao PT (Posto de Distribuição) existente na sua fracção predial, assentando tal desiderato petitório nas disposições constantes dos Dec. Lei 27/2006 e 29/2006, ambos de 15 de Fevereiro, 215-A/2012 e 215-B/2012, de 8 de Outubro, bem como no Regulamento de Relações Comerciais aprovado pela ERSE, o que a Ré recusa, sendo certo que o fornecimento de energia eléctrica é comprovadamente um serviço público essencial. Não está em causa qualquer contrato privado de fornecimento de energia, este sim celebrado com a EDP - Comercial - Comercialização de Energia, SA. * Ora, tendo em causa o pedido e a causa de pedir, tendo ainda em consideração a data da instauração da acção - altura em que se afere a competência material do tribunal - o art.º 4.º, n.º1, al. d) do ETAF - aprovado pela Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro, disciplinava que: "1 ... Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: ... d) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos.", sendo que esta norma, apesar de alterada pelo art.º 4.º do Dec. Lei 2014-G/2015, de 2 de Outubro, no sentido de que: "1 ... Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a: ... d) Fiscalização da legalidade das normas e dos demais actos jurídicos praticados por quaisquer entidades independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos" , não restringiu a competência da jurisdição administrativa, antes se potenciou um alargamento e assim, pese embora se esteja perante um acto material omissivo por parte da Ré EDP - Distribuição de Energia, SA, enquanto Operador exclusivo da Rede Eléctrica - sem que isso desvirtue ou restrinja essa competência material - cfr. Ac. do Tribunal de Conflitos de 2/3/2011, in Proc. 9/10 - entendemos que a competência para o conhecimento desta acção pertence aos tribunais administrativos, importando, assim, a reversão da decisão do TAF de Braga, ora em apreciação. III DECISÃO Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em: - conceder provimento ao recurso; - revogar a decisão recorrida; e assim, - ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para aí prosseguirem a sua tramitação se, entretanto, a tal nada mais obstar. * Custas pela recorrida. * Notifique-se. DN. Porto, 28 de Janeiro de 2022 Antero Salvador Helena Ribeiro Nuno Coutinho __________________________________________ i) Cfr. Decisão complementar de 9/3/2017 - fls. 333 do processo físico. |