Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00206/09.7BEPRT |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 02/16/2023 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Irene Isabel Gomes das Neves |
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Descritores: | DISPENSA DE PROVA TESTEMUNHAL; MATÉRIA DE FACTO; DÉFICIT INSTRUTÓRIO; PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO; |
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Sumário: | I. A selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, simples, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento. II. O princípio do inquisitório somente tem aplicação perante a invocação de factos concretos pelas partes que se mostrem controvertidos ou que sejam de conhecimento oficioso.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. «AA», (Recorrente), notificado da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto datada de 08.10.2015, pela qual foi julgada totalmente improcedente a impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRS, respeitante ao ano de 2002, no valor global de € 8.302,52, inconformado veio dela interpor o presente recurso jurisdicional. Tendo o Recorrente falecido em 01/12/2017, no incidente de habilitação processado por apenso, que não contestaram, foram habilitados como seus sucessores sua esposa «BB» e os seus filhos «CC» e «DD», por decisão de 28/11/2018, que não impugnaram, tendo a mesma transitado em julgado, para, em sua substituição, prosseguirem os termos da causa, aqui assumindo a posição de Recorrentes. Alegaram, formulando as seguintes conclusões: «1.º - Vai o presente recurso interposto da sentença de fls. 73 a 101 que julgou a presente impugnação totalmente improcedente (fls. 100), 2.º - pelo que se manteve a liquidação impugnada. 3.º - A impugnação judicial de fls. 1/22 foi deduzida contra a liquidação adicional efectuada em IRS, ano de 2002, 4.º - a qual, por sua vez, foi precedida de reclamação graciosa, instruída com 5 (cinco) documentos, que está incorporada no 2.º apenso, a fls. 1/38. 5.º - Atento o teor dessa reclamação, a sua tramitação, os documentos que a acompanharam e a decisão que sobre ela recaiu, constitui essa peça um complemento indispensável para uma apreciação completa e um julgamento judicioso do presente recurso. 6.º - A prova documental junta com a impugnação judicial, mais a constante da reclamação graciosa, completou-a o ora Recorrente com a indicação de 3 (três) testemunhas, todas com boa razão de ciência. 7.º - Pelo despacho de fls. 48 foi julgado “que não há necessidade de produção da prova arrolada, por se tratar de matéria de direito e o processo fornecer elementos necessários à decisão, pelo que dispenso a sua produção, nos termos do n.º 1 do art. 113.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPP7) ex vi art. 211.º do CPPT (sic). 8.º - A não realização desta diligência, de inquirição das testemunhas, revelar-se-ia, como era previsível, gravemente prejudicial para o completo esclarecimento dos factos, com manifesto prejuízo para os legítimos interesses do Recorrente e possibilidade de realização da Justiça. 9.º - A Fazenda Pública ofereceu a contestação de fls. 28/29. 10.º - Apenas o ora Recorrente apresentou alegações escritas (fls. 56/61). 11.º - O Ministério Público juntou o parecer de fls. 65/66, 12.º - mantendo o Impugnante/Recorrente a posição firmada na p.i. que integralmente reiterou. 13.º - A sentença recorrida seleccionou os factos que considerou provados, ao longo de 19 (dezanove) números, a fls. 76/84. 14.º - A motivação do julgamento da matéria de facto está descrita a fls. 85. 15.º - No essencial, apoia-se a decisão sob recurso nos documentos juntos a fls. 25/34 (contratos de consórcio, objecto de interpretação restritivamente literal) e a fls. 41/67 (relatório da inspecção tributária – RIT), ambos do 2.º apenso. 16.º - O julgamento da matéria de facto é feito essencialmente com base no RIT, sem, no entanto, se fazer a devida discriminação dos factos dados por provados, acompanhada da necessária interpretação atribuída às normas jurídicas aplicáveis, ignorando-se, assim, as exigências estabelecidas no n.º 2 do art. 659.º do CPC. 17.º - Verifica-se, uma vez mais e como vem sendo prática corrente, a (pretensa) realização da prova através (unicamente) do RIT e por remissão, muitas vezes em bloco, para as conclusões deste, sempre inobservando o disposto no n.º 2 do art. 659.º do CPC. 18.º - A dispensa operada pelo despacho de fls. 48 da inquirição das testemunhas indicadas pelo Impugnante/Recorrente, retirou ao Tribunal a possibilidade de chegar ao conhecimento da verdadeira realidade dos factos. 19.º - Reconhecida a virtualidade que o contrato de consórcio confere às partes para, através dele, moldarem os seus interesses aos objectivos que prosseguem, a inquirição, dispensada, da prova testemunhal impediu que, no caso, tivesse sido respeitado o princípio do contraditório, 20.º - em violação clara da norma do n.º 3 do art. 3.º do CPC. 21.º - À reclamação graciosa foram juntos os já falados contratos de consórcio e, também, os documentos de fls. 35, 36 e 37 do 2.º apenso, documentos que constituem parte integrante do consórcio relativo ao empreendimento de .... 22.º - Tais documentos, devidamente explicados pelas testemunhas arroladas (e não ouvidas) teriam seguramente ajudado a que o Tribunal chegasse a verdade material dos factos. 23.º - A não inquirição das referidas testemunhas, além de impedir o correcto funcionamento do princípio do contraditório (violação do n.º 3 do art. 3.º do CPC), 24.º - Traduziu-se, de algum modo, numa restrição ao princípio do acesso ao direito, assumindo verdadeira denegação de justiça, 25.º - com violação da norma do n.º 1 do art. 20.º da CRP. 26.º - Nos arts. 20.º a 37.º da p.i., o Recorrente alega e demonstra que o despacho de indeferimento da reclamação graciosa enferma de ausência ou vício de fundamentação legalmente exigida, 27.º - que, apesar de ostensivo, a sentença recorrida manteve (fls.98), 28.º - com evidente “erro de julgamento”, consubstanciado na errada apreciação dos factos e na errada interpretação e aplicação, entre outras, das normas dos arts. 205.º/1, 268.º/3 da CRP; 60.º/7 e 77.º/1 e 2 da LGT; 124.º/1 e 125/1 e 2 do CPA (actuais arts. 152.º/1 e 153.º/1 e 2); 360.º, 369.º/1 e 2 e 370.º/1 e 2 do CC; 3.º/3, 607.º/4 e 5, 615.º/1-b) e 659.º/2 do CPC; e 1.º, 28.º/1, 31.º/2, 43.º, 44.º e 52.º do CIRS. 29. – A sentença recorrida, na sequência do entendimento da AT (local e regional), enquadra indevidamente o Impugnante/Recorrente no regime simplificado, 30. – quando devia, correctamente, enquadrá-lo no regime da contabilidade organizada, de acordo com a lei aplicável, designadamente dos arts. 28.º/1 e 31.º/2, e com a doutrina constante do Ofício – circulado n.º 30033, de 09-02-2001, da (então) Direcção Geral dos Impostos. 31. – O que tudo, aliás, foi profusamente alegado na reclamação graciosa, no direito de audição exercido na sequência da notificação do projecto de indeferimento da reclamação graciosa e na própria impugnação judicial. 32. – Julgando como julgou, a sentença de fls. 73/101 não fez a melhor interpretação e aplicação das normas e princípios que, no desenvolvimento destas alegações, foram, no lugar próprio, identificados, designadamente dos arts. 2.º, 20.º/1, 205.º/1 e 268.º/3, da CRP; 55.º, 60.º/7 e 77.º/1 e 2, da LGT; 125.º/1 do CPPT; 124.º/1 e 125.º/1 e 2 do CPA (actuais arts. 152.º/1 e 153.º/1 e 2); 3.º/3, 607.º/4 e 5, 615.º/1-b e 659.º/2, do CPC; 360.º, 369.º/1 e 2 e 370.º/1 e 2 do CC; 1.º, 28.º/1, 31.º/2, 43.º, 44.º e 52.º, do CIRS. Nestes termos e nos mais, de direito, aplicáveis, deve ser concedido provimento ao presente recurso e proferido ACÓRDÃO que revogue a sentença de fls.73/101, com as inerentes consequências legais, para que assim se cumpra a LEI e se faça JUSTIÇA.» 1.2. A Fazenda Pública (Recorrida), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 244 SITAF, no sentido da procedência do recurso. 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Questões a decidir: cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, assente na negação do direito à produção de prova testemunhal por via da dispensa da inquirição de testemunhas que arrolou, e se a sentença enferma de falta de apreciação critica das provas e erro de julgamento de direito. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto 2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «Factos provados Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito: 1. Em 31.08.1999, foi celebrado um contrato designado por “Contrato de Consórcio” entre o Impugnante, na qualidade de 1º outorgante, «FF», na qualidade de 2º outorgante, «GG», na qualidade de 3ª outorgante, e «H & G, Lda.», actualmente designada por «M, S.A.», na qualidade de 4ª outorgante, tendo tal contrato por objecto a execução e comercialização de um empreendimento denominado «X» num terreno sito à Rua ..., freguesia ..., em ..., o qual se considera aqui integralmente reproduzido (cfr. contrato e relatório de inspecção tributária, a fls. 25 a 29 e 50 a 51, respectivamente, do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 2. Consta do contrato referido em 1, na cláusula 10ª: “1. Depois de excluídas da comercialização pelo consórcio as fracções referidas na cláusula 9ª, as partes repartirão a receita do consórcio de acordo com as percentagens seguintes: - para o primeiro, segundo e terceiro outorgantes – 10% - para o quarto outorgante – 90%. (...)” (cfr. contrato e relatório de inspecção tributária, a fls. 25 a 29 e 50 a 51, respectivamente, do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 3. Em 20.03.2000, foi celebrado um contrato designado por “Contrato de Consórcio” entre o Impugnante, na qualidade de 1º outorgante, «FF», na qualidade de 2º outorgante e «H & G, Lda.», actualmente designada por «M, S.A.», na qualidade de 3ª outorgante, tendo tal contrato por objecto a execução e comercialização de um empreendimento denominado “Edifício ...” num terreno sito na Rua ..., da freguesia ..., em ..., o qual se considera aqui integralmente reproduzido (cfr. contrato e relatório de inspecção tributária, a fls. 30 a 34 e 50 a 52, respectivamente, do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 4. Consta do contrato referido em 3: “(...) Cláusula 6ª Obrigações do terceiro outorgante Para a realização do objecto do presente contrato a terceira outorgante obriga-se a: a) Aportar os meios financeiros necessários à realização do empreendimento, despesas com projectos, licenças e registos, despesas de construção e de comercialização; (...) e) Registar em conta do consórcio as despesas imputáveis à execução do empreendimento e respectivas receitas. (...) 1. Depois de excluídas da comercialização pelo consórcio as fracções referidas na cláusula 9ª, as partes repartirão a receita do consórcio de acordo com as percentagens seguintes: - para o primeiro e segundo outorgantes – 60% - para o terceiro outorgante – 60%. (...)” (cfr. contrato e relatório de inspecção tributária, a fls. 30 a 34 e 50 a 52, respectivamente, do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 5. Em 2006, foi efectuada uma acção inspectiva à sociedade «M, S.A.», aos anos 2002 a 2005, na sequência das Ordens de Serviço n.ºs ...06, ...07, ...08 e ...09, em que a inspecção tributária verificou a existência dos contratos referidos em 1 e 3 (cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 41 a 67 do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 6. Na sequência do referido em 5, foi efectuada acção inspectiva ao Impugnante, finda a qual foi elaborado, em 22.08.2006 relatório da inspecção tributária, o qual se considera aqui integralmente reproduzido (cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 41 a 67 do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 7. Consta do relatório referido no ponto anterior, relativamente ao exercício de 2002, o seguinte: «Face aos valores a considerar para a tributação dos “1ºs outorgantes” (...) no consórcio «X», os proveitos (vendas) foram de € 82.978,73. A quota parte do SP, constituída por 1/3, será de € 27.659,58. De acordo com o disposto no art.º 28º, n.º 2, do CIRS, e uma vez que não foi exercida a opção prevista no n.º 3 do mesmo art.º, o SP ficará abrangido pelo regime simplificado. O rendimento tributável será o que resulta da aplicação do coeficiente de 0,2 ao valor das vendas, conforme determina o art.º 31.º, n.º 2, do CIRS: Ren. Trib. = € 27.659,58 x 0,2 = € 5.531,92.» (cfr. relatório de inspecção tributária a fls. 55 do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 8. No mesmo relatório, a inspecção tributária concluiu, quanto ao exercício de 2002, pela existência de uma omissão na declaração de rendimentos quanto a rendimentos da Categoria B, no montante de 5.531,92 € (cfr. relatório de inspecção tributária a fls. 55 e 60 do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 9. Em 18.09.2006, foi exarado despacho de concordância com a informação do Inspector tributário constante do relatório referido em 6 (cfr. relatório de inspecção tributária a fls. 41 do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 10. Em 19.09.2006, foi emitida uma nota de alteração do conjunto dos rendimentos do Impugnante quanto ao exercício de 2002 (cfr. documento a fls. 69 do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 11. Em 26.10.2006, foi emitida uma liquidação adicional de IRS, correspondente ao exercício de 2002, no valor de € 8.302,52 (cfr. documento com demonstração de acerto de contas a fls. 24 do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 12. Em 23.03.2007, o Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação adicional de IRS referida no ponto anterior, pedindo a anulação da mesma e dos respectivos juros compensatórios, acompanhada de procuração forense emitida em nome do mandatário, Exmo. Sr. Dr. «LL» (cfr. reclamação a fls. 1 do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 13. Por despacho datado de 11.12.2008, foi determinada a notificação do Impugnante, para efeitos de audição, do projecto de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. documentos a fls. 72 e ss do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 14. O despacho referido em 13 foi notificado ao Impugnante através do ofício n.º ...50, datado de 11.12.2008 (cfr. documentos a fls. 72 e ss do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 15. Em 23.12.2008, o Impugnante apresentou a sua pronúncia sobre o projecto de decisão referido no ponto anterior, que aqui se dá por integralmente reproduzida (cfr. pronúncia a fls. 91 e ss do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 16. Em 31.12.2008, foi exarado despacho de indeferimento definitivo da reclamação graciosa referida em 12, o qual se considera aqui integralmente reproduzido (cfr. despacho a fls. 98 e ss do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 17. O despacho referido em 16 foi notificado através de ofício enviado ao mandatário do Impugnante, tendo sido assinado no dia 07.01.2009 o aviso de recepção (cfr. despacho a fls. 98 e ss do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 18. Do despacho referido no ponto 16 consta a seguinte análise: “(...) 2. Apreciados os argumentos apresentados sobre o projecto de despacho, verifica-se que nenhum é pertinente, logo, susceptível de reverter a decisão projectada. Desde logo, porque os factos subjacentes à realização dos empreendimentos imobiliários, foram devidamente ponderados e analisados, só que, diverge a AT e o reclamante sobre o enquadramento tributário a dar aos mesmos. O reclamante, dada a finalidade dos mesmos, estranha a sua sujeição a tributação, uma vez que o seu desígnio era obter proventos para a sociedade, em desfavor do próprio, situação que foi rebatida de forma esclarecedora no projecto de despacho notificado, no qual é referido que ambos os contratos de consórcio configuram negócios de natureza idêntica a qualquer outro praticado no mercado. A AT, pese embora o incumprimento pelo reclamante das obrigações previstas no artº 31º da LGT – acessórias e principais –, e o consequente cometimento de diversas infracções tributárias, levou a cabo todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária do contribuinte, tendo por finalidade, objectivamente, a descoberta da verdade material, isto é, averiguou devidamente toda a realidade factual atinente à situação concreta. E, em função da sua actividade inquisitória, actuou em conformidade com a lei, fazendo o enquadramento jurídico-tributário dos factos apurados e, na ausência de cumprimento por parte do reclamante das suas obrigações, operou as correcções que se mostravam devidas. Sobre os efeitos da variação de produção no enquadramento dado pela AT ao apuramento do rendimento tributável – regime simplificado –, defendendo o reclamante que devia ter sido com base na contabilidade, mantendo os argumentos apresentados na INFORMAÇÃO/PARECER que suportou o projecto de despacho pode ainda adiantar-se o seguinte: - De acordo com os contratos do consórcio aqui em causa, cada um dos consorciados deveria reconhecer as operações por si praticadas mesmo que respeitem a actividades abrangidas pelo contrato de consórcio, efectuando o respectivo registo na contabilidade. - Ou seja, como não podia deixar de ser, não há duplicidade de registos em mais do que uma contabilidade, cada um devia registar os documentos emitidos em seu nome, na sua contabilidade. - Quem estava obrigado a registar os custos inerentes à construção dos empreendimentos, aliás como foi feito (e bem) era a sociedade, uma vez que a ela competia «... registar em conta do consórcio as despesas imputáveis à execução do empreendimento...». - Ou seja, o reclamante, na medida em que não possuía quaisquer custos/despesas para registar, nunca podia apurar qualquer variação de produção! - Esta variação só podia ser apurada na sociedade, que era o consorciado incumbido (e obrigado) a reflectir na sua contabilidade os movimentos ocorridos com a construção dos imóveis. - Daí que, o elemento determinante para o enquadramento do reclamante fosse o volume das vendas realizadas, estas sim, em seu nome e, consequentemente, sujeitas a registo na sua contabilidade, de acordo com a sua quota-parte. (...)” (cfr. despacho a fls. 98 e ss do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos). 19. A p.i. da presente impugnação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 21.01.2009, mediante entrega presencial (cfr. p.i. a fls. 1 e ss dos Autos físicos). Factos não provados Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir. Motivação da matéria de facto Conforme especificado nos diversos pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos e informações oficiais constantes dos autos. Concretizando, a factualidade vertida nos pontos 1 a 4 dos factos provados resulta dos contratos e do relatório de inspecção tributária, a fls. 25 a 34 e 41 a 67, respectivamente, do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos. A factualidade vertida nos pontos 5 a 9 dos factos provados resulta do relatório de inspecção tributária a fls. 41 a 67 do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos. Os factos dados como provados nos pontos 10, 11, 12 e 13 a 14 dos factos provados resultam dos vários documentos a fls. 69, 24, 1 e 72 e ss do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos, respectivamente. A factualidade constante do ponto 15 resulta da pronúncia a fls. 91 e ss do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos. A factualidade constante dos pontos 16 a 18 do probatório resulta do despacho a fls. 98 e ss do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes Autos físicos. O facto vertido em 19 dos factos provados resulta dos presentes Autos físicos, a fls. 1.» 2.2. De direito Os Recorrentes insurgem-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto pela qual foi julgada totalmente improcedente a impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRS, respeitante ao ano de 2002, no valor global de € 8.302,52. Inconformados, alegam os Recorrentes, em síntese, que lhes foi negado o direito à produção de prova testemunhal ao ter sido dispensadas a inquirição das testemunhas arroladas, que arrolou, da falta de apreciação critica da prova e que a sentença enferma de erro de julgamento. 2.2.1. Da dispensa da prova testemunhal Neste particular, defendem os Recorrentes (habilitados) que “A dispensa operada pelo despacho de fls. 48 da inquirição das testemunhas indicadas pelo Impugnante/Recorrente, retirou ao Tribunal a possibilidade de chegar ao conhecimento da verdadeira realidade dos factos./ Reconhecida a virtualidade que o contrato de consórcio confere às partes para, através dele, moldarem os seus interesses aos objectivos que prosseguem, a inquirição, dispensada, da prova testemunhal impediu que, no caso, tivesse sido respeitado o princípio do contraditório, em violação clara da norma do n.º 3 do art. 3.º do CPC/Tais documentos, devidamente explicados pelas testemunhas arroladas (e não ouvidas) teriam seguramente ajudado a que o Tribunal chegasse a verdade material dos factos./ A não inquirição das referidas testemunhas, além de impedir o correcto funcionamento do princípio do contraditório (violação do n.º 3 do art. 3.º do CPC),/ Traduziu-se, de algum modo, numa restrição ao princípio do acesso ao direito, assumindo verdadeira denegação de justiça,/ com violação da norma do n.º 1 do art. 20.º da CRP.” (conclusões 18º a 25º). Neste contexto, vejamos da aclamada violação decorrente da negação de produção da requerida prova testemunhal. De relevar, ab initio, que o facto de não ter sido interposto recurso do despacho interlocutório do despacho de dispensa de prova testemunhal não inviabiliza, per se, a apreciação do aduzido vício que se reconduz nesta sede ao concreto deficit instrutório. Com efeito, como doutrinado pelo acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0289/11, de 16 de novembro de 2011: “[a]ntes do mais, poderíamos interrogarmo-nos se pode agora a Recorrente, que não interpôs recurso do despacho que dispensou a prova testemunhal, questionar em sede de recurso da sentença a falta da produção da prova testemunhal. Manifestamente, sim, não havendo sequer que averiguar aqui se aquele despacho é ou não necessário e se, a ser proferido, faz ou não caso julgado formal. (…) Por outro lado, o tribunal de recurso sempre pode sindicar o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova em sede do recurso interposto da sentença. Aí, não só o impugnante ou a Fazenda Pública podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa, anular a sentença oficiosamente (…).” Atentemos, então, da bondade do alegado pelos Recorrentes, na perspectiva do acerto da decisão sob recurso quanto ao eventual erro na fixação da matéria de facto decorrente da dispensa de produção da prova testemunhal oferecida. Desde logo, constatamos que em sede de recurso não é indicado qualquer ponto do probatório como estando incorrectamente julgado, nem, tão-pouco, é sugerido o aditamento de qualquer facto à decisão da matéria de facto, com o intuito de demonstrar, a ser provado, da sua relevância no desfecho da causa. Por outro lado, os Recorrentes não contrapõem, de qualquer forma, a motivação da decisão da matéria de facto. Vejamos para tanto recorrendo ao alegado em sede de impugnação do acto de liquidação em sede de petição, nos 62 artigos desse articulado o então Impugnante limita-se a invocar genericamente sob a epígrafe de factos (artigos 10º a 19º) os que havia apresentado em sede de reclamação graciosa, na qual descrevera circunstanciadamente os factos que interessavam, remetendo para tal para os artigos 31º a 40º da reclamação graciosa. Perscrutada aquela peça, reclamação graciosa, podemos sintetizar o ali alegado em quatro afirmações: - A sociedade «H & G, Lda.» dadas as vicissitudes do negócio que constituía o seu objecto social, atravessava sérias dificuldades de natureza económica e financeira; - Os seus dois accionistas, entre eles o sujeito passivo, auxiliavam a sociedade a solver os seus compromissos; - O consórcio foi precisamente celebrado com esse intuito, com vista à criação de condições financeiras que viabilizassem a sociedade «M, S.A.»; - Os resultados, alcançados com a projectada acção imobiliária, reverteu integralmente para a sociedade «M, S.A.». Atentemos. Como espelha o probatório fixado, a AT, na sequência de inspecção tributária à sociedade «M, S.A.», da qual o pai e marido dos ora Recorrentes era acionista (sujeito passivo ora em diante, em contraposição aos recorrentes habilitados), procedeu a correcções meramente aritméticas à matéria colectável de IRS, referente à categoria B, pela actividade comercial de "construção de edifícios", por ter verificado a existência de um contrato de consórcio entre a referida sociedade e o sujeito passivo, tendo como objecto a execução e comercialização de um empreendimento, em terreno sito em ... (no que concerne ao ano de 2002), ..., em que não apresentou declaração de rendimentos no âmbito desta operação. A ideia principal subjacente à presente impugnação judicial, entre outros fundamentos que não relevam, era a demonstração do erro sobre os pressupostos em que laborou a AT, uma vez que é defendido que o contrato de consórcio foi celebrado com vista à viabilização da empresa e não com o objectivo de obter proveitos para o sujeito passivo. Posição essa avançada na Reclamação graciosa e mantida na petição inicial, por via de remissão, apresentado para o efeito prova testemunhal, pois que mais nenhuma é mencionada. Constata-se, porém, que nem na reclamação graciosa, nem na petição inicial, não são apresentados quaisquer factos susceptível de rebater a posição exaustiva e coerente dos factos apresentados por parte da AT. É que, não podemos deixar de reconhecer que a formulação do presente recurso, bem como da petição de impugnação (leia-se remissão para a reclamação graciosa, note-se método invulgar), é totalmente genérica e conclusiva, impossibilitando não só revelar a invocação de factos, mas também de aptos a compor o pleito de modo a determinar qualquer vício que se mostre, eventualmente, assacado à sentença recorrida. Por outras palavras, por um lado não descortinamos factos susceptíveis de prova testemunhal, por outro não vislumbramos quais os factos que os Recorrentes considerem erradamente arredados do probatório, tornando-se tarefa difícil entender o alcance do alegado. Importa salientar que a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento – cfr., neste sentido, o Acórdão do TCA Sul, de 22/05/2019, proferido no âmbito do processo n.º 1134/10.9BELRA. Como delimitamos o Impugnante limitou-se a tecer considerações genéricas sobre o propósito visado alcançar com a celebração do contrato de consórcio, qual seja o de viabilizar a «M, S.A.», da finalidade das quantias provenientes do empreendimento levado a cabo no âmbito daquele consórcio, contudo fá-lo sem apresentar um único facto concreto susceptível de infirmar o que decorre do próprio contrato de consórcio, ou seja, a materialização de factos concretos que permitissem chegar a tais ilacções, pois o alegado não passa disso mesmo, de um conjunto de resultados sem suporte fáctico, e como é adquirido, ao probatório não podem ser levados conclusões, generalidades, hipóteses ou conjecturas, não circunstanciadas no espaço, no tempo, nem especificadas. A decisão da matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas. Nesta conformidade, não vislumbramos que factos (simples) alegados tinha em vista o Impugnantes, e nesta sede os Recorrente, para concluir que o Tribunal recorrido errou na decisão de não produzir prova testemunhal. A avaliação da prova testemunhal depende de uma apreciação casuística do Juiz, competindo, assim, ao mesmo aferir se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes em face das normas que regulamentam a admissibilidade desse meio de prova, e, em caso afirmativo, aquilatar da pertinência e acuidade da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, sendo que só é possível a sua dispensa caso a mesma seja manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária. In casu, a Mmª Juiz, então titular dos autos, proferiu o seguinte despacho a fls. 48 do processo físico: “Após melhor análise do processo, constata-se que não há necessidade de produção da prova arrolada, por se tratar de matéria de direito e o processo fornecer elementos necessários à decisão pelo que dispensa a sua produção...” Recordamos que os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiem as excepções devem ser vertidos nos articulados das partes, tendo estas esse ónus de alegação, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Ora, é nossa convicção que estamos claramente perante um problema de alegação, onde se omitiu a invocação dos factos concretos essenciais. No que toca ao conhecimento/apuramento dos factos, importa não perder de vista o que preceitua o artigo 13.º do CPPT: que incumbe aos juízes dos tribunais tributários realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer. Por outro lado, de harmonia com o artigo 114.º do mesmo diploma, não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de prova necessárias. Destes preceitos decorre que o dever de realizar e ordenar as correspondentes diligências se deve limitar àquelas que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade. Contudo, não se deverá perder de vista que a descoberta da verdade material deve ser conjugada com os princípios da eficácia e racionalidade do processo tributário. Assim, no processo tributário, e com base no princípio do inquisitório, temos que ao juiz é atribuído o poder de ordenar as diligências de prova consideradas necessárias para a descoberta da verdade, o que sempre deverá ocorrer quando, perante uma questão que não é apenas de direito, o processo não fornecer os elementos necessários para decidir as questões de facto suscitadas. Nesta conformidade, só haverá défice instrutório, se as partes tiverem invocado factos relevantes para o exame e decisão da causa, que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova – cfr. artigos 5.º, 410.º e 411.º do Código de Processo Civil. Atentemos, ainda, no que dispõe o artigo 99.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária: “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”. Temos que, in casu, tudo foi alegado genericamente, como referimos, impedindo accionar-se o princípio do inquisitório, pois na sua base estarão sempre factos invocados pelas partes, o que não se mostra cumprido. Note-se, também, que não estão em causa factos de conhecimento oficioso. Logo, não existe défice instrutório por força da dispensa da prova testemunhal oferecida, mas antes uma omissão de invocação de factualidade concreta (simples). Salientamos, igualmente, que os Recorrentes não impugnaram a decisão da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, pelo que esta deve considerar-se estabilizada. Por outro lado, acentua, ainda, o Recorrente que a sentença recorrida incorre num fatal e decisivo equívoco, pois a alegada caducidade não seria relativa ao ano de 2014, como parece ter sido entendido, mas relativa às irregularidades detectadas pela AT e corrigidas pelo impugnante. Porém, tal, mais uma vez, o alegado contende com a dita prova que não teria sido “ilegalmente” realizada. Assim, ao considerarmos que não errou o Tribunal a quo ao dispensar a prova testemunhal apresentada e cristalizada a matéria de facto, mostra-se prejudicado a falta de análise critica da prova imputada, por violação do disposto no n.º2 do artigo 659º do CPC (conclusões 17º e 16º), desde logo porque conforme consta do probatório o mesmo mostra-se incompatível com a alegada remissão em bloco do RIT, a qual não ocorre, por outro lado, da motivação que se lhe segue não se descortina qualquer falta de análise ou insuficiência, que aliás os Recorrentes não concretizam. Posto isto, o mais alegado, em sede de erro de julgamento de direito surge de modo conclusivo, repetitivo como os próprios Recorrentes reconhecem “O que tudo, aliás, foi profusamente alegado na reclamação graciosa, no direito de audição exercido na sequência da notificação do projecto de indeferimento da reclamação graciosa e na própria impugnação judicial” (conclusão 31º), sem dirigir um ataque que seja ao julgamento de direito que emana da sentença sob recurso, o qual fica por essa via inatacado. Pelo exposto, improcede o recurso, sendo de manter a sentença recorrida. 2.3. Conclusões I. A selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, simples, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento. II. O princípio do inquisitório somente tem aplicação perante a invocação de factos concretos pelas partes que se mostrem controvertidos ou que sejam de conhecimento oficioso. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento recurso. Custas pelos Recorrentes. Porto, 16 de fevereiro de 2022 Irene Isabel das Neves Ana Paula Santos Margarida Reis |