Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00502/10.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/29/2012
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
PREJUÍZO IRREPARÁVEL
Sumário:I. É sobre o executado que pretende a dispensa de garantia que incumbe alegar e provar que não a prestação de garantia lhe causa um prejuízo irreparável – artigos 52.º, n.º 4, e 74.º, n.º 1, ambos da L.G.T.;
II. Nos termos do artigo 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para o qual remete implicitamente o artigo 169.º do mesmo Código, a garantia pode ser constituída por qualquer meio que assegure os créditos do exequente.
III. Falando a lei em prejuízo irreparável, apenas haverá lugar à dispensa da prestação de garantia quando esta causa ao executado prejuízos que impeçam o retorno ao status quo ante.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:C..., Lda.
Recorrido 1:Instituto da Vinha e do Vinho, I.P.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
C..., Lda., contribuinte n.º 5…, com sede na Avenida…, Tondela, Lageosa do Dão, não se conformando com sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a reclamação interposta nos termos do artigo 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Tondela que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2704200901009974, interpôs o presente recurso concluindo da seguinte forma as suas alegações (que se transcrevem):
A. Em causa nos autos está uma reclamação apresentada pela C... contra o indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado em meados do ano de 2010.
B. Com a apresentação de tal pedido foi junto o balanço da C... disponível à data o balanço provisório do anterior exercício - o exercício de 2009 -, tendo sido, ulteriormente, em sede de alegações, junto aos presentes autos o balanço definitivo desse mesmo exercício - cf. doc. 2 junto com as alegações apresentadas nos presentes autos.
C. Os presentes autos de reclamação judicial - não obstante seguirem as regras aplicáveis aos processos urgentes, foram-se alongando no tempo até ao corrente ano de 2012, o que leva a que a fotografia então tirada à situação contabilístico-financeira da C... pelo balanço junto tenha vindo a perder a sua actualidade.
D. A perda de actualidade traduziu-se, no caso da C... - e como, ademais, resultou da prova produzida em sede da recente inquirição de testemunhas, numa deterioração da sua situação económico-financeira - cf., por exemplo, alínea L) dos factos considerados provados ou o resultado líquido do exercício de 2009, que ascendeu já apenas cinco mil e quinhentos euros (cf. doc. 2 junto com as alegações).
E. O facto de os documentos contabilísticos terem vindo a perder actualidade não lhes retira a actualidade que tinham à data da apresentação do pedido e à data em que estava a ser peticionada à C... a prestação de uma garantia cuja prestação, a ser possível, lhe causava, como muito mais lhe causa agora, um prejuízo irreparável.
Da impugnação da matéria de facto:
F. O Tribunal a quo deu como não provados factos que resultavam provados, com clareza, da prova produzida em juízo, tendo ocorrido um erro na decisão da matéria de facto, que se impugna ao abrigo do disposto no artigo 685.°-B do CPC, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT.
G. Em concreto a alínea A) dos factos não provados resultou provada pelo depoimento da testemunha Maria… (cf. Depoimento gravado a 10:17:40 da sessão de inquirição de testemunhas realizada em 5.12.2011), que deverá passar para o elenco dos factos provados, o que aqui respeitosamente se requer, ao abrigo do disposto no artigo 712.º, n.° 1, alínea a) e n.° 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT.
H. O Tribunal a quo julgou como assente por excesso a alínea H) dos factos provados: resulta das regras da experiência comum, do próprio balanço da empresa junto como doc n.° 2 e da prova produzida em sede de inquirição de testemunhas que a necessidade de recurso ao mercado bancário da C… para o financiamento da sua actividade não se restringe à aquisição de vinhos e outras matérias-primas que realiza no mercado Espanhol.
I. Conforme resulta do depoimento da testemunha Fernando Oliveira (cf. depoimento gravado a 9:39:21 da sessão de inquirição de testemunhas em 5.12.2011), a C... precisa de recorrer ao crédito bancário para poder fazer aquisições de mercadorias, principalmente em Espanha, o que não retira que noutras aquisições, e para o financiamento da sua actividade corrente e pagamento de salários, não necessite, igualmente de financiamentos externos.
J. Este facto é, ademais, evidenciado pelas dificuldades de tesouraria que ressaltam do doc. n.° 2 junto com as alegações finais, donde consta um passivo exigível a curto prazo no montante de €64.568.719,83, quando os créditos que a C... detém a curto prazo, adicionados aos depósitos bancários e disponibilidades em caixa, ascendem à quantia de €47.810.061,62 (€47.042.847,73 + €723.686,73 + €43.527,16), quantia esta aquém do montante das referidas dividas de curto prazo, as quais só podem ser cumpridas, pois, mediante o recurso ao financiamento externo da tesouraria.
K. Ao abrigo do disposto no artigo 712.°, n.° 1, alínea a) e n.° 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.0, alínea e) do CPPT, igualmente se requer a este Venerando Tribunal se digne alterar a alínea H) dos factos provados, retirando-lhe a referência a «que realiza no mercado Espanhol.», ficando a redacção final de tal alínea dos factos provados nos seguintes termos propostos: «A Reclamante necessita de recorrer ao mercado bancário para o financiamento da sua actividade, mormente no que respeita à aquisição de vinhos e outras matérias-primas necessárias à sua laboração».
Da insuficiência da matéria de facto dada como provada e não provada:
L. O Tribunal a quo, na fixação dos factos dados como provados ou não provados, não elencou todo um conjunto de factualidade que é relevante para a decisão da causa, na exacta medida em que se reporta directamente aos pressupostos de que depende o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia e sobre a qual as testemunhas ouvidas se pronunciaram,
M. O Tribunal a quo seleccionou um conjunto de factos - que, ademais, não foram alegados por nenhuma das partes -, olvidando, talvez, muitos outros que, relacionados com tais factos, resultaram claramente provados nos autos, conforme se fez notar em sede de alegações finais escritas, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
N. Em face da prova produzida, nomeadamente, perante a inquirição de testemunhas realizada e em face dos restantes elementos dos autos, impunha-se dar como assente, ainda, pelo menos que:
- Não foram praticados pela C... quaisquer actos voluntariamente dirigidos à diminuição da sua capacidade patrimonial, com ou sem o intuito de diminuir a garantia dos seus credores - cf. artigo 49º da petição de reclamação que dá causa aos presentes autos e depoimentos das testemunhas Fernanda… (cfr. depoimento gravado a 9:39:21 da sessão de inquirição de testemunhas em 5.12.2011) e Nelson… (cf. depoimento gravado a 10:5145 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011).
- A exigência de mais garantias à C..., com a diminuição do seu tecto de crédito e do agravamento da remuneração do mesmo, causa evidentes transtornos para o desenvolvimento da actividade comercial, podendo paralisá-la e conduzir a urna situação de insolvência. - cf. artigo 28.° da petição de reclamação que dá causa aos presentes autos e depoimento da testemunha Fernanda… (cfr. depoimento gravado a 9:39:21 da sessão de inquirição de testemunhas de 9.12.2011)
- A alienação dos bens imóveis da C..., ocorrida nos anos de 2005 e 2006, não revestiu um qualquer acto de dissipação de património, estando tal operação de alienação enquadrada no âmbito de uma reestruturação do grupo em que a C... se insere. - cf. depoimento testemunha Fernanda… (cf. depoimento gravado a 9:39:21 da sessão de inquirição de testemunhas em 5.12.2011) e Nelson… (cf. depoimento gravado a 10:51:45 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.7011) e, bem assim, estudo de reestruturação de grupo, realizado pela consultora Ernst & Young, de Julho de 2002.
- Esta operação de reestruturação já se encontrava a ser discutida e pensada em relação ao grupo de empresas em que se insere a C... desde data anterior à entrada da testemunha Nelson… no grupo, que, como o mesmo fez notar, ocorreu no ano de 2000. - cf. depoimento gravado a 10:51:45 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011.
- Os imóveis foram alienados a preços de mercado, tendo a C… recebido o correspectivo preço então pago, conforme fizeram notar as testemunhas Fernanda… e Nelson…. - cf. depoimentos gravados, respectivamente, a 9:39:21 e 10:51:45 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011.
- A C... não detém quaisquer bens imóveis - cf depoimento da testemunha Fernanda…. - cfr. depoimento gravado a 9:39:21 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011.
- A situação económico-financeira da C... tem-se deteriorado desde a data da apresentação da petição de reclamação judicial que dá causa aos presentes autos até à presente data. - cfr. depoimento - cf. depoimento das testemunhas Fernanda… e Maria…, respectivamente, a 9:39:21 e 10:17:40 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011.
- A mais antiga das dívidas que se encontra a ser exigida à C... nos múltiplos processos de execução fiscal ao abrigo dos quais lhe está a ser exigida, num só momento, a prestação de garantias remonta ao ano de 2003. - cfr. datas de vencimento constantes da certidão das dívidas fiscais, emitida pelo Serviço de Finanças de Tondela, junta, na versão mais actualizada, como documento n.° 1 com as alegações finais.
O. Estes factos, conjugados com a restante matéria assente, impunham uma decisão diferente daquela que veio a ser, a final, proferida: impunham a procedência do pedido de dispensa de prestação de garantia por preenchimento legal do requisito de prejuízo irreparável que advém da prestação de mais esta garantia e falta de responsabilidade por tal situação, que ora se requer.
Da prova dos requisitos previstos no artigo 52.°, n.° 4, da LGT:
- a prova da falta de responsabilidade na insuficiência de bens
P. Atentos os elementos dos autos e a prova produzida, outra não podia ser a conclusão senão a de que efectivamente não foram praticados actos de dissipação de património e, como tal, a C... não tem responsabilidade pela insuficiência de bens para o efeito.
Q. Do depoimento das testemunhas Fernanda… e Nelson… resultou claro que a alienação dos bens imóveis da C..., ocorrida nos anos de 2005 e 2006, não revestiu um qualquer acto de dissipação de património com intuito de diminuir a garantia de credores: tal operação de alienação enquadrou-se no âmbito de uma reestruturação do grupo em que a C... se insere, pretendendo-se com essa operação centralizar os imóveis nas empresas do ramo imobiliário do grupo e concentrar a C... no desenvolvimento do seu core business: o comércio por grosso de vinho.
R. Esta operação de reestruturação teve por base um estudo elaborado pela consultora Ernst & Young (cuja cópia, datada de Julho de 2002, foi junta aos presentes autos em 15.12.2011) e já se encontrava a ser discutida e pensada em relação ao grupo de empresas em que se insere a C... desde data anterior à entrada da testemunha Nelson… no grupo, que, como a mesma fez notar, ocorreu no ano de 2000 - cfr. depoimento gravado a 10:51:45 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011.
S. Os imóveis foram alienados a preços de mercado, tendo a C... recebido o correspectivo preço então pago, conforme fizeram notar as testemunha Fernanda… e Nelson… - cfr. depoimentos gravados, respectivamente, a 9:39:21 e 10:51:45 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011.
T. Do ponto de vista comercial e de gestão de negócio esta alienação, efectuada já nos distantes anos de 2005 e 2006, mostrou-se vantajosa e plenamente justificada, integrando uma legítima opção de gestão por parte da direcção do grupo, pelo que não lhe poderá ser emprestado um qualquer intuito ou conotação com actos de dissipação de bens!
U. A dívida em questão nos autos remonta ao ano de 2008 e início de 2009, sendo certo que a mais antiga das dívidas exequendas dos múltiplos processos em que se encontra a ser peticionada, num só momento, à C..., a prestação de garantias (em montantes que, só a título de capital, ascendem a 30 milhões de euros), remonta ao ano de 2003 - cfr. certidão das dívidas fiscais e respectivas datas de vencimento, junta como documento n.° 1 com as alegações finais;
V. O projecto de reestruturação em questão, que já vinha sendo idealizado desde, pelo menos, o ano 2000 e cujo estudo foi apresentado pela consultora Ernst & Young no ano de 2002 - cf. alínea P) dos factos provados -, é bem anterior tanto à dívida dos presentes autos, como à mais antiga das dívidas em questão.
W. A operação de reestruturação prolongou-se no tempo até à efectivação, no que aqui interessa, da alienação dos imóveis às empresas imobiliárias do grupo então construído no ano de 2005 e 2006.
X. Qualquer operação de reestruturação, com constituição de um grupo de sociedades, transferências de activos, obrigações contratuais, questões relativas aos mercados em que as empresas se inserem ou questões relativas aos trabalhadores, demora o seu tempo a ser limada e implementada, prolongando-se por um alargado período tempo, como resulta do mais comum - e do mais esclarecido - dos sensos.
Y. Não se tem verificado qualquer venda de património da C... desde a referida reestruturação em 2005 e 2006 – cfr.. depoimento das testemunhas Fernanda… (cf. depoimento gravado a 9:39:21 da sessão de inquirição de testemunhas em 5.12.2011) e Nelson… (cfr. depoimento gravado a 10:51:45 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011)
Z. Atentando-se no balanço definitivo do exercício de 2009, junto como doc. n.° 2 com as alegações dos presentes autos, e comparando os valores do activo líquido da C... nos exercícios de 2008 (€84.457.638,45) e 2009 (€89.523.169,97), facilmente se verifica que, de um ano para o outro, o montante do activo tanto não diminui como, aliás, aumentou!
AA. Não pode senão concluir-se pela inexistência de actos de dissipação de património com o intuito de diminuir a garantia de credores: simplesmente se revela manifestamente insuficiente tudo aquilo que presentemente - e, com efeito, desde há vários anos - a C... tem à sua disposição no seu activo patrimonial para fazer face ao montante global das quantias exequendas, acrescidas de juros, custas e, ainda, do acréscimo de 25% da soma daqueles valores, cuja garantia lhe está a ser peticionada, ao mesmo tempo (ao longo dos dois últimos anos), nos diversos processos de execução fiscal já referidos.
BB. A prova de um facto negativo traduz-se numa dificuldade acrescida de prova que deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito. (cf., neste sentido, Ac. STA, de 17.12.2008, proferido no processo 0327/08, disponível em www.dgsi.pt).
CC. A C... procurou demonstrar este facto negativo através da enunciação de factos positivos, como as razões pelas quais se verifica a insuficiência de tudo aquilo que presentemente a C... tem à sua disposição para fazer face a garantias a prestar no valor global das execuções em causa - que ascende a mais de €35.000.000,00 - cf. alínea H) dos factos provados.
DD. A C... não praticou quaisquer actos voluntariamente dirigidos à diminuição da sua capacidade patrimonial, não praticou qualquer acto de dissipação de bens existentes no seu património, não diminuiu censuravelmente a garantia dos seus credores;
EE. A prestação de garantias em montantes que rondarão os 45 milhões de euros (relembre-se que, nos termos legais, a garantia é prestada pelo valor do quantia exequenda, juros, custas e acréscimo de 25% da soma daqueles montantes) paralisa a actividade de uma empresa e causa-lhe um prejuízo irreparável ou insolvência.
- a prova do prejuízo irreparável pela prestação de garantia:
FF. No que se refere à irreparabilidade dos prejuízos decorrentes da prestação de garantias, a C..., caso não seja dispensada da prestação de garantia, poderá, com grande probabilidade, ser conduzida para uma situação de asfixia financeira e subsequente insolvência.
GG- A C... atravessa uma difícil situação financeira.
HH. A C... encontra-se a ser executada em diversos processos de execução fiscal que correm termos no serviço de Finanças de Tondela, cujo montante global das respectivas quantias exequendas ascende a cerca de €29.517.726,21 (montante que, caso seja adicionado ao total de juros calculados, ascende a €35.073.038,61), montante este que acresce ao passivo exigível de cerca de €81.552.864,74.
II. A C... prestou já uma garantia bancária, no montante de €3.131.919,55, à ordem do Serviço de Finanças de Tondela, no processo de execução fiscal n.° 2704200701014625, assim, como garantias noutros processos de execução fiscal, num total global de €4.056.467,44 - cf. Página 10 do doc. 2 junto com as alegações finais escritas, a alínea 1) dos factos provados e doc. 8 junto com a petição de reclamação que dá causa aos autos.
JJ. O que por si só é significativo - não pelo número de garantias prestadas, mas pelo montante das garantias prestadas -, sendo revelador da incapacidade da C... para prestar mais garantias nos múltiplos processos de execução pendentes e demonstrativo da irreparabilidade do prejuízo que a prestação de outras garantias - se possível - lhe causaria, face ao elevado montante a que ascendem a globalidade das respectivas quantias exequendas — cf. Ac. STA de 2.03.2005, proc. 101/05.
KK. É diferente ter um elevado volume de negócios de ter lucro efectivo ou liquidez (a este propósito, relembra-se que resultou provados nos autos que, por exemplo, no exercício de 2010, a C... teve avultados prejuízos (superiores a um milhão de euros) e, no exercício anterior havia tido um resultado líquido de apenas cinco mil e quinhentos euros - cfr. alínea L) dos factos provados e documento n.° 2 junto com as alegações escritas.
LL. Ter contabilizadas imobilizações corpóreas num valor próximo dos 5 milhões de euros está longe de significar dispor de bens nesse montante para dar em garantia: Confrontando o mesmo balanço (cf. doc. 2), verifica-se que esse montante de activo bruto traduz-se num activo líquido de perto de apenas oitocentos mil euros, em termos contabilísticos, para além de que tais imobilizações não consubstanciam quaisquer imóveis, mas benfeitorias realizadas nos imóveis que foram, in illo tempore, alienados e que ficaram contabilizadas na C....
MM. A dispersão temporal dos processos de execução é irrelevante para efeitos da consideração da impossibilidade de prestação de garantia e irreparabilidade do prejuízo que a mesma causa, porquanto na esmagadora maioria desses processos só agora - nos últimos dois anos - tem a C... sido notificada para prestar garantia - aliás, diga-se que os múltiplos processos similares ao presente, que o Tribunal a quo bem conhece e tantas vezes invoca na sentença de que ora se recorre, que se encontram pendentes, são elucidativos de tal facto.
NN. As quantias exequendas dos processos de execução fiscal ascendem a um tal montante global (lembre-se, mais de €30.000.000,00, sendo certo que a prestação das garantias deverá ser feita por este montante, acrescido de juros de mora, custas e do acréscimo legal de 25% da soma de tais valores, tudo nos termos do disposto no artigo 199.º, n.° 5, do CPPT), que é forçoso concluir que, ainda que a C... fosse notificada gradualmente para prestar as referidas garantias - o que não sucede, in casu - e não sendo dispensada da prestação das mesmas, com grande probabilidade seria conduzida para uma situação de asfixia financeira e subsequente insolvência - um prejuízo irreparável.
OO. A C... necessita de recorrer ao mercado bancário para o financiamento da sua actividade (o que é facilmente perceptível através das dificuldades de tesouraria evidenciadas no documento n.° 2, donde consta um passivo exigível a curto prazo no montante e €64.568.719,83, quando os créditos que detém a curto prazo, adicionados aos depósitos bancários e disponibilidades em caixa, ascendem à quantia de €47.810.061,62 (€47.042.842,73 + €723.686,73 + €43.527,16), quantia esta aquém do montante das referidas dívidas de curto prazo, as quais só podem ser cumpridas, pois, mediante o recurso ao financiamento externo da tesouraria e conforme decorre da alínea H) dos factos provados.
PP. A C..., caso deixe de ter acesso ao financiamento e às garantias bancárias que usa necessária e habitualmente no seu giro comercial por imposição dos seus fornecedores, obrigatoriamente irá sofrer uma paralisação da sua actividade, o que redundará na sua insolvência.
QQ. A mesma hipótese se colocará caso sejam dados em garantia os bens comercializados pela C... - o vinho armazenado, pois que, assim, a C... ficaria impossibilitada de efectuar negócios jurídicos sobre os mesmos e a sua actividade comercial ficaria paralisada, o que conduziria inevitavelmente à sua insolvência - um prejuízo irreparável;
RR. O mesmo sucederia caso fossem dados em garantia os créditos sobre clientes, uma vez que a C... necessita de realizá-los de forma a obter fundo de maneio para a sua actividade corrente - novas aquisições de vinhos e honrar compromissos decorrentes de custos com mão-de-obra, água, electricidade, combustíveis, transportes, matérias para preparação dos vinhos, e encargos com a remuneração da dívida e com a sua amortização.
SS. A insolvência da C..., pela sua própria natureza, como é do conhecimento comum, encerrará um prejuízo manifestamente elevado, de grau não imediatamente apreensível e não computável em termos monetários, preenchendo, sem margem para dúvidas, o conceito de prejuízo irreparável exigido no n.° 4 do artigo 52° da LGT, pois que para além de sofrer prejuízos incalculáveis, ficará impossibilitada de prosseguir com a sua actividade, ou seja, a actividade da C... não poderá ser reposta no seu status quo ante, ficando, de facto, vedado o seu regresso a actividade
TT. A própria Administração Fiscal, no Ofício n.° 60.077, de 29.07.2010, da DGCI, ao concretizar o conceito de prejuízo irreparável para efeitos do deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, explica que:
«O carácter irreparável dos prejuízos deve traduzir-se numa situação de diminuição dos proveitos resultantes da actividade desenvolvida pelo executado. Este, em resultado dos encargos financeiros impostos pela prestação da garantia, deixa de poder fazer face aos compromissos económico-financeiros de que depende a manutenção e desenvolvimento da actividade económica por si levada a cabo, resultante do decréscimo ou interrupção dessa actividade.» [sublinhado nosso].
UU. Atenta a avultadíssima quantia a que ascendem os diferentes processos de execução - que, aliás, devem ser vistos como um todo, estão a ser exigidas num mesmo momento temporal -, é manifesto que os encargos financeiros decorrentes da prestação de mais uma garantia pela C... (quer seja garantia bancária, quer penhor sobre vinho, quer penhor sobre os créditos sobre clientes quer outro), no contexto económico-financeiro da empresa que vimos de explicar, necessariamente impossibilita a C... de fazer face aos Compromissos de que depende a manutenção e desenvolvimento da actividade económica por si levada a cabo, o que consubstancia, sem margem para dúvidas, uma situação de prejuízo irreparável que, nos termos legais, justifica a dispensa de prestação de garantia que se requer.
VV. Ao não deferir a pretensão da Reclamante, o Tribunal a quo fez tábua rasa da prova produzida em juízo pela C... que, inevitavelmente, conduzem a uma decisão diferente daquela que veio a ser proferida, violando o disposto no artigo 52.°, n.° 4, da LGT.».
O recorrido Instituto da Vinha e do Vinho IP apresentou contra-alegações que concluiu do seguinte modo (que se transcreve):
A) «A banca não tem recusado ultimamente a emissão de garantias bancárias, embora se verifique uma redução dos plafonds» conforme afirma peremptoriamente a primeira testemunha inquirida - cfr. depoimento da primeira testemunha arrolada pela ora Recorrente.
B) Andou bem o Tribunal a quo ao dar como não provado o facto assente na alínea A) dos factos indicados como provados na sentença recorrida já que o ónus da prova dos factos alegados cabe à parte que os alegou, devendo o eventual non liquet relativamente à prova produzida ser decidido contra a parte que invocou o facto nos termos do artigo 516.° do Código de Processo Civil.
C) Como resulta da redacção da alínea (J) dos factos dados como provados, as aquisições no mercado espanhol são oferecidas como exemplo das necessidades de financiamento bancário da ora Recorrente - o único exemplo, aliás, a que se referiram as testemunhas arroladas, como também consta da nota à alínea G) dos factos dados como provados - não considerando limitada a esta realidade as necessidades de financiamento da Recorrente junto da Banca.
D) Não merece qualquer censura a matéria de facto dada como provada na alínea G) do capítulo da sentença dedicado aos factos provados, não se vislumbrando qualquer necessidade na sua alteração.
E) Uma análise dos «factos» que a Recorrente pretende ver incluídos na matéria de facto, depressa permite concluir que estes contêm somente juízos de valor da Recorrente perante os factos já dados como provados ou não provados na sentença recorrida.
F) A Recorrente pretende ela própria seleccionar - como acusa o Tribunal a quo de fazer - um determinado conjunto de factos, amputando a sentença dos factos que lhe são desfavoráveis e que também foram dados como provados.
G) A título de exemplo, veja-se o «facto» que a Recorrente pretende incluir na matéria de facto, indicado a fls. 10 das suas alegações de recurso onde pode ler-se que «a situação económico-financeira da C... tem-se deteriorado desde a data da apresentação da petição de reclamação judicial que dá causa aos presentes autos até à presente data» (cit.).
H) Esse «facto» encontra-se já plasmado na sentença recorrida, nomeadamente nas alíneas K), L) e M) dos factos dados como provados na sentença recorrida, de onde resultam (i) que a recorrente apresentou prejuízos em 2010; (ii) que se verifica uma diminuição das vendas desde há cerca de dez anos; e que (iii), no mercado interno, que representa cerca de 50% do peso da actividade da Recorrente se vêm verificando dificuldades na cobrança junto dos clientes.
I) Do mesmo modo, foi também dado como provado nas alíneas J) e K) que (i) as taxas cobradas pelo IVV têm um valor de € 0,0135 por litro vendido (sendo que, naturalmente, o IVV não cobra quaisquer taxas sobre produtos vínicos não comercializados); e (ii) que a Recorrente apresentou lucros nos exercícios de 2005 a 2009.
J) De onde resulta que não existem quaisquer outros factos susceptíveis de serem incluídos na matéria de facto dada como provada e como não provada, devendo a sentença recorrida ser integralmente mantida
K) A ora Recorrente não provou - como lhe cabia - a existência de prejuízo irreparável ou a falta de meios económicos para prestar a garantia necessária à suspensão do processo de execução fiscal em curso.
L) Apesar de alegar que a prestação de qualquer garantia (não só bancária) no processo de execução fiscal subjacente aos presentes autos poderá causar-lhe prejuízo irreparável, na medida em que a sociedade é executada em diversos processos, a Recorrente não junta quaisquer elementos probatórios que confirmem as suas afirmações.
M) Não só não é exigível à Recorrente a prestação de uma garantia bancária, podendo esta prestar qualquer garantia idónea que se afigure menos dispendiosa na sua esfera, nos termos do artigo 52.º, n.° 2 da LGT e 199.º, n.° 1 e 2 do CPPT, como os elementos factuais reunidos pelo órgão de execução fiscal e, bem assim, a prova testemunhal realizada, demonstram que a Recorrente dispõe de meios económicos suficientes para prestar a garantia solicitada.
N) A Recorrente (i) continua a integrar regularmente o giro comercial, com um volume médio de vendas anual na ordem dos 35 milhões de euros (ii) apurou resultados positivos em 2006, 2008 e 2009 (iii) afirmou, num outro processo judicial em que é parte dispor de bens suficientes para fazer face a créditos na ordem dos 35 milhões de euros; (iv) não constituiu, em 2010 qualquer provisões para a créditos de cobrança duvidosa e; (v) não lhe tem sido negada a emissão de garantias bancárias por parte das instituições de crédito, não obstante a redução dos respectivos plafonds, conforme provam os depoimentos das testemunhas arroladas pela própria Recorrente.
O) O balanço junto aos autos pela Recorrente evidencia a suficiência do activo - cujo valor se fixa em cerca de 83,5 milhões de euros - para fazer face à garantia bancária que lhe foi solicitada.
P) O referido balanço é, de resto, a única prova documental apresentada pela Recorrente para sustentar a sua tese, o que é manifestamente insuficiente para demonstrar a verificação dos pressupostos previstos no artigo 52.°, n.° 4 da LGT.
Q) A Recorrente não logra igualmente provar, como lhe cabia, que a insuficiência ou a manifesta falta de bens, entendida jurisprudencial e doutrinalmente em termos de dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores não é da sua da responsabilidade. A este propósito, a Recorrente limita-se a afirmar - sem contudo demonstrar - que não dissipou os seus bens.
R) Todas as testemunhas arroladas pela Recorrente depuseram no sentido de que a Recorrente alienou, em 2005 e 2006 todo o património imobiliário de que dispunha a uma empresa do grupo de sociedades a que pertence.
S) A primeira testemunha arrolada pela Recorrente afirmou inclusivamente que a transferência do imobilizado foi subsequente à decisão de deixar de pagar as taxas de promoção ao IVV.
T) A prova produzida evidencia uma redução intencional do património da Recorrente, apta a reduzir as garantias dos credores.
U) Como é pacífico na jurisprudência, «a eventual dificuldade que possa resultar para o executado de prova o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo, sendo sobre o executado que pretenda a dispensa de garantia, invocando explicita ou implicitamente o respectivo direito, que recais o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido» - cfr. Acórdão do STA de 9 de Dezembro de 2009, proferido no processo n°03621/09 (cit.).
V) Decorre, sem margem para dúvidas, que a Recorrente não provou qualquer dos pressupostos de que depende o deferimento do seu pedido de dispensa de prestação de garantia, pelo que despacho reclamado não merece qualquer censura, devendo ser mantido.»
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Questões a decidir:
- Saber se o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento da matéria de facto.
- Saber se o Tribunal recorrido errou o julgamento de direito ao considerar que o reclamante ora recorrente não fez prova dos pressupostos de que depende a dispensa da prestação da garantia.
2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.1. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu deu como provados os seguintes factos:
A) O Serviço de Finanças de Tondela, com base em certidão de dívida emitida pelo IVV respeitante a taxas de promoção dos meses de Dezembro de 2008 a Fevereiro de 2009 e respectivos juros moratórios, no montante global de 73 734,46€, instaurou, em 2009-07-29, contra a ora Reclamante, o processo de execução fiscal n. ° 2704200901009974, cfr. cabeçalho da reclamação constante de fls. 3 destes autos e fls. 1 e segs. do I volume dos autos apensos identificados como reclamação nº 1140/09.6B mas que incorporam o processo executivo em causa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido o mesmo se dizendo dos demais documentos infra referidos;
B) Por via de Reclamação de actos do chefe que tomou o nº 1140/09.6B os aludidos autos de execução foram remetidos a este Tribunal em 11-08-2009 e apenas regressaram ao Órgão de Execução Fiscal, depois de por via de recurso terem subido ao STA, em 25 de Junho de 2010, vide fls. 47 a 212 dos referidos autos apensos;
C) Em 29/07/2010, porque foi notificada em 19-07-2010 para em quinze dias prestar garantia no montante de € 104 740,98, apresentou requerimento a solicitar a dispensa da prestação de garantia referindo que, por não se conformar com os fundamentos que alicerçaram a emissão das liquidações que originaram a dívida exequenda, instaurou impugnação e oposição, sendo esta com o nº 1182/09,1Bevis; que pretende suspender os presentes autos de execução até à prolação de uma decisão judicial transitada em julgado, sendo que a mera apresentação daqueles processos não tem por si só efeito suspensivo, para tal necessário será a constituição de garantia ou a dispensa da mesma; a prestação de garantia provocará prejuízo irreparável na actividade da Requerente dado o acesso ao crédito bancário ser muito difícil e caro; ter já prestado garantia noutros processos executivos no valor global de € 3 131 919,55; por força de uma divergência com o IFAP e IVV encontra-se a ser executada noutros processos cujo montante global ascende a cerca de € 24 631 749,12; se tiver que prestar outra garantia “outro caminho não restaria que não fosse o de se apresentar à insolvência”, cfr. fls. 217 a 233 dos autos apensos;
D) O Órgão de Execução Fiscal elaborou projecto de decisão sobre o pedido de isenção de garantia no sentido de não atender ao requerido porque:
a requerente não faz a prova documental necessária à comprovação dos factos alegados na sua petição, limitando-se à transcrição de generalidades relacionadas com uma situação patrimonial debilitada, dificuldades em acesso ao crédito… que não comprova e, por isso mesmo, inadequadas e insuficiente para a satisfação do exigido pelo nº 3 do artigo 170º do CPPT.
Neste contexto não se deverá deixar de enfatizar, pela sua relevância, o contraste significativo entre as dificuldades alegadas na petição e as alegações produzidas pela executada no Tribunal Judicial de Tondela em sede de contestação a impugnação pauliana… em que é afirmado, peremptoriamente, que a requerente possui activos suficiente para fazer face a créditos na ordem dos 35 milhões de euros…
Contestação apresentada em finais de 2009 e que, de 2005 em diante, e à excepção do ano de 2007 em que foi declarada uma matéria colectável negativa de € 11 861, em todos os outros anos, os resultados declarados foram claramente positivos, € 143 951, em 2006, €374 405 em 2008 e €287 070 em 2009.”
Respondeu a Reclamante: sobre a alegada falta de prova documental disse que a dificuldade de acesso ao crédito é facto notório não carecendo de prova; o elevado valor dos montantes em dívida em todos os processos executivos pendentes, que ascende a mais de duas dezenas de milhões de euros constitui, em si mesmo, factor demonstrativo da irreparabilidade do prejuízo e, analisando a situação na sua globalidade não há incongruência entre o aqui alegado e o argumentado na contestação da acção pauliana, vide fls. 234 a 244;
E) Aludindo à argumentação vinda de referir a Entidade Reclamada proferiu despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia dizendo quanto à argumentação da Reclamante: “… reiterou alguns dos argumentos já aduzidos, sem, contudo, acrescentar quaisquer dados ou factos, nomeadamente, no que concerne à comprovação documental dos que foram alegados na sua petição.
Tendo em conta que…o reclamante não traz ao processo elementos que possam conduzir à alteração da apreciação efectuada … em consonância com o meu projecto de decisão…. Indefiro o pedido.”, cfr. fls. 247;
F) Despacho notificado ao Mandatário da Reclamante em 19-10-2010 e que originou a reclamação aqui em apreciação, apresentada, via correio em 29-07-2010, a qual, no fundamental, retomou a argumentação do requerimento referido em C) e D) 2ª parte, vide fls. 248 dos autos apensos e 3 a 66 dos presentes autos.
G) Actualmente, por força da conjuntura económica, o acesso ao crédito bancário é difícil e mais caro do que se verificava até fins de 2009, princípio de 2010. Para além de ser, na generalidade em que está formulado, um facto notório, o mesmo foi também afirmado pelas testemunhas 1ª e 2ª, respectivamente TOC e escriturária da Reclamante;
H) A Reclamante necessita de recorrer ao mercado bancário para o financiamento da sua actividade, mormente, no que respeita à aquisição de vinhos e outras matérias-primas necessárias à sua laboração, que realiza no mercado Espanhol. Facto referido pelas duas já aludidas testemunhas, mas sem especificarem valores de forma a possibilitar a efectiva repercussão na Reclamante. Sempre se dirá que neste caso mais consolidada e concreta prova se obteria pela via documental pois a 1ª testemunha afirmou que a contabilidade de Reclamante está organizada de molde a fornecer elementos contabilísticos actualizados, num prazo máximo de 15 dias;
I) Tal como já se aludiu em C) a Reclamante já prestou, noutro processo executivo, garantias no valor global de € 3 131 919,55; outra garantia bancária prestou no montante de € 93 574,82 e, para além das referidas, outras garantias não bancárias prestou num total superior a € 800 000,00, vide depoimento da 1ª testemunha e fls. 16 do doc. nº 1 junto pela Reclamante em sede de alegações, que corresponde a fls. 505 do processo físico;
J) Em Janeiro de 2011 a Reclamante tinha pendentes processos de execução fiscal cujo total (quantia exequenda + juros de mora e custas) ascendia a €35 073 038,61, sendo que desta quantia cerca de €10 000 000,00 respeitam a taxas idênticas às em causa nestes autos e, mais de € 17 000 000,00 a subsídios, cfr doc. nº 1 junto pela Reclamante em sede de alegações, que corresponde a fls. 489 a 505 do processo físico;
K) As taxas vindas de aludir, resultantes de autoliquidações, correspondem a um valor de 0,0135€ por cada litro vendido, vide entre outros a certidão de fls. 5 do processo apenso 1140/09.6B e depoimento da 1ª testemunha;
L) A Reclamante no ano de 2010 apresentou prejuízos superiores a um milhão de euros sendo que nos anos anteriores, pelo menos de 2005 a 2009 apresentou resultados positivos. Os seus trabalhadores só em Novembro de 2011 receberam os salários de Agosto, Setembro e Outubro. Estes factos resultaram do depoimento das duas 1ªs testemunhas, ambas funcionárias da Reclamante. Tal como se disse em G) estes factos mais consolidados poderiam resultar se a Reclamante fornecesse, com se demonstrou que o podia fazer, elementos da sua contabilidade. Se a situação é tão débil não seria difícil demonstrá-lo contabilisticamente pois a mesma não pode deixar de ter relevância a esse nível. Relativamente aos resultados positivos a factualidade resultou do conjunto dos processos similares ao presente;
M) A diminuição das vendas é situação que se vem verificando desde há cerca de dez anos, cfr. depoimento da 2ª testemunha a qual trabalha para a Reclamante há cerca de 30 anos assumindo-se como secretária da gerência;
N) Ao nível das vendas realizadas pela Reclamante o mercado interno e o externo assumem um peso relativo idêntico ou seja cerca de 50% para cada um sendo que apenas no mercado interno se vêm colocando problemas de cobrança junto dos clientes, cfr. depoimento das duas primeiras testemunhas, fundamentalmente da segunda;
O) No âmbito de uma reestruturação do grupo de empresas em que a Reclamante se insere, nos anos de 2005 e 2006 verificou-se a alienação de imóveis daquela, os imóveis onde se situam as suas instalações, bem como vinhas, o laboratório, etc., a uma empresa do ramo imobiliário do mesmo grupo, atingindo as alienações um valor total superior a € 2 000 000,00 (dois milhões de euros) cfr. depoimento das três testemunhas, sendo que a terceira é trabalhadora da imobiliária que terá sido a adquirente dos referidos bens. Também neste caso se dirá que uma consolidação da factualidade vinda de referir se deveria ter realizado pois que, para além do que se disse nas outras alíneas, quanto à referida alienação a Reclamante tinha a especial obrigação de ter disponível uma documentação de tais negócios pois que os mesmos estão a ser judicialmente apreciados em sede de impugnação pauliana que corre termos no Tribunal Judicial de Tondela;
P) A solicitação da Reclamante a Ernst & Young apresentou estudo realizado em meados de Julho de 2001 onde apontou soluções de reestruturação para Aquela e respectivo grupo empresarial em que se insere, vide depoimento da 3ª testemunha e doc. junto pela Reclamante em sede de inquirição.
Q) Apesar da alienação vinda de referir no balanço de 31 de Dezembro de 2009 a Reclamante ainda apresenta imobilizações corpóreas num valor próximo dos € 5 000 000,00, cfr. o já aludido balanço e que de novo a Reclamante juntou com as alegações como documento nº 2;
R) O grupo em que a Reclamante se insere integra cerca de dez sociedades englobando entre outras sociedades imobiliárias, vide o depoimento das 3 testemunhas e o estudo aludido em P).
III II Factos Não provados
A) que tenha havido recusa de pedidos de garantia bancária. As duas primeiras testemunhas, as únicas que se pronunciaram sobre o encarecimento e dificultação do crédito bancário não referiram situações de recusa;
B) o valor exacto das vendas referidas em N) dos factos provados, o tempo, o modo e o como foi o respectivo preço recebido. Não olvido que as testemunhas, nomeadamente a 1ª referiu que o preço foi recebido mas é uma mera afirmação que podia e devia ser complementada, consolidada com prova documental. Podia e devia pois que, por exigência legal os referidos negócios tiveram tradução documental e tiveram que ser relevados contabilisticamente. Como supra se disse porque são factos em discussão na Impugnação Pauliana mais se exigia à Reclamante que, com prontidão pudesse obter e juntar aos autos os referidos elementos. A Reclamante, que tanto apela para os valores em causa, trata com tanta ligeireza da comprovação destes factos que, por razões não esclarecidas, não juntou qualquer documentação que atestasse o quando, o quanto, o como do recebimento pela Reclamante do preço. E mesmo quanto ao valor o depoimento das testemunhas para além de impreciso deixou dúvidas sobre o total dos valores envolvidos sendo que seriam superiores a dois milhões de euros mas a dada altura porque distinguiram os imóveis onde estão as instalações da Reclamante e as vinhas e que o valores destas e daqueles seria aproximado ficando a ideia de que podemos estar perante um valor superior a quatro milhões em vez do superior a dois milhões;
C) Que as vendas referidas em O) dos factos provados tenham resultado do estudo aludido em P) daqueles factos. Temos presente que o depoimento da 3ª testemunha aponta nesse sentido mas como compreender que entre ele as vendas tenham decorrido cerca de quatro anos. A factualidade registada não significa que não possa haver alguma ligação mas entendemos que os autos não fornecem elementos suficientes para afirmar uma decorrência directa e necessária entre aquelas e o estudo;
D) Apesar do descrito em L) dos factos provados não se apurou a concreta razão do não recebimento atempado dos salários dos meses de Agosto, Setembro e Outubro do ano de 2011. Sei que as Testemunhas, principalmente as duas primeiras, aludiram a uma relação de causa efeito entre os resultados negativos, a diminuição de vendas e a dificuldade na cobrança dos créditos mas como compreender que as vendas estão a diminuir desde há cerca de dez anos e isso tem sido compatível com a obtenção de lucros pelo menos entre 2005 a 2009; os prejuízos ocorreram em 2010 e o atraso no pagamento dos salários é de 2011. Em 2011 há perspectivas de lucro ou prejuízo? O referido atraso pode ter resultado de dificuldades de tesouraria meramente temporárias ou de muitas outras razões.
A factualidade assente, factos provados e não provados, resultou dos elementos probatórios referidos em cada alínea, não esquecendo a sua análise crítica e concatenada. Também dos referidos elementos resulta, aqui expressamente se realçando, a estranheza, a incompreensão, pelo facto de a Reclamante não apresentar elementos documentais da sua situação contabilística, nomeadamente juntando aos autos os elementos atinentes às alienações de imóveis ocorridas em 2005 e 2006; a contrapartida obtida pela Reclamante; elementos contabilísticos pelo menos do ano de 2010. Até parece que estamos a falar de uma vulgar mercearia de bairro que não possui contabilidade organizada quando efectivamente estamos a falar de uma das sociedades Portuguesas líder da venda de vinho a granel. A propósito veja-se o já aludido estudo da Ernst & Young.
Aquando da 1ª sentença queixou-se a Reclamante da não produção da prova testemunhal mas parece olvidar que possui elementos documentais que poderiam esclarecer melhor a sua situação económica e consequentemente dos fundamentos do seu pedido de dispensa de garantia. Ao se limitar a, da sua contabilidade, apenas apresentar um balanço datado de 31.12.2009, nunca referindo dificuldades em obter e juntar tais elementos, parece que não está interessada em que a sua efectiva situação contabilística seja conhecida.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.».
2.2. De direito
2.2.1. Impugnação da matéria de facto: Alínea A) dos factos não provados.
Nos factos não provados o Tribunal recorrido considerou que não tinha ficado provado que tivesse havido recusa de pedido(s) de garantia bancária, fundamentando que «as duas primeiras testemunhas, as únicas que se pronunciaram sobre o encarecimento e dificultação do crédito bancário não referiram situações de recusa».
A recorrente não concorda com o assim decidido dizendo que a testemunha Maria… referiu inclusivamente que a C... tinha vinhos comprados em que tinha de prestar garantias e que a empresa não havia conseguido prestá-las, e pede a alteração da matéria de facto de modo a que aquele passe para o elenco dos factos provados.
Ouvido o depoimento da testemunha, cuja parte relevante a recorrente transcreveu nas suas alegações, verifica-se que à testemunha é perguntado se existe algum documento de recusa de um pedido de garantia bancária e a testemunha responde que «ao Sr. A… [sócio-gerente da empresa] eles vão-lhe dando uma esperança…»; e renovada a pergunta sobre a existência de documento a testemunha responde que «Eu sei por exemplo, que nós comprámos aguardente, aliás temos vinho comprado cujas garantias tinham de ser apresentadas logo, por exemplo, a princípio de Novembro. Novembro já terminou e as garantias não foram prestadas».
Mas à frente diz a testemunha que os bancos «Estão sempre a dar uma justificação para as coisas serem proteladas e não saem, não saem, não saem.».
Analisado o depoimento desta testemunha concluímos que ela não responde directamente à questão que lhe é colocada, por duas vezes, ou seja se existe algum documento de recusa de um pedido de garantia bancária. E no que foi dizendo não aponta uma única situação em que a garantia bancária tenha sido recusada, em que apesar de solicitada ela não tenha sido dada. Indica é certo o caso da garantia para os vinhos que tinha de ser prestada até princípios de Novembro, e que ao tempo da inquirição ainda não tinha acontecido. Mas daí não se pode retirar que tenha havido uma recusa atento o tempo decorrido desde o momento em que seria necessária a garantia (inícios de Novembro) até ao dia em que teve lugar a inquirição (5 de Dezembro), pode ter havido apenas um protelamento. Tanto mais que a testemunha não disse o que aconteceu ao negócio para o qual era necessária a garantia, se tinha ficado sem efeito ou se ainda pendia à espera.
Deste modo, o depoimento da testemunha desacompanhado de mais elementos de prova é manifestamente insuficiente para que a pretensão da recorrente relativamente à alteração da matéria de facto seja atendida.
2.2.2. Impugnação da matéria de facto: Alínea H) dos factos provados por excesso “que realiza no mercado espanhol”.
O Tribunal recorrido julgou como assente, na alínea H) dos factos provados, que «A Reclamante necessita de recorrer ao mercado bancário para o financiamento da sua actividade, mormente no que respeita à aquisição de vinhos e outras matérias-primas necessárias à sua laboração, que realiza no mercado Espanhol». (sublinhado nosso)
Não se conforma a recorrente no que toca apenas ao segmento “que realiza no mercado espanhol”. Diz que não só resulta das regras da experiência comum, como do próprio balanço da empresa junto como documento n.º 2, como resultou da prova produzida em sede de inquirição das testemunhas que esta necessidade de recurso ao mercado bancário da C... para o financiamento da sua actividade não se restringe à aquisição de vinhos e outras matérias-primas que realiza no mercado Espanhol.
O Tribunal recorrido deu como provado o facto com base no depoimento das testemunhas Fernanda… e Maria….
Ora, ouvidos os depoimentos destas duas testemunhas verificamos que nenhuma delas restringe a necessidade de recurso ao mercado bancário ao caso das aquisições no mercado espanhol.
Nesta parte, assiste razão à recorrente, pelo que a alínea H) dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
“Reclamante necessita de recorrer ao mercado bancário para o financiamento da sua actividade, mormente no que respeita à aquisição de vinhos e outras matérias-primas necessárias à sua laboração”.
2.2.3. Adição de factos provados.
Defende a recorrente que em face da prova produzida, nomeadamente perante a inquirição de testemunhas realizada e em face dos restantes elementos dos autos deveriam ser dados como provados os seguintes factos:
A-Não foram praticados pela C... quaisquer actos voluntariamente dirigidos à diminuição da sua capacidade patrimonial, com ou sem o intuito de diminuir a garantia dos credores
B-A exigência de mais garantias à C..., com a diminuição do seu tecto de crédito e do agravamento da remuneração do mesmo, causa evidentes transtornos para o desenvolvimento da actividade comercial, podendo paralisá-la e conduzir a uma situação de insolvência
C-A alienação dos bens imóveis da C..., ocorrida nos anos de 2005 e 2006, não revestiu um qualquer acto de dissipação de património, estando tal operação de alienação enquadrada no âmbito de uma reestruturação do grupo em que a C… se insere”.
D-Esta operação de reestruturação já se encontrava a ser discutida e pensada em relação ao grupo de empresas em que se insere a C... desde data anterior à entrada da testemunha Nelson… no grupo que, como o mesmo fez notar, ocorreu no ano de 2000
E-Os imóveis foram alienados a preços de mercado, tendo a C... recebido o respectivo preço pago
F-A C... não detém quaisquer bens imóveis
G-A situação economómica-financeira da C... tem-se deteriorado desde a data da apresentação da petição de reclamação judicial que dá causa aos presentes autos até à presente data
H-A mais antiga das dívidas que se encontra a ser exigida à C... nos múltiplos processo de execução fiscal ao abrigo dos quais lhe está a ser exigida, num só momento, a prestação de garantias remonta ao ano de 2003
A recorrente distingue nestes factos que pretende que sejam levados ao probatório dois grupos: o primeiro, constituído pelos factos A) e B), e o segundo pelos demais.
O primeiro grupo inclui factos que foram invocados pela parte na petição inicial; os do segundo grupo não o foram.
Quanto ao primeiro grupo é manifesto que os “factos” alegados mais não são do que conclusões. Saber se “Não foram praticados pela C... quaisquer actos voluntariamente dirigidos à diminuição da sua capacidade patrimonial, com ou sem o intuito de diminuir a garantia dos credores”, há-de resultar, em primeiro lugar, do conhecimento da existência ou não de actos de alienação patrimonial; e no caso de terem existido, do(s) motivos determinante(s).
Também saber se “A exigência de mais garantias à C..., com a diminuição do seu tecto de crédito e do agravamento da remuneração do mesmo, causa evidentes transtornos para o desenvolvimento da actividade comercial, podendo paralisá-la e conduzir a uma situação de insolvência”, passa por se determinar se a prestação de garantia pela recorrente nos processos executivos implica a diminuição do tecto de crédito e o agravamento da remuneração do mesmo e se, no caso afirmativo, tal diminuição do tecto de credito e agravamento da remuneração pode paralisar a empresa e conduzir a uma situação de insolvência, o que só se pode retirar dos factos relativos à situação da empresa. Provado que fosse que a prestação da garantia causava uma diminuição do tecto de crédito e o agravamento da sua remuneração, o que teria de estar mensurado, haveria, depois, que comparar esses valores com a grandeza da recorrente para se poder concluir até que ponto tal implicaria a sua paralisação ou insolvência.
Não estando em causa factos, mas conclusões, bem andou o Tribunal recorrido ao não inclui-los no probatório, não procedendo a pretensão da recorrente.
Quanto ao segundo grupo, independentemente da avaliação que se faça da matéria em causa - se estão em causa factos ou conclusões - coloca-se a questão de se saber se pode ser levada ao probatório, dado não ter sido, como diz a recorrente, antes invocada.
A recorrente defende a sua inclusão, apesar do referido, por estarem relacionados com os factos alegados e porque o Tribunal a quo também considerou factos não alegados pelas partes.
Nos termos do artigo 664.º do Código de Processo Civil o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo da consideração dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa, dos factos notórios e dos que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções – artigos 264.º, n.º 2 e 514.º do Código de Processo Civil.
Se o Tribunal se socorre de factos que não foram articulados pelas partes, aquela que com isso for prejudicada pode recorrer impugnando a matéria de facto, com vista à sua eliminação do probatório, sendo que, se o fizer, terá de especificar os factos que questiona – artigo 685.º-B do Código de Processo Civil.
Mas se não arguir em sede de recurso a violação do disposto no artigo 664.º do Código de Processo Civil, se se conforma com a matéria assente, não pode pretender que o Tribunal de recurso acrescente ao probatório outros factos não articulados pelas partes, ainda que resultantes dos depoimentos das testemunhas e demais prova produzida nos autos, com o argumento que o Tribunal recorrido também o fez.
Se o tribunal recorrido viola as disposições legais incumbe à parte lesada em sede de recurso pugnar pelo restabelecimento da legalidade e não solicitar ao Tribunal de recurso que reincida na ilegalidade praticada pelo Tribunal recorrido, apenas porque dessa ilegalidade pode tirar vantagem.
Do que fica dito conclui-se que a pretensão da recorrente não pode ser atendida.
2.2.4. Erro de julgamento quanto aos pressupostos da dispensa de prestação de garantia
A C..., ora recorrente, formulou um pedido de dispensa de prestação de garantia ao abrigo do disposto nos artigos 52.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária e 169.º e 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com vista à suspensão do processo de execução fiscal em que é executada.
Tal pedido foi indeferido pelo órgão de execução fiscal e desta decisão interpôs a ora recorrente reclamação nos termos dos artigos 276.º e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu proferiu sentença a julgar improcedente a reclamação.
A ora recorrente não se conforma com o decidido por entender que aquele Tribunal errou ao considerar por um lado, que não estava demonstrado que a prestação de garantia causava prejuízo irreparável à ora recorrente e, por outro, que a ora recorrente não tinha comprovado que a insuficiência ou a inexistência de bens não era da sua responsabilidade.
Vejamos.
Estabelece o artigo 52.º da Lei Geral Tributária:
«1- A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenha por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem nº 90/436&CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre as empresas associadas de diferentes estados.
2- A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
(…)
4- A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação da garantia nos caso de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado».
A lei faz depender a isenção ou dispensa da prestação de garantia a requerimento do executado de dois pressupostos alternativos:
a) de a respectiva prestação causar prejuízo irreparável ao executado; ou
b) da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Admite-se, pois, a dispensa da prestação de garantia em caso de manifesta falta de meios económicos do executado, ou quando apesar de ele dispor de meios económicos suficientes, a prestação da garantia lhe cause ou lhe possa causar prejuízo irreparável.
Em qualquer dos casos a dispensa de garantia só terá lugar no caso de a insuficiência ou inexistência de bens não ser da responsabilidade do executado.
É sobre o executado que recai o ónus de alegar e provar os factos que preencham aqueles pressupostos, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido, como decorre da regra básica do ónus da prova do n.º 1 do art. 342.º do Código Civil, adoptada também no âmbito do procedimento tributário, por força do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, em que se estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque». De resto, o n.º 3 do art. 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário aponta no mesmo sentido, ao estabelecer que o pedido deve ser instruído com a prova documental necessária, o que pressupõe que toda a prova relativa a todos os factos que têm de estar comprovados para ser possível dispensar a prestação de garantia seja apresentada pelo executado, instruindo o seu pedido, pois a prova de todos esses elementos é necessária para o deferimento da sua pretensão – Cfr. Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 17-12-2008, processo n.º 327/08.
Tendo a ora recorrente formulado o pedido de isenção com base no prejuízo irreparável que a prestação da garantia lhe causaria, o Tribunal recorrido entendeu a recorrente não havia feito a necessária prova do alegado.
Considerou aquele Tribunal que «O enfoque argumentativo da Reclamante incidiu sobre a garantia bancária como se fosse o único tipo de garantia e mesmo quanto a essa argumentação incidiu sobre a notoriedade da dificuldade e encarecimento do crédito bancário». E ainda que «A prova produzida, que como já se disse foi fundamentalmente testemunhal não permitiu provar, por exemplo, os custos de prestação das garantias bancárias.». Ponderou também que «Os montantes objecto de execução fiscal que rondaram os 35 000 000 respeitam a processos instaurados entre 1999 e 2009 e, mais de dois terços, mais de vinte e sete milhões de euros (€27 000 000,00), respeitam a subsídios públicos recebidos pela Reclamante e taxas do IVV autoliquidadas ou liquidadas oficiosamente e que respeitam a cada litro de vinho comercializado (0,0135€ por litro, vide certidão de dívida constante de fls. 3)».
Contra-argumenta a recorrente que «A prestação de garantias em montantes que rondarão os 45 milhões de euros (relembre-se que, nos termos legais, a garantia é prestada pelo valor do quantia exequenda, juros, custas e acréscimo de 25% da soma daqueles montantes) paralisa a actividade de uma empresa e causa-lhe um prejuízo irreparável ou insolvência», «a C..., caso não seja dispensada da prestação de garantia, poderá, com grande probabilidade, ser conduzida para uma situação de asfixia financeira e subsequente insolvência», «A C... atravessa uma difícil situação financeira»,«encontra-se a ser executada em diversos processos de execução fiscal que correm termos no serviço de Finanças de Tondela, cujo montante global das respectivas quantias exequendas ascende a cerca de €29.517.726,21 (montante que, caso seja adicionado ao total de juros calculados, ascende a €35.073.038,61), montante este que acresce ao passivo exigível de cerca de €81.552.864,74»,«prestou já uma garantia bancária, no montante de €3.131.919,55, à ordem do Serviço de Finanças de Tondela, no processo de execução fiscal n.° 2704200701014625, assim, como garantias noutros processos de execução fiscal, num total global de €4.056.467,44», «É diferente ter um elevado volume de negócios de ter lucro efectivo ou liquidez (a este propósito, relembra-se que resultou provados nos autos que, por exemplo, no exercício de 2010, a C... teve avultados prejuízos (superiores a um milhão de euros) e, no exercício anterior havia tido um resultado líquido de apenas cinco mil e quinhentos euros», «Ter contabilizadas imobilizações corpóreas num valor próximo dos 5 milhões de euros está longe de significar dispor de bens nesse montante para dar em garantia», «A dispersão temporal dos processos de execução é irrelevante para efeitos da consideração da impossibilidade de prestação de garantia e irreparabilidade do prejuízo que a mesma causa, porquanto na esmagadora maioria desses processos só agora - nos últimos dois anos - tem a C... sido notificada para prestar garantia», «As quantias exequendas dos processos de execução fiscal ascendem a um tal montante global (lembre-se, mais de €30.000.000,00, sendo certo que a prestação das garantias deverá ser feita por este montante, acrescido de juros de mora, custas e do acréscimo legal de 25°/o da soma de tais valores, tudo nos termos do disposto no artigo 199.º, n.° 5, do CPPT), que é forçoso concluir que, ainda que a C... fosse notificada gradualmente para prestar as referidas garantias - o que não sucede, in casu - e não sendo dispensada da prestação das mesmas, com grande probabilidade seria conduzida para uma situação de asfixia financeira e subsequente insolvência - um prejuízo irreparável», «A C... necessita de recorrer ao mercado bancário para o financiamento da sua actividade (o que é facilmente perceptível através das dificuldades de tesouraria evidenciadas no documento n.° 2, donde consta um passivo exigível a curto prazo no montante e €64.568.719,83, quando os créditos que detém a curto prazo, adicionados aos depósitos bancários e disponibilidades em caixa, ascendem à quantia de €47.810.061,62 (€47.042.842,73 + €723.686,73 + €43.527,16), quantia esta aquém do montante das referidas dívidas de curto prazo, as quais só podem ser cumpridas, pois, mediante o recurso ao financiamento externo da tesouraria)», «A C..., caso deixe de ter acesso ao financiamento e às garantias bancárias que usa necessária e habitualmente no seu giro comercial por imposição dos seus fornecedores, obrigatoriamente irá sofrer uma paralisação da sua actividade, o que redundará na sua insolvência», «A mesma hipótese se colocará caso sejam dados em garantia os bens comercializados pela C... - o vinho armazenado, pois que, assim, a C... ficaria impossibilitada de efectuar negócios jurídicos sobre os mesmos e a sua actividade comercial ficaria paralisada, o que conduziria inevitavelmente à sua insolvência - um prejuízo irreparável», «O mesmo sucederia caso fossem dados em garantia os créditos sobre clientes, uma vez que a C... necessita de realizá-los de forma a obter fundo de maneio para a sua actividade corrente - novas aquisições de vinhos e honrar compromissos decorrentes de custos com mão-de-obra, água, electricidade, combustíveis, transportes, matérias para preparação dos vinhos, e encargos com a remuneração da dívida e com a sua amortização», «A insolvência da C..., pela sua própria natureza, como é do conhecimento comum, encerrará um prejuízo manifestamente elevado, de grau não imediatamente apreensível e não computável em termos monetários, preenchendo, sem margem para dúvidas, o conceito de prejuízo irreparável exigido no n.° 4 do artigo 52° da LGT, pois que para além de sofrer prejuízos incalculáveis, ficará impossibilitada de prosseguir com a sua actividade, ou seja, a actividade da C... não poderá ser reposta no seu status quo ante, ficando, de facto, vedado o seu regresso a actividade», «Atenta a avultadíssima quantia a que ascendem os diferentes processos de execução - que, aliás, devem ser vistos como um todo, estão a ser exigidas num mesmo momento temporal -, é manifesto que os encargos financeiros decorrentes da prestação de mais uma garantia pela C... (quer seja garantia bancária, quer penhor sobre vinho, quer penhor sobre os créditos sobre clientes quer outro), no contexto económico-financeiro da empresa que vimos de explicar, necessariamente impossibilita a C... de fazer face aos Compromissos de que depende a manutenção e desenvolvimento da actividade económica por si levada a cabo, o que consubstancia, sem margem para dúvidas, uma situação de prejuízo irreparável que, nos termos legais, justifica a dispensa de prestação de garantia que se requer».
Como acima ficou referido, cabe ao executado alegar e provar os factos dos quais se possa concluir pelo prejuízo irreparável.
Atenta a factualidade provada não se vislumbra que a sentença recorrida mereça qualquer censura no juízo feito.
Propôs-se a recorrente demonstrar que a prestação de garantia iria provocar a paralisação da empresa e mesmo a sua insolvência, o que traduziria o prejuízo irreparável que serve de fundamento ao pedido de dispensa da prestação de garantia.
Mas nenhum dos factos provados aponta nesse sentido.
A recorrente argumentou realçando a dificuldade e mesmo impossibilidade de obter garantia bancária, mas o certo é que não ficou provado que os bancos tenham recusado os pedidos da recorrente, nem que a prestação da garantia vá agravar as dificuldades que a recorrente diz já sentir na obtenção das garantias bancárias necessárias ao seu giro comercial.
Também não resulta do probatório, como refere a sentença recorrida, quais as despesas que acarretaria a garantia bancária (o que aliás nunca foi alegado pela recorrente), o que impossibilita avaliar o impacto que teria na situação económica-financeira da empresa. Diga-se a propósito, que a recorrente fala das garantias bancárias a prestar neste e noutros processos de execução fiscal e realça sistematicamente o valor total das prestadas e a prestar, como se a prestação da garantia bancária implicasse para a recorrente possuir e/ou dispor de imediato do valor das garantias, o que não resulta do probatório.
Defendeu a recorrente que não poderia dar de garantia os bens por si comercializados - o vinho armazenado – pois ficaria impossibilitada de efectuar negócios jurídicos sobre os mesmos e a sua actividade comercial ficaria paralisada, o mesmo sucedendo caso fossem dados os créditos sobre os clientes uma vez que necessita de realizá-los de forma a obter fundo de maneio para a sua actividade corrente. Mas não se nos afigura que a consequência de dar em garantia os bens por si comercializados ou os créditos sobre clientes seja necessariamente essa. Tudo dependerá do valor dos bens comercializados bem como dos créditos sobre os clientes, em contraponto com o valor da garantia a prestar. E o que importa é o montante da garantia a prestar nestes autos, e não noutros, pois não se pode hoje avaliar o prejuízo decorrente da prestação da garantia, fazendo um juízo de probabilidade, com base em dados hipotéticos, pois ainda que a recorrente tenha sido notificada para prestar garantia noutros processos, tal não significa que as vá prestar. Ora, a garantia a prestar nestes autos é no montante de € 104 740,98, e só o imobilizado da recorrente, ronda os cinco milhões de euros, como é referido na sentença recorrida.
Mas as garantias possíveis e legalmente admissíveis não se esgotam nas apontadas pela recorrente. Nos termos do artigo 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para o qual remete implicitamente o artigo 169.º do mesmo Código, a garantia pode ser constituída por qualquer meio que assegure os créditos do exequente – cfr. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 18-01-1012, processo n.º 2615/11.2BEPRT; de 30-11-2011, processo n.º 1423/11.5BEPRT; de 23-11-2011, processo n.º 1497/11.9BEPRT. e ainda Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª edição, Vol. III, nota 2 ao artigo 199.º, p. 411.
Como defende a exequente nas suas contra-alegações, outras possibilidades existem como a prestação de caução, seguro-caução, aval, fiança, por parte de uma das sociedades do grupo de que faz parte a recorrente ou da constituição de hipoteca sobre o imobilizado também detido pelo grupo, e sobre elas a recorrente nada disse.
A lei estabelece como pressuposto para a dispensa da prestação da garantia que esta cause à executada um prejuízo irreparável. Não releva para a lei o grau de dificuldade na obtenção da garantia desde que ela seja possível, nem que ela se mostre muito onerosa, ou excessivamente onerosa. Tem de causar um prejuízo irreparável, sem retorno ao status quo ante.
E do que fica dito podemos concluir que a recorrente, tal como decidiu a sentença recorrida, não logrou demonstrar, como lhe competia, que a prestação da garantia, bancária ou outra, lhe cause prejuízo irreparável.
Não se verificando esta condição para a dispensa da prestação da garantia, a que havia sido invocado pela recorrente, não é necessário averiguar se a insuficiência ou inexistência de bens é ou não responsabilidade da recorrente, uma vez que o conhecimento desta matéria pressupõe o preenchimento daquela condição.
3. Decisão
Assim, em conformidade com o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Porto, 29-03-2012
Ass. Paula Ribeiro
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Álvaro Dantas