Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01805/15.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/12/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Sumário:
I-O erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado; se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo;
I.1-visto o pedido formulado em juízo - os Recorrentes com a instauração da acção pretendem anular o acto material de abertura do jazigo 29 - secção C e a transladação das ossadas para outro jazigo - o meio processual adequado à pretensão destes é o da acção administrativa comum;
I.2-tal equivale a dizer que assiste razão aos Recorrentes quando advogam que se verifica erro de julgamento no tocante à procedência da excepção contida no despacho recorrido. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:ARS
Recorrido 1:Junta de Freguesia de S...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Ordenar a baixa dos autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
RELATÓRIO
Nos autos acima identificados em que são Autores ARS, JRS e FRS e Ré a Junta de Freguesia de S..., todos neles melhor identificados, foi proferida, pelo TAF do Porto, decisão que julgou verificada a excepção de erro na forma de processo e absolveu da instância a Ré.
O despacho ostenta este discurso fundamentador:
Foi oficiosamente suscitada a excepção de erro na forma de processo insusceptível de sanação por convolação.
Notificadas as partes para exercerem o contraditório, vieram os Autores pronunciar-se no sentido de que o meio processual adequado à pretensão por si deduzida é o da acção administrativa comum e não o da acção administrativa especial uma vez que é pedida a condenação à prática de actos materiais e que, em todo o caso, os actos até ao momento praticados são susceptíveis de aproveitamento nada obstando à convolação processual.
Uma vez que o erro na forma do processo consubstancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso [artigos 193.º e 196.º, do CPC e 576.º, n.º 1 e 2 e 577.º alínea b), aplicáveis ex vi art.º 1.º do CPTA] que, a verificar-se e sendo insusceptível de sanação por convolação, impede o prosseguimento dos autos, cabe dela conhecer de imediato, após a fixação da factualidade relevante.
Com relevo para a decisão a proferir resultam provados os seguintes factos:
1. Em 11.11.2013 foi apresentado um requerimento dirigido ao Presidente da Junta de Freguesia de S..., em Vila Nova de Gaia, do qual constam, além do mais, as seguintes menções [cfr. requerimento integrado a fls . 58 do processo físico]:
“MCDT (…), venho requerer a V. Exa. Se digne autorizar a transladação das ossadas de seus pais: – ART– falecido em 18/04/1956; – CDO– falecida em 30.03.1976, que se encontram sepultados no jazigo sito na secção C n.º 2…, para o jazigo sito na 6.ª secção n.º …”.
2. O requerimento supra referido mereceu despacho de deferimento datado de 12.11.2013 [cfr. despacho aposto no requerimento integrado a fls . 58 do processo físico].
3. Em 25.07.2014, foi efectuada uma notificação judicial avulsa à Junta de Freguesia de S..., na sequência de um requerimento apresentado pelos ora Autores em que estes referem, além do mais o seguinte [cfr. certidão de notificação judicial avulsa integrado de fls. 50 a 58 do processo físico]:
“Em agosto de 2014, os Requerentes tiveram conhecimento que a Junta de Freguesia de S..., abriu o Jazigo n.º 2… – secção C, aqui 1.ª requerida, sem conhecimento e autorização por parte dos Requerentes, e transladou as ossadas dos avós dos Requerentes ”.
4. A petição inicial desta acção foi remetida ao Tribunal via correio electrónico em 08.07.2015 [cfr. cabeçalho de envio de correio electrónico e carimbo de entrada usado neste Tribunal com a mesma data aposto no mesmo integrado a fls. 3 do processo físico].
Vejamos então.
A impropriedade do meio processual ou o erro na forma de processo verifica-se quando a acção é intentada sob uma forma de processo que não é adequada a prosseguir o intento visado pelo seu autor face ao critério legal.
É em função da pretensão formulada que se verifica da adequação da forma do processo ao fim visado e, assim, se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente prefigurada na lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição, reimpressão, páginas 288/289).
No entanto, a causa de pedir pode e deve ser utilizada como elemento de interpretação do pedido, quando este suscite dúvidas (neste sentido, o acórdão do STA de 28.05.2014 no processo 01086/13).
Ora, o artigo 46.º do CPTA especifica que seguem a forma de acção administrativa especial, os processos cujo objecto sejam pretensões decorrentes da prática ou omissão ilegal de actos administrativos (n.º 1), podendo ser formulados os pedidos principais de anulação de acto administrativo ou declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica [alínea a) do n.º 2].
Com o pedido principal podem ser cumulados outros, que com aquele apresentem uma relação material de conexão, nos termos do disposto no artigo 4.º e, designadamente, o pedido de condenação da Administração à reparação dos danos resultantes da actuação ou omissão administrativa ilegal e à adopção dos actos e operações necessárias à reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado [artigo 47.º, n.º 1 e n.º 2 alíneas a) e b) do CPTA].
Acresce que são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (n.º 1 do artigo 51.º).
Na presente acção os Autores formulam o pedido de que seja a Ré condenada “(…) a repor a situação em que o jazigo n.º 29, da secção C, do cemitério de S... se encontrava antes da sua abertura (…)”.
Atentando na causa de pedir, designadamente no ponto 23.º e 24.º da petição inicial, verifica-se que os Autores invocam a “anulabilidade” da abertura do jazigo e da consequente transladação pelo facto de esta operação material ter sido efectuada na sequência da autorização concedida por apenas um dos “comproprietários” do jazigo.
Assim, nas suas palavras, os Autores pretendem ver “anulada” a intervenção material de transladação das ossadas que se encontravam no jazigo n.º 2…, secção C, do cemitério de S... e a reposição do mesmo jazigo no estado em que se encontrava quando foi averbado em nome dos Autores e de MCDT, uma vez que não requereram nem autorizaram a referida intervenção.
Pois bem, face ao que antecede e à resposta dos Autores à excepção suscitada cabe ter presente que os Autores fundamentam os pedidos formulados com base no facto de que o jazigo n.º 29 secção C, do cemitério de S... se encontrar, pelo menos, desde 16 de Abril de 2013, também averbado em seu nome e não apenas no nome de MCDT (que requereu a concessão de autorização para transladação que veio a ser efectuada), pelo que, a seu ver, o deferimento de pedido de autorização para efectuar qualquer intervenção sobre o mesmo jazigo apenas seria válido se o requerimento em causa fosse apresentado por todos os titulares do jazigo (ou estes o tivessem autorizado).
Assim, os pedidos formulados nesta acção interpretados em conjugação com a causa de pedir permitem concluir que os Autores têm em vista a anulação do acto administrativo de 12.11.2013 que deferiu o requerimento de autorização para a transladação de ossadas [cfr. pontos 1 e 2 dos factos provados], pretendendo a reposição da situação ex ante à prática do acto que os Autores consideram anulável – deferimento do requerimento – por não o terem requerido ou autorizado.
Na verdade, a anulabilidade aludida pelos Autores reporta-se ao acto administrativo que deferiu o requerimento de autorização de transladação, não à operação material de transladação.
Não obstante, sempre se salienta que os actos de execução ou operações de execução apenas são susceptíveis de impugnação, em si mesmos, por invocação de que excedem os limites do acto exequendo e, por vícios próprios, desde que estes não sejam consequência da ilegalidade do acto exequendo [cfr. artigo 151.º do CPA redacção anterior à alteração de 2015, por ser a aplicável aos factos que nos autos se encontram em causa].
Deste modo, verifica-se o erro na forma de processo porquanto os Autores intentaram acção administrativa comum quando o meio processual adequado à sua pretensão seria a acção administrativa especial [artigos 46.º, n.º 1 e n.º 2 alíneas a) e b) e 4.º e 47.º, n.º 1 e n.º 2 alínea b) do CPTA].
Estamos, pois, perante uma nulidade susceptível de sanação através de convolação para a forma de processo adequada, todavia, para tanto, exige-se que se encontrem reunidos os pressupostos processuais para que a acção, se tivesse sido apresentada na forma de processo adequada, tivesse viabilidade para prosseguir, o que não se verifica no caso de o prazo de interposição da mesma se encontrar ultrapassado.
Neste prisma, relembre-se que o prazo estabelecido para a interposição da acção de impugnação de acto administrativo se encontra fixado no artigo 58.º, n.º 2, alínea b), do CPTA, em três meses, a contar da notificação ou da execução do acto, nos termos do artigo 59.º, n.º 1 e 2 do CPTA.
Com base nos factos supra fixados, verifica-se que na data da apresentação desta acção, em 08.07.2015, tinha já caducado o direito de interposição de acção administrativa especial, atendendo ao decurso do prazo de três meses desde a data do acto administrativo impugnado [emitido em 12.11.2013, cfr. pontos 1 e 2 dos factos provados ] ou desde o conhecimento pelos Autores do acto que pretendem impugnar, o que ocorreu em data anterior à da notificação judicial avulsa de 25.07.2014.
Efectivamente, apesar de no requerimento de notificação judicial avulsa se afirmar que os Autores tiveram conhecimento da transladação em Agosto de 2014, tal afirmação apenas pode dever-se a mero lapso pois a data de conhecimento da situação que originou o pedido de notificação judicial avulsa não pode ser posterior à efectivação da notificação judicial em si mesma [cfr. ponto 3 dos factos provados].
Pelas razões expostas, impõe-se determinar a procedência da excepção oficiosamente suscitada de erro na forma processual.

Deste despacho vem interposto recurso.
Alegando, os Autores formularam as seguintes conclusões:
1. Salvo o devido respeito por opinião contrária, é inequívoco que a decisão enferma de erro de julgamento de direito quanto à decisão que julgou procedente o erro na forma de processo;
2. Os recorrentes com a instauração da ação pretendem, apenas e só, anular o ato material de abertura do jazigo 2… - secção C e a transladação das ossadas para outro jazigo.
3. O meio processual adequado à pretensão dos recorrentes é o da ação administrativa comum, e não da ação administrativa especial.
Face ao exposto sempre com o mui respeito que é devido, deverá ser revogada a sentença do tribunal ad quo e, por via disso, ser determinada improcedente a exceção de erro na forma de processo, seguindo a ação os seus termos legais.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE SUPRIRÃO, DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, FAZENDO-SE ASSIM JUSTIÇA.
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Não foram oferecidas contra-alegações.
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O MP não emitiu parecer.
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Cumpre apreciar e decidir.
X
Como é sabido, o erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra Editora, 3ª ed.- reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. I, 3ª ed., 1999, pág. 262, e Antunes Varela, RLJ, ano 100º, pág. 378.
O Supremo Tribunal Administrativo, e tendo sempre em vista os princípios da tutela jurisdicional efectiva e pro actione “... tem vindo a adoptar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir - ainda que com recurso à figura do pedido implícito - qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica. Mas isso não autoriza que, no método para aferir da verificação do erro na forma do processo, se substitua o pedido, enquanto elemento determinante para apurar a propriedade processual, pela causa de pedir.

Assim, para saber se ocorre ou não erro na forma do processo é preciso atentar no pedido que foi formulado, na concreta pretensão de tutela jurisdicional que o cidadão visa obter; já saber se as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência. Por isso, com o fundamento de que as causas de pedir invocadas não são adequadas ao pedido formulado poderá decidir-se no sentido da improcedência da acção (eventualmente, até do indeferimento liminar da petição inicial), mas não no sentido da verificação do erro na forma do processo.” - Acórdão do STA de 28/05/2014 no rec. 01086/13.
Voltando ao caso concreto temos os Recorrentes a alegarem que:
-são comproprietários do Jazigo nº 2… - secção C, do Cemitério de S…, concelho de Vila Nova de Gaia, desde 11/03/2013;
-em julho de 2014 tiveram conhecimento que a Ré, aqui Recorrida, abriu o Jazigo nº 2…- secção C, sem o seu conhecimento e autorização e transladou as ossadas dos seus avós;
-desconhecendo o porquê dessa transladação das ossadas, solicitaram à Ré/recorrida os documentos que estiveram na origem da abertura do referido jazigo e consequentemente a transladação das ossadas dos seus avós;
-em virtude desse pedido a Ré/recorrida entregou dois documentos nos quais consta que MCDT e LDT pediram e autorizaram a transladação dessas ossadas;
-não foi entregue qualquer documento comprovativo de uma deliberação, ou deferimento da autorização, por parte da Ré/ recorrida, ao pedido solicitado por MCDT;
-isto porque, esses documentos não existem;
-na acção administrativa comum vêm a juízo requerer que a Ré/recorrida seja obrigada a repor a situação em que o Jazigo n° 2… - secção C, do Cemitério de S..., se encontrava antes da sua abertura, ou seja, a repor as ossadas dos seus avós no referido jazigo e, consequentemente, pagar-lhes o quantitativo de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais;
-não existe em todo o processo de transladação das referidas ossadas, qualquer acto administrativo por parte da Ré/recorrida, na medida em que o referido acto não é praticado com base numa prévia deliberação ou mera notificação;
-existe apenas um acto material praticado pela Ré/recorrida de abertura do Jazigo n° 29 - secção C, do Cemitério da S... e transladação das ossadas aí existentes para outro jazigo, sem autorização de todos os comproprietários do referido jazigo;
-não corresponde à verdade que pretendam a anulação do acto administrativo que deferiu o requerimento de autorização para a transladação de ossadas; isto porque, não existe qualquer deliberação, nem autorização, por parte da Ré/recorrida, que originasse a abertura do Jazigo nº 2… - secção C e consequentemente a transladação das ossadas para outro jazigo;
-existe apenas o acto material da Ré de abertura do referido jazigo, sem autorização dos seus proprietários, e a transladação das ossadas aí existentes para outro jazigo.
Sendo esta a posição da Parte Recorrente temos, pois, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo que é apenas esse acto e só esse acto material de abertura do jazigo nº 29 - secção C, e a remoção das ossadas que eles querem ver anulado, repondo-se a situação originária.
Logo, os Recorrentes com a instauração da acção pretendem, apenas anular o acto material de abertura do jazigo 29 - secção C e a transladação das ossadas para outro jazigo, razão pela qual o meio processual adequado à sua pretensão é, conforme aventado, o da acção administrativa comum, e não o da acção administrativa especial.
A propriedade ou adequação da forma de processo afere-se em função do tipo de pretensão deduzida em juízo pelo autor, sendo que esta pretensão deve ser entendida como um certo pedido enraizado em certa causa de pedir.
Por outro lado, o art° 46°/1 do CPTA estabelece que seguem a forma de acção administrativa especial, os processos cujo objecto sejam pretensões decorrentes da prática ou omissão ilegal de actos administrativos.
No caso posto não estão preenchidos os requeridos pressupostos de uma acção administrativa especial, na medida em que no pedido formulado pelos Recorrentes não é a anulação de qualquer acto administrativo nem a prática de actos dessa qualidade que está em jogo; (apenas) estão em causa os actos materiais praticados pela Ré/Recorrida.
Em suma:
-o erro na forma do processo afere-se pelo ajustamento do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer, pelo que, visto o pedido formulado em juízo - os Recorrentes com a instauração da acção pretendem anular o acto material de abertura do jazigo 2… - secção C e a transladação das ossadas para outro jazigo - o meio processual adequado à pretensão destes é o da acção administrativa comum;
-tal equivale a dizer que assiste razão aos Recorrentes quando advogam que se verifica erro de julgamento no tocante à procedência da excepção contida no despacho recorrido.
Procedem, pois, as conclusões dos Recorrentes.
***
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a decisão sub judice e ordena-se que os autos regressem à 1ª instância, para aí prosseguirem, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
Notifique e DN.
Porto, 12/10/2018
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. João Sousa