Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00907/05.9BELSB
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2014
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:DISCIPLINAR.
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.
INFRACÇÃO PERMANENTE.
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO.
ESCOLHA E MEDIDA DA PENA.
ADVOGADO.
Sumário:I) – O exercício do poder disciplinar não está livre do controlo judicial.
II) – A prescrição de infracção permanente - que se distingue da infracção instantânea de efeitos permanentes - só corre desde dia em que cessar a consumação.
III) – Não obstante sucessiva alteração quanto às hipóteses de interrupção da prescrição, no particular caso ela não se atingiu.
III) – As diversas previsões de suspensão do exercício profissional antes previstas no Estatuto da OA não constituíam um continuum indistinto de penas.
IV) – Não há erro na medida concreta da pena se, no respeito pelo princípio da proporcionalidade, ele não é manifesto ou grosseiro.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ordem dos Advogados
Recorrido 1:JAMG
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
OA, recorre na acção administrativa especial interposta por JAFC, id. nos autos, julgada por Acórdão do TAF de Viseu procedente, ditando anulação de decisão que em processo disciplinar havia punido o autor numa pena de suspensão de seis meses.
A recorrente, que dá como nula a decisão recorrida e pede a esta instância que se julgue improcedente a acção, conclui as suas alegações de recurso do seguinte modo:
a) A infracção imputada ao aqui recorrido, consistente na detenção ilícita de determinada quantia pertença da sua cliente, não poderá deixar de se qualificar como uma verdadeira infracção permanente.
b) Resultando assente dos factos provados que "(...) o autor reteve durante mais de um ano (no caso de 26 de Maio de 1998 até 24 de Junho de 1999) a importância de Esc. 5.500.000$00 pertencente à sua cliente (...) tendo nesta última data lhe restituído a importância de Esc. 5.000.000$00, mas continuando a reter-lhe a importância de Esc. 500.000$00 (...)", claro se mostra que, à data da prolação do acórdão impugnado, ainda não se mostrava cessada a infracção imputada ao aqui Recorrido, não se suscitando igualmente dúvidas na doutrina que, ainda que se entenda constituírem os diversos factos, crime continuado ou permanente, "aplica-se a lei nova, ainda que mais severa, desde que a execução ou o último acto tenham cessado no domínio da lei nova" (Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado, 2007, 18ª Edição, pág. 67).
c) Pelo que, não poderão deixar de se ter como susceptíveis de aplicação ao caso sub judice os normativos contidos na Lei n.º 80/2001, de 20/07, nomeadamente o estatuído no seu artigo 101.°, nos termos do qual a moldura abstracta da pena de suspensão é de 10 anos, incorrendo, assim, o douto acórdão recorrido em errada interpretação e aplicação do disposto naquele normativo legal.
d) Mas ainda que se mostre aplicável aos presentes autos o regime previsto no artigo 103.° do E.O.A., aprovado pelo D.L. 84/84, de 16/03, conforme pretendido pelo acórdão posto em crise, sempre se dirá que não assiste razão aos MM juízes a quo quando afirmam que "(...) o acto impugnado consubstanciado no Acórdão referido do Conselho Superior da OA, aplicou ao autor/arguido a pena máxima prevista na norma na qual entendeu subsumir os factos e correspondentes infracções disciplinares, seja a norma constante do artigo 103.º, alínea d), do E.O.A. aplicável que prevê a suspensão da actividade até seis meses. O que significa que aplicando a pena disciplinar máxima prevista na referida norma aquele Conselho Superior não considerou na realidade e na prática que o comportamento verificado e provado do autor beneficiasse de qualquer atenuante".
e) Com efeito, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, as normas contidas nas alíneas d) a g) do artigo 103.° do E.O.A. deverão ser interpretadas no sentido de configurarem, apenas e tão só, diferentes escalões de uma mesma pena: a sanção abstracta de suspensão (cujo limite máximo se encontrava fixado em 15 anos).
f) Assim, uma vez fixada a moldura penal abstracta de pena de suspensão haveria que ser determinada a sua medida concreta, dentro de um dos 4 escalões previstos, de acordo com o estatuído no art. 105.° do E.O.A na redacção dada pelo D.L. 84/84.
g) Aliás, se dúvidas houvesse a este propósito elas ficaram totalmente dissipadas com a nova redacção do artigo 101.° do E.O.A., introduzida pela Lei n.º 80/2001, de 20 de Julho, nos termos do qual se eliminaram as alíneas d), e), f) e g) atrás referidas, substituindo-se pela estipulação única na alínea e) de uma pena de suspensão até 10 anos.
h) No caso concreto, o Conselho Distrital do Porto deu como assente a gravidade da conduta ("utilização indevida de dinheiros de clientes") e a culpa ("a intensidade da culpa revela especialmente quanto à primeira infracção"), levando assim à aplicação em abstracto de uma pena de suspensão, o mesmo Conselho Distrital e, na determinação da medida concreta da pena, atendeu às circunstâncias agravantes e atenuantes, cumprindo, assim, o disposto no artigo 105.° do E.O.A. na redacção dada pelo D.L. 84/84.
i) Por outras palavras, atenta a natureza da infracção cometida pelo aqui recorrido e em face das necessidades de prevenção geral, nomeadamente de dissuasão da prática de ilícitos semelhantes e de moralização da profissão, impunha-se que a infracção por si cometida fosse sancionada (como foi) com a pena abstracta de suspensão do exercício de funções.
j) Foi dentro desta moldura penal abstracta (de pena de suspensão) e atendendo aos critérios de determinação concreta da pena contidos no art. 105.° do E.O.A., que o órgão da recorrida, com competência disciplinar, entendeu ser de aplicar ao aqui recorrido uma pena concreta de 6 meses de suspensão, enquadrada no primeiro dos vários escalões previstos para a pena de suspensão.
k) Isto é, o artigo 105.° do E.O.A. mais não contém do que aquilo que a lei, a doutrina e a jurisprudência impõem como "método" para a determinação da pena: em primeiro lugar, culpa e gravidade da infracção e, em segundo lugar (e só depois), dentro do limite mínimo (no caso, até 6 meses) e máximo (no caso, até 15 anos) da pena de suspensão, fazer "funcionar" os restantes critérios que o referido artigo impõe (no caso, a ausência de antecedentes e a confissão).
l) Na verdade, caso não tivessem sido devidamente tomadas em linha de conta todas as circunstâncias contidas no art. 105.° do E.O.A., como vem defendido no acórdão sob recurso, então a medida concreta da pena aplicável ao aqui recorrido teria sido certamente outra e mais gravosa que não apenas a pena de suspensão por 6 meses.
m) Pelo que, contrariamente ao defendido no douto acórdão recorrido, foram devidamente ponderadas e avaliadas todas as circunstâncias susceptíveis de diminuírem o grau de culpa, resultando que a graduação concreta da pena aplicada (6 meses de suspensão) não se mostra manifestamente errada, desproporcional ou desadequada.
n) Ao concluir em sentido contrário ao acima apontado, incorreu o douto acórdão recorrido em erro de julgamento, tendo violado o disposto nos artigos 3.° do CPTA (na medida em que extravasou os poderes de pronúncia que legalmente lhe estão cometidos) e nos artigos 101.º do E.O.A. na redacção dada pela Lei n.º 80/2001 e, bem assim, do artigos 103.° e 105.° ambos do E.O.A. na redacção dada pelo D.L. n.º 84/84.

O recorrido contra-alegou, pedindo conhecimento de questão de prescrição e opinando pela improcedência do recurso, oferecendo as seguintes conclusões:
1) Antes de tudo o mais, o procedimento disciplinar objeto dos presentes autos encontra-se prescrito, o que se alega (não obstante o conhecimento oficioso, cfr. arts. 99.º, n.º 3 do DL n.º 84/84 e 93.º, n.º 10 da Lei n.º 80/2001) para todos os efeitos e com todas as consequências legais:
2) isto quer nos termos dos arts. 99.º, n.ºs 1 e 2 do Estatuto de 1984 e 205.º , n.º 5 e 118.º, n.º 1, aI. b) do Código Penal, considerando que decorreram mais de 10 anos desde a data da primeira condenação administrativa (15/09/2000) e o regime da suspensão e interrupção do direito criminal não era aqui aplicável,
3) quer nos termos do art. 93.° da Lei n.º 80/2001, n.ºs 1, 9, 5 e 4, al. b), considerando que desde a mesma data, da primeira condenação, decorreram já bem mais de 6 anos e 6 meses.
4) Ao contrário do que é sustentado nas alegações de recurso, o ilícito de que cuidamos (como resulta do paralelo ilícito criminal, doutamente sopesado no acórdão) consumou-se logo que a quantia não foi, como devia e no momento em que devia, entregue - ilícito instantâneo de efeitos temporários ou permanentes.
5) Acresce que não é possível aceitar que um ilícito tenha a sua consumação depois da condenação, como extraordinariamente sustenta a recorrente OA,
6) nem, bem assim, após a sua confissão por parte do arguido que ocorreu na defesa no processo disciplinar e, mesmo antes, aquando da restituição das quantias retidas, portanto, em momento anterior à instauração do procedimento disciplinar.
7) Aliás, mesmo que o ilícito fosse permanente, e não é, atento este pagamento, sempre se deveria entender que aí (naquele momento) teria cessado a consumação do ilícito.
8) Ainda nesta hipótese (sem nunca prescindir) do ilícito não ter uma natureza instantânea, ao contrário do que sustenta a OA, "a melhor doutrina parece ser aqui a de que qualquer agravação da lei ocorrida antes do término da consumação (sobre este conceito infra Tomo II) só pode valer para aqueles elementos típicos do comportamento verificados após o momento da modificação legislativa. E solução paralela parece dever defender-se para o chamado crime continuado (art. 30.°-2; cf. infra, Tomo II)" - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, p. 183, citando opinião concordante Taipa de Carvalho e doutrina Alemã nesse sentido, ver nota 38.
9) Sendo estas as razões pelas quais o acórdão recorrido não merece qualquer censura, devendo o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e aquela decisão manter-se na ordem jurídica.
10) No que se refere aos "escalões", é perfeitamente evidente a falta de razão da OA, porque da letra da lei, conforme referimos, dos arts. 103.° e 105.° do Estatuto, decorre que se trata de várias penas de suspensão e não de uma só pena de suspensão com vários escalões.
11) Ora, se a pena aplicada foi a da alínea d), dúvidas inexistem em como tendo sido escolhido o máximo, não se ponderaram as razões que o acórdão refere, mormente o facto de ter ocorrido a restituição que, entre o mais, deveria ter sido sopesada ou, tendo-o sido - considerando, entre o mais, de que se faz a dosimetria da pena, o paralelo criminal – tal foi feito em ostensivo erro.
12) De facto, a falta, ou a errónea, ponderação das circunstâncias fácticas suscetíveis de corporizar a culpa do arguido, mormente no sentido atenuante ou dirimente da responsabilidade disciplinar, surge manifesta e explícita na decisão do Conselho Superior de 17/12/2004.
13) Por aqui também, claramente, concluímos que o acórdão recorrido fez Justiça, não merecendo qualquer censura, devendo o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e aquela decisão manter-se na ordem jurídica.

O Mº Pº não se pronunciou.
Após vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
*
As questões a decidir:
I) - da nulidade do Acórdão recorrido;
II) - da invocada prescrição, feita pelo recorrido em contra-alegações;
III) - do acerto ou desacerto na graduação da pena.
*
Dos factos, aqui a ponderar, que o tribunal a quo deu como provados:
a) O autor, na qualidade de advogado, foi constituído procurador de MLPR, separada judicialmente de pessoas e bens de RCS;
b) O referido mandato forense foi conferido ao autor pela mencionada ML, com a finalidade de instaurar um processo de Revisão de Sentença Estrangeira, proferida relativamente à mandante e seu identificado ex-marido, ambos de nacionalidade portuguesa, mas residentes em França;
c) Mais foi incumbido o autor pela mencionada MLPR de tratar da venda de uma casa, património comum do casal referido, casa essa sita em Recardães, concelho de Águeda;
d) Tais mandatos foram conferidos ao autor pela mencionada MLPR em datas incertas e compreendidas entre Agosto de 1993 e Maio de 1998;
e) Para os mencionados fins, recebeu o autor da referida ML, a quantia total de Esc: 402.000$00 para provisão, em diversos momentos, compreendidos entre Agosto de 1993 e Agosto de 1997, sendo que a importância de Esc: 140.758$00 se destinaram ao pagamento de despesas realizadas no âmbito do processo de revisão/confirmação de sentença estrangeira mencionada em b) e, também, para a legalização do imóvel/casa mencionado em c);
f) Em 19 de Novembro de 1997, o autor, em representação da sua cliente, referida, ML, e outro colega, em representação do ex-marido desta, referido RCS, outorgaram um contrato promessa de compra e venda, no qual prometeram vender, em nome dos seus representados, a casa referida em c), sita na Póvoa do Poço e inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 915 da freguesia de Recardães, concelho de Águeda, a MMSC, pelo preço de Esc: 15.000.000$00, a repartir metade desta quantia por cada um dos promitentes vendedores, sendo que a importância de Esc: 4.000.000$00 seriam pagos até à data da respectiva escritura pública de compra e venda e os restantes Esc: 11.000.000$00 na data em que se realizasse essa mesma escritura;
g) O autor recebeu, entretanto, da promitente compradora do imóvel, objecto do contra[to] promessa de compra e venda mencionado em j), a importância de Esc: 2.000.000$00, correspondente a metade dos Esc: 4.000.000$00 que pertenciam à sua cliente e participante ML, tendo de imediato remetido esta importância para a mesma sua cliente que a recebeu;
h) Em 26 de Maio de 1998, outorgou o autor, na referida qualidade de procurador da sua cliente ML, a escritura pública de compra e venda da referida casa ou imóvel, no Cartório Notarial de Águeda;
i) Da compradora do referido imóvel, recebeu o autor, na data da mencionada escritura pública, a importância de Esc: 5.500.000$00, importância esta que correspondia ao restante do preço que a sua cliente, ML, faltava receber do preço acordado;
j) Desde a data da referida escritura de compra e venda, que o autor reteve, na sua posse, a referida importância de Esc: 5.500.000$00, pertencente à referida ML, até ao dia 24 de Junho de 1999, data em que o seu Banco emitiu ordem de pagamento sobre o estrangeiro a favor da cliente do autor, referida ML;
k) Porém, há muito mais de dois anos, por referência à data de 24 de Fevereiro de 2000 - data em que contra o autor foi proferida acusação pelos factos em discussão nestes autos - que o autor havia mudado as instalações do seu escritório da cidade do Porto para Águeda, sem que tivesse comunicado essa mudança à OA;
l) O autor reteve na sua posse a referida importância da sua cliente, ML, durante o referido período de tempo, por estar a passar dificuldades económico-financeiras, embora lhe comunicando que lha restituiria mas, ao longo desse tempo, protelando a sua entrega;
m) Entretanto, a cliente do autor, referida ML, participou ao Conselho Distrital de Coimbra, tendo essa participação dado entrada na sede deste Conselho Distrital da OA em 15/10/1998, que o autor não entregara o montante de Esc: 5.500.000$00 correspondentes ao valor do restante do preço que lhe pertenciam e que o mesmo autor, como seu advogado, lhe havia prometido entregar, retendo essa importância na sua posse até essa data;
n) Com data de 30/04/99, foi enviado pelo Conselho Distrital do Porto e dirigido ao escritório do autor na cidade do Porto, sito na Rua Castelos, 247-4.° Dt.°, um oficio com o n.º 3157/99, a comunicar-lhe que lhe fora instaurado processo disciplinar, em função da participação que contra o mesmo havia sido feita pela sua cliente MLPR, nos termos da deliberação tomada pelo Conselho Distrital do Porto da OA, na sua sessão de 09/04/99, remetendo-lhe cópia dessa mesma deliberação;
o) Entretanto, pelo oficio do Conselho Distrital do Porto da OA, e datado de 8 de Outubro de 1999, foi o autor notificado para comparecer na Secção Disciplinar do Referido Conselho Distrital, para prestar declarações no âmbito do processo disciplinar que lhe havia sido instaurado sob participação da referida MLPR, ao que o autor respondeu estar indisponível e solicitando nova data para essa diligência;
p) O autor confessou os factos constantes da acusação que a entidade ré contra o mesmo deduziu, embora se justificando com as mencionadas sua[s] dificuldades económico-financeiras temporárias e, ainda, que a importância de Esc: 500.000$00 que continuou a reter para além dos Esc: 5.000.000$00 que entregou/depositou em nome da sua cliente ML, em 24/06/1999, se destinavam ao pagamento dos seus honorários;
q) No despacho da entidade ré, seu Conselho Distrital do Porto, proferido em 7 de Julho de 2000, consta o seguinte: "Atendendo que o Sr. Advogado participado entregou já o montante em dívida, notifique-se a Senhora Participante para informar se se considera integralmente ressarcida ";
r) Com data de recepção no Conselho Distrital do Porto da entidade ré, veio a participante dizer, em resposta à notificação em cumprimento do despacho mencionado em q), o seguinte: "Junto fotocópia de 5.000.000$00 que me entregou o Sr. Advogado FC no dia 30.06.99", anexando uma cópia da sua conta bancária comprovativa do depósito feito pelo autor na conta da participante da importância de 5.000.000$00;
s) Da decisão do Acórdão do Conselho Distrital do Porto da entidade ré, datado de 15 de Setembro de 2000, no que releva, consta o seguinte: "Acordam os da 1.ª secção em perfilhar o parecer do Sr. Relator";
t) Do parecer a que alude o acórdão referido em s), e no que releva, consta o seguinte: "O arguido encontra-se inscrito na OA desde 4.07.1989, (. . .) Não tem antecedentes disciplinares conhecidos.
A gravidade do ilícito e a intensidade da culpa relevam especialmente quanto à primeira infracção, bem como o facto de não ter reposto integralmente a quantia que reteve.
A segunda infracção é de muito menos gravidade e foi praticada sob a forma negligente, não se apurou qualquer elemento factual do qual pudesse concluir o dolo.
Exigências de prevenção geral, levam a que a infracção disciplinar a que corresponde a utilização indevida de dinheiros dos clientes, tenha de ser punida com especial severidade.
Atendendo porém de que se trata da primeira infracção conhecida do senhor advogado arguido, da confissão parcial e da reparação embora também parcial, sou de parecer que lhe deve ser aplicada a pena única de seis meses de suspensão - artigo 103.°, d) - e a pena acessória de restituição dos 500.000$00 que ainda retém à participante, bem como a perda de honorários relativamente ao negócio da venda do prédio nos termos do artigo 104.°, ambas as disposições citadas são do E.O.A...".
u) Do acórdão referido em s) interpôs o autor recurso para o Conselho Superior da entidade ré, no qual alega, e no que releva, que os 500.000$00 que reteve se reportavam aos honorários devidos pela participante relativamente à venda do imóvel em causa, sendo que havia acordado com a mesma que os honorários, em caso de venda do mesmo imóvel e que se veio a concretizar, seriam no montante de 750.000$00, sendo que só reteve a importância de 500.000$00 a título de honorários em virtude de ter avaliado o prejuízo da participante na quantia de 250.000$00 pelo facto de ter retido, durante o período de tempo em que tal sucedeu, a importância de 5.000.000$00;
v) Por acórdão do Conselho Superior de 17 de Dezembro de 2004, que apreciou o recurso interposto pelo autor consta o seguinte: "Porque concordam com o antecedente parecer deliberam os da 3.ª Secção do Conselho Superior em negar provimento ao recurso".
x) Do parecer a que se reporta o Acórdão mencionado em v), após descrição dos factos imputados ao autor na acusação e, bem assim, considerados provados em l.ª instância (Acórdão recorrido do Conselho Distrital do Porto), no que releva, consta o seguinte:
"4-Parece-nos fora de dúvida que o Recorrente infringiu os deveres consagrados nos artigos 83.º, n.° 1, alíneas c), g) e h) e 76.°, n.ºs 1 e 3, bem como o artigo 79.º, alínea h) do EOA.
E não nos parece, por outro lado, que das suas alegações conste qualquer elemento decisivo para alterar a sanção que lhe foi aplicada.
Como refere o douto Acórdão recorrido foi por alegadas dificuldades financeiras que o Recorrente foi protelando a entrega dos 5.500 contos pertencentes à participante, sendo certo que depois de 24 de Junho de 1999 continuou a dever-lhe ainda 500.000$00 (embora alegasse que tinha combinado com ela reter tal quantia para pagamento dos seus honorários).
A verdade, porém, é que – como se salienta no douto Acórdão recorrido – quando o arguido respondeu à carta da participante datada de 31.08.98 (fls. 9 dos autos), na qual ela reclamava 5.500.000$00, refere ter já garantido que lhe será possível fazer a transferência ao final desse mês (a carta, a fls. 11 e segs. Dos autos, é de 04.09.98) e abordando embora a questão dos honorários não refere qualquer combinação quanto ao montante ou qualquer outra razão para ficar com os 500 contos.
Certo é que – como pondera a douta decisão recorrida – a utilização ilícita, pelo recorrente, durante mais de um ano, de 5.500.000$00 da sua cliente, propiciou-lhe um enriquecimento pelo menos igual ao juro resultante de uma boa aplicação financeira e que ele mantém ainda em seu poder, contra a vontade da participante, 500.000$00: além de lhe ter causado, com a não entrega do dinheiro, uma natural inquietação e angústia por um longo período de tempo.
5-Em suma: Não nos parece relevante quanto à medida da sanção o facto de o Recorrente à data da acusação ter já depositado os tais 5.000.000 contos; e também as dificuldades financeiras que terão causado “a falta de entrega tempestiva do dinheiro à participante” de modo nenhum poderiam levar o Recorrente a eximir-se ao indeclinável dever de, como advogado, entregar à cliente o dinheiro que era dela: ainda por cima acabando por reter 500.000$00, à conta dum alegado acerto quanto a honorários de que não há quaisquer indícios nos autos … “.
*
Do direito :
O Acórdão proferido em 1ª instância decidiu anular deliberação do Conselho Superior, de 17 de Dezembro de 2004 (supra em v) do elenco factual).
Para boa presença do que aqui está em discussão, convirá atentar no que foi sua fundamentação de direito, exarada nos seguintes termos (sic):
(…)
2.O DIREITO
A questão ou questões a decidir nos presentes autos, e aliás colocada pelo autor, residem
no seguinte:
1. Se no Acórdão impugnado proferido pelo Conselho Superior da OA, em 17 de Dezembro de 2004, que aplicou ao autor a pena disciplinar única de 6 meses de suspensão da actividade de advogado e na pena acessória de restituição de 500.000$00 bem como na perda de honorários, foram ou ponderadas as circunstâncias de o autor ter efectivamente pago os 5 mil contos em falta antes de saber da existência do processo disciplinar, facto este alegadamente demonstrativo do seu espontâneo arrependimento e confissão);
2. Se no mesmo Acórdão foi ou não ponderada a circunstância de o autor exercer a actividade de advogado há vários anos sem qualquer infracção disciplinar;
3. Se também no mesmo Acórdão punitivo foi ou não ponderado o facto de terem decorrido vários desde a prática dos facto constitutivos da infracção ou infracções imputados ao autor e, decurso de tempo esse durante o qual o autor continuou a exercer a mesma actividade sem mácula ou censura;
4. E, ainda, se o mesmo Acórdão punitivo ponderou ou não as dificuldades financeiras e
circunstâncias conexas que objectivamente inviabilizaram a regularização atempada, por parte do autor, da situação, ou seja, a restituição à participante de forma atempada dos dinheiros que à mesma pertenciam e confiados ao autor ou que este havia recebido em seu nome;
5. Por último, se de qualquer modo todas as referidas circunstâncias deveriam ou não, nos termos da lei, ser apreciadas e/ou ponderadas para a escolha e/ou aplicação da medida da pena disciplinar aplicada e, consequentemente, se a mesma deve ou devia ser ou não reduzida e/ou substituída por outra pena disciplinar menos gravosa pela entidade ré e, consequentemente, o acórdão/acto punitivo impugnado deve ou ser anulado.
Ou seja, em resumo, a questão ou questões parcelares atrás referidas, traduzem-se em saber se o Acórdão impugnado cometeu ou não alguma ilegalidade, nomeadamente as que o autor lhe assaca e, consequentemente, deve ou não ser anulado.
*
Todavia, e conforme consta das peças processuais produzidas pelas partes, seja na petição e na contestação e, ainda, nas respectivas alegações escritas, ressalta o facto de o autor entender que a pena disciplinar de suspensão prevista no Estatuto Disciplinar da OA, ser uma pena abstracta de suspensão até seis (6) anos enquanto a entidade ré, OA, entende que essa pena disciplinar abstracta de suspensão prevista atinge o máximo de 10 anos.
Ora, naturalmente que esta questão se prende com a aplicação da lei no tempo, no caso do Estatuto da OA, pois, como é consabido, existia e estava em vigor, ao tempo da prática dos factos pelo autor (anos de 1998 e 1999), o E.O.A. aprovado pelo Dec. Lei n.º 84/84, de 16/03, no qual se previa, no seu artigo 103.º o seguinte:
“Artigo 103.º (penas disciplinares)
As penas disciplinares são as seguintes:
a)Advertência;
b)Censura;
c)Multa de valor até metade do valor da alçada do tribunal de comarca;
d)Suspensão até 6 meses;
e)Suspensão por mais de 6 meses até 2 anos;
f)Suspensão por mais de 2 anos até 10 anos;
g)Suspensão por mais de 10 anos até 15 anos”.
E ainda, dispunha o artigo 104.º do mesmo Dec. Lei n.º 84/84, de 16/03:
“Artigo 104.º (Restituição de quantias e documentos e perda de honorários)
Cumulativamente com qualquer das penas, pode ser imposta a restituição de quantias,
documentos ou objectos e, conjunta ou separadamente, a perda de honorários”.
Por sua vez, o Estatuto da OA veio a ser alterado com a publicação da lei n.º 80/2001, de 20/07, e passando o artigo 101.º, equivalente àqueles artigos 103.º e 104.º supra referidos, a prescrever o seguinte:
Artigo 101.º (Penas disciplinares)
1.As penas disciplinares são as seguintes:
a)Advertência;
b)Censura;
c)Multa de quantitativo até ao valor da alçada dos tribunais de comarca;
d)Multa de quantitativo entre o valor da alçada dos tribunais de comarca e o valor da alçada dos tribunais da relação;
e)Suspensão até 10 anos;
f)Expulsão.
2.As penas serão sempre registadas no processo individual do advogado arguido e produzem unicamente os efeitos declarados no presente Estatuto.
3.Cumulativamente com qualquer das penas previstas neste Estatuto, pode ser imposta a sanção acessória de restituição de quantias, documentos ou objectos e, conjunta ou separadamente, a perda de honorários”.
Ora, como é consabido, dada a sucessão no tempo dos referidos diplomas legais, naturalmente, aplicar-se-á à situação do autor, arguido no processo disciplinar em análise, o diploma cujo regime se apresente mais favorável.
Tendo presentes os mencionados normativos e o princípio de que ao arguido (aqui autor) se lhe aplica a lei mais favorável, verifiquemos a situação em apreço e quanto à enunciada questão derivada das posições das partes.
Em primeiro, parece-nos indubitável que os factos pelos quais o autor foi acusado no processo disciplinar em causa e que culminou com a prolação do Acórdão impugnado, foram pelo mesmo praticados no âmbito do E.O.A. aprovado pelo Dec. Lei n.º 84/84, de 16/03, umas vez que os mesmos ocorreram nos anos de 1998/1999 (sendo ou entendendo-se como sendo uma infracção continuada aquela relativa à detenção ilícita de dinheiros da sua cliente por parte do autor, uma vez que aquela infracção respeitante à não comunicação à O.A. da mudança de escritório também se prolongou no tempo mas iniciando-se em data já anterior ao ano de 1998).
Assim, releva, neste âmbito, a pura omissão do Acórdão impugnado (aliás como já sucedera na decisão da 1.ª instância, seja a do Conselho Distrital do Porto, sendo que nesta instância a questão não se colocava na medida em que, atenta a data da sua prolação, isto é, em 15 de Setembro de 2000, ainda o novo E.O.A. aprovado/alterado pela Lei n.º 80/2001, de 20/07, não havia sido publicado e entrado em vigor) relativamente a saber de qual dos preceitos supra transcritos era ou seria de aplicar, face ao facto de à data da sua prolação, ou seja, em 17 de Dezembro de 2004, já se encontrar em vigor o citado artigo 103.º da Lei n.º 80/2001 citada.
Com efeito, como resulta do despacho de acusação deduzida contra o autor, e dos referidos acórdãos punitivos do mesmo autor, seja o do Conselho Distrital do Porto e, também, o do Conselho Superior da OA que manteve aquela 1.ª decisão, verificamos que efectivamente se teve em conta, na apreciação das infracções cometidas e imputadas ao autor, o E.O.A. aprovado pelo referido Dec. Lei n.º 84/84, de 16/03, e, assim, aplicaram-lhe a pena disciplinar nos termos previstos nos seus citados artigos 103.º e 104.º. Mas, curiosamente, não consta da acusação deduzida contra o autor (aí arguido) qual ou quais as penas disciplinares em que o mesmo poderia incorrer face aos factos e respectivas infracções disciplinares que na mesma acusação lhe são imputados, sendo que era e sempre seria obrigatória a indicação dessa ou dessas penas disciplinares em que incorreria ou incorria.
Todavia do Acórdão proferido pelo Conselho Distrital do Porto já consta efectivamente qual o dispositivo legal que prevê ou previa a pena disciplinar aí aplicada, no caso a alínea d) do artigo 103.º do E.O.A. aprovado pelo Dec. Lei n.º 84/84, de 16/03, isto é, aquela que prevê a pena disciplinar de suspensão até 6 anos e, consequentemente, excluindo-se as penas disciplinares das restantes alíneas e), f) e g) previstas no mesmo artigo 103.º. Ou seja, a priori verifica-se que aquele Conselho Distrital do Porto subsumiu os factos provados e imputados ao autor/arguido precisamente e tão só na referida alínea d) do artigo 103.º do E.O.A. então em vigor. E, também, como se presume na medida em que, como atrás referido, nenhuma referência faz ao actual artigo 101.º na redacção introduzida pela citada Lei n.º 80/2001, o Acórdão do Conselho Superior da OA, aplicou ou manteve aquela primeira decisão (1.ª instância) precisamente por entender ser-lhe aplicável aquele artigo 103.º, alínea d) do E.O.A. aprovado pelo referido Dec. Lei n.º 84/84.
Pelo que, verificamos ou constatamos que o Acórdão impugnado – na esteira já do acórdão da 1.ª instância – aplicou ao autor/arguido a pena máxima prevista para os factos e respectivas infracções que considerou provadas, precisamente a pena de disciplinar de 6 (seis) meses de suspensão para o exercício da actividade de advogado, prevista no artigo 103.º, alínea d), do E.O.A., aprovado pelo Dec. Lei n.º 84/84, de 16/03. E, ainda, como resulta da mesma decisão punitiva/acto impugnado – tal como igualmente da decisão de 1.ª instância – aplicou também ao autor/arguido a pena disciplinar acessória máxima também prevista no artigo 104.º do mesmo E.O.A., isto é, a pena cumulativa conjunta da restituição das quantias ainda detidas pelo autor, no caso a importância de Esc: 500.000$00, e, bem assim, a da perda de honorários.
Diga-se, entretanto, que aparentemente se nos afigura ser de aplicar ao autor, perante aqueles dois regimes em confronto e nos termos constantes das decisões dos respectivos órgãos decisores da OA, maxime pela subsunção que fez dos factos provados e das respectivas infracções em que consideraram subsumir-se tais factos, o regime previsto no artigo 103.º do E.O.A. aprovado pelo Dec. Lei n.º 84/84, de 16/03, e não o previsto no artigo 101.º, introduzido pela Lei n.º 80/2001, de 20/07, na medida em que aquele se nos afigura ser o mais favorável ao autor/arguido.
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Mas, como supra referido, o que está nestes autos em causa é a escolha da pena e a sua medida, face à existência ou não das alegadas circunstâncias que lhe atenuam a pena disciplinar prevista na respectiva moldura disciplinar.
Diga-se, porém, e desde já, que tendo sido aplicada ao autor a pena máxima prevista no normativo em que a decisão impugnada subsumiu a punição dos factos e respectivas infracções cometidas, no caso de 6 meses de suspensão da actividade de advogado conforme previsto na alínea d) do artigo 103.º, do E.O.A., tal significa a priori que não considerou existir no caso concreto qualquer atenuante e/ou a ou as agravantes suplantaram extraordinariamente a eventual ou eventuais atenuantes, precisamente por ter aplicado ao autor a pena de suspensão máxima prevista no referido normativo.
Vejamos então como avaliou o acto impugnado a decisão punitiva imposta/aplicada ao
autor.
Resulta assente dos factos provados, aliás provados quer pela 1.ª instância (Acórdão do Conselho Distrital do Porto) quer igualmente pelo Acórdão do Conselho Superior, que o
autor reteve durante mais de um ano (no caso desde 26 de Maio de 1998 até 24 de Junho de 1999) a importância de Esc: 5.500.000$00 pertencente à sua cliente e participante ML, tendo nesta última data lhe restituído a importância de Esc: 5.000.000$00, mas continuando a reter-lhe a importância de Esc: 500.000$00, ainda que o autor de tal discorde, primeiro referindo que o fez a título de honorários e, depois, nesta instância alegando já ter-lhos restituído. E mais, demonstrado está nos autos, nomeadamente resultando do processo instrutor, que o autor nunca fora anteriormente punido com qualquer sanção disciplinar, sendo advogado inscrito na OA desde 04/07/1989 até 24/05/97, isto é, já com cerca de 8 anos de exercício da advocacia (refere-se na decisão/parecer da 1.ª instância que dela faz parte integrante, estar suspenso desde 25/05/97 por falta de pagamento de quotas), sendo que se se contabilizar todo o tempo até à data da mesma decisão da 1.ª instância, leva já mais de 11 anos de exercício da advocacia e, se se considerar, a data do acto impugnado, serão já mais de 15 anos. E demonstrado está ainda que o autor se alheou do seu dever de comunicar à OA, no prazo de 30 dias (cfr. artigo 79.º, alínea h)), a mudança do seu escritório.
Todavia, na ponderação da escolha da pena disciplinar a aplicar (repete-se sem que atempadamente e obrigatoriamente lha tivesse comunicado na acusação deduzida) e na pena concreta que lhe foi aplicada, a decisão do Conselho Distrital do Porto – referimos esta decisão na medida em que o acto impugnado para ela remete também, pelo menos parcialmente – considerou o tempo de inscrição do autor na OA, a ausência de antecedentes disciplinares, a confissão parcial dos factos, a reparação parcial dos danos à participante (no caso o ter entregue/devolvido ou restituído à mesma participante a importância de Esc: 5.000.000$00 num total retido de 5.500.000$00, mantendo na sua posse 500.000$00), sendo que considerou como muito grave o ilícito e a intensidade da culpa e pelo facto de não ter reposto integralmente a quantia que reteve, para além de ter enriquecido na justa medida da quantia que reteve e o juro legal e/ou aplicação financeira que a participante dessas quantias pudesse fazer, causando-lhe inquietação e angústia durante o período de tempo em que reteve as importâncias em causa. Sendo que relativamente à segunda infracção, seja a de não ter comunicado, no prazo devido, a mudança do seu escritório, considerou tratar-se de uma infracção de muito menor gravidade e praticada por mera negligência.
Já o Acórdão/acto impugnado do Conselho Superior da OA que lhe aplicou definitivamente aquela pena disciplinar principal e a pena disciplinar acessória, considerou ainda, para a escolha da pena e sua medida, que a actuação do autor se deveu a alegadas suas dificuldades financeiras que protelou a entrega das quantias devidas à participante, ainda que continue a deter a importância de 500.000$00, e sem que tenha provado a razão por que ficou a dever-lhe e/ou a reter esta última importância, sendo que a sua utilização ilícita daquela quantia global de 5.500.000$00 da sua cliente lhe proporcionou um enriquecimento de pelo menos um juro igual ao juro resultante de uma boa aplicação financeira, para além de deter ou reter ainda em seu poder a importância de 500.000$00, e de ter causado na participante uma natural inquietação e angústia por um longo período de tempo. E refere ainda, em suma, não ser relevante quanto à medida da pena o facto de o autor, à data da acusação, ter já depositado os 5.000.000$00 e, também as alegadas dificuldades financeiras por que o autor passou ou passava e, por isso, ter motivado, aquela retenção dos dinheiros da participante durante tal período de tempo mas, mesmo assim, de modo algum essas dificuldades financeiras podiam levar o autor a eximir-se ao indeclinável dever de, como advogado, entregar atempadamente a referida importância à sua cliente, sendo que ainda por cima acabando por lhe reter 500.000$00 à conta de um alegado acerto de honorários de que não há quaisquer indícios nos autos.
Ora, dispõe o artigo 105.º, do E.O.A. aprovado pelo citado Dec. Lei n.º 84/84, de 16/03,
aplicável:
“Artigo 105.º (Medida de graduação da pena)
Na aplicação das penas deve atender-se aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, ao grau de culpabilidade, às consequências da infracção e a todas as demais circunstâncias agravantes ou atenuantes”.
Todavia, ainda que aquele E.O.A. aprovado pelo referido Dec. Lei n.º 84/84, nada preveja especificamente e/ou através de norma ou preceito expresso, era e é entendimento habitual e jurisprudencial, dado estarmos no âmbito de um ramo do direito sancionatório, serem de aplicação as normas substantivas constantes do direito penal, nomeadamente as normas pertinentes do Código Penal – vide António Arnault, in Estatuto da OA anotado, 6.ª Ed., Coimbra Editora, ao artigo 100.º do actual E.O.A., resultante das alterações introduzidas ao mesmo pela Lei n.º 80/2011, de 20/07, no sentido de que este novo artigo 100.º é um “Preceito novo, que veio dar cobertura legal à prática seguida”, na medida em que este novo preceito prevê expressamente, na sua alínea a), a aplicação subsidiária das normas do Código Penal para a matéria substantiva, no exercício do poder disciplinar da OA. Aliás era o que expressamente dispunha também o Estatuto Disciplinar dos funcionários e agentes da administração central, regional e local, aprovado pelo Dec. Lei n.º 24/84, de 16/01 (cfr. seu artigo 9.º), à data dos factos em vigor.
Assim, poderemos verificar que verbi gratia o artigo 205.º do Código Penal estabelece para o crime de abuso de confiança determinadas penas ou sanções penais, dependendo as penas aí previstas do montante ou montantes em causa e para os quais, desde que haja restituição da coisa móvel ilegitimamente apropriada ou a reparação integral dos prejuízos causados se prevê inclusive a extinção da responsabilidade criminal, ainda que com a concordância do ofendido e do arguido (cfr. artigo 206.º, n.º 1, do Código Penal). Todavia, no caso de o agente ter recebido a coisa em depósito imposto por lei em razão de ofício, emprego ou profissão, a pena é mais grave (cfr. art.º 205.º, n.º 5, do C. Penal) e, assim, neste caso já não poderá haver extinção da responsabilidade criminal nos termos atrás referidos para os demais agentes em geral mas, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 206.º do C. Penal, a pena é ou poderá ser especialmente atenuada conforme, respectivamente, a coisa apropriada for restituída ou tiver lugar a reparação integral do prejuízo causado, ainda que sempre que não haja dano ilegítimo para terceiro, sendo que este último requisito in casu se verifica.
Ora, trazem-se à colação os mencionados preceitos do Código Penal relativamente à punição do crime de abuso de confiança por, de facto, os factos em discussão nestes autos e imputados ao arguido e autor e pelos quais o mesmo foi disciplinarmente punido pelo acto impugnado, se assemelharem ou configurarem grosso modo uma situação idêntica ou análoga relativamente ao abuso de confiança previsto nos mencionados dispositivos legais do Código Penal e, assim, dado que, como atrás referido, o direito penal substantivo é subsidiariamente aplicável no âmbito do direito disciplinar. O que significa que, sendo o direito penal por natureza mais grave ou socialmente mais censurável e, por isso, mais severamente punidos os comportamentos susceptíveis de sanções criminais, não se compreende ou compreenderia que uma sanção de natureza disciplinar idêntica e/ou análoga não pudesse igualmente ser extinta ou especialmente atenuada naquelas mesmas circunstâncias em que o podem ser as sanções penais. Aliás, cremos que, nos mesmos termos, é aqui igualmente aplicável a norma geral do artigo 71.º do Código Penal que estabelece os termos da determinação da medida da pena, para além do seu n.º 1, especialmente o disposto nas alíneas b), c), d) e e), deste preceito do Código Penal, para além da norma constante do artigo 72.º do mesmo Código Penal. Aliás, aquele dispositivo supra transcrito do artigo 105.º do E.O.A, cremos, que não é mais do que uma manifestação ou se inspira claramente naquela norma do artigo 70.º do Código Penal.
Assim, baixando mais uma vez ao caso sub judicio, verificamos que o acto impugnado consubstanciado no Acórdão referido do Conselho Superior da OA, aplicou ao autor/arguido a pena máxima prevista na norma na qual entendeu subsumir os factos e correspondentes infracções disciplinares, seja a norma constante do artigo 103.º, alínea d) do E.O.A. aplicável que prevê a suspensão da actividade até seis (6) meses. O que significa que aplicando a pena disciplinar máxima prevista na referida norma aquele Conselho Superior não considerou na realidade e na prática que o comportamento verificado e provado do autor beneficiasse de qualquer atenuante. Contudo, mesmo assim, poder-se-ia verificar que houvesse circunstâncias e/ou alguma circunstância agravante que, de todo o modo, tornasse inviável, na concretização da moldura disciplinar aplicável em tal norma (repete-se, que é de suspensão até 6 meses), a aplicação ou ponderação de qualquer atenuante e, consequentemente, impusesse efectivamente aquela pena disciplinar máxima. Mas, e no que respeita à apreciação de qualquer circunstância agravante na aplicação da medida da pena disciplinar, voltemos ao que refere o acto/acórdão impugnado e/ou ainda ao próprio acórdão da 1.ª instância (na referida medida em que se entende ou poderá entender que aquele para este remete).
Com efeito, do teor de qualquer dos referidos acórdãos (do Conselho Distrital do Porto e Conselho Geral) resulta uma presumida gravidade do ilícito e intensidade da culpa quanto à infracção consubstanciada no facto provado de que o arguido/autor reteve ilegitimamente durante mais de um ano a importância de 5.500 contos pertencentes à sua cliente e participante MLPR e, por isso, porque se trata da utilização indevida de dinheiros de clientes, a mesma terá de ser punida com especial severidade e daí lhe aplicando a pena disciplinar prevista no artigo 103.º, alínea d) do E.O.A. (vide acórdão do Conselho Distrital do Porto) e, também, como refere o acórdão/acto impugnado, a falta de entrega tempestiva do dinheiro à participante de modo nenhum podiam levar o arguido/autor a eximir-se ao indeclinável de dever de, como advogado, entregar à cliente o dinheiro que era dela e, ainda por cima, acabando por reter 500 contos à conta dum alegado acerto quanto a honorários de que não há qualquer indícios nos autos. Ou seja, se bem entendemos o decidido ou a motivação do acórdão/acto impugnado, a circunstância agravante é ou será o próprio facto imputado e praticado pelo autor/arguido e objectivamente demonstrado nos autos, seja o de ter retido e/ou utilizado indevidamente dinheiros da participante. Ou ainda, como refere a entidade ré no seu articulado/contestação e respectivas alegações escritas, que no fundo exprimem a mesma ideia, o facto, também demonstrado, de o autor/arguido ter entregue ou devolvido à participante a importância de 5.000 contos (de um total retido de 5.500contos) não releva como atenuante na medida em que o autor/arguido ao devolver tal importância (diga-se que o grosso da importância em causa retida indevidamente) mais não fez do que o cumprimento de um dever a que legalmente estava obrigado.
Assim, vistas as coisas, seja os termos da motivação ou fundamento da medida da pena disciplinar aplicada e em causa, verificamos que o órgão administrativo decisor não considerou, na ponderação da medida de graduação da pena disciplinar a aplicar, as consequências da infracção e/ou a parcial (quase total) reparação dos danos provocados com a sua actuação, isto é, o facto de o autor/arguido ter restituído ou devolvido os 5.000 contos à participante sua cliente. E mais…considerou até como agravante o facto de não ter restituído o restante da importância retida, no caso a importância de 500 contos e até por ter justificado esta retenção à conta ou por causa de um alegado acerto quanto a honorários que não provou ou demonstrou. Ou seja ainda, o acto impugnado desdobra a própria tipificação da norma punitiva como contendo a mesma em si uma agravação da própria pena disciplinar que prevê. E assim, concluiu pela aplicação da moldura máxima da pena na própria norma “incriminadora” prevista.
Ora, com o devido respeito, nada de mais incorrecto em tal raciocínio do órgão que aplica a pena disciplinar ao autor/arguido aqui em causa. Com efeito, os factos imputados e provados e praticados pelo autor/arguido subsumiu-os a entidade ré no tipo previsto na referida alínea d) do artigo 103.º, do E.O.A. e com a moldura da pena aí prevista que, como vimos, é da pena disciplinar de suspensão até 6 meses. E então, subsumidos os factos naquela norma, impunha-se à entidade ré, detentora do poder disciplinar sobre o autor, avaliar a medida daquela pena disciplinar de suspensão até 6 meses, nos termos do disposto no artigo 105.º do mesmo E.O.A. Ou seja, à semelhança do que é a prática jurisprudencial no âmbito do direito penal, impõe-se ao julgador perante a subsunção dos factos provados em que qualquer agente tenha incorrido num determinado crime e perante a moldura penal abstracta prevista na norma subsumida ou aplicável, partir do meio dessa moldura penal e, analisar as circunstâncias atenuantes e agravantes que militem respectivamente a favor e contra qualquer arguido, e conforme determina o citado artigo 70.º do Código Penal, fixar a pena concreta que no caso é ou será de aplicar ao arguido, em face da prevenção geral e especial que a pena na situação concreta exige ou cuja finalidade se propõe atingir, isto é, em face das concretas circunstâncias favoráveis e/ou desfavoráveis (atenuantes ou agravantes) fixar a pena concreta a aplicar em face da ponderação concreta que se faça do caso concreto e, consequentemente, optando-se pela fixação da pena na sua média ou no meio da moldura prevista ou, conforme as referidas circunstâncias, fixando-se a mesma pena concreta abaixo dessa média até ao seu limite mínimo, no caso de haver circunstâncias atenuantes que o justifiquem ou, pelo contrário, subindo-se nessa fixação até ao seu limite máximo se as circunstâncias agravantes o justificarem. E, ainda porventura, se alguma ou algumas circunstâncias se verificarem que a lei preveja obrigatória ou facultativamente, deverá o julgador eventualmente atenuar especialmente a pena concreta a aplicar e, consequentemente, pela aplicação dos critérios previstos no artigo 73.º do Código Penal, isto é, alterando-se esses limites mínimos e máximos resultantes da eventual aplicação de uma atenuação especial, aplicar então dentro dessa moldura, e segundo aqueles referidos critérios, a pena concreta ao agente.
Assim, mutatis mutandis entendemos dever suceder no julgador ou aplicador de uma pena disciplinar, ou seja, de forma análoga no âmbito do direito disciplinar, como sancionatório que é, ao que sucede e acaba de se referir que sucede ou deverá suceder no âmbito do direito penal.
Ora, e mais uma vez, baixando ao caso concreto em apreço, verificamos que o órgão decisor e autor do acto impugnado, da entidade ré, infringiu os mencionados princípios e/ou dispositivos legais atrás aduzidos, na fixação da pena disciplinar aplicada ao autor/arguido.
Com efeito, nos termos sobreditos, o acto impugnado na aplicação da medida concreta da pena disciplinar de suspensão por 6 meses, prevista no artigo 103.º, alínea d), do E.O.A., embora fizesse referência à devolução parcial (ainda que quase na sua totalidade) das quantias pertencentes à participante, acabou por não as considerar relevantes como sendo uma atenuante da pena a aplicar e, consequentemente, a ser tida em conta essa devolução e/ou reparação dos danos à mesma participante e, naturalmente, com reflexo óbvio ou evidente nas consequências patrimoniais da infracção, por menos gravosas, precisamente porque lhe aplicou a pena disciplinar máxima prevista no referido normativo. Aliás, cremos até, que deveria a própria entidade ré ter analisado e/ou ponderado até uma eventual atenuação especial da pena disciplinar prevista no referido normativo, atento o disposto nas disposições conjuntas dos também citados artigos 205.º, n.ºs 5 e 206.º, n.º 3, ambos do Código Penal, aqui ou in casu subsidiariamente aplicáveis, ainda que, naturalmente e atento o seu poder discricionário, entendesse eventualmente não a atenuar especialmente, na medida em que estes normativos apenas prevêem essa possibilidade e não obrigatoriedade. Mas, não apreciando e/ou analisando sequer essa possibilidade, entendemos que não podia ter deixado de a colocar ou ponderar na sua decisão sancionatória e, consequentemente, justificar a não aplicação dessa circunstância atenuante especial. E, bem assim, tal como, apesar de ter considerado que o autor/arguido não tem ou não tinha antecedentes
disciplinares, e consequentemente era ou é um delinquente (a nível disciplinar) primário, afinal também deixou de ter em conta esta circunstância, na mesma medida em que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão por 6 meses no máximo da moldura prevista no citado normativo legal. E mutatis mutandis o mesmo se verifica relativamente ao grau de culpabilidade com que o autor/arguido terá praticado os factos provados em causa. Com efeito, não se duvida que é aplicável na apreciação do grau de culpa, no âmbito do processo ou ilícito disciplinar, o disposto nos artigos 13.º a 15.º do Código Penal, na medida em que vigora o princípio, aliás paradigma e basilar, do direito penal, de nula poena sine culpa, sendo que deveria, naturalmente, a entidade ré, no acto impugnado e consubstanciado no Acórdão punitivo, apreciar esse grau de culpa por referência à caracterização do elemento subjectivo da ou das infracções cometidas pelo autor/arguido, seja no sentido de ter actuado dolosamente ou tão só por negligência, e mesmo se entendendo que tenha considerado tal comportamento ou actuação como dolosa, ainda assim teria que considerar o dolo nas suas modalidades de dolo directo ou de apenas eventual. Ou seja, o dizer-se, como se refere no acórdão/acto punitivo e sua fundamentação (por referência ao acórdão recorrido da 1.ª instância, do Conselho Distrital do Porto), que a culpa na conduta ou comportamento do autor verificada foi intensa, quando deveria e teria que caracterizar essa mesma culpa maxime como sendo esse comportamento doloso ou com negligência ainda que grave. Aliás, e neste âmbito, verificamos que, ao longo do processo disciplinar, e mais propriamente atenta a correspondência travada entre o autor e a sua cliente em causa, o autor/arguido nunca recusou, pelo contrário, sempre referira à mesma que lhe restituiria as importâncias em causa ainda que, como resulta dessa troca de correspondência, adiando ou protelando essa entrega ou devolução. Aliás, como justificação da retenção desses dinheiros alegou e alega o autor/arguido as suas dificuldades económicas ou financeiras, sendo certo que estes factos que o acto impugnado acaba por dar como provado ou demonstrado, afinal em nada relevou a nível de constituir uma circunstância também atenuante da medida da pena disciplinar e, por isso, a ter em conta na medida concreta da sua aplicação. Circunstâncias estas que, embora relevantes, o acto impugnado e punitivo acabou por considerar como irrelevantes na medida em que lhe aplicou a pena disciplinar máxima prevista na mesma referida norma punitiva, sendo certo que igualmente as deveria ter considerado relevantes.
Todavia, por outro lado, é certo que a pena disciplinar aplicada, conforme resulta do Acórdão do Conselho Distrital do Porto (1.ª instância) é uma pena disciplinar única de seis meses de suspensão, sendo certo que se desconhecem quais as penas parcelares aplicadas, seja a correspondente à infracção consubstanciada na mudança de local de escritório do autor/arguido sem ter comunicado o facto à entidade ré e, por outro lado, a correspondente ao facto decorrente de o mesmo autor/arguido ter detido ou se apoderado das referidas importâncias da sua cliente e participante, sendo que na sanção disciplinar punitiva é posto em relevo a pouca gravidade daquela por a mesma ter sido praticada com negligência, enfim, considerando-a mesmo uma infracção leve. Ou seja, parece indiciar-se dessa constatação que a tal infracção corresponde ou corresponderia uma pena disciplinar de gravidade necessariamente inferior à pena de suspensão aplicada e, por isso, certamente, como se presume, subsumida em quaisquer das penas disciplinares constantes das alíneas a) (advertência), b) (censura) ou c) (Multa) e, assim, não se percebe como possa ter sido cumulada com aquela pena de disciplinar de suspensão, dada a diferente natureza das mesmas.
E finalmente, verifica-se ainda que o acórdão/acto punitivo acabou por aplicar também ao autor/arguido as penas acessórias conjuntas previstas no artigo 104.º, do E.O.A., seja a da restituição da quantia ou quantias pertencentes à participante, no caso os restantes 500 contos que reteve alegadamente a título de honorários, e ainda a da perda de honorários. Ora, resulta dos autos que o autor/arguido recebeu a título de adiantamento de despesas e honorários uma importância de 402.000$00 (doc. de fols.10 do processo instrutor da autoria da própria participante) sendo que tal se terá destinado ao processo de revisão/confirmação da sentença estrangeira que o autor também patrocinou à participante. Ou seja, a questão ou objecto do processo disciplinar instaurado pela entidade ré ao autor limitou-se ao facto relacionado com a compra e venda que o autor outorgou em nome e/ou em representação da sua cliente e participante, precisamente a importância que reteve da parte do preço que o autor recebeu em nome da mesma sua cliente, sendo que a totalidade desse preço foi ou era a importância correspondente a metade do preço da venda do imóvel em causa (preço total de 15.000 contos, sendo metade para a participante e a outra metade para o seu ex-marido), tendo o autor entregue/devolvido atempadamente à mesma sua cliente a importância de 2.000 contos, retendo ilicitamente 5.500 contos, a partir da data da celebração da escritura pública de compra e venda desse imóvel, sendo que desta última importância apenas devolveu a importância de 5.000 contos continuando a reter e/ou a não devolver a importância de 500 contos. Assim sendo, verifica-se que nada o autor/recebeu ou terá recebido então a título de honorários pela sua participação no negócio da venda do imóvel em causa pois,
previsivelmente, como resulta dos autos, teve de arranjar ou procurador um comprador para o mesmo imóvel, deslocando-se ao mesmo pelo menos para o disponibilizar ou ser visto pela compradora que acabou por o adquirir, a sua participação no contrato promessa de compra e venda que precedeu a escritura de compra e venda definitiva do mesmo, a legalização do imóvel, a obtenção dos documentos necessários para o registo provisório de hipoteca a favor da entidade bancária (pois está demonstrado que a compra e venda foi simultânea com um contrato de mútuo com hipoteca entre a adquirente do imóvel e uma entidade bancária) para além da intervenção do autor na própria escritura em causa, ocorrida ou realizada em 26 de Maio de 1998. Ora, não se compreende objectivamente tais sanções acessórias conjuntas da perda de honorários e restituição de quantias com o que consta da fundamentação da pena disciplinar principal que lhe foi aplicada (suspensão de seis da actividade de advogado) no sentido de que o autor/arguido não restituiu a importância de 500 contos que ilegitimamente continua ou continuou a deter e não os devolveu e, ao mesmo tempo, foi também sancionado com a perda de honorários. Ou seja, afinal estas penas acessórias de perda de honorários e de restituição são distintas ou diferentes. A ser assim, afinal entende-se que a pena acessória de restituição da quantia seja a devolução dos 500 contos restantes (5.500 – 5000 = 500) que o autor ainda retém. Mas, relativamente à pena acessória de perda de honorários, entende-se que na sua execução não poderá o mesmo autor apresentar à participante os seus honorários relativos ou inerentes e, nessa medida, perdê-los-á. Contudo, a ser assim, tal significa que o acto impugnado reconhece ou admite não ter o autor recebido os seus honorários relativamente ao negócio em que interveio em nome da sua cliente e participante. Só que a admitir esta hipótese, então sempre teria que admitir o acto/acórdão impugnado que, afinal, os referidos 500 contos ainda retidos pelo mesmo autor (e que foi também relevante na aplicação da medida da pena) se reportavam aos honorários do autor e que lhe seriam devidos pela sua intervenção em representação da participante nesse negócio. O que quer dizer, que esta questão é de facto obscura e resulta evidenciado nos autos, nomeadamente do processo instrutor e, consequentemente, sempre a entidade ré teria que a esclarecer ou procurar esclarecer no âmbito da averiguação dos factos que constituem objecto do processo disciplinar. Aliás, entendemos mesmo que a entidade ré até tentou esclarecer esse facto quando notificou a participante (comunicação de fols. 72 do processo instrutor) para vir dizer se se encontrava integralmente ressarcida dos danos sofridos, tendo a mesma respondido tão só que o Sr. Advogado lhe havia entregue 5.000 contos, juntando fotocópia comprovativa dessa entrega, nada se esclarecendo se aquela importância de 500 contos retida (que o autor/arguido continuou a reter) se reportava ou não aos honorários do autor (como este alega ou alegou) ou, ainda, mais concretamente se a participante havia ou não combinado/acertado com o autor/arguido os honorários que o próprio autor alega ou refere. Todavia, afigura-se-nos que o simples facto de o autor ter alegado que tal importância retida se reportava aos seus honorários (aliás, segundo o mesmo até superiores, pois seriam de 750 contos, mas retendo apenas 500 contos para compensar a participante dos 5.500 contos ilicitamente retidos durante mais de um ano), e não existindo qualquer elemento nos autos de que resulte o autor ter-se cobrado de quaisquer honorários (salvo a retenção desses 500 contos) e apenas os relativos ao referido negócio, não ser legítimo concluir, como o faz o acto impugnado, não ter o autor demonstrado esse acordo/combinação quanto aos honorários em causa da referida importância e/ou, pelo menos, independentemente dessa prova de acordo/combinação do montante de honorários, sempre se teria de concluir que o autor teria direito a uma importância relativa a título desses honorários, embora não concretamente determinada, na medida em que o trabalho foi desenvolvido pelo autor e, independentemente de qualquer acerto prévio quanto ao montante de honorários, os mesmos são sempre devidos e, consequentemente, sempre qualquer importância do montante retido de 500 contos seriam ou deveriam ser como havidos ou retidos a título de honorários, ainda que, como referido, se desconhecendo o seu montante exacto.
Assim, e em síntese, sendo certo que não cabe ao tribunal, em princípio sindicar a concreta aplicação da pena disciplinar aplicada ao autor/arguido, na medida em que a entidade ré é livre ou detém o poder discricionário da escolha de tal pena e da sua medida, todavia, esta discricionariedade é vinculada aos critérios legais aplicáveis, sendo que in casu a entidade ré, nos termos sobreditos, não cumpriu integralmente e/ou infringiu mesmo os normativos legais aplicáveis a que estava e está vinculada, seja os dispositivos constantes do artigo 105.º por referência ao artigo 103.º, ambos do E.O.A. aprovado pelo Dec. Lei n.º 84/84, de 16/03, e, ainda, dos artigos 13.º, 14.º, 15.º, 71.º, n.ºs 1 e 2, als. b) a e), 72.º, n.ºs 1 e 2 als. c) e d), a disposições conjuntas dos artigos 73.º, 206.º, n.º 3, por referência ao artigo 205.º, todos do Código Penal, aqui subsidiariamente aplicáveis.
(…)
Visto o que é alicerce de direito da decisão recorrida, cumpre apreciar do mérito a impulso do que em recurso se encontra impugnado e contraditado.
I) – Da nulidade do Acórdão recorrido
No juízo do Acórdão recorrido, se bem sintetizamos, esteve a conclusão de que a pena aplicada foi por demais desproporcionada ao que mereceria em aplicação do critério legal, que não terá operado como deveria.
Isto, quando escolhida uma pena, de entre outras e de entre as várias de suspensão (art.º 103º do EOA, versão Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março), a sua graduação, em claro erro de graduação, atingiu o limite máximo
É esta, em síntese, a fundamental razão que se retira de todo o discurso argumentativo.
E se assim o fez não pode ter-se como violado o disposto nos artigos 3.° do CPTA; o tribunal não extravasou os poderes de pronúncia que legalmente lhe estão cometidos.
Certo que “O juízo de censura ético-jurídica expresso pela Administração pública no domínio sancionatório disciplinar não é passível de ser sindicado jurisdicionalmente do ponto de vista do mérito do exercício dos poderes de autoridade, mas só do ponto de vista da respectiva conformidade legal” – Ac. do TCAS, de 01-04-2004, proc. nº 11470/02.
Mas foi, precisamente, esta conformidade que foi apreciada.
No que lhe competia e incumbia, conteve-se a actividade jurisdicional.
Cfr. Ac. do STA, de 02-10-2012, proc. nº 0198/09 :
«O princípio da proporcionalidade, princípio de consagração constitucional (art. 266º, nº 2 da CRP) a que obrigatoriamente está sujeita a actividade administrativa, traduz-se em que “As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar” (art. 50º, nº 2 do CPA).
Constitui “um limite interno da discricionariedade administrativa, que implica não estar a Administração obrigada apenas a prosseguir o interesse público – a alcançar os fins visados pelo legislador –, mas a consegui-lo pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições jurídicas dos particulares” (M. Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, “Código do Procedimento Administrativo”, Almedina, 2ª edição, pág. 103).
E estes Autores – após sublinharem que o princípio da separação de poderes exclui o controlo jurisdicional sobre a oportunidade e mérito da actividade administrativa – sublinham que “a proposição pacífica da invalidade jurídica do acto desproporcionado (ou inadequado) tem, pois, de ser entendida cuidadosamente: é fácil asseverar que não se pode, para esses efeitos, confundir a proporcionalidade (jurídica) com o mérito (administrativo) de uma decisão, mas é muito difícil determinar através de cláusulas gerais onde acaba uma e começa o outro – salvo tratando-se de um caso de inadequação objectiva da medida tomada à finalidade proposta”.
A este propósito, e em sede de direito disciplinar, expende-se no Ac. do Pleno de 29.03.2007 – Rec. 412/05, secundando jurisprudência reiterada deste STA, que “Ao exercer os seus poderes disciplinares em sede de graduação da culpa e de determinação da medida concreta da pena, a Administração goza de certa margem de liberdade, numa área designada de “justiça administrativa”, movendo-se a coberto da sindicância judicial, salvo se os critérios de graduação que utilizou ou o resultado que atingiu forem grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis.”.
É, pois, claro que essa margem de liberdade administrativa, reconhecida na conformação da actividade disciplinar da Administração, não afronta o princípio constitucional e legal da proporcionalidade (neste sentido, cfr. o recente Ac. STA de 23.09.2010 – Rec. 58/10).» - Ac. do STA, de 02-10-2012, proc. nº 0198/09.
Veja-se, por todos, o Acórdão do Pleno do STA, de 29-03-2007, Proc.º n.º 0412/05, e jurisprudência aí citada, em sede de fixação da medida da pena : “a Administração goza de certa margem de liberdade, numa área designada de «justiça administrativa», movendo-se a descoberto da sindicância judicial, salvo se os critérios de graduação que utilizou ou o resultado que atingiu atentarem contra os princípios que regem a actividade administrativa ou forem grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis (tb, Ac. do Pleno, de 02-07-2009, proc. n° 0639/07).
II) – Da prescrição
Uma primeira atenção vai para a questão da prescrição, instituto que no campo do ilícito disciplinar forense tem conhecimento oficioso.
Suscitada pelo recorrido em contra-alegações, alicerçando-se no que já é fundamento de contextual discussão entre as partes quanto à caracterização das infracções, e tratando-se de matéria de solução simples, resolve-se sem maiores trâmites de contraditório, por manifesta desnecessidade.
Enfrentemos, pois, a questão.
Previa o Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março (alterado pela Lei n.º 6/86, de 23 de Março, pelos Decretos-Leis n.ºs 119/86, de 28 de Maio, e 325/88, de 23 de Setembro, e pelas Leis n.ºs 33/94, de 6 de Setembro, 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 80/2001, de 20 de Julho), vigente ao tempo dos factos em causa:
Artigo 99º
(Prescrição do procedimento disciplinar)
1 – O procedimento disciplinar prescreve no prazo de 3 anos.
2 – As infracções disciplinares que constituam simultaneamente ilícito penal prescrevem no mesmo prazo que o procedimento criminal, quando este for superior.
3 – A prescrição é de conhecimento oficioso, podendo, no entanto, o advogado arguido requerer a continuação do processo.

Há que não esquecer que o recorrente foi punido disciplinarmente em razão de duas infracções.
Num primeiro apontamento, e considerando as consequências da acção, haverá que distinguir.
As infrações permanentes completam-se num dado instante quanto a todos os seus elementos constitutivos. Todavia, só se consumam materialmente quando cessa o efeito do ilícito, como seja a realização do fim do agente. Como ensina Wessels (Derecho Penal, Parte General, Buenos Aires, 1980, p. 10), “a manutenção da situação ilícita depende da vontade do autor, de modo que este realiza o tipo não só quando provoca a situação, como quando a deixa perdurar”; enquanto perdura a conduta lesiva, em cada um desses momentos, o facto como que se renova, continua a realizar-se a violação do interesse que a norma quer tutelar, e inclusivamente a contribuir para o incremento da ilicitude e da pena; casos em que permanece o dever, que se renova a cada instante, porque não cumprido, de, por exemplo, entregar o alheio, que o agente ainda detém ilegitimamente; a permanência deste dever é que vai determinar que a infração se consuma no preciso momento, e só nesse, em que o dever já não tenha de ser cumprido, nomeadamente, porque a quantia em dinheiro foi entregue ou devolvida, pondo-se termo à situação antijurídica.
Segundo Eduardo Correia, na estrutura dos crimes permanentes distinguem-se duas fases: uma, que se analisa na produção de um estado antijurídico, que não tem, aliás, nada de característico em relação a qualquer outro crime, e, outra, esta propriamente típica, que corresponde à permanência ou, vistas as coisas de outro lado, à manutenção desse evento, e que para alguns autores consiste no não cumprimento do comando que impõe a remoção pelo agente dessa compressão de bens ou interesse jurídicos em que a lesão produzida pela primeira conduta se traduz. (Direito Criminal, I, p. 309).
Como também refere este eminente mestre de Coimbra, a existência do dever de cessar o estado antijurídico criado, faz distinguir os crimes permanentes dos crimes de efeitos permanentes, aqueles que se esgotam num único momento, mas cujos efeitos se podem prolongar no tempo. É, pois, importante não confundir o crime instantâneo com o crime permanente, quando de um crime instantâneo derivam efeitos que podem considerar-se permanentes, dado que se prolongam no tempo. Todavia, são efeitos que dizem respeito às consequências nocivas que podem derivar do crime, em nada alterando a sua estrutura no que se refere à instantaneidade da consumação. Casos em que o agente cria uma situação antijurídica, mas a sua manutenção já não tem significado típico. Nestes ilícitos de efeitos permanentes, com características duradouras, por vezes mencionados como delitos de situação (délit de situation, Zustandsdelikt - Kindhäuser, Strafgesetzbuch, 4ª ed., Nomos, 2010, pág. 131), - como a bigamia (art. 247º CP), ou a ofensa à integridade física prolongada, como também será o caso do art. 144º, c) do Código Penal, com a provocação de doença permanente ou anomalia psíquica incurável -, o agente, uma vez criada a situação, que a seguir lhe escapa das mãos, fica sem qualquer capacidade de lhe pôr termo.
Não havendo de confundir a consumação das infracções com a cessação dos efeitos dessa consumação.
Os efeitos são especialmente importantes para a questão da prescrição, uma vez que de modo diferente ao das infracções de execução instantânea (em que o prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado - (art. 119º, nº 1, do CP), esta “só corre” “nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação” (art. 119º, nº 2, a), do CP) - Miguez Garcia/Castela Rio, Código Penal, Parte Geral e Especial, 2014, Almedina, pág. 462.
Como é o caso.
No que diz respeito à retenção ilegítima do dinheiro do cliente pelo seu advogado, e também na falta de comunicação de mudança do escritório, estamos perante infracções permanentes.
Aquela que respeita à ilegítima retenção dos 5.550 contos configura abuso de confiança (art.º 205º do CP), aplicando-se respectivo prazo prescricional (cit. art.º 99º, nº 2), abuso que ultrapassa a sua forma mais simples, com um prazo de prescrição de 10 (dez) anos (art.º 118º, nº 1, b), do CP).
Assim, reportando, pois, na melhor das hipóteses favoráveis ao recorrido (pois o recorrido alega que dos 5.550 contos a restituir à cliente, compensou nessa devolução 500 contos de honorários), a cessação da consumação a Junho de 1999, data em que devolveu 5.000 contos, e quando o Acórdão do Conselho Superior data de 17 de Dezembro de 2004, nunca se poderá ter como atingida a prescrição.
Mesmo na tese (que se não sufraga) ainda mais favorável ao autor, por este defendida em recurso, de estarmos perante ilícito instantâneo de efeitos temporários ou permanentes, longe estaríamos de ser atingida a prescrição (por aplicável o prazo do procedimento criminal).
A infracção não prescreveu.
A segunda das infracções, de não comunicação de mudança de escritório, já não tem qualquer projecção penal.
O seu prazo prescricional é de 3 (três) anos (cit. art.º 99º, nº 1).
O Acórdão do TAF aqui em recurso refere-se a esta infracção “há muito mais de dois anos, por referência à data de 24 de Fevereiro de 2000 - data em que contra o autor foi proferida acusação pelos factos em discussão nestes autos - que o autor havia mudado as instalações do seu escritório”, chegando mesmo a ela referir-se como uma infracção que “se prolongou no tempo mas iniciando-se em data já anterior ao ano de 1998” (o próprio autor, em defesa apresentada no processo disciplinar remonta a falta ao ano de 1990).
Persistindo no tempo, e pese o conhecimento adquirido pela Ordem da infracção, não há qualquer notícia que o recorrido lhe tenha posto termo, pelo acto unilateral que só a si lhe competia, de comunicar a mudança de escritório.
Não se pode dar por verificada a prescrição desta infracção.
Tudo isto em contínuo.
Cfr. Ac. do STA, de 30-09-2010, proc. nº 01039/08(1)
«O prazo de prescrição do procedimento disciplinar por infracção disciplinar praticada por advogado, estabelecido no artigo 99 do Estatuto da OA, na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei 80/2001, de 20 de Julho, corre continuamente, desde a data em que tenham sido praticados os correspondentes factos constitutivos, sem intervenção dos institutos da suspensão ou da interrupção.».
E sendo pacífico que o prazo de prescrição do procedimento não corre entre a data do acto que o decidiu e o trânsito em julgado da decisão judicial sobre a sua impugnação (cfr. Acs. do STA, de 18-02-1998, proc. nº 35737; de 15.12.04, proc. nº 797/04; de 06-12-2005, proc. nº 042203; de 14-05-2009, proc. nº 0857/08; de 25-06-2009, proc. nº 0550/09; de 27-01-2010, proc. nº 0551/09; de 30-09-2010, proc. nº 01039/08).
As coisas não surtem em diferente sorte se analisadas já à luz dos Estatutos da OA na redacção dada pela Lei 80/2001, de 20 de Julho (já atendendo à Declaração de Rectificação n.º 17/2001), que dispõe no seu:
Artigo 93º
Prescrição do procedimento disciplinar
1 - O procedimento disciplinar extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática da infracção tiver decorrido o prazo de três anos.(2)
2 - O prazo de prescrição do procedimento disciplinar corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.
3 - No entanto, o prazo de prescrição só corre:
a) Nas infracções instantâneas, no momento da sua prática;
b) Nas infracções permanentes, desde o dia em que cessar a consumação;
c) Nas infracções continuadas, desde o dia da prática do último acto.
4 - A prescrição do procedimento disciplinar suspende-se durante o tempo em que:
a) O procedimento disciplinar estiver suspenso a aguardar despacho de acusação ou de pronúncia em processo penal;
b) O procedimento disciplinar estiver pendente a partir da notificação da acusação;
c) A decisão do procedimento não puder ser notificada ao arguido, por motivo que lhe é imputável.
5 - A suspensão, quando resulte da situação prevista na alínea b) do número anterior, não pode ultrapassar dois anos.
6 - O prazo prescricional volta a correr a partir do dia em que cessar a causa de suspensão.
7 - A prescrição do procedimento disciplinar interrompe-se:
a) Com a notificação da instauração do procedimento disciplinar;
b) Com a notificação da acusação.
8 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
9 - A prescrição do procedimento disciplinar tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.
10 - A prescrição é de conhecimento oficioso, podendo, no entanto, o advogado arguido requerer a continuação do processo.
Sem dificuldade, logo de primeiro olhar, dispensando maior pormenor pela evidência das coisas, se vê presença em concreto de múltiplos factores que, perturbando aquela contagem em contínuo, atirariam o termo final do prazo de prescrição para mais tarde, bastando ter presentes os trâmites do processo disciplinar, subsumidos à enunciada normatividade.
III) – Da medida da pena
O Acórdão recorrido entendeu que escolhida uma pena, de entre outras e de entre as várias de suspensão (art.º 103º do EOA, versão Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março), a sua graduação, em claro erro de graduação, atingiu o limite máximo.
Desproporcionada, pois.
O princípio da proporcionalidade, previsto nos arts. 5º, nº 2 do CPA e 266º, nº 2 da CRP, reporta-se à necessidade de adequação e de harmonia quantitativa da medida administrativa aos objectivos a realizar, em ordem a que essa medida não se revele objectivamente desajustada e desproporcionada à consecução daqueles objectivos, impondo ao particular, dentro dessa ponderação relativa, um sacrifício excessivo e desadequado, em lugar de um sacrifício menor e mais adequado que poderia ter sido conseguido com a adopção de uma outra medida administrativa menos gravosa - cfr. Ac. do STA, de 02-03-2006, proc. nº 02068/02.
Em sede das penas disciplinares, o princípio da proporcionalidade postula a adequação da pena imposta à gravidade dos factos apurados, podendo a este propósito, falar-se do princípio da intervenção mínima, necessariamente ligada ao princípio do «favor libertatis», que deve levar a Administração a escolher de entre as medidas que satisfaçam igualmente o interesse público a que se configura como menos lesiva – cfr. Ac. do STA, de 10-07-2012, proc. nº 0803/11.
Entende a recorrente que ao caso cabe aplicar pena de suspensão por aplicação da Lei nº 80/2001, de 20/07 - perante infracção permanente, que justifica a aplicação de Lei Nova, sendo assim até mesmo que mais gravosa -, a qual prevê a suspensão como uma só pena (art.º 101º, nº 3, versão do EOA dada por esta Lei nº 80/2001, de 20/07); como uma só pena antes se tratava a pena de suspensão, ainda que com vários escalões; sem que se tenha atingido qualquer máximo, tendo sido respeitado critério para graduação.
Vejamos, pois.
Conforme se extrai do processo disciplinar apenso:
- a acusação feita contra o recorrido, datada de 24 de Fevereiro de 2000, imputou a este a violação dos deveres “consagrados no E.O.A.. (Dec. Lei 84/84 de 16 de Março) nos artigos 83º nº1, alíneas c), d), g), h) e i) e 76ºnº1 e nº3, e ainda no artigo 79º alínea h), constituindo a sua violação infracção disciplinar, artigo 91º do mesmo diploma.”;
- a primeira decisão punitiva, de 15/09/2000, do Conselho Distrital do Porto da Ordem, reiterou afirmação de violação dos mesmo normativos, averiguando da medida da pena “de acordo com os parâmetros impostos pelo artigo 105º do E.O.A.”, e entendendo que deveria “ser aplicada a pena única de seis meses de suspensão – artigo 103º - d) – e apena acessória de restituição dos 500.000$00 que ainda retém à participante, bem como a perda de honorários relativamente ao negócio da venda do prédio nos termos do artigo 104º, ambas as disposições citadas são do E.O.A..”; e
- o Acórdão do Conselho Superior, de 17 de Dezembro de 2004, subscreveu que “fora de dúvida que o Recorrente infringiu os deveres consagrados nos artigos 83º, alíneas c), g), e h) e 76º, nºs. 1 e 3, bem como o artigo 79º, alínea h) do EOA”.
É claríssimo que foi sempre o EOA na sua versão anterior à Lei nº 80/2001, de 20 de Julho, que esteve em consideração.
Não se percebe (ou percebe-se!), pois, o esforço de afirmação que a recorrente agora faz de integração da aplicada pena de seis meses de suspensão como aplicada à luz desta última Lei nº 80/2001, de 20/07 (e, por assim dizer, considerando que nos termos do seu art.º 101º pode ir até 10 anos, todo o sopesar de medida foi criterioso, nada resultando em desproporção), quando o que é certo é que assim não aconteceu; o caso foi unicamente visto à luz do regime anterior à Lei Nova.
Se a Lei Nova poderia ter sido tida em consideração? Sim, podia. Mas não foi isso que sucedeu.
Qual o tempus delicti?
É comum o apelo a princípios e institutos do direito penal ao direito administrativo disciplinar, dados os termos essencialmente análogos em que se conjugam estes dois ramos de direito.
O facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou, ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido – art.º 3º do CP.
Convoca a recorrente que não se suscitam dúvidas na «doutrina que, ainda que se entenda constituírem os diversos factos, crime continuado ou permanente, "aplica-se a lei nova, ainda que mais severa, desde que a execução ou o último acto tenham cessado no domínio da lei nova" (Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado, 2007, 18ª Edição, pág. 67).».
No que o recorrido contrapõe que "a melhor doutrina parece ser aqui a de que qualquer agravação da lei ocorrida antes do término da consumação (sobre este conceito infra Tomo II) só pode valer para aqueles elementos típicos do comportamento verificados após o momento da modificação legislativa. E solução paralela parece dever defender-se para o chamado crime continuado (art. 30.°-2; cf. infra, Tomo II)" - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, p. 183, citando opinião concordante Taipa de Carvalho e doutrina Alemã nesse sentido, ver nota 38.
Não vamos pela figura do “crime continuado”, com que o presente caso não tem coincidência.
Tratamos aqui de infracções permanentes, hoc sensu.
Temos por adequada a lição de Miguez Garcia/Castela Rio, no seu Código Penal, Parte Geral e Especial, Almedina, 2014, pág. 38:
«Nestes crimes de duração pode a lei ser alterada durante o tempo da comissão: a pena para certas formas de sequestro pode agravar-se enquanto a vítima permanece ilegalmente detida e então deverá aplicar-se a lei vigente no termo do crime, quando portanto cessa a consumação. E isso não obstante ambas as leis, a antiga e a nova terem estado em vigor pelo tempo que perdurou o comportamento desvalioso. A imposição da pena não ofende o princípio da irretroactividade, pois tanto o início como a manutenção da situação foram a arbítrio do agente. Mas a lei nova mais favorável deve ser aplicada retroactivamente se entre a prática do facto (momento da conduta) e a decisão tiver havido alteração do regime legal, independentemente da motivação do legislador que optou por um novo regime mais favorável.»
Caberia, então, perguntar (sobre o que não foi feito) qual, então, a pena concretamente mais favorável à luz de um e doutro dos regimes que se sucederam, quando, na perspectiva da recorrente, do que antes se tratava na versão do anterior EOA, e no que a pena aplicada ao recorrido se enquadraria, configurava, apenas e tão só, diferentes escalões de uma mesma pena, de suspensão com um limite máximo até 15 anos… e agora com um limite máximo de 10 anos…
Quanto à questão dos escalões, tendo em atenção o art.º 103 do EOA (versão Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março), temos como correcto o entendimento de que os mesmos, a exemplo do que sucede com o Código Penal (arts. 118.º e ss.), indicam os prazos de duração de acordo com a gravidade da infracção.
Previa-se:
Artigo 103.º
(Penas disciplinares)
As penas disciplinares são as seguintes:
a) Advertência;
b) Censura;
c) Multa de valor até metade do valor da alçada do tribunal da comarca;
d) Suspensão até 6 meses;
e) Suspensão por mais de 6 meses até 2 anos;
f) Suspensão por mais de 2 anos até 10 anos;
g) Suspensão por mais de 10 anos até 15 anos.
Não constituem um continuum indistinto de penas.
As várias penas de suspensão vêm diferenciadas; e tanto se diferenciam que logo o art.º 106 do mesmo estatuto dava nota dessa distinção ao prever que “As penas previstas nas alíneas e) e f) do artigo 103.º só podem ser aplicadas por infracção disciplinar que afecte gravemente a dignidade e o prestígio profissional, mediante decisão que obtenha dois terços dos votos de todos os membros do conselho competente.”.
Quando o legislador preferiu outras técnicas, outros procedimentos, teve o cuidado de estabelecer esse mesmo contínuo. Com efeito, outros têm vindo a ser adoptados, como no art. 15.º, nº 1, do RJIFNA, com um regime especial em matéria de prazos de prescrição, que o Ac. do TC n.º 226/2003, de 29 de Abril, entendeu não violar o princípio constitucional da igualdade.
Concluindo, foi aplicada uma pena, e no seu máximo (art.º 103º, d), do EOA, versão anterior à Lei nº 80/2001, de 20 de Julho).
No que o juízo comparativo de penas feito pelo tribunal recorrido entendeu ser aplicação de regime mais favorável, sopesando confronto entre uma pena de suspensão de máximo até seis meses e uma pena de suspensão de máximo até 10 anos; o desfasamento é tão grande que logo liminarmente se afigura caber razão na opção.
Na medida de graduação dessa pena deveria “atender-se aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, ao grau de culpabilidade, às consequências da infracção e a todas as demais circunstâncias agravantes ou atenuantes” (art.º 105º do EOA, versão anterior à Lei nº 80/2001, de 20 de Julho).
Escolhida uma pena cuja moldura máxima ia até seis meses, há que não esquecer que se trata no caso de pena única que envolvia duas infracções, ainda que uma delas apenas na sua forma negligente, e quanto à outra com reparação, se não integral, quase na íntegra (permanece numa nebulosa zona a questão de compensação por honorários envolvendo 500 contos não restituídos) que não foi célere (ainda que também se não tenha “arrastado” por demais), envolvendo montante que não é dos mais elevados (já vistos em semelhantes casos), mas ainda assim significativo, com ausência de anteriores sanções disciplinares, em que a aplicação do máximo da pena poderá não ter-se como a mais “afinada” em equilíbrio.
Mas, ainda assim, não claramente desproporcionada.
E só nesse casos deve o tribunal sobrepor o seu poder de apreciação, como repetidamente é jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
«Com efeito, a jurisprudência deste Supremo tem afirmado “se ao tribunal é possível analisar da existência material dos factos nos moldes acima referidos e averiguar se eles constituem infracções disciplinares, já lhe não cabe apreciar a medida concreta da pena, salvo em casos de erro grosseiro e manifesto, porque essa é uma tarefa da Administração que se insere na chamada discricionariedade técnica ou administrativa”. - Ac do Pleno de 29/03/2007 (rec. 412/05). Ou seja, e dito de forma diferente, se é certo que cabe dentro dos poderes do Tribunal analisar se os factos que justificaram a punição tiveram lugar e se eles constituem infracção disciplinar já lhe escapa a competência para apreciar a medida concreta da pena foi bem doseada, salvo em casos de erro grosseiro e manifesto, por esta ser uma tarefa da Administração inserida nos seus poderes discricionários.» - Ac. do STA, de 14-04-2010, proc. nº 0803/09.
«Como se disse, por exemplo, no Acórdão de 6-3-97 – Rec 41112, seguindo jurisprudência uniforme “os tribunais não podem substituir-se à Administração na fixação concreta da pena, pelo que a graduação da pena disciplinar, não sendo posta em causa a qualificação jurídico-disciplinar das infracções, não é contenciosamente sindicável, salvo erro grosseiro ou manifesto, ou seja, se a medida da pena for ostensivamente desproporcionada, uma vez que tal actividade se insere na chamada actividade discricionária da Administração”. Erro grosseiro (como se diz no Acórdão deste Tribunal de 7-2-2002, Rec. 48149) que pode consistir na “manifesta desproporção entre a sanção e a falta cometida, com violação clara do princípio da proporcionalidade (art. 266.º, n.º 2 da CRP), princípio que funciona como limite intrínseco ao exercício de poderes discricionários - cfr. os Acs. de 30.03.95, 20.10.94 e 03.03.94, nos Recs. n.º 35.892, 32.172 e 32.180, respectivamente”. Também na doutrina, FREITAS DO AMARAL defende que “as hipóteses de erro manifesto de apreciação, correspondem dogmaticamente, a situações de desrespeito do princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação” – Curso de Direito Administrativo, Vol II, 2002, pág. 84. Igualmente ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, só entendem relevante para a invalidade dos actos os casos de “desproporcionalidade manifesta ou grosseira”. Na verdade, continuam os autores citados, a invalidade por desadequação (modalidade da desproporcionalidade) não abrange “as hipóteses em que a medida tomada se situa dentro de um círculo de medidas possíveis, embora possa ser discutível se a mais proporcionada é aquela que a Administração se serviu” – Cód. Proc. Adm. anotado, pág. 104 e 105.» - cfr. Ac. do STA, de 03-11-2004, proc. nº 0329/04.
“No que respeita à própria pena aplicada –à medida da pena em concreto-, em que existe discricionariedade técnica por parte da Administração, a intervenção do tribunal fica reservada aos casos de erro grosseiro, isto é, àquelas contingências em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida, o que não ocorreu, decisivamente, no caso, «sub judice»” - cfr. Ac. do TCA, de 06-01-2005, proc. nº 11212/02.
Reconhecendo alguma margem na decisão punitiva, e no respeito de tal margem, e mesmo que se pudesse dizer que uma outra solução também não se de desprenderia de legalidade, uma tal violação da proporcionalidade só poderá considerar-se operante quando, de todo em todo, ou pelo menos muito razoavelmente, face a um padrão médio do que se possa afirmar de justiça, se possa dizer que contaria com o maior reconhecimento de notório erro.
Conclusão que, no caso, não se retira.
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e julgando improcedente a acção.
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Custas: pelo recorrido.
Porto, 15 de Julho de 2014.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Isabel Soeiro
Ass.: Antero Salvador
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(1) No mesmo sentido, Acs. do STA, de 01-02-1990, proc. nº 026916; de 04-11-1998, proc. nº 031658; de 03/04/2001, proc. nº 029864.
(2) Na versão do EOA dada pela Lei nº 15/2005, de 26/01 (com que a decisão punitiva não haveria, então, de contar) o prazo foi alargado para 5 anos.