Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00090/14.9BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/20/2023
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM AS ALEGAÇÕES DE RECURSO;
CONCORRÊNCIA DE CULPAS;
ERRO DE JULGAMENTO EM MATÉRIA DE FACTO;
Sumário:
1 - Em sede de recurso jurisdicional, a junção de documentos assume carácter excepcional, só sendo consentida nos casos especiais previstos na lei, mormente, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, e neste conspecto, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva [quando se trate de documento formado depois de ter sido proferida a decisão] ou subjectiva [quando se trate de documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido].

2 - O Tribunal de recurso só deve intervir quando for prosseguido o julgamento de que a convicção formada pelo Tribunal recorrido não seja razoável, isto é, quando se apresente como manifesta a desconformidade dos factos [dados por provados e/ou não provados] com os meios de prova patenteados nos autos.

3 - A fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo para efeitos de dar como provada a factualidade que constava dos pontos 8 e 17 probatório, não permitia alcançar o julgamento prosseguido, nem em torno de que o Autor conduzia o veículo à velocidade de 50 Km/hora [e portanto em violação da sinalização de proibição de circulação que aí julgou como existente, a mais de 40 Km/hora], nem da própria sinalização de proibição de circulação a mais de 40 Km/hora, nem permite seja alcançado o julgamento de que o Autor circulava em excesso de velocidade [atentas as condições para imobilizar o veículo em segurança – Cfr. artigo 24.º, n.º 1 do Código da estrada], para assim julgar que o mesmo tem culpa pelo agravamento dos danos produzidos.

4 - Em face do que se julgou provado e está constante do probatório [assim fixado com a interposição deste TCA Norte] o Autor não concorreu com qualquer grau de culpa para o aumento da dimensão/grandeza dos danos objecto de indemnização, devendo assim os mesmos ser integralmente ressarcidos pela Ré ora Recorrida [SCom01...], S.A..*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso do Autor, Negar provimento ao recurso do Réu.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


«AA» [devidamente identificado nos autos], Autor na acção que intentou contra a [SCom01...], S.A. [também devidamente identificada nos autos], inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu Porto, pela qual foi julgada parcialmente procedente, por provada a acção por si interposta, e por via da qual foi condenada a Ré [SCom01...], S.A., anteriormente designada [SCom02...], S.A., a pagar-lhe a quantia de 6.103,75€ [seis mil cento e três euros e setenta e cinco cêntimos], acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos a partir da citação até integral pagamento, veio deduzir recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

CONCLUSÕES
1 – A decisão recorrida foi no sentido de condenar parcialmente a R., [SCom02...], S.A., atualmente, [SCom01...], S.A., em 50% do pedido de indemnização do A/recorrente, por no entendimento do Tribunal a quo, ter também o A. concorrido para a produção do acidente em causa em 50%.

2 - Para a concorrência de culpas e risco a Mma. Juiz a quo considerou que o A. conduzia em excesso de velocidade, - 50 Km/hora - e que «atento o local onde o acidente ocorreu as suas características e as circunstâncias que o determinaram, importa concluir que contribuíram tanto a Ré como o Autor, sendo que a contribuição de cada um deles para a ocorrência deve ser fixada em 50%».
3 - É com esta decisão que o recorrente se insurge, não podendo aceitá-la, considerando que se verificou incorreto julgamento da matéria de facto, que redundou na incorreta interpretação e aplicação da lei.
4 – Em primeira e fundamental linha, pensa o recorrente que a decisão sobre a matéria de facto foi incorretamente tomada, pelo que, através do presente recurso, a impugna, tendo cumprido nas alegações o ónus a seu cargo imposto pelo art. 640º, nºs 1 e 2 do CPC..
5 - O julgador deve atender às normas jurídicas aplicáveis de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, bem como efetuar uma interpretação adequada da prova produzida ao longo do processo, nomeadamente da testemunhal, que foi produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
6 - O que, e salvo melhor opinião, no caso em apreço, não se verificou.
7 - Ora, a douta sentença encontra-se ferida de vícios que importam a sua anulação, por ter existido, quanto a nós, erro na apreciação da prova testemunhal e relativamente aos pontos 17 e 8 da “Fundamentação” dos factos assentes da d. sentença, tendo já indicado os meios probatórios em que nos baseamos para afirmar que se impunha decisão diversa sobre esses pontos de facto e tendo igualmente procedido à transcrição das passagens da gravação referentes a essa prova e que por economia processual remetemos para a sua leitura e fundamentação.
8 - Relativamente ao ponto 17 da “FUNDAMENTAÇÃO” dos factos assentes da sentença em crise, e correspondente ao ponto de facto ínsito no artigo 12º da contestação da R/recorrida, entendeu a Mma. Juiz a quo dar como provado que:

17) No local do acidente, ambas as curvas estão precedidas de sinalização vertical de perigo A1b (curva à esquerda) e A1a (curva à direita) e em ambas, do sinal C13 (de proibição de exceder a velocidade máxima de 40Km/h.

8 – Para justificar a resposta positiva ao ponto de facto em crise a Mma. Juiz a quo fundamenta a sua decisão, única e exclusivamente, nos depoimentos das testemunhas da R/recorrida, Engs. «BB» e «CC», ignorando o que o A. e a testemunha, «DD», afirmaram quanto ao sinal de limitação de velocidade lá existente à data do acidente e ainda hoje.
9 – No nosso discernir andou mal o Tribunal a quo ao dar como provado o facto com base nos depoimentos destas testemunhas:
a - porque o único sinal de limitação de velocidade lá existente sempre foi o de 50 Km/h, conforme registo fotográfico que se junta como doc. ...;
b – Por outro lado, porque o A. e a testemunha, «DD», afirmaram, perentoriamente, ao Tribunal a quo que o único sinal de limitação de velocidade que sempre lá existiu é o de 50Km/h;
c - e, ainda, porque os depoimentos das testemunhas da R., em quem a Mma. Juiz a quo fundamentou a decisão impugnada, para além de titubeantes, não se encontram atestados pelo registo da decisão de aprovação da alteração da sinalética por parte da R..
6 – O A/recorrente nas suas declarações de parte à mandatária da R/recorrida, afirmou que o sinal de proibição de velocidade lá existente é de 50Km/h – (Vide Habilus Media Studio, de 00.27.44 a 00:27:56)
7 - A instâncias do mandatário do A/recorrente, a testemunha, «DD», sobre o sinal de proibição de exceder a velocidade máxima de 50 Km/h lá existente, afirmou que «os sinais que lá existiam era só a marcar a velocidade e que era de 50Km/h (Vide Habilus Media Studio, de 00.47.53 a 00:48:38).
A mesma testemunha, a instâncias da mandatária da R., reafirmou que o único sinal lá existente é o sinal de limitação de velocidade a 50Km/h - (Vide Habilus Media Studio, de 01.03.03 a 01:03:27).
8 - Apesar destes testemunhos, das pessoas que estiveram envolvidas e viveram o acidente, as testemunhas arroladas pela R., sobre o sinal de proibição de velocidade máxima, o Eng. «BB» afirmou que pensa que é 40 - (Vide Habilus Media Studio, de 01.59.20 a 01:59:31),
9 - e o Eng. «CC», afirmou que era de 40 Km/h, à altura do acidente, mas que agora é de 50Km/h, e que essa alteração se deu por efeito dos mesmos estarem degradados (Vide Habilus Media Studio, de 03.26.23 a 03:27:46 e de 03.37.16 a 03:38:05)
10 - Mas sem que esta testemunha alguma vez justificasse e comprovasse o porquê da alteração da sinalética daquele sinal.
11 - Como pensa o recorrente, não será necessário grande esforço para com base nos extratos da gravação, pôr, pelo menos, em dúvida a bondade e clarividência da fundamentação da Mma. Juiz a quo, uma vez que o que resulta do depoimento destas testemunhas é a certeza de que jamais se poderia dar como provado que o sinal de proibição de exceder a velocidade máxima existente no local do acidente era de 40Km/h;
12 - não só porque do depoimento das testemunhas da R. e face ao que o A. e a testemunha, «DD», disseram, não se pode inferir, sem mais, tal prova;
13 - mas também porque é à R. a quem se impunha o ónus de prova do facto em crise, e se correspondesse à verdade que a R. tinha alterado a sinalética do sinal em mérito,
14 – tal alteração apenas poderia ter sido comprovada mediante a apresentação aos presentes autos do registo da decisão de alteração da sinalização por parte da R/recorrida, se não vejamos:
Prescreve o n.º 1, do art. 5.º do Código da Estrada que: «Nos locais que possam oferecer perigo para o trânsito ou em que este deva estar sujeito a restrições especiais e ainda quando seja necessário dar indicações úteis, devem ser utilizados os respectivos sinais de trânsito».Prescreve ainda o n.º 1, do art. 6.º do mesmo Código que «Os sinais de trânsito são fixados em regulamento onde, de harmonia com as convenções internacionais em vigor, se especificam as formas, as cores, as inscrições, os símbolos e as dimensões, bem como os respectivos significados e os sistemas de colocação».O regulamento mencionado na supra referida disposição é o Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro.Relativamente à colocação de sinais de trânsito nas vias públicas, dispõe o n.º 1, do art. 3.º deste regulamento que «só pode ser efectuada pelas entidades competentes para a sua sinalização ou mediante autorização destas entidades».
A designação das entidades competentes para efetuar ou autorizar a sinalização de carácter permanente nas vias públicas, a que se refere o n.º 1, do art. 5.º do Código da Estrada, consta do art. 6º, do D.L. nº 44/2005, de 23/02 (que procede à revisão do Código da Estrada, aprovado pelo D.L. nº 114/94, de 3 de Maio) e que prescreve o seguinte: «Art. 6º»
Sinalização das vias públicas
1 – A sinalização das vias públicas compete à entidade gestora da via.
2 – Para efeitos do disposto no presente diploma, entende-se por entidade gestora da via o [SCom03...] ou a Câmara Municipal que detenha a respectiva jurisdição, e ainda a entidade concessionária das auto-estradas e outras vias objecto de concessão de construção ou exploração.
15 - No caso ora em crise a via onde ocorreu o acidente é uma estrada nacional.
16 – Por ser uma estrada nacional, só a R. tem legitimidade e competência para proceder à alteração dos sinais existentes nas vias que lhe estão concessionadas – Vide n.º 1, do art. 3.º Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro.
17 – Assim, se todos os trâmites legais forem cumpridos, após a colocação de um sinal de trânsito, a entidade que o fez, procede ao registo no seu cadastro de sinalização.
18 - Deste modo e como pensa o recorrente, a prova deste ponto de facto só pode produzir-se através da demonstração pela R. da decisão de alteração da sinalética do sinal em crise.
19 - Esta omissão de prova fundamental da R., que concatenada com as declarações de parte e o depoimento da testemunha, «DD», e do registo fotográfico do sinal de proibição de exceder a velocidade máxima a 50Km/hora existente no local do acidente é perfeitamente suficiente para demandar uma resposta bem diferente daquela de que se recorre.
20 - Pelo que, face à manifesta falta de prova produzida pela R., à Mma. Juiz a quo só lhe restava dar como provado que:
No local do acidente, ambas as curvas estão precedidas de sinalização vertical de perigo A1b (curva à esquerda) e A1a (curva à direita) e em ambas, do sinal C13 (de proibição de exceder a velocidade máxima de 50 Km/h).


21 – Não concorda, ainda, o recorrente com o ponto 8 da “Fundamentação” dos factos assentes da d. sentença quando é lá afirmado que o A/recorrente conduzia o veículo imprimindo uma velocidade de 50Km/h.
22 – Depois de se analisar a d. sentença aqui em crise, na página 13 e quando o Tribunal a quo se debruça sobre a conduta imputada ao condutor da viatura, é lá referido que “atentas as circunstâncias fácticas dadas por provadas, o estado do tempo hora antes do acidente, o local que descrevia curvas perigosas onde estava a velocidade de 40Km/h e onde ele admite ter conduzido a 50Km/H podemos atribui-lhe também um certo grau de responsabilidade na ocorrência do acidente” (sublinhado nosso).
23 - Ou seja, o Tribunal a quo firmou a sua convicção com base no depoimento do próprio autor «AA» que prestou declarações de parte e que este teria admitido ter conduzido a 50Km/h.
24 - Como resulta da audição das declarações de parte do A./recorrente e do depoimento da testemunha, «DD», únicas pessoas que depuseram sobre a velocidade que o A. imprimia naquela altura, o que resultou provado pelas afirmações de ambos é que o A. conduzia o seu veículo imprimindo uma velocidade de cerca de 40Km/h.
25 – Por outro lado e depois de analisarmos o artigo 13 do petitório do A./recorrente é lá dito o seguinte:

13
O A. conduzia o seu veículo em cumprimento das regras estradais, imprimindo uma velocidade que não ultrapassava os 50 Km/hora.

26 - Do quesito acima exposto jamais se pode inferir a confissão de que o A. imprimia a velocidade de 50Km/h.
27 - O que lá é afirmado é que o A. conduzia o seu veículo em cumprimento das regras estradais, imprimindo uma velocidade que não ultrapassava os 50Km/h;
28 – A prova da velocidade que o A. imprimia na altura do acidente só podia produzir-se por confissão do mesmo e como, expressamente, resulta das declarações de parte é a certeza que o A/recorrente imprimia, naquela altura, uma velocidade de cerca de 40Km/h.

29 - A velocidade de 40Km/h com que o A/recorrente imprimia ao seu veículo, foi, ainda, confirmada pela testemunha que o acompanhava, «DD».
30 - Pelo que não se percebe, face àquelas declarações, como é que a Mma. Juiz a quo dá como provado que o A. conduzia o seu veículo imprimindo uma velocidade de 50Km/h.
31 - A instâncias do seu mandatário e da mandatária da R., o A., «AA», disse claramente que não ia a mais de 40 e que nunca foi de andar com muita velocidade - (Vide Habilus Media Studio, de 00.12.03 a 00:12:32 e 00.27.27 a 00:28:04, respetivamente).
32 - A instâncias dos mandatários do A e da R., a testemunha, «DD», também disse, de forma esclarecedora, que o A. circulava a uma velocidade de cerca de 40Km/h - (Vide Habilus Media Studio, de 00.46.22 a 00:46:37 e 01.03.49 a 01:03:53, respetivamente)
33 - Depois de se analisarem, com um mínimo de atenção e cuidado e acuidade que é devida a um pater famílias medio, as declarações de parte e o depoimento da testemunha que se pronunciou sobre o ponto de facto acima descrito, que apontam ambos, decididamente, no mesmo sentido, de que o A. circulava a uma velocidade de cerca de 40Km/h, tem-se grande dificuldade em aceitar, sem um movimento de repúdio, o teor da resposta de que o A. conduzia o seu veículo, imprimindo uma velocidade de 50Km/h.
34 - Não será necessário grande esforço para com base nos extratos da gravação, pôr, pelo menos, em dúvida a bondade e clarividência da fundamentação da Mma. Juiz a quo, uma vez que o que resulta dos depoimentos acima transcritos é a certeza de que o A. conduzia o seu veículo em cumprimento das regras estradais, imprimindo uma velocidade de cerca de 40Km/h.
35 - Não temos qualquer dúvida de que esta forma de valorar a prova, desprezou, por completo, invertendo tudo quanto, claramente, foi dito pelas testemunhas e cujos depoimentos se encontram supra transcritos.
36 - A prova desta matéria, com a sua natureza psicológica e de interioridade, só pode produzir-se assentando no que as testemunhas viram, presenciaram, perceberam, interpretaram e sentiram.
37 - Assim considerando, as referências às circunstâncias relatadas nos pontos de facto aqui em crise, são vastas, consistentes, apontando todas no mesmo sentido, e perfeitamente suficientes para demandar uma resposta bem diferente daquela de que se recorre.
38 - Resulta ainda das declarações de parte prestadas pelo A. a instâncias da ilustre mandatária da R. que o A. é um condutor prudente, não tendo qualquer registo de acidente em 20 anos de condução (Vide Habilus Media Studio, de 00.31.49 a 00:32:01).
39 - Como supra exposto, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento porque fundamenta a sua decisão num pressuposto errado, sendo que esse erro transparece quer a nível da matéria de facto quer a nível da apreciação jurídica.
40 - O Tribunal a quo, face à prova produzida, e tal como a vimos demonstrando, não estava credivelmente secundado para considerar provado que o A/recorrente circulava a uma velocidade de 50Km/h. e de, por isso mesmo, responsabiliza-lo na repartição de culpa e risco em 50%. Pelo que ao faze-lo incorreu em erro de julgamento.
41 - A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência.
42 - O tribunal tem que julgar os factos com a prova existente, bem como a convicção do Tribunal tem de assentar em critérios objetivos que forneçam credibilidade ao julgamento dos factos e não especular sobre o que poderia ter acontecido com base em considerações que não apresentam nenhuma base naquilo que foi transmitido durante a audiência.
43 – Assim sendo, deve, portanto, proceder o erro de julgamento de facto invocado pelo recorrente, não podendo ser considerado como matéria de facto provada que o A. conduzia o seu veículo, imprimindo uma velocidade de 50Km/hora, por traduzir uma conclusão indevida e não provada.
44 - Assim e em conformidade com a prova produzida, o ponto 8 da “Fundamentação” dos factos assentes da d. sentença deve ser alterado com a seguinte redação:

8) O A. conduzia o seu veículo, imprimindo uma velocidade de cerca de 40Km/hora quando se apercebeu da obstrução da via com pedras e lama, tentou imobilizar o seu veículo, mas tal não foi possível porque o mesmo começou a deslizar sobre a lama lá existente, o que fez com que tivesse perdido o seu controle e o veículo “IA” fosse embater com a sua frente numa pedra que se encontrava na outra faixa de rodagem - lado esquerdo da estrada.
45 – Finalmente, face aos factos dados como assentes na “Fundamentação” de facto da d. sentença, não restam dúvidas de que o despiste se ficou a dever à existência de pedras e terras caídas no pavimento, obstáculos totalmente imprevisíveis para qualquer condutor normal - Cfr. Pontos 4, 5 e 6 da “Fundamentação de Facto” da d. sentença.
46 - Note-se que o acidente ocorreu após uma curva à direita que não deixava ao A. ter visibilidade sobre o ponto onde se encontrava a derrocada e que o deslizamento de pedras e terra ocupavam toda a via - Cfr. Pontos 5, 6 e 9 da “Fundamentação de Facto” da d. sentença.
47 - E que quando o A. se apercebeu da obstrução da via com pedras e lama, tentou imobilizar o seu veículo, mas tal não foi possível porque o mesmo começou a deslizar sobre a lama lá existente,
48 - o que fez com que tivesse perdido o controle do veículo e fosse embater com a sua frente num rochedo que se encontrava na faixa de rodagem – Cfr. Pontos 4 e 8 da “Fundamentação de Facto” da d. sentença.
49 - Nos termos do disposto nos arts. 4º e 10º, do D.L. nº 374/07, de 07/11, a R. tem como objeto a conceção, projeto, construção, a conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, nos termos do contrato de concessão que com ela é celebrado pelo Estado, competindo-lhe, relativamente às infra-estruturas rodoviárias nacionais que integrem a concessão, zelar pela manutenção permanente de condições de infra-estruturação e conservação e de salvaguarda do estatuto da estrada que permitam a livre e segura circulação.
50 - É, portanto, da responsabilidade da Concessionária a manutenção das vias concessionadas em bom estado de conservação e boas condições de utilização, operacionalidade e segurança, bem como a realização de todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam.
51 - Estando a R. obrigada a um poder-dever de vigilância, a constatação objetiva de um defeito de manutenção ou conservação, faz presumir a violação culposa de um dever de segurança no tráfego.
52 - Face à matéria de facto provada e dada como assente, é patente que a R., a quem incumbia o dever de conservar e manter os taludes, por forma a não se correr o risco do seu desabamento, bem como o de remover os obstáculos que pudessem ter deslizado para a via pública, não logrou afastar a presunção de culpa que sobre si impende.
53 - Como defende o Prof. Sinde Monteiro, RLJ, ano 131, 48 e ss., “como corolário da sua nuclear obrigação de assegurar a circulação em boas condições de segurança e comodidade, recai também sobre a Concessionária o dever de afastamento de obstáculos ou a eliminação de outras fontes de perigo, derivem de acontecimentos naturais (como a neve e o gelo) ou mesmo de facto de terceiros (caso das manchas de óleo).”
54 - Assim, “se um acidente se verifica devido à presença de um obstáculo ou outra fonte de perigo, estamos perante uma anormalidade objectiva susceptível de servir de base a presunção de existência de um defeito de conservação, o qual, em sentido amplo, engloba a detecção e eliminação ou neutralização de focos de perigo" – ibidem, pág. 110.
55 - No mesmo sentido se pronuncia o Ac. do STJ de 22 de Junho 2004 (JusNet 3549/2004) (a propósito de um caso em que um cão invadiu a faixa de rodagem):

“O aparecimento de um cão de elevado porte na faixa de rodagem da auto-estrada constitui reconhecido perigo para quem ali circula. Cabe à Brisa evitar essa (e outras) fonte de perigos, essa anormalidade. Não pode pôr-se a cargo do automobilista a prova da negligência da Brisa ou da origem do cão porque não foi a prestação dele que falhou nem ele tem a direção efetiva, o poder de facto sobre a autoestrada (como um todo, incluindo vedações, ramais de acesso e áreas de repouso e serviço).

56 - À R. competia, como efetivamente compete, a proteção da estrada em causa de modo a permitir que o tráfego se realize e flua com segurança, impendendo sobre ela a obrigação de tudo fazer para que tal aconteça;

57 - Face à prova produzida em audiência e julgamento e dada como assente na d. sentença não restam dúvidas que o despiste se ficou a dever à existência de pedras e lama no pavimento, obstáculos totalmente imprevisíveis para qualquer condutor normal, uma vez que o acidente ocorreu após uma curva que não lhe deixava ter visibilidade sobre o ponto onde se encontrava a derrocada e que o deslizamento de pedras e terra ocupavam toda a via;
58 - Resultando dessas circunstâncias que o condutor do veículo não teve qualquer possibilidade de prever e evitar o acidente, e, por isso, se afastar claramente a sua culpa.
59 - Assim, deve a R. ser condenada a indemnizar o A. na totalidade dos prejuízos por este sofridos em conformidade com o peticionado no seu petitório,
60 - já que o acidente teve por origem a omissão ilícita e culposa do dever, a cargo da R., de vigiar o talude contíguo à EN ..., que liga ... à ..., cujo desmoronamento provocou a presença de terras, lama e pedras no leito da via, que foi causa adequada do sinistro.
61 – Assim sendo, a Mma. Juiz a quo errou na apreciação da prova, pelo que os elementos fornecidos pelo processo impõem uma decisão diversa da que foi tomada pelo Tribunal a quo.
62 – Depois destas conclusões e de todo o seu alcance, é lícito afirmar que a Mma. Juiz a quo devia ter enquadrado juridicamente os factos como integrantes da culpa exclusiva da R. na produção do presente acidente e consequentemente, ter condenado a recorrida na indemnização pelo prejuízo real devido ao recorrente pelo conserto da viatura acidentada.
63 – Assim não se tendo entendido e decidido, não se fez a melhor e mais correta interpretação e aplicação ao caso sub judice das pertinentes disposições legais, nomeadamente, o art. 493º, nº 1, do CPC; arts. 5º, nº 1, 6º, nº 1 do C. da Estrada; art. 3º, nº 1 do Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 1/10; art. 6º, nº 1 do D.L. 44/2005, de 23/02; e arts. 4º e 10º do D.L. 374/07, de 07/2011.

Nestes termos e nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Ex.as, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve:
a) Ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto no sentido propugnado pelo apelante e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, condenando-se a R. a pagar a indemnização total pelos danos materiais sofridos em consequência do acidente tal como propugnado pelo A./recorrente.
Assim se decidindo, mais bem resultará, a nosso ver, aplicado o Direito e realizada a sublime
JUSTIÇA.

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A Recorrida não apresentou Contra Alegações.

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A Ré [SCom01...], S.A., também não se conformou com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, atenta a decidida parcial procedência do pedido deduzido pelo Autor «AA», tendo de igual modo vindo a apresentar recurso de Apelação.

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

CONCLUSÕES

1. A sentença do Tribunal “a quo” condenou parcialmente a Ré, ora Recorrente, no pagamento da quantia de € 6.103,75, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação da Recorrente até efetivo e integral pagamento.
2. A responsabilidade civil dos entes públicos, de natureza extracontratual ou contratual, assenta na verificação dos mesmos pressupostos da responsabilidade civil de índole civilista, pelo que a presunção legal de culpa prevista no artigo 493.° do Código Civil, também alcança a responsabilidade civil dos entes públicos; - Cfr. Acórdãos do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de Abril de 1998, no processo n.° 36463, e 27 de Abril de 1999, no processo n.° 041712, in www.dgsi.pt.
3. Para que esta se verifique por parte daquelas entidades por atos dos seus agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
4. Face à prova produzida, não pode concluir-se, como fez a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, que a Recorrente não demonstrou ter sido devidamente cumprido o dever de vigilância, nem que não resultou concretamente provada a adoção de medidas concretas tendentes a evitar o dano ocorrido.
5. A factualidade provada aponta toda ela no sentido de a Recorrente ter adotado medidas concretas no sentido de evitar o dano ocorrido, no que respeita ao cumprimento do dever de vigilância relativamente à manutenção e conservação da via onde ocorreu o acidente, ou seja, o acidente ocorreu não só independentemente deste cumprimento, mas tão-somente por causas fortuitas e imprevisíveis, tendo sido um fim de semana de temporal, que deflagrou em ..., ... e ....
6. O Tribunal “a quo” deveria ter decidido, pois, em sentido contrário, ou seja, deveria ter decidido no sentido de dar como provado o pleno cumprimento do dever de vigilância por parte da Recorrente e concluir, assim, pela elisão da presunção de culpa que sobre aquela impendia.
7. Para se verificar esta elisão, a Recorrente demonstrou, através dos seus agentes, que estes cumpriram o dever de fiscalizar, de forma sistemática, a coisa móvel ou imóvel à sua guarda, ou seja, a EN ....
8. E bem assim que o evento danoso se ficou a dever a caso fortuito ou de força maior que teria igualmente provocado o dano ainda que não houvesse culpa sua.
9. A Recorrente provou que não só disponha em abstrato de um serviço devidamente organizado que fiscaliza, com diligência, regular e sistematicamente as vias rodoviárias sob sua exploração, mas ainda que concretos meios técnicos e humanos são alocados à vigilância e tipo de brigadas/patrulhas utilizadas,
10. A fim de se poder aferir da correção do grau ou standard de diligência empregue pela Recorrente, na observância dos seus deveres e responsabilidades, bem como ponderar do grau de previsibilidade do evento para os utentes, por um lado, e para a entidade por outro.
11. Tendo sido demonstrado que a sua conduta ou atuação não se situou abaixo do nível médio de funcionamento exigido (em termos de vigilância/fiscalização), ficou mostrado que aquela se mostra feita à luz da realidade factual apurada, pelo que se ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia.
12. Nos termos do disposto no art. 493º n.° 1 do Código Civil, tendo a Recorrente cumprido plenamente o seu dever de vigilância, adotando as medidas concretas que resultaram provadas, no dia em que ocorreu a queda de pedras, aquela nenhuma culpa teve na produção dos danos e, assim, a presunção de culpa que sobre a mesma impendia encontra-se elidida, pelo que nenhuma responsabilidade poderá ser imputada à Recorrente.
13. A Meritíssima Juiz “a quo”, deveria, ter considerado o depoimento das testemunhas, no que concerne à ausência de indícios de possibilidade de desmoronamento de pedras do talude, nomeadamente, ausência de sinais que indiciam a possibilidade de queda de pedras, já que, pelo contrário naquele local não há antecedentes de queda de pedras, não sendo, inclusive, um local referenciado para algum especial cuidado (como em muitas outras zonas do País).
14. Deveria ter sido considerado que pelas 08h30, no dia 19 de janeiro de 2013, no local do acidente não tinham caído quaisquer pedras, conforme depoimento prestado pela testemunha «EE».
15. O dia 19 de janeiro de 2013, foi assolado por chuvas intensas, com indicação de alerta para o estado do tempo, que obrigaram as brigadas de fiscalização a trabalharem o fim de semana todo.
16. Este trabalho teve como finalidade acorrer a todas as situações, para as quais as Brigadas de Intervenção eram chamadas, no sentido de repor a segurança rodoviária, conforme depoimentos das testemunhas «BB» e «CC».
17. Face ao sobredito, não se demonstrou que foi, qualquer omissão da Recorrente, que constituiu causa adequada do evento danoso, já que nada fazia prever a queda de tais pedras, tratando-se, deste modo, de um facto anómalo.
18. Ou seja, não se demonstrou, como seria mister que fosse feito, para o Autor da ação lograr êxito, que nas descritas circunstâncias, foi qualquer omissão de conservação e falta de fiscalização da EN ..., da entidade recorrente que deu causa à produção do acidente.
19. Muito pelo contrário, foi o Recorrido que não adequou a sua velocidade e prudência da condução, às condições meteorológicas que se faziam sentir, conforme depoimento do Agente da GNR, «FF».
20. Deste modo, como afinal se não comprovou a verificação do pressuposto de responsabilidade civil extracontratual, nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano ocorrido, haveria que concluir-se, em contrário do que foi decidido, que a ação devia ter sido julgada improcedente.
21. Por outro lado, a ora Recorrente, conseguiu, plenamente, demonstrar que não houve culpa da sua parte, sendo que mesmo outras diligências não teriam evitado os danos, dado que se desconhece a hora da queda das pedras, pelo que se teria que concluir pela existência de factos imprevisíveis, anómalos, totalmente independentes da vontade, ação ou omissão da Recorrente, o que ao contrário do que ficou decidido, ficou elidida a presunção legal de culpa estabelecida nos artigos 492º, n.º 1 e 493º, n.º 1, do Código Civil.
22. Perante a prova produzida, temos, que os cinco requisitos da responsabilidade civil não se encontram totalmente preenchidos, pelo que, não é possível assacar a Recorrente qualquer omissão dos deveres que lhe são assacados, enquanto entidade administrativa.
23. Deste modo, a sentença proferida, deveria ter concluído que os serviços da Recorrente não cometeram a omissão que lhes é assacada, caindo, assim, uma das traves mestras essenciais à gestação do direito que o A. invoca.
24. Ao não o fazer violou a sentença em crise, o disposto nos artigos 483º e segts, do CC.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que serão por V. Exªs. doutamente supridos, deve a douta sentença recorrida ser revogada, com todas as legais consequências, assim se fazendo, como sempre a costumada JUSTIÇA!”

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O Recorrido «AA», não apresentou Contra Alegações.

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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão dos recursos interpostos, fixando os seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito dos presentes recursos jurisdicionais.

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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, cujos objectos dos recursos estão delimitados pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], e que se resumem a saber, por parte do Recorrente «AA», se o Tribunal a quo errou no julgamento prosseguido em torno da matéria de facto, e nesse patamar, se também errou também no julgamento de direito, e neste sentido, se a Ré deve ser condenada na totalidade do pedido formulado, por culpa exclusiva da Ré para a produção do acidente, sendo que, por parte da Recorrente IP, apreciar e decidir sobre se a mesma devia ter sido absolvida da totalidade do pedido.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

Fundamentação:
Os Factos
Dos autos resultam assentes os seguintes factos:
1) No dia 19 de Janeiro de 2013, cerca das 13.45horas, na EN ... que liga ... à ..., na Rua ..., ..., ocorreu um acidente de viação.
2) Na altura estava a chover e o piso encontrava-se molhado e escorregadio.
3) No local do embate a via é uma estrada pavimentada com uma curva à direita, de fraca visibilidade.
4) Foram intervenientes neste acidente o veículo ligeiro e mercadorias, com a matrícula ..-IA-.., conduzido e propriedade do autor e um rochedo que se encontrava a obstruir a via.
5) O veículo ligeiro de mercadorias circulava no sentido .../..., em ... e depois de ter desfeito uma curva à esquerda e ao aproximar-se duma curva à direita, o A. foi surpreendido pela existência de algumas pedras e terras caídas no pavimento, que ocupavam.
6) As pedras desprenderam-se e a terra escorregou do talude daquela Estrada nacional, obstruindo a passagem do veículo “IA” e demais veículos que por lá circulassem.
7) À hora relatada, havia pouco trânsito e não existia qualquer informação naquela Estrada Nacional a avisar os utentes da existência de tal obstrução.
8) O A. conduzia o seu veículo , imprimindo uma velocidade de 50Km/hora quando se apercebeu da obstrução da via com pedras e lama, tentou imobilizar o seu veículo, mas tal não foi possível porque o mesmo começou a deslizar sobre a lama lá existente, o que fez com que tivesse perdido o seu controle e o veículo “IA” fosse embater com a sua frente numa pedra que se encontrava na outra faixa de rodagem - lado esquerdo da estrada.
9) As pedras e a lama estavam precisamente num local depois de uma curva, por isso o condutor não tinha visibilidade.
10) As terras e as pedras desprenderam-se do talude, lado esquerdo atento o sentido de marcha do A., que não tinha nenhuma proteção.
11) Do descrito acidente resultaram para o veículo do A. danos no para-choques da frente, grelha, radiador, ventoinha, 2 airbags, sensores dos airbags, correia da direção assistida, para-brisas da frente e capot.
12) O A. apresentou a participação de acidente ao Município ....
13) O veículo acidentado ficou paralisado e depositado na oficina “[SCom04...], Lda.
13) Com a desmontagem das peças danificadas aquela oficina fez o orçamento ao A., tendo este comprado e pago pelas peças a quantia de 8.207,32€
14) Pela mão de obra e bens descriminados na fatura n.º ...88, pagou o A. à oficina a quanta de 4.000,13€.
15) Considerando que a estrada onde correu o acidente é uma estrada nacional ...22-2 foi solicitado à Ré [SCom02...], SA. o pagamento pelos danos sofridos.
16) No local do acidente, ambas as curvas estão precedidas de sinalização vertical de perigo A1b (curva à esquerda) e A1a (curva à direita) e em ambas, do sinal C13 (de proibição de exceder a velocidade máxima de 40Km/h.
Motivação:
Todos os factos, com interesse para a decisão da causa, constantes dos presentes autos, foram objeto de análise concreta, não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
O Tribunal firmou a sua convicção com base na análise de todos os documentos juntos aos autos, nomeadamente, dos documentos ... a ...7 referentes aos factos provados e que se referem a prova documental, complementada com a prova testemunhal, bem como nos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência de julgamento, designadamente, do próprio autor «AA» que prestou declarações de parte e que pareceu sincero e pessoa muito simples, a esposa «DD», interveniente no acidente, pois estava no veículo, também pessoa muito simples e que se viu o seu nervosismo mas não foi convicção do tribunal que estivesse a forjar factos relativos à fatura e pagamentos, a testemunha «EE», que seguia atrás do veículo acidentado e que prestou a sua ajuda, conhecia o local, prestou o seu depoimento de forma isenta, bem como as testemunhas da Ré Engs. «BB», responsável pela conservação das estradas no distrito ..., conhece a zona onde ocorreu o acidente, tem curva perigosa, não era uma zona problemática, verificou-se grande temporal nesses dias, considerou que é uma zona que deve ter rede, não e «CC», indicou como organiza a sua vigilância na sua área de jurisdição, e naquele ponto em concreto, duas vezes por semana, não entendera que houvesse o risco de haver derrocadas, não havia sinalização de perigo de derrocada. A testemunha «FF», soldado da GNR, mas à civil, seguia atrás do veículo acidentado, mas o seu depoimento não foi muito claro, tendo denotado algumas imprecisões relativamente ao depoimento da testemunha «EE» que também seguia atrás do veículo acidentado.”

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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que em face do pedido formulado a final da Petição inicial pelo Autor, em que era peticionada a condenação da Ré [SCom01...], S.A. [anteriormente designada [SCom02...], S.A.], a pagar-lhe a quantia de €12.207,51€ [acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos a partir da citação até integral pagamento], a título de indemnização pelos prejuízos patrimoniais sofridos em consequência de acidente de viação em que foi interveniente com o veículo sua propriedade, veio a julgar pela parcial procedência do pedido, tendo condenado a Ré a pagar ao Autor a quantia de €6.103,75€ [seis mil cento e três euros e setenta e cinco cêntimos].

O valor fixado pelo Tribunal a quo teve por pressuposto que o Autor concorreu com culpa para a produção dos danos, na proporção de 50%, e em suma, por ter sido prosseguido o julgamento de que se o Autor circulasse no tempo e lugar em causa a velocidade inferior à que imprimia ao seu veículo, que os danos que vieram a demandar a reparação do seu veículo, não seriam da dimensão que veio a registar-se, antes de menor significado, tendo nessa medida repartido as culpas, e assim a reparação dos danos, em igual medida de responsabilidade.

Quanto ao assim apreciado e decidido não concordam o Autor e também a Ré, embora é claro, por diferentes fundamentos, sendo que, na base da pretensão recursiva de cada um deles está o julgamento da matéria de facto levado a cabo pelo Tribunal a quo, como assim fixado no probatório constante da Sentença recorrida.

Neste conspecto, cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Ora, [a] legislação é perfeitamente clara no sentido de que constituía atribuição da EP, garantir a vigilância, limpeza e conservação das infra-estruturas rodoviárias sob sua jurisdição, o que inclui, como vimos, não só as faixas de rodagem, mas também as demais infra-estruturas a elas associadas, designadamente as bermas, valetas e taludes e toda a envolvente.
Portanto, do exposto há que concluir que cabia, na altura do acidente, à EP, hoje [SCom01...], a conservação das infra-estruturas rodoviárias sob sua jurisdição, entre elas a EN ... e a sua envolvente.
Assim sendo, basta atentar na matéria provada para se verificar que o Réu não procedeu de acordo com as regras legais e regulamentares a que estava obrigado.
[…]
Ora, o Réu apesar de indicar como organiza a sua vigilância na sua área de jurisdição, e naquele ponto em concreto, a verdade é que não verificou que tais pedras se encontravam sem suporte ou proteção, não sendo apenas e porque o peso da água de chuva que tinha caído nas semanas que antecederam, elas ofereciam perigo de derrocada para o interior da estrada, não pode ser considerado como caso de força maior, pois impendia sobre o Réu o dever de fiscalização de todas as suas vias e suprimir os perigos que eventualmente pudessem causar acidentes, como foi o caso, não é apenas efectuar obras de conservação e reparação na via, há que verificar toda a envolvente á estrada, apesar das chuvas fortes, o talude deveria ter sido verificado de forma a não desmoronar para a faixa de rodagem.
Deste modo, não se mostra ilidida a presunção de culpa, por parte do Réu. Assim, considera-se ilícita e culposa a atuação do Réu nos factos que originaram o acidente.
Todavia, ainda precisamos de aferir da conduta imputada ao condutor da viatura pois, atentas as circunstâncias fácticas dadas por provadas, o estado do tempo hora antes do acidente, o local que descrevia curvas perigosas onde estava a velocidade de 40Km/h e onde ele admite ter conduzido a 50Km/H podemos atribui-lhe também um certo grau de responsabilidade na ocorrência do acidente.
Decorre do n.º 1 do art. 24.º do CE que o “... condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente ...”.
O domínio da marcha dum veículo impõe-se a todo o condutor como regra de prudência, o que exige conhecimento prático das possibilidades do veículo, do seu poder de aceleração e desaceleração, da sua capacidade de travagem e paragem, da estabilidade ou órgãos da direção. – cfr . Ac do TCA –N de 8/3/2012.
Daí que conduzir para além dessa capacidade de domínio é conduzir com velocidade excessiva, sendo que esta é sempre um valor ou termo relativo, por estar dependente não só da soma dos quilómetros por hora, mas também da potência, peso e estabilidade do veículo, da serena perícia do condutor e sua disposição momentânea, estado e traçado da via e de muitos outros fatores.
O quadro factual apurado permite descortinar a demonstração que se o veículo conduzido por «AA» seguisse mais devagar os danos seriam menores.
Nesta conformidade, atento o local onde o acidente ocorreu as suas características e as circunstâncias que o determinaram, importa concluir que contribuíram tanto a Ré como o Autor, sendo que a contribuição de cada um deles para a ocorrência deve ser fixada em 50%.
Nos termos do artigo 570.º do Código Civil quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
Posto isto, resulta provado existir nexo de causalidade entre a verificação do acidente, a conduta omissiva, ilícita e culposa da Ré, e os danos reclamados, em 50% para a Entidade pública, já que não fosse a existência das terras e pedras que havia caído do talude, o veículo não entraria em despiste e não teria sofrido os danos.
Não se pode ignorar, outrossim, que a teoria da causalidade adequada mostra-se como a mais correta para resolver o problema do nexo causal entre a verificação do acidente e a referida conduta omissiva, ilícita e culposa do Réu e os danos dela decorrentes, na medida em que para a omissão do dever de vigilância, conservação e sinalização poder ser considerada como causa do dano, tem que ser, em abstrato suscetível de produzir aquele tipo de dano, o que no caso concreto se verifica, tal como se verifica que esse facto omissivo constituiu condição “sine qua non” do dano - cfr. Acs. do STA, de 27/06/2002 e de 07/05/2003).
Pelo exposto e, sem necessidade de mais considerações, entendemos estarem verificados os pressupostos, facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade, pressupostos estes de que depende a obrigação de indemnizar em 50%, pelo que, termos de concluir no essencial pela procedência parcial da ação.
[…]”
Fim da transcrição

Como assim resulta do processado gerado nos autos, o Tribunal a quo proferiu despacho saneador, e tendo julgado que existia matéria controvertida que exigia a abertura de um período de produção de prova, identificou o objecto do litígio, assim como enunciou os temas da prova.

Em sede do objecto do litígio, decidiu o Tribunal a quo que o mesmo contendia com a verificação, o apuramento dos pressupostos determinantes da efectivação da responsabilidade civil extracontratual que o Autor assaca à Ré, e em sede dos temas da prova, que importava a) aferir sobre os termos e modo da ocorrência do acidente de viação; b) aferir se estão verificados os pressupostos determinantes do dever de indemnizar; c) aferir da natureza e âmbito dos danos patrimoniais sofridos; e, d) aferir do quantum indemnizatório a que o Autor tenha direito.

Foi realizada a Audiência final, sendo que nessa sequência o Tribunal a quo proferiu a Sentença recorrida, com fixação da matéria de facto que julgou provada e relevante para efeitos do conhecimento do mérito dos autos, e foi com base nessa factualidade que veio a julgar a ação parcialmente procedente.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Nas conclusões das suas Alegações de recurso, por via das quais o Recorrente «AA» centrou o seu enfoque recursivo na matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, bate-se o mesmo pela impugnação dos factos n.ºs 8 e 17. Refere o mesmo, em suma, e quanto ao vertido sob o ponto 8, que nele está constante que imprimia ao seu veículo uma velocidade de 50 Km/hora, sustentando que tal assim não poderia resultar provado, porque não foi por si alegado, nem de outro modo logrou a Ré de tanto fazer prova. Por sua vez, e quanto ao vertido sob o ponto 17 do probatório, referiu que nele está constante que no local existia, entre outra sinalização, a de proibição de exceder a velocidade máxima de 40 km/hora, sustentando o Recorrente que a sinalização que nesse domínio aí existia, então, como na actualidade era a de proibição de circular a velocidade superior a 50 km/hora.

Mas antes de prosseguirmos na apreciação e decisão da matéria de facto impugnada, cumpre apreciar da questão prévia suscitada pelo Recorrente «AA».

Com efeito, nas Alegações de recurso por si apresentadas, o Autor juntou uma fotografia de um sinal de trânsito, atinente à proibição de circulação a mais de 50 Km/hora, com a invocação de que era o sinal que existia no local à data do acidente e que ainda hoje lá existe.

Dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC que “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos”, ou seja, que o recurso é o meio processual por via do qual são impugnadas as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.

Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2014, Almedina, página 92 “(…) A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão, determina uma importante limitação ao objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal a quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar as decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo se quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…)”

Assim, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e por outro lado, da conjugação do artigo 640.º, n.º 1 e do artigo 662.º, n.º 1, ambos do CPC, resulta afastada a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento, pois faz recair sobre o recorrente o ónus de, em primeiro lugar, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados, e em segundo lugar, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre esses pontos de facto.

Deste modo, e quanto à junção de documentos em sede de recurso jurisdicional, dispõe o artigo 425.º do CPC, que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”, sendo que, por sua vez, o artigo 651.º, n.º 1 do mesmo diploma, determina que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”

Assim, em sede de recurso, e de acordo com os normativos acima citados, a junção de documentos assume carácter excepcional, só sendo consentida nos casos especiais previstos na lei, mormente, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, e neste conspecto, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva [quando se trate de documento formado depois de ter sido proferida a decisão] ou subjectiva [quando se trate de documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido] – Cfr. neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, página 191.

Como resulta dos autos, por assim alegado pelo Recorrente, o mesmo juntou com as respectivas Alegações de recurso, um documento que referiu ser atinente ao registo fotográfico do sinal de proibição de exceder a velocidade máxima de 50Km/h existente no local à data do acidente e referindo que ainda lá hoje existe, e que a junção desse documento neste tempo processual se justifica e torna-se necessária por ter o Tribunal a quo ter dado como assente no ponto de facto nº 17 da “Fundamentação” dos factos assentes da Sentença recorrida, que o sinal de proibição de exceder a velocidade máxima existente no local do acidente é de 40Km/h, o que se apresenta pela surpresa da decisão recorrida em face da prova (não) produzida pela Ré e porque se trata de um documento suficientemente apto para modificar a resposta ao ponto de facto em crise.

Sustenta o Recorrente que foi surpreendido com a fixação do teor desses factos, que no seu entender estão em desconformidade com a realidade que existia e que ainda existe no local, e que em torno da ocorrência da sua superveniência subjectiva, essa apresentação reporta-se a factualidade que apenas se tornou possível depois da Sentença proferida, ou que se revelou necessário apresentar em virtude do julgamento proferido.

Conforme afirmam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, páginas 533-534, a lei não abrange, neste último caso, a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção [ter perdido, quando esperava obter ganho de causa] e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser preterida, sendo que o advérbio “apenas”, a que se reporta o artigo 651.º, n.º 1 do CPC, significa que a junção só é possível num tempo futuro, se a necessidade do documento era imprevisível num tempo passado, ou seja, antes de proferida a decisão na 1.ª instância.

Como refere Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115, página 95, a junção de documentos às Alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam.

Na situação em apreço nos autos, tendo o Autor alegado na Petição inicial que cumpria as regras estradais, e que não circulava a velocidade superior a 50Km/hora, está dessa forma cumprido o seu ónus de alegação, sendo a base da prova de que lhe cumpria fazer, estando por sua vez a cargo da Ré, se disso for o caso, fazer a contra prova [Cfr. artigo 5.º, n.º 1 do CPC, e artigos 341.º, 342.º e 346.º, todos do Código Civil], ou seja, alegar que a velocidade a que seguia o Autor era superior à permitida pela sinalização existente, ou que mesmo circulando a velocidade inferior, sempre era velocidade excessiva para o local em causa.

Efectivamente, na óptica do Autor, enquanto demandante, a Petição inicial é o instrumento processual próprio para expor os factos essenciais que integram a causa de pedir e as razões de direito que sustentam a sua busca de tutela jurisdicional, e na óptica do demandado, por sua vez, é na Contestação que o mesmo deve deduzir toda a sua defesa, podendo fazê-lo por impugnação e/ou excepção, devendo nela “expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor” e “expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação – Cfr. artigos 571.º, n.º 1, e 572.º, alíneas b) e c), ambos do Código de Processo Civil.

Como assim dispõe o artigo 571.º do CPC, na Contestação tanto cabe a defesa por impugnação [quando o demandado contradiz os factos articulados na Petição inicial ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo Autor], como a defesa por excepção [dilatória e peremptória], que neste domínio ocorre quando o demandado alega factos que obstam à apreciação do mérito da ação [excepção dilatória – Cfr. artigo 576.º, n.º 2 do CPC], ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido [excepção peremptória – Cfr. artigo 576.º, n.º 3 do CPC].

Em conformidade com o que assim ensina Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, página 127, a defesa por impugnação pode traduzir-se numa negação directa, consistindo na negação rotunda ou genérica do facto visado, ou numa negação indirecta ou motivada, a qual se traduz “… na afirmação de que as coisas se passaram de modo parcialmente diverso e com outra significação jurídica; numa versão diferente do facto visado - aceitando-se porém algum elemento dele - e tal que daí não pode ter resultado o efeito jurídico pretendido pelo autor; numa contraversão ou contra-exposição do mesmo facto.”

Ora, como assim julgamos, a prova documental agora junta aos autos com as Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente aqui não pode ser admitida, pois que a prova da concreta sinalização existente no local era questão com a qual o Autor deveria contar aquando da apresentação da Petição inicial, e com razoabilidade, ter-se preocupado no tempo processual devido, que não nesta instância recursiva, juntando naquela altura aos autos a prova documental que fosse determinante do que havia por si alegado em sede da causa de pedir.

Ou seja, no caso dos autos, e em conformidade com o disposto no artigo 423.º do CPC, a prova documental destinada a fundamentar a factualidade em causa devia ser apresentada com a Petição inicial, ou até 20 dias antes da data em que se realizou a Audiência final, a não ser que o Autor lograsse provar que os não pôde oferecer com esse articulado, o que manifestamente não é esse o caso dos autos, sendo que, após esse momento processual, só podem ser admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

Como assim alegou o Recorrente, a apresentação daquele elemento de prova documental apenas se mostra/mostrou devido por imputar ao Tribunal a quo erro de julgamento na prova produzida [em torno do facto n.º 17 constante do probatório], o que por si não pode constituir fundamento para a junção de documento com as Alegações de recurso.

Termos em que,
julgamos pela não admissão do documento junto com as Alegações de recurso pelo Recorrente, com fundamento no artigo 651.º, n.º 1 do CPC [ex vi artigo 425.º, também do CPC].

Neste patamar, cumpre agora apreciar do mérito dos recursos jurisdicionais deduzidos quer pelo Recorrente «AA», quer pela Ré IP, S.A..

Dispõe o n.º 1 do artigo 640.º do CPC, que “1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Conforme assim tem sido sistematicamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, no que respeita à modificação da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, o Tribunal de recurso só deve intervir quando for prosseguido o julgamento de que a convicção formada pelo Tribunal recorrido não seja razoável, isto é, quando se apresente como manifesta a desconformidade dos factos [dados por provados e/ou não provados] com os meios de prova patenteados nos autos, dessa forma se dando prevalência aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, bem como à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto – neste sentido, Cfr. o Acórdão do STA, de 19 de outubro de 2005, proferido no Processo n.º 0394/05.

Vejamos então.

Na Petição inicial, e em torno da velocidade a que o Autor conduzia o seu veículo, aí referiu [Cfr. ponto 13.º do articulado] que o fazia “… em cumprimento das regras estradais, imprimindo uma velocidade que não ultrapassava os 50 km/hora.

Por sua vez, na Contestação deduzida pela Ré, e em torno do vertido naquele ponto 13.º da Petição inicial, atinente à velocidade a que seguia o Autor, a mesma limitou-se a impugnar o alegado pelo Autor, com fundamento em desconhecer esse facto e por não ter obrigação de o saber, achando-se assim por cumprido o seu ónus de impugnação, na decorrência do que assim dispõe o artigo 574.º, n.º 3 do CPC, o que assim invocou a Ré em face do vertido no ponto 13.º da Contestação, para dessa forma concluir que o mesmo circulava em excesso de velocidade para o local, porque aí existia sinalização que proibia fosse excedida a velocidade máxima de 40 Km/hora [Cfr. o alegado sob os pontos 12.º, 14.º e 16.º da Contestação].

Na Petição inicial e em sede da causa de pedir, o Autor referiu sob o ponto 13.º que “… conduzia o seu veículo em cumprimento das regras estradais …”, e sendo certo que esta alegação é genérica e vaga, de todo o modo, nas palavras seguintes o Autor vem a especificar em que consistia esse “cumprimento”, no sentido de que imprimia ao seu veículo uma velocidade que não ultrapassava os 50 km/hora.

Ora a esta alegação, nos termos em que foi feita pelo Autor na Petição inicial, não podemos deixar de efectuar três considerações principais, que as temos por significantes: por um lado, que não era ultrapassada com a sua condução, a velocidade de 50 km/hora; por outro lado, que o Autor circulava então a uma velocidade intermédia considerada entre a velocidade de 50 Km/hora e uma qualquer outra velocidade adequada a ter e a manter esse veículo motorizado em andamento na via rodoviária; e finalmente, que a velocidade a que seguia o Autor era a adequada face às condições de tempo e lugar, mais concretamente, em face do tempo chuvoso, com piso molhado e escorregadio que se fazia sentir, o que tudo passava a final pela necessária instrução dos autos em audiência contraditória.

Portanto, no limite em que o Autor ora Recorrente estabeleceu, ele próprio, o substracto inerente ao seu ónus de alegação [e quanto ao que devia fazer a respectiva prova], temos que o mesmo cumpriu nesse domínio, em torno de que não circulava nem em excesso de velocidade, nem a velocidade superior ao permitido no local.

Ora, a entidade a quem cumpre fixar a sinalização rodoviária na Estrada ..., é a IP, S.A., conforme assim bem sinalizou o Tribunal a quo.

A si lhe cabe decidir pela colocação da sinalização que se mostre adequada à circulação rodoviária, e bem assim pela sua substituição, quer quando seja entendido que outra deve ser colocada no lugar da que estava já instalada, designadamente por alteração das condições de facto, quer quando a sinalização que aí existia deixou, por alguma razão, de estar posicionada no local onde foi colocada.

Portanto, cabia à IP, S.A., por um lado, em face do que alegou o Autor sob o ponto 13.º da Petição inicial, impugnar essa factualidade, e porque se tratava de factualidade essencial para a decisão do mérito dos autos, fazer prova [contra prova] de que eram outros os pressupostos, quer em torno da circulação que o Autor imprimia ao veículo, quer em torno da sinalização atinente à proibição de circulação a velocidade superior a 50 km/hora, e que tal assim era decorrente da sinalização aí instalada na berma da via rodoviária.

Em face do que aduziu a IP, S.A. na sua Contestação, a mesma tem como admitido pelo Autor, que o mesmo referiu na Petição inicial, circular a velocidade não superior a 50 km/hora, vindo depois a concluir, em face da invocação de que a sinalização aí existente [em torno da velocidade máxima permitida], ou melhor que é proibido circular a velocidade superior a 40 km/hora, e dessa feita, que o Autor circulava assim em excesso de velocidade.

Ora, esta contra prova estava a cargo da Ré IP, S.A., e desde logo, fácil lhe seria trazer aos autos a certificação do dia em que aí foi decidido colocar sinalização [por parte de dirigente dos serviços] e do dia em que veio a ser colocada a sinalização de proibição de circulação a velocidade superior a 40 km/hora, ou no limite, em sede de prova testemunhal, que fosse produzida prova inequívoca, por não passível de ser posta em causa, de que era o sinal C13 que estava instalado no local à data de 19 de janeiro de 2013, e de resto, que sempre é da mesma tipologia o sinal que lá se encontrava, pelo menos, à data em que foi realizada a Audiência final, em 27 de fevereiro de 2015.

Não tendo a Ré IP, S.A. apresentado nos autos qualquer documento pelo qual fosse feita a certificação da sinalização aí existente, o que assim resultou em resultado da audiência contraditória prosseguida em sede da Audiência final, é que duas testemunhas arroladas pela Ré depuseram em torno da sinalização aí existente, e pela parte do Autor, o mesmo prestou declarações de parte nesse domínio, assim como o prestou a sua mulher, que consigo seguia no interior do veículo.

Sendo certo que, aferir sobre os termos e pressupostos em que circulava o veículo conduzido pelo Autor, assim como qual a velocidade de circulação máxima admissível para o local, está integrante do primeiro tema de prova que é atinente a aferir sobre os termos e modo da ocorrência do acidente de viação, a instrução a prosseguir nos autos nesse domínio haveria de se ter por firmada numa conclusão inequívoca desses termos, ou então, a não ter-se como provada essa factualidade.

Por outro lado, nas suas Alegações de recurso, sustenta a Ré IP, S.A. que existem nos autos elementos probatórios que impunham que o Tribunal tivesse proferido decisão no sentido de [a] absolver do pedido, e em particular, com fundamento na prova testemunhal.

Referiu e transcreveu parte dos depoimentos das testemunhas «EE», «BB», e «FF».

Refira-se que nos termos e para efeitos do disposto no artigo 640.º do CPC, a Recorrente apenas fez a transcrição dos depoimentos das testemunhas que em seu entender fizeram depoimentos que são no sentido da sua absolvição do pedido formulado pelo Autor, mas sem que tenha, concretamente, referido/identificado, quais os factos que identifica como sendo decorrentes de um errado julgamento do Tribunal a quo, e por outro lado, quais os factos que deviam ser fixados para efeitos de que, assim sendo levados em consideração pelo Tribunal a quo, fossem/houvessem de ser, a final, determinantes da improcedência do pedido e da absolvição.

As conclusões que a Recorrente IP, S.A., enunciou a final das suas Alegações, não são a final, mais do que juízos conclusivos, referências vagas, absolutamente imprestáveis para terem o pendor de alterar o julgamento prosseguido pela Mm.ª Juíza do Tribunal a quo.

De resto, ouvidos os depoimentos das testemunhas a que se reporta a Recorrente nas suas Alegações [a testemunha «EE», arrolada pelo Autor; e as testemunhas por si arroladas, «BB» e «FF»], do que deles retiramos em termos essenciais é o seguinte:

- a testemunha «EE», referiu que às 08,30 horas do dia 19 de janeiro de 2013, a via rodoviária em causa estava desimpedida, e que o que nela veio a cair, é decorrente da derrocada que aconteceu porque o taluda da via de onde proveio não estava protegido.
- a testemunha «BB» prestou um depoimento que, considerado no seu essencial, foi vago e inconclusivo.
Enquanto testemunha, ou seja, para prestar depoimento sobre os factos que sabe ou conhece ou que não pode desconhecer, ou sabia de factos e acontecimentos ou não sabia. A sua mera qualidade de Engenheiro e de funcionário da Ré, não suplanta ou substitui o conhecimento que em concreto é devido, sendo que a referência ao modo como funcionam as brigadas de fiscalização e os empreiteiros é claramente de sentido genérica. Aliás, perguntado sobre se a EP foi chamada ao local para limpar a estrada, a sua resposta, nessa imediação, foi a seguinte: “Foi, foi, é assim verdadeiramente não me recordo. […]”
É transversal ao seu depoimento um certo desconhecimento, tendo afirmado repetidamente “penso que sim”, “acho que sim”, “que me recorde não”, “conseguimos ver indícios, embora às vezes não é fácil de ver”, “não tenho ideia disso”, “verdadeiramente não me recordo” , “penso que estavam”.
Perguntado sobre a concretude da EN ...02, procedeu à sua identificação/configuração morfológica, com uma recta, curvas e contra curvas que disse serem problemáticas, onde existe limitação de velocidade e sinalização de curvas perigosas, e sobre a sinalização aí existente, referiu que “… Antes da ... de um lado e do outro tem curva perigosa e penso que é 40.”
Portanto, em termos que o seu depoimento pudesse contribuir para a formação da convicção da Mm.ª Juíza em torno da velocidade imprimida pelo Autor ao seu veículo e qual a velocidade máxima aí permitia, nada de concreto se extrai, com certeza, ainda que mínima;
- quanto à testemunha «FF», pese embora o seu amplo depoimento sobre vasta matéria, o que é facto é que a Mm.ª Juíza não o teve como credível, dadas as imprecisões que lhe foram notadas.
Ora, para efeitos da consideração do depoimento desta testemunha tendo em vista a total absolvição do pedido formulado pelo Autor, a Recorrente IP, S.A. não articula por que termos e pressupostos é que o seu depoimento conduzia necessariamente à fixação de concretos factos, e quais, que a serem considerados pelo Tribunal a quo seriam determinantes da improcedência do pedido. Efectivamente, a Mm.ª Juíza não teve este depoimento como relevante, dadas as imprecisões constatadas.

Em suma, e ao contrário do que pretende a Recorrente IP, S.A., a mesma não logrou demonstrar que o julgamento de facto tirado pelo Tribunal a quo, para efeitos da total improcedência do pedido, padeça de qualquer erro na sua apreciação que lhe possa aproveitar, mais concretamente dos depoimentos prestados pelas testemunhas por si identificados, e de que por essa razão, o julgamento de direito, em torno da verificação de todos os pressupostos determinantes da efectivação da sua responsabilidade civil extracontratual padeça de qualquer erro.

Com efeito, subjacente à interpretação e aplicação do direito aos factos apurados pelo Tribunal a quo, está o julgamento de que o Autor cumpriu o ónus de alegar e provar os factos que servem de base à presunção legal de culpa, sem que lhe cumprisse fazer a prova da culpa do lesante, a Ré ora Recorrente, IP, S.A., e que impendia sobre esta o ónus de elisão da aludida presunção, o que o Tribunal a quo julgou que a Ré ora Recorrente não conseguiu provar, em torno do cumprimento dos deveres de conservação e manutenção e de vigilância da estrada onde ocorreu o acidente, e nesse patamar, que nenhuma culpa houve da sua parte, ou que os danos igualmente se teriam produzido ainda que tivesse agido diligentemente, designadamente, que a mesma não provou que o desmoronamento identificado nos autos tivesse ocorrido apenas e tão só devido às alegadas condições meteorológicas, e por outro lado, que o Autor ora Recorrente alegou e provou os factos que servem de base à presunção de culpa da Ré ora Recorrente/Recorrida, como assim resulta da matéria de facto assente, por se ter apurado que o acidente consistiu no embate numa pedra de grande porte e pela quantidade de terra e pequenas pedras existentes na faixa de rodagem que tinha caído do talude.

De maneira que, não assistindo razão à Recorrente IP, S.A., a sua pretensão recursiva tem de improceder.

Aqui chegados, importa agora apreciar a pretensão recursiva deduzida pelo Autor, ora Recorrente.

Cotejadas as Alegações de recurso por si apresentadas e as respectivas conclusões, é com facilidade que se alcança que o mesmo ancora o cerne da sua pretensão recursiva, na consideração de que a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto, nos termos que referenciou sob os pontos 8 e 17 do probatório, e em suma, de que não podia ter sido dado como provado que circulava a 50 Km/hora, e bem assim que no local existia a sinalização C13 de proibição de exceder a velocidade máxima de 40 Km/hora, pois que, em conformidade com o que assim referiu, foi na base da consideração desta factualidade [sem a qual não seria tirado o julgamento recorrido] que foi julgado que o Autor circulava em excesso de velocidade, e que se seguisse a velocidade inferior os danos seriam menores do que aqueles que vieram a ser constatados, e que foi nessa estrita medida que o Tribunal a quo veio a atribuir culpa ao Autor, concorrente com a culpa da Ré.

Como vimos supra, para a fixação da factualidade considerada em torno da velocidade a que seguia o Autor, assim como em torno do sinal de proibição de circulação a mais de 40 Km/hora, o Tribunal a quo não fundou a sua convicção em qualquer prova documental, pois que a mesma não está patenteada nos autos.

Portanto, a formação da convicção do Tribunal a quo apenas pode ser resultante da análise da prova testemunhal produzida, e também das declarações de parte do Autor que era quem conduzia o veículo à data do acidente.

Em face do que vem sustentado pelo Recorrente Autor, importa então apreciar e decidir sobre os termos e os pressupostos em que o Tribunal a quo fixou a matéria de facto constante do probatório, e para alcançar esse desiderato, qual a fundamentação por si aportada para a formação desse julgamento de facto.

Ora, estando em causa os pontos 8 e 17 do probatório, para aqui os extraímos como segue:

“8) O A. conduzia o seu veículo, imprimindo uma velocidade de 50Km/hora quando se apercebeu da obstrução da via com pedras e lama, tentou imobilizar o seu veículo, mas tal não foi possível porque o mesmo começou a deslizar sobre a lama lá existente, o que fez com que tivesse perdido o seu controle e o veículo “IA” fosse embater com a sua frente numa pedra que se encontrava na outra faixa de rodagem - lado esquerdo da estrada. [o sublinhado é da autoria deste TCA Norte]
[…]
17) No local do acidente, ambas as curvas estão precedidas de sinalização vertical de perigo A1b (curva à esquerda) e A1a (curva à direita) e em ambas, do sinal C13 (de proibição de exceder a velocidade máxima de 40Km/h.” [o sublinhado é da autoria deste TCA Norte]

Ou seja, consta do probatório da Sentença recorrida, quer a velocidade a que seguia o Autor [Cfr. ponto 8], quer a velocidade máxima sinalizada de 40 km/hora permitida no local [Cfr. ponto 17].

Porém, não dilucida este Tribunal de recurso por que termos e pressupostos é que o Tribunal a quo formou a sua convicção em torno dessa factualidade.

Atenta a fundamentação aportada para efeitos de dar os factos que deu como provados, como assim constantes do probatório, o Tribunal a quo especificou que tal assim resultou [decorrente da sua livre apreciação] da análise concatenada “… dos documentos ... a ...7 referentes aos factos provados e que se referem a prova documental, complementada com a prova testemunhal, bem como nos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência de julgamento designadamente, do próprio autor «AA» que prestou declarações de parte e que pareceu sincero e pessoa muito simples, a esposa «DD», interveniente no acidente, pois estava no veículo, também pessoa muito simples e que se viu o seu nervosismo mas não foi convicção do tribunal que estivesse a forjar factos relativos à fatura e pagamentos, a testemunha «EE», que seguia atrás do veículo acidentado e que prestou a sua ajuda, conhecia o local, prestou o seu depoimento de forma isenta, bem como as testemunhas da Ré Engs. «BB», responsável pela conservação das estradas no distrito ..., conhece a zona onde ocorreu o acidente, tem curva perigosa, não era uma zona problemática, verificou-se grande temporal nesses dias, considerou que é uma zona que deve ter rede, não tinha grandes alertas, não atuaram, pois não havia indícios, não existem protecção dos taludes e «CC», indicou como organiza a sua vigilância na sua área de jurisdição, e naquele ponto em concreto, duas vezes por semana, não entendera que houvesse o risco de haver derrocadas, não havia sinalização de perigo de derrocada. A testemunha «FF», soldado da GNR, mas à civil, seguia atrás do veículo acidentado, mas o seu depoimento não foi muito claro, tendo denotado algumas imprecisões relativamente ao depoimento da testemunha «EE» que também seguia atrás do veículo acidentado.

Ora, a fundamentação atinente à velocidade que o Autor imprimia ao seu veículo, assim como à velocidade máxima permitida no local, não emergindo de prova documental, e devendo prevalecer a prova testemunhal que foi produzida, a mesma não permite todavia formar uma convicção, ainda que com uma certeza merecedora de plausibilidade admissível, de que Autor seguisse aquela concreta velocidade, e que existisse lá o concreto sinal de proibição.

Com efeito, tendo o Tribunal a quo julgado provado para esse efeito o que foi resultante da análise crítica da prova testemunhal produzida em audiência contraditória em Tribunal, na Audiência final, em face do que sinalizou o Recorrente Autor nos termos e para efeitos do disposto no artigo 640.º do CPC, e depois de termos prosseguido na audição áudio dos depoimentos prestados pelas testemunhas em causa, o que assim julgamos é que nenhuma das testemunhas produziu depoimento que por si, fosse sequer indiciador de que pudesse ser dada como provada aquela factualidade contra a qual se insurge o Autor.

Atentemos então no teor dos depoimentos:

- da declaração prestada pelo Autor em Audiência final extrai-se que o mesmo se referiu à existência no local de sinalização atinente à proibição de circular a velocidade superior a 50 km/hora, e que circulava nessa altura à “… média dos 40, não ía a mais.”, tendo explicitado, quando perguntado pela Senhora mandatária da Ré, que existe lá sinal de proibição de circular a mais de 50 Km/hora, e que ele conduzia o veículo “… a 41, 42. Era mais ou menos nessa coisa.

- do depoimento prestado pela testemunha «DD» em Audiência final extrai-se que a mesma se referiu à existência no local de sinalização atinente à proibição de circular a velocidade superior a 50 km/hora, e que ela costuma ir “… sempre atenta ao conta-quilómetros e na altura ía, para aí, uns 40, 40 e poucos.”, o que assim veio a explicitar de forma expressa quando perguntada pela Senhora mandatária da Ré, ao que referiu que o seu marido, o Autor «AA», conduzia o veículo a 40 km/hora.

- do depoimento prestado pela testemunha «BB», extrai-se que o mesmo referiu, sem qualquer grau de certeza, sendo certo que é funcionário da Ré, sobre a existência no local de sinalização atinente à proibição de circular a velocidade superior a 40 km/hora.

- do depoimento prestado pela testemunha «CC», sendo certo que também é funcionário da Ré, extrai-se que o mesmo começou por referir, quando assim perguntado pela Senhora mandatária da Ré, que aí existia quando ocorreu o acidente, a sinalização atinente à proibição de circular a velocidade superior a 40 km/hora, tendo acabado por vir a referir que depois do acidente, e tempos volvidos, continua a passar por lá, e que “… se não estou em erro, alteraram [os serviços da Ré], o “… limite de velocidade para 50 Km por hora. Acho que os sinais estavam algo degradados e optaram por substituí-los e colocar os sinais novos.” E quando perguntado pelo Senhor mandatário do Autor em torno desta matéria, referiu que a sinalização existente na altura do acidente era de 40 km/hora, mas que tinha conhecimento de que “… recentemente, foram alterados para 50 Km/hora, porque os outros sinais já se encontravam degradados.”, não tendo apresentado justificação para essa alteração da sinalética em torno da velocidade máxima aí permitida, referindo apenas que alguém “… terá analisado a situação e terá tomado essa decisão.

Aqui chegados, e no limiar da prova que foi efectuada, é que o Autor circularia a velocidade não superior a 50 km/hora, por ser o que assim alegou na Petição inicial, quanto ao que a testemunha «DD», que ia no interior do veículo referiu ser de 40, 40 e poucos km/hora, assim como o disse o Autor em sede da prestação de declarações de parte, prova esta que sendo livremente valorada pelo Tribunal a quo segundo a sua prudente convicção, não foi desconsiderada pela Mm.ª Juíza, pelo que tem a mesma de resultar enunciada [e só por erro de julgamento o não foi], para efeitos de que possa ser sindicada a fundamentação aportada pelo Tribunal a quo, no sentido de dar como provada uma concreta factualidade e não outra de sentido diferente, que a sê-lo, poderia importar num desfecho da acção, em torno da apreciação do pedido, em termos diversos.

Em face do que deixamos expendido supra, e tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, damos assim nova redação aos pontos 8 e 17 do probatório, que doravante deixamos enunciados como segue:

“8) O A. conduzia o seu veículo, imprimindo uma velocidade não superior a 42 Km/hora quando se apercebeu da obstrução da via com pedras e lama, tentou imobilizar o seu veículo, mas tal não foi possível porque o mesmo começou a deslizar sobre a lama lá existente, o que fez com que tivesse perdido o seu controle e o veículo “IA” fosse embater com a sua frente numa pedra que se encontrava na outra faixa de rodagem - lado esquerdo da estrada.
[…]
17) No local do acidente, ambas as curvas estão precedidas de sinalização vertical de perigo A1b (curva à esquerda) e A1a (curva à direita).

E bem assim, damos como não provado, o seguinte facto:

Facto não provado:
A) Que no local do acidente, as curvas aí existentes estivessem precedidas de sinalização vertical do sinal C13 (de proibição de exceder a velocidade máxima de 50Km/h.)

Com efeito, não existe nenhum fundamento probatório nos autos, que seja oriundo de qualquer prova que tenha sido produzida e que deles conste, no sentido de que o Autor conduzisse o seu veículo à velocidade de 50Km/hora, sendo que quando muito teria sido a velocidade não superior a 42 Km/hora, por ser o que assim decorre do depoimento das duas pessoas que, muito propriamente poderiam prestar depoimento/declaração sobre essa matéria, e que são o condutor, o Autor «AA» e a sua mulher, «DD», que eram quem seguia no interior do veículo e que poderiam ter alguma relação visual com o conta quilómetros do veículo, sendo que já vimos que o depoimento da testemunha «FF», não foi valorado pelo Tribunal a quo, dada a sua inconsistência fundada nas suas imprecisões.

E em torno da sinalização de proibição de circulação, também não existe nenhum fundamento nos autos, que seja oriundo de qualquer prova que tenha sido produzida e que deles conste, no sentido de que aí estivesse colocada sinalização no sentido de que era proibida a condução a velocidade superior a 40Km/ hora, por tal assim não decorrer das declarações de parte produzidas pelo Autor «AA», nem pela testemunha «DD» [cujos depoimentos foram jugados isentos por parte do Tribunal a quo] nem tão pouco pelos dois funcionários da Ré que a tanto foram inquiridos.

De resto, e em torno dos depoimentos das duas testemunhas funcionários da Recorrida, julgamos não ser meridianamente plausível, que numa estrada que tem a configuração que tem, com recta, curvas e contra curvas e com taludes altos nas bermas, que se num passado recente, mormente à data de 19 de janeiro de 2013, a proibição de circular fosse à velocidade de 40 km/hora, que tomando de base o depoimento de «CC», Engenheiro e funcionário da Ré, que este sinal aí colocado tivesse entretanto sido alterado para o da velocidade de 50 km/hora, seja com fundamento em alguém ter tomado decisão nesse sentido, ou porque o sinal anterior estava degradado e teve de ser substituído, porque se assim tivesse sido, o que é certo é que em torno das condições da via não resultou feita nenhuma alegação nem prova em torno de qualquer melhoria na sua estrutura, que fosse determinante do aumento do limite de velocidade máxima de circulação, de 40 km/hora para 50/km/hora.

Com efeito, é basilar o teor do depoimento da testemunha «BB», quando referiu a instância da Senhora mandatária da Ré, que referiu que o local onde se deu o acidente “… é uma estrada quem vem de cima da 222 de ... é uma estrada relativamente, o piso é relativamente bom, normal, mas tem a particularidade do encaixe de quem vem de ... tem umas retas grandes que dá para ganhar velocidade e depois a parte final o encaixe na ... tem ali umas curvas contra curvas que são relativamente problemáticas, aliás, até tem limitação de velocidade e sinalização de curvas perigosas.

E mais à frente quando refere que essa estrada “… era uma estrada camarária e que em 2010, 2010/2011 ela retornou outra vez para as [SCom02...], pertencia à Câmara ... e não houve, como nunca houve, nós apanhámos o processo que já veio de trás, já vinha a estrada já estava feita e estava a ser mantida por eles, como não tivemos indícios de mais nada, não atuamos, porque não íamos atuar extemporaneamente, sem grandes, sem grandes alertas, não os tivemos.”

Ou seja, não consegue este Tribunal de recurso dilucidar, como é que existindo uma estrada com uma configuração difícil de curvas e contra curvas, e com taludes altos, e por isso com a atribuição de uma proibição de circulação a uma dada velocidade, de 40 km/hora, que sem a identificação da execução de quaisquer trabalhos ou benefícios da via, pudesse esse limite ser alterado para 50 Km/hora.

Nessa ordem de raciocínio, o que encerraria toda a coerência, e assim faria sentido, atentas as características da via, era que em face de uma proibição de velocidade de circulação por um determinado número superior, por exemplo de 40 Km/hora, fosse diminuído esse valor, por exemplo para 30 Km/hora, mas nunca alterado para um valor superior, pois que tal brigaria desde logo com o princípio da prudência de quem tem a cargo a gestão rodoviária da via em causa, a Ré ora Recorrente/Recorrida IP, S.A..

Daí que a fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo para efeitos de dar como provada a factualidade que constava dos pontos 8 e 17 probatório, nos termos assinalados supra, não permitia alcançar o julgamento prosseguido, nem em torno de que o Autor conduzia o veículo à velocidade de 50 Km/hora [e portanto em violação da sinalização de proibição de circulação que aí julgou como existente, a mais de 40 Km/hora], nem da própria sinalização de proibição de circulação a mais de 40 Km/hora, nem permite seja alcançado o julgamento de que o Autor circulava em excesso de velocidade [atentas as condições para imobilizar o veículo em segurança – Cfr. artigo 24.º, n.º 1 do Código da estrada], para assim julgar que o mesmo tem culpa pelo agravamento dos danos produzidos, pois que os factos constantes do probatório sob os pontos 2, 4, 5, 6, 7, 8 [com nova redação introduzida por este TCA Norte], 9 e 17 [com nova redação introduzida por este TCA Norte], não permitem efectuar um julgamento em matéria de direito, nos termos alcançados pelo Tribunal a quo, que só assim ocorreu, como julgamos, fundado em erro, de apreciação da matéria de facto, sobre a qual fez incidir o direito aplicável.

E na realidade, saber a que concreta velocidade seguia o Autor, só poderia ser confirmado por quem, no tempo e lugar em concreto, seguia à mesma velocidade, ou a velocidade superior ou inferior, e tivesse a possibilidade ou o discernimento de o anotar em devido em devido tempo, ou então, por quem estava no interior do veículo.

De maneira que, a pretensão recursiva do Recorrente «AA» tem assim de proceder, o que traduz a final o julgamento de que, em face do que se julgou provado e está constante do probatório [assim fixado com a interposição deste TCA Norte] o mesmo não concorreu com qualquer grau de culpa para o aumento da dimensão/grandeza dos danos objecto de indemnização, devendo assim os mesmos ser integralmente ressarcidos pela Ré ora Recorrida [SCom01...], S.A..

***

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Junção de documentos com as Alegações de recurso; Concorrência de culpas; Erro de julgamento em matéria de facto.

1 - Em sede de recurso jurisdicional, a junção de documentos assume carácter excepcional, só sendo consentida nos casos especiais previstos na lei, mormente, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, e neste conspecto, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva [quando se trate de documento formado depois de ter sido proferida a decisão] ou subjectiva [quando se trate de documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido].

2 - O Tribunal de recurso só deve intervir quando for prosseguido o julgamento de que a convicção formada pelo Tribunal recorrido não seja razoável, isto é, quando se apresente como manifesta a desconformidade dos factos [dados por provados e/ou não provados] com os meios de prova patenteados nos autos.

3 - A fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo para efeitos de dar como provada a factualidade que constava dos pontos 8 e 17 probatório, não permitia alcançar o julgamento prosseguido, nem em torno de que o Autor conduzia o veículo à velocidade de 50 Km/hora [e portanto em violação da sinalização de proibição de circulação que aí julgou como existente, a mais de 40 Km/hora], nem da própria sinalização de proibição de circulação a mais de 40 Km/hora, nem permite seja alcançado o julgamento de que o Autor circulava em excesso de velocidade [atentas as condições para imobilizar o veículo em segurança – Cfr. artigo 24.º, n.º 1 do Código da estrada], para assim julgar que o mesmo tem culpa pelo agravamento dos danos produzidos.

4 - Em face do que se julgou provado e está constante do probatório [assim fixado com a interposição deste TCA Norte] o Autor não concorreu com qualquer grau de culpa para o aumento da dimensão/grandeza dos danos objecto de indemnização, devendo assim os mesmos ser integralmente ressarcidos pela Ré ora Recorrida [SCom01...], S.A..


***
IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência:

A) em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente [SCom01...], S.A.;
B) em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso interposto pelo [SCom05...];
E julgando em substituição,
C) em julgar TOTALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na Petição inicial.

*

Custas a cargo da Recorrente [SCom01...], S.A., em ambas as instâncias – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

**

Notifique.
*

Porto, 20 de outubro de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Maria da Conceição Silvestre
Luís Migueis Garcia