Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00089/11.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/13/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:IVA
VIATURA DE TURISMO
INFORMAÇÃO VINCULATIVA
PRINCÍPIO DA BOA FÉ
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Sumário:I - Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artigos 19.º a 25.º, do C.I.V.A.
II - Nos termos do artigo 20.º, n.º 1, do C.I.V.A., só é dedutível o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados e que sejam pertinentes aos fins próprios da actividade do sujeito passivo. Não se destinando as aquisições a fins empresariais, não poderá o sujeito passivo proceder à respectiva dedução de acordo com o citado preceito.
III - O fundamento da exclusão do direito à dedução previsto no artigo 21.º, do C.I.V.A., encontra-se no facto de muitas das situações ali previstas dizerem respeito a I.V.A. suportado nos "inputs" em relação às quais se configura difícil, ou mesmo impossível, controlar da sua bondade, visando-se, pela via da exclusão, obstar à dedução do imposto suportado com bens ou serviços não essenciais à actividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares, não empresariais/profissionais. Esta norma é, no fundo, uma norma especial anti-abuso em sede de I.V.A.
IV - O artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do C.I.V.A., "a contrario sensu", só exclui do campo das viaturas de turismo os veículos automóveis que, pelo seu tipo de construção e equipamento, seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial.
V - Quando o legislador definiu as viaturas de turismo como as que não sejam destinadas unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial, pretendeu com esta referência intencional à expressão "unicamente", e imbuído do mencionado propósito de evitar a possibilidade do aproveitamento para fins particulares da faculdade de dedução do I.V.A. na aquisição de bens e serviços, que só relativamente às viaturas que, pelas suas características, tivessem somente a potencialidade de ser afectas àquelas actividades seria possível o exercício do direito à dedução do I.V.A. suportado na sua aquisição.
VI - O artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do C.I.V.A., não define o conceito de viaturas de turismo por contraposição ao conceito de viaturas de mercadorias. É que na definição do conceito de viatura de turismo constante desta norma, ao se apresentar como viaturas de turismo, por um lado, os veículos que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não sejam destinados unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial, e, por outro lado, os veículos que, sendo mistos ou de transporte de passageiros, não tenham mais de 9 lugares, é pressuposto da intenção do legislador de que, naquela primeira espécie de viaturas de turismo, cabem os veículos de mercadorias (que possam ter outro destino/utilização para além do transporte de mercadorias). Estamos, efectivamente, perante um conceito próprio do Código do I.V.A. que não remete para a classificação ou tipologia constante do Código da Estrada. De facto, se fosse intenção do legislador construir o conceito de viatura de turismo a partir da tipologia de veículos constante deste último diploma legal, excluindo do mesmo os veículos classificados como veículos de mercadorias, teria, simplesmente, estipulado expressamente nesse sentido.
VII - Como corolário do princípio da colaboração da Administração, em geral, com os particulares (cfr. artigo 7.º, do Código de Procedimento Administrativo), o artigo 59.º, n.º 3, al. e), da Lei Geral Tributária, prevê a cooperação da Administração Tributária com os contribuintes consubstanciada, além do mais, na emissão de informação vinculativa sobre situações tributárias concretas (cfr. artigo 68.º da Lei Geral Tributária).
VIII - Nos termos da lei (cfr. artigo 57.º, n.º 1, do C.P.P.T.), uma vez prestada a informação sobre a situação do contribuinte, ficam os serviços tributários vinculados a não proceder de forma diversa, caso se verifiquem os factos identificados e previstos na lei, salvo em cumprimento de decisão judicial. O C.P.P.T. não fixa qualquer prazo de validade à informação prestada, é preciso notar que ela tem, no entanto, dois termos de referência. Por um lado, ela reporta-se aos factos enunciados pelo contribuinte; por outro, reporta-se ao enquadramento jurídico que deles fazem os serviços.
IX - A informação prestada perde qualquer validade se os factos ocorrerem em termos diversos daqueles que foram apresentados aos serviços, nomeadamente se ocorrerem com contornos que lhe tenham sido ocultados. Do mesmo modo, a informação prestada perde validade se as normas jurídicas que serviram à qualificação tributária dos factos vierem, entretanto, a ser alteradas. Por último, se a Fazenda Pública proceder de forma diversa do sentido que constar de informação vinculativa prestada, o acto que praticar enfermará de vício de violação de lei, sendo gerador da sua anulabilidade.
X - A Administração Tributária, com a emissão de uma informação vinculativa, não fica obrigada ao seu cumprimento em relação a todas as situações que se lhe colocam dentro do objecto dessa mesma orientação. Pelo contrário, a vinculação da Administração Tributária ao teor das mesmas é uma vinculação inter-partes, pois somente em relação ao caso em concreto objecto do pedido a Fazenda Pública não pode proceder em sentido diverso da informação prestada, ressalvado o cumprimento de decisão judicial.
XI - Regime diferente existe para as informações genéricas proferidas pela Administração Tributária sobre a interpretação das normas tributárias que estejam em vigor no momento do facto tributário, relativamente às quais, nos termos do artigo 68.º-A, n.º 1, da Lei Geral Tributária, a Administração Tributária fica vinculada ao seu cumprimento em relação a todas as situações que se lhe colocam dentro do objecto dessa mesma orientação.
XII - Por força do preceituado no artigo 266.° da Constituição da República Portuguesa, a actividade da administração tributária tem de ser levada a cabo em subordinação à Constituição e à lei e deve respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos (princípio da legalidade) e os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.
XIII - Actualmente, deve entender-se que princípios como o da justiça e da boa-fé são aplicáveis mesmo no exercício de poderes vinculados, sobrepondo-se a outros deveres legais.
XIV - Na densificação do princípio da actividade administrativa relevam sobretudo dois subprincípios concretizadores da boa-fé: o princípio da primazia da materialidade subjacente e o princípio da tutela da confiança.
XV - A Lei Geral Tributária concretiza a aplicação do princípio da boa-fé ao estabelecer o regime das informações vinculativas.
XVI - O princípio do inquisitório somente tem aplicação perante a invocação de factos concretos pelas partes que se mostrem controvertidos, passando estes, ainda, pelo crivo do que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como útil ao apuramento da verdade.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

C…, UNIPESSOAL, LDA.”, NIPC 5…, com sede no Loteamento…, Ponte da Barca, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 10/02/2014, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional n.º 09132447, referente a IVA de 2008, no montante de €6.312,38, acrescido de juros compensatórios computados em €276,71.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
1.
A douta Sentença ora impugnada assenta numa insuficiência notória da fundamentação de facto,
2.
nomeadamente no que respeita à questão essencial da utilização efectiva e concreta do veículo automóvel relativamente ao qual a Administração Tributária decidiu no sentido de afastar o direito à dedução do IVA suportado na sua aquisição.
3.
Com efeito, compulsado o elenco dos factos provados, constata-se que este é totalmente omisso não somente quanto à essencialidade ou indispensabilidade da viatura no âmbito da actividade desenvolvida pela Recorrente,
4.
Mas também quanto à real e efectiva forma de utilização do mesmo,
5.
Limitando-se o M.mo Juiz da causa, salvo o devido respeito, que é muito, a emitir meros juízos de valor ou conclusões de cariz especulativo, assentes na inócua e pouco expressiva relevância de uns “extras”, que pretensamente foram susceptíveis de conferir um toque de “luxo” a um veículo de trabalho.
6
Considerando que o n.º 1 do artigo 21.º do CIVA contém três soluções de facto de diversa natureza, aplicáveis em alternativa, não pode admitir-se que os factos dados como provados não permitam sindicar todas essas possibilidades, tanto mais quanto a Impugnante havia suscitado essa questão na sua p.i. e se propunha fazer a respectiva prova, mediante a apresentação de uma testemunha.
7.
Por outro lado, tendo a aqui Recorrente invocado como causa da sua discordância quanto à liquidação adicional de imposto determinada pela Administração Fiscal a circunstância de haver obtido informação favorável ao exercício do direito à dedução, em data anterior à da própria aquisição (tendo essa informação sido essencial à decisão de compra), não deveria o M.mo Juiz da causa afastar a inquirição da testemunha indicada pela impugnante, por constituir tal depoimento um passo essencial à descoberta da verdade material.
8.
Considerando que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga estava obrigado a seguir os preceitos contidos no princípio do inquisitório, plasmado no artigo 58.º da L.G.T., ao determinar a não produção de prova testemunhal, incorreu o Tribunal “a quo” em erro de julgamento, o que se requer seja declarado, com as legais consequências.
9.
A decisão ora em crise incorreu igualmente em erro de julgamento, ao não incluir no elenco de factos provados os elementos constantes do documento único automóvel, mormente a classificação do veículo como “ligeiro de mercadorias”.
10.
Esta classificação ressalta do documento de identificação do veículo, junto ao processo e seria devidamente comprovada com o recurso à prova testemunhal, cuja produção foi rejeitada pelo Tribunal.
11.
Não prescindindo, sempre haverá que declarar que a decisão recorrida incorreu igualmente em vício de interpretação e aplicação da lei, nomeadamente dos princípios fundamentais fiscais da unidade do sistema e da neutralidade fiscais, mas também dos artigos 19.º a 21.º do CIVA,
12.
Sendo que igualmente se impunha que se doutamente considerasse que a Autoridade Tributária violou o princípio da boa-fé no seu relacionamento com a “C… Unipessoal, Lda”, ao não reconhecer o exercício do direito à dedução, quando havia criado expectativas nesse sentido.
TERMOS EM QUE considerado procedente o presente recurso deve a douta Sentença recorrida ser revogada, proferindo-se, em conformidade, decisão que determine a anulação da liquidação adicional em sede de IVA, referente ao ano fiscal de 2008, assim se actuando em conformidade com a lei e se fazendo JUSTIÇA!”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e, consequentemente, de direito, por insuficiência da decisão da matéria de facto e violação do princípio do inquisitório, por violação de lei e do princípio da boa-fé.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Factos Provados
1. A impugnante, “C…, Unipessoal, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº 505 534 860, desenvolve a actividade de estucagem (CAE 43310), e foi submetida a inspecção credenciada pela Ordem de Serviço nº OI200800145, que teve início em 27/1/2009 e terminus em 13/5/2009.
2. A coberto do despacho nº DI200801618 de 21/5/2008, na sequência de análise do pedido de reembolso efectuado, referente ao período 0803, foi detectada na contabilidade da impugnante a factura nº 800129 de 14/2/2008, emitida por “C…– Indústria e Comércio de Automóveis, S.A.”, relativa à aquisição do veículo marca Nissan, Modelo Navarra NAV DC, 4x4 LE, matrícula DV, tipo pick-up, de cabine dupla, com 5 lugares e caixa aberta, com interior em pele, e € 2.350,00 de extras, conforme documento de fls. 18 do processo apenso que se dá por reproduzido.
3. A impugnante inscreveu no campo ao da declaração periódica de IVA, referente ao período 0803, o montante de € 6.312,38, com vista à dedução do IVA correspondente à factura identificada em 2.
4. A Administração Tributária remeteu à impugnante o ofício datado de 2/7/2009, que consta a fls. 10/17 do processo apenso, com vista à notificação do Relatório de Inspecção.
5. A Administração Tributária emitiu as liquidações adicionais nº 09132447 e nº 09132448, referentes a IVA, relativas ao período 0803 e juros compensatórios, respectivamente, nos montantes de € 6.312,38 e € 276,71, fundadas na não dedutibilidade do IVA constante da factura identificada em 2.
6. A impugnante deduziu reclamação graciosa, que foi indeferida nos termos e com os fundamentos que constam do documento de fls. 42/43 do processo apenso que se dá por reproduzido.
7. A Administração Tributária remeteu à impugnante o ofício nº 004748, datado de 17/3/2010, que consta a fls. 44 do processo apenso e se dá por reproduzido, com vista à notificação da decisão aludida em 6.
8. A impugnante interpôs recurso hierárquico em relação à decisão proferida quanto à reclamação graciosa, que foi indeferida nos termos e com os fundamentos que constam do documento de fls. 69/76 do processo apenso que se dá por reproduzido.
9. A Administração Tributária remeteu à impugnante e à sua mandatária os ofícios nº 012912 e nº 012913, que constam a fls. 79 e 82, e 118 do processo apenso e se dão por reproduzidos.
10. A presente impugnação foi apresentada em 6/1/2011.
FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito.
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A convicção do tribunal assentou na análise crítica da prova documental junta aos autos, e ao processo administrativo apenso, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 412º Código de Processo Civil.
*

2. O Direito

Na presente impugnação judicial a questão fulcral prende-se com a legalidade da decisão da Administração Tributária que não admitiu a dedução do IVA relativo à aquisição de uma viatura, por a ter qualificado como “viatura de turismo”.
Tanto a dedução de IVA, como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de IVA consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de IVA - cfr. acórdão do STA-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04; acórdão do TCASul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; acórdão do TCASul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., n.º 1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.157 e seguintes.
No caso concreto, na inspecção tributária realizada à ora Recorrente, ao ano fiscal de 2008, a Administração Fiscal efectuou uma correcção ao IVA deduzido pela mesma, tendo emitido uma liquidação adicional (IVA/200803T), no valor de €6.312,38, com base no disposto no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do C.I.V.A., correcção essa relativa ao tributo suportado pela Recorrente na aquisição da viatura com matrícula 68-DV-41, visto considerar que nos encontramos perante uma viatura de turismo, na medida em que, dada a sua construção e equipamento, não é destinada unicamente ao transporte de mercadorias, ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial e industrial. Podendo, também, ser utilizada no transporte de passageiros, na medida em que tem uma lotação de cinco lugares (não tem mais de nove lugares, com inclusão do condutor).
Por sua vez, a Recorrente defende que a viatura em questão é considerada como viatura ligeira de mercadorias (classificação que a Administração Tributária admite e aceita), que foi utilizada, de forma exclusiva, no âmbito da actividade industrial desenvolvida pela “C…, Unipessoal, Lda.”, transportando mercadorias, equipamentos e pessoal, nas muitas empreitadas de construção civil em que se traduz o quotidiano da empresa, e não viatura de turismo, devendo o IVA da sua aquisição ser considerado dedutível, nos termos dos artigos 19.º e 20.º do C.I.V.A., não sendo, assim, aplicável ao caso concreto o disposto no artigo 21.º, do mesmo diploma. Logo, ao assumir que o veículo em referência era enquadrável no conceito de “viatura de turismo”, a Administração Fiscal incorreu em vício de interpretação e aplicação da lei.
O Acórdão do TCA Sul, de 10/07/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07558/14, já se pronunciou, sobre situação idêntica, nos seguintes termos:
“(…) Nos termos do artº.20, nº.1, do C.I.V.A., só é dedutível o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados e que sejam pertinentes aos fins próprios da actividade do sujeito passivo. Não se destinando as aquisições a fins empresariais, não poderá o sujeito passivo proceder à respectiva dedução de acordo com o citado preceito.
Sendo esta a regra, o C.I.V.A. estabelece, por outro lado, em certos casos, a exclusão do direito à dedução. Encontra-se nesta situação, o artº.21, do mesmo diploma.
O fundamento de tal exclusão do direito à dedução encontra-se no facto de muitas das situações ali previstas dizerem respeito a I.V.A. suportado nos "inputs" em relação às quais se configura difícil, ou mesmo impossível, controlar da sua bondade, visando-se, pela via da exclusão, obstar à dedução do imposto suportado com bens ou serviços não essenciais à actividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares, não empresariais/profissionais. Esta norma é, no fundo, uma norma especial anti-abuso em sede de I.V.A., nos termos em que a doutrina as define (cfr. Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág.91 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, pág.295 e seg.).
Quer isto dizer que o legislador, mesmo admitindo que os bens ou serviços identificados no artº.21, nº.1, do C.I.V.A., possam destinar-se a fins empresariais, por reconhecer ser particularmente difícil o controlo da utilização dos referidos bens ou serviços e com o intuito de evitar a possibilidade de elevado nível de fraude, procurou evitar as dificuldades que surgiriam na administração do imposto devido ao contencioso que inevitavelmente se iria gerar sobre esta matéria, consagrando na citada norma legal um conjunto de bens e serviços excluídos do direito à dedução, independentemente da sua utilização.
É neste contexto e com o referido propósito que surge a exclusão do direito à dedução do imposto prevista no artº.21, nº.1, al. a), do C.I.V.A., em discussão nos autos, respeitante às "despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos".
Resulta desta disposição legal que não se poderá, além do mais, deduzir o I.V.A. contido nas despesas com a aquisição de viaturas de turismo.
Ora, esclarece esta mesma alínea a), "in fine", que:
"É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial, ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de 9 lugares, com inclusão do condutor.".
Conforme se referiu, a Fazenda Pública não considerou dedutível o I.V.A. suportado na aquisição do veículo adquirido pelo recorrente, com fundamento no disposto no examinado artº.21, nº.1, al. a), do C.I.V.A.
Cumpre, por isso, averiguar se o referido veículo deve ser classificado, nos termos e para os efeitos daquela disposição legal, como viatura de turismo.
Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr. artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
Como resulta do probatório (cfr.nº.4 da factualidade provada), a viatura em causa é identificada no respectivo livrete como veículo ligeiro, tipo mercadorias.
Todavia, a norma em questão (artº.21, nº.1, al.a), do C.I.V.A.), "a contrario sensu", só exclui do campo das viaturas de turismo os veículos automóveis que, pelo seu tipo de construção e equipamento, seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial.
Assim, quando o legislador definiu as viaturas de turismo como as que não sejam destinadas unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial, pretendeu com esta referência intencional à expressão "unicamente", e imbuído do mencionado propósito de evitar a possibilidade do aproveitamento para fins particulares da faculdade de dedução do I.V.A. na aquisição de bens e serviços, que só relativamente às viaturas que, pelas suas características, tivessem somente a potencialidade de ser afectas àquelas actividades, e não mais, seria possível o exercício do direito à dedução do I.V.A. suportado na sua aquisição.
Pelo que, a decisão sobre se estamos, ou não, perante uma viatura de turismo, passa por aferir se o veículo em causa está destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial, caso em que não será considerada viatura de turismo e, portanto, o sujeito passivo pode exercer o direito à dedução, ou se, pelo contrário, para além dessa funcionalidade, a viatura pode ser afecta a outras funcionalidades.
Não dependendo, nesta medida, a qualificação da viatura como viatura de turismo, e, consequentemente, o direito à dedução do I.V.A. suportado com a sua aquisição, da verificação da finalidade ou utilização que é, concretamente, dada à mesma - contrariamente ao que resulta da alegação do recorrente - dado que a norma em apreciação, diferentemente do que acontece com o estatuído nos artºs.19 e 20 do C.I.V.A., abstrai dessa utilização, antes fazendo relevar o tipo de construção e equipamento da viatura, por motivos de prevenção que são a razão de ser da sua previsão. O que está em causa é a possibilidade ou não de dar à viatura um destino diferente daquele a que faz referência a norma.
Ora, entendemos que o caso em apreciação é um daqueles em que estamos perante uma viatura que, face às suas características ao nível de construção e equipamento, não tem como único destino possível o transporte de mercadorias ou uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial.
De facto, tem razão a Fazenda Pública quando afirma que o número de lugares da viatura - cinco lugares - é efectivamente revelador de que a viatura não se destina unicamente àquelas mencionadas utilidades.
Admite-se que para o exercício da actividade do recorrente seja necessária a viatura em apreciação. No entanto, para além de não se vislumbrarem razões para concluir que para o exercício da actividade do mesmo seja necessária uma viatura com 5 lugares, o facto é que, com esta especificidade, a viatura pode não só ser destinada às funções decorrentes da sua actividade, como também é susceptível de ser utilizada na satisfação de outras finalidades, de cariz particular, concretamente o transporte de passageiros.
Sendo, de resto, de conhecimento geral que, actualmente, cada vez mais se opta pela aquisição deste tipo de viaturas de utilização mista, precisamente tendo em vista as vantagens advenientes das diversas utilizações que o seu tipo de construção e equipamento permite, permitindo, simultaneamente, a sua utilização profissional mas também particular.
E não se diga que a exclusão da viatura em causa do conceito de viatura de turismo decorre do facto de tal constar no seu livrete, ao identificar o veículo do tipo mercadorias.
Desde logo, não podemos concluir que o artº.21, nº.1, al.a), do C.I.V.A., defina o conceito de viaturas de turismo por contraposição ao conceito de viaturas de mercadorias. É que na definição do conceito de viatura de turismo constante desta norma, ao se apresentar como viaturas de turismo, por um lado, os veículos que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não sejam destinados unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial, e, por outro lado, os veículos que, sendo mistos ou de transporte de passageiros, não tenham mais de 9 lugares, é pressuposto da intenção do legislador de que, naquela primeira espécie de viaturas de turismo, cabem os veículos de mercadorias (que possam ter outro destino/utilização para além do transporte de mercadorias).
Estamos, efectivamente, perante um conceito próprio do Código do I.V.A. que não remete para a classificação ou tipologia constante do Código da Estrada. De facto, se fosse intenção do legislador construir o conceito de viatura de turismo a partir da tipologia de veículos constante deste último diploma legal, excluindo do mesmo os veículos classificados como veículos de mercadorias, teria, simplesmente, estipulado expressamente nesse sentido.
Acresce que, deixando de se prever legalmente, designadamente no Código da Estrada, o tipo de veículo misto, definido no artº.106, nº.2, al.c) deste diploma legal (na versão anterior ao dec.lei 44/2005, de 23/02) como aquele que se destina ao transporte, alternado ou simultâneo, de pessoas e carga, na realidade estes veículos, com as características que lhe são apontadas, não deixaram de existir. Simplesmente passaram a ser classificados num dos tipos que hoje se mantém. Razão pela qual não se pode concluir que, por definição, todos os veículos de mercadorias se destinam unicamente ao transporte de mercadorias. (…)”
Considerando a fundamentação da decisão que acabamos de transcrever parcialmente, facilmente se constata que a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida se mostra suficiente para conhecer o objecto da causa, não existindo insuficiência notória da fundamentação de facto, nem se verificando violação do princípio do inquisitório.
Efectivamente, no que toca ao conhecimento/apuramento dos factos relevantes para a decisão da causa, importa não perder de vista o que preceitua o artigo 13.º do CPPT: que incumbe aos juízes dos tribunais tributários realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer. Por outro lado, de harmonia com o artigo 114.º do mesmo diploma, não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de prova necessárias. Destes preceitos decorre que o dever de realizar e ordenar as correspondentes diligências se deve limitar àquelas que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade. Contudo, não se deverá perder de vista que a descoberta da verdade material deve ser conjugada com os princípios da eficácia e racionalidade do processo tributário.
Assim, no processo tributário, e com base no princípio do inquisitório, temos que ao juiz é atribuído o poder de ordenar as diligências de prova consideradas necessárias para a descoberta da verdade, o que sempre deverá ocorrer quando, perante uma questão que não é apenas de direito, o processo não fornecer os elementos necessários para decidir as questões de facto suscitadas. Nesta conformidade, só haverá défice instrutório, se as partes tiverem invocado factos relevantes para o exame e decisão da causa, que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova – cfr. artigos 265.º, n.º 3 e 513.º do CPC, bem como os actuais artigos 5.º, 410.º e 411.º do CPC.
É verdade que não consta do probatório qualquer factualidade relativa à utilização efectiva e concreta do veículo automóvel relativamente ao qual a Administração Tributária decidiu afastar o direito à dedução do IVA suportado na sua aquisição, ou quanto à essencialidade ou indispensabilidade desta viatura no âmbito da actividade desenvolvida pela Recorrente. E que esta se propunha fazer a respectiva prova mediante a inquirição de uma testemunha indicada na sua petição inicial.
Está, igualmente, omisso na decisão da matéria de facto qualquer referência ao tipo ou à categoria de viatura, de acordo com as menções que constam do livrete (actualmente, Documento Único Automóvel). Invocando a Recorrente que a Administração Tributária aceita tratar-se de um veículo ligeiro de mercadorias.
Contudo, o exposto supra revela a irrelevância destes factos, em face da factualidade já constante do ponto 2 da decisão da matéria de facto: “(…) aquisição do veículo marca Nissan, Modelo Navarra NAV DC, 4x4 LE, matrícula DV, tipo pick-up, de cabine dupla, com 5 lugares e caixa aberta, com interior em pele, e € 2.350,00 de extras (…)”.
Realmente, o número de lugares da viatura - cinco lugares - é efectivamente revelador de que a viatura não se destina unicamente àquelas mencionadas utilidades - transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial.
Não se coloca em causa que para o exercício da actividade da Recorrente seja necessária a viatura em apreciação. No entanto, para além de não se vislumbrarem razões para concluir que para o exercício da actividade da mesma seja necessária uma viatura com 5 lugares, o facto é que, com esta especificidade, a viatura pode não só ser destinada às funções decorrentes da sua actividade, como também é susceptível de ser utilizada na satisfação de outras finalidades, de cariz particular, concretamente o transporte de passageiros.
Nesta conformidade, acompanhando a sentença recorrida, a exclusão do direito à dedução do IVA decorre do facto de o tipo de construção e equipamento do veículo ser demonstrativo de que o mesmo não se destina unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial, sendo, por isso, despiciendo efectuar diligências tendentes a averiguar as concretas condições ou circunstâncias atinentes à sua utilização efectiva.
Face ao exposto, não existe qualquer défice instrutório (é bastante estar assente que a viatura tem 5 lugares), devendo concluir-se, em sintonia com o Tribunal "a quo", que a viatura em causa se enquadra no conceito de viatura de turismo, nos termos e para os efeitos consignados no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do C.I.V.A., pelo que não é dedutível o IVA suportado pela Recorrente na sua aquisição, em virtude do que se julga improcedente este fundamento do recurso.

Aduz, igualmente, a Recorrente que a Administração Tributária, num outro caso anterior, já proferiu informação vinculativa em sentido favorável à sua posição, no âmbito do processo n.º D051 2005028, onde se consagrava o seguinte entendimento: “(…) a classificação de um veículo como viatura de turismo dependerá da natureza atribuída ao veículo no seu documento identificador, que é o livrete. (…)”
Nesta sequência, sustenta que a decisão recorrida incorreu igualmente em vício de interpretação e aplicação da lei, nomeadamente dos princípios fundamentais fiscais da unidade do sistema e da neutralidade fiscais, mas também dos artigos 19.º a 21.º do CIVA. Acrescentando, igualmente, a violação do princípio da boa-fé no relacionamento da Administração Tributária com a aqui Recorrente, ao não reconhecer o exercício do direito à dedução, quando havia criado expectativas nesse sentido.
Como apontam Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 3ª ed., anotação 1 ao artigo 55.º, pp. 235/236) «Toda a actividade da administração tributária deve subordinar-se ao interesse público que, relativamente ao sistema fiscal, consiste, em primeira linha, na obtenção de receitas para satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades (art. 103°, n° 1, da CRP). E por força do preceituado no art. 266° da CRP, esta actividade tem de ser levada a cabo em subordinação à Constituição e à lei e deve respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos (princípio da legalidade) e os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé», sendo que apesar de o art. 55º da LGT omitir a referência a este princípio da boa fé «a sua aplicação é imposta por aquela norma constitucional e a própria LGT supõe a sua observância no âmbito do princípio da colaboração entre a administração tributária e os contribuintes (art. 59°) e concretiza a sua aplicação ao estabelecer o regime das informações vinculativas (art. 68°).» [Segundo estes mesmos autores a inclusão deste princípio na LGT estava prevista na lei de autorização legislativa em que o Governo se baseou para a aprovar (n.º 10 do artigo 2.º da Lei n.º 41/98, de 4/8)].
A este princípio da boa-fé se refere, ainda, o artigo 6.º-A do CPA, cujo n.º 2 «esclarece factores a atender na apreciação do cumprimento das regras da boa-fé, prescrevendo que devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa e o objectivo a alcançar com a actuação empreendida. Esta exigência tem um conteúdo de carácter ético, impondo aos intervenientes no procedimento tributário que actuem com lealdade e sinceridade recíprocas no decurso do procedimento tributário, abstendo-se de actuações que possam enganar o outro interveniente, ou ocultando-lhe elementos que possam ter proveito para a defesa das suas posições.» (ob. cit., pag. 278).
Daí que o n.º 1 do artigo 48.º do CPPT, concretizando os deveres de colaboração da AT com os contribuintes, estabeleça que aquela «… esclarecerá os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros actos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correcção dos erros ou omissões manifestas que se observem.» e que o nº 2 do mesmo artigo estabeleça que «O contribuinte cooperará de boa-fé na instrução do procedimento, esclarecendo de modo completo e verdadeiro os factos de que tenha conhecimento e oferecendo os meios de prova a que tenha acesso.», sendo que a violação, por parte da AT, dos deveres procedimentais de colaboração e de actuação segundo as regras da boa fé, pode consistir em vício autónomo de violação de lei (cfr. Jorge de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, anotação 7 ao art. 48º, p. 413).
Como corolário do princípio da colaboração da Administração, em geral, com os particulares (cfr. artigo 7.º, do Código de Procedimento Administrativo), o artigo 59.º, n.º 3, alínea e) da Lei Geral Tributária prevê a cooperação da Administração Tributária com os contribuintes consubstanciada, além do mais, na emissão de informação vinculativa sobre situações tributárias concretas (cfr. artigo 68.º, da LGT).
Nos termos da lei (cfr. artigo 57.º, n.º 1, do CPPT), uma vez prestada a informação sobre a situação do contribuinte, ficam os serviços tributários vinculados a não proceder de forma diversa, caso se verifiquem os factos identificados e previstos na lei, salvo em cumprimento de decisão judicial. O CPPT não fixa qualquer prazo de validade à informação prestada, é preciso notar que ela tem, no entanto, dois termos de referência. Por um lado, ela reporta-se aos factos enunciados pelo contribuinte; por outro, reporta-se ao enquadramento jurídico que deles fazem os serviços. Assim, a informação prestada perde qualquer validade se os factos ocorrerem em termos diversos daqueles que foram apresentados aos serviços, nomeadamente se ocorrerem com contornos que lhe tenham sido ocultados. Do mesmo modo, a informação prestada perde validade se as normas jurídicas que serviram à qualificação tributária dos factos vierem, entretanto, a ser alteradas. Por último, se a Fazenda Pública proceder de forma diversa do sentido que constar de informação vinculativa prestada, o acto que praticar enfermará de vício de violação de lei, sendo gerador da sua anulabilidade (cfr. acórdão do TCA Sul-2ª.Secção, de 22/11/2011, proc.3013/09 e acórdão, também do TCA Sul, de 10/07/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07558/14; Sérgio Vasques, O Mecanismo da Informação Vinculativa, C.T.F. 397, Jan/Mar 2000, pág.118 e 119; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª.edição, 2012, pág.622 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. edição, Coimbra Editora, 2007, pág.204 e seg.).
Relembramos, então, que o regime legal actual da emissão de informações vinculativas está previsto nos artigos 68.º da LGT e 57.º do CPPT.
A Administração Tributária, com a emissão de uma informação vinculativa, não fica obrigada ao seu cumprimento em relação a todas as situações que se lhe colocam dentro do objecto dessa mesma orientação. Pelo contrário, a vinculação da Administração Tributária ao teor das mesmas é uma vinculação inter-partes, pois somente em relação ao caso em concreto objecto do pedido a Fazenda Pública não pode proceder em sentido diverso da informação prestada, ressalvado o cumprimento de decisão judicial, conforme aludido supra. Regime diferente existe para as informações genéricas proferidas pela Administração Tributária sobre a interpretação das normas tributárias que estejam em vigor no momento do facto tributário, relativamente às quais, nos termos do artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT, a Administração Tributária fica vinculada ao seu cumprimento em relação a todas as situações que se lhe colocam dentro do objecto dessa mesma orientação – cfr. o referido acórdão do TCA Sul, de 10/07/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07558/14.
Em conclusão, não é legítima a invocação, por qualquer outra pessoa que não o sujeito passivo que solicitou a informação vinculativa, de uma eventual eficácia "erga omnes" da informação prestada.
Salienta-se, aliás, que se mostra ínsita no processo administrativo apenso aos autos uma outra informação vinculativa, prestada no processo n.º D082 2001008, com aposição de despacho concordante da Subdirectora-Geral, de 15/04/2002, que se refere especificamente a uma viatura tipo “pick-up”, e em que se concluiu que, nesse caso, estaria excluído o direito à dedução de imposto.
As informações vinculativas têm em conta as circunstâncias e as situações concretas colocadas por cada sujeito passivo, sendo prestadas atendendo a cada caso. Não resulta dos autos que a ora Recorrente tenha solicitado, para a sua situação específica, qualquer informação vinculativa; pelo que a Administração Tributária não estava obrigada a aplicar a interpretação efectuada no processo n.º D051 2005028 ao caso concreto da aqui Recorrente.
Na petição inicial invocava-se, ainda, que a decisão de proceder à própria aquisição da viatura, bem como a posterior dedução do IVA, foram precedidas de consulta junto do órgão periférico local da Administração Tributária, tendo o técnico oficial de contas, em representação da ora Recorrente, que se dirigiu a esses serviços, obtido a informação de que o imposto pago, em sede de IVA, seria dedutível.
Encontra-se, efectivamente, uma declaração deste técnico oficial de contas ínsita no processo administrativo apenso a fls. 40, datada de 23/02/2010, atestando que recebeu a informação de que, sendo a viatura ligeira de mercadorias, o IVA suportado na aquisição poderia ser legalmente deduzido.
Neste circunstancialismo, surge, agora, a alegação de que, tendo a aqui Recorrente invocado como causa da sua discordância quanto à liquidação adicional de imposto determinada pela Administração Fiscal a circunstância de haver obtido informação favorável ao exercício do direito à dedução, em data anterior à da própria aquisição (tendo essa informação sido essencial à decisão de compra), não deveria o Meritíssimo Juiz da causa afastar a inquirição da testemunha indicada pela impugnante, por constituir tal depoimento um passo essencial à descoberta da verdade material.
A testemunha arrolada é efectivamente o técnico oficial de contas que subscreveu a declaração de fls. 40, Francisco José Mota de Sousa. No entanto, mais uma vez, a pertinência de tal diligência probatória sempre passará pelo crivo do que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como útil ao apuramento da verdade.
Ora, realmente, esta diligência de inquirição de testemunha só poderá ter utilidade se os factos invocados na petição inicial puderem contender com eventual violação do princípio da boa-fé.
Embora a jurisprudência do STA acentuasse a impossibilidade de o princípio da boa-fé ser aplicável em caso de actos praticados no exercício de poderes vinculados (pois que, nessa circunstância, o princípio da legalidade se sobrepõe a quaisquer outros princípios, que, por isso, só poderão gerar vício autónomo de violação de lei no domínio do exercício de poderes discricionários – cfr. por exemplo, o Acórdão de 26/10/94, recurso n.º 17626, in Ap. DR de 20/01/97, pp. 2395 e ss), a relevância deste princípio não se esgota nos actos praticados no exercício de poderes discricionários, tendo vindo a ser colocada a da possibilidade da sua aplicação em caso de actos praticados também no exercício de poderes vinculados.
No acórdão da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 17/05/2000, recurso n.º 024382 (Ap. DR, de 23/12/2002, Vol. II, Maio, pp. 1940 a 1946), reconheceu-se, aliás (ainda antes da entrada em vigor do CPPT), a vigência deste princípio no procedimento tributário por aplicação directa das normas constitucionais que consagram quer o princípio da boa-fé quer o da protecção da confiança, que o Tribunal Constitucional sempre tem considerado ínsito na ideia de Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da CRP).
E, na verdade, dado que «… o texto do art. 266º da C.R.P. não deixa entrever qualquer restrição à sua aplicação a qualquer tipo de actividade administrativa (…) em princípio, dever-se-á fazer tal aplicação, se não se demonstrar a sua inviabilidade» (Diogo Leite de Campos e outros, loc. cit., pag. 250), sendo que também Jorge Miranda e Rui Medeiros «referem que o princípio permite afastar soluções legais expressas que conduzam, em concreto, a uma violação da boa-fé». (Constituição da República Anotada, tomo III, pag. 575).
Trata-se da aplicação dos chamados princípios da juridicidade substancial, que estão explicitados na lei e na Constituição (cfr. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª ed., Almedina, 2006, pag. 469).
Com efeito, na densificação do referido princípio da actividade administrativa relevam sobretudo dois subprincípios concretizadores da boa-fé: o princípio da primazia da materialidade subjacente e o princípio da tutela da confiança.
Ora, a respeito destes subprincípios Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 1ª ed. pp. 214/216), referem o seguinte:
“«O princípio da boa-fé está consagrado no art. 266°, 2 CRP e no art. 6°-A CPA, que alargou o seu âmbito subjectivo de aplicação, de modo a vincular não apenas a administração mas também os particulares que com ela se relacionem. Tendo em conta a origem da sua positivação, não admira que a densificação deste princípio no CPA tenha sido muito influenciada pela construção dogmática empreendida no direito civil por A. Menezes Cordeiro (Da boa fé no direito civil), que identifica dois subprincípios concretizadores da boa fé: o princípio da primazia da materialidade subjacente e o princípio da tutela da confiança. (…)
O princípio da primazia da materialidade subjacente exprime a ideia de que o direito procura a obtenção de resultados efectivos, não se satisfazendo com comportamentos que, embora formalmente correspondam a tais objectivos, falhem em atingi-los substancialmente. Este princípio proíbe, por exemplo, o exercício de posições jurídicas de modo desequilibrado ou o aproveitamento de uma ilegalidade cometida, pelo próprio prevaricador, de modo a prejudicar outrem. É a isto que o artigo 6.º-A, n.º 2, b) do CPA se quer referir quando afirma que se deve ponderar «o objectivo visado com a actuação empreendida».
Já o princípio da tutela da confiança «visa salvaguardar os sujeitos jurídicos contra actuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem.
É a isto que o artigo 6.º-A, n.º 2, alínea a) do CPA se refere quando afirma que se deve ponderar «a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa».
A tutela da confiança pressupõe a verificação de diversas circunstâncias: primeira, uma actuação de um sujeito de direito que crie a confiança, quer na manutenção de uma situação jurídica, quer na adopção de outra conduta; segunda, uma situação de confiança justificada do destinatário da actuação de outrem, ou seja, uma convicção, por parte do destinatário da actuação em causa, na determinação do sujeito jurídico que a adoptou quanto à sua actuação subsequente, bem como a presença de elementos susceptíveis de legitimar essa convicção, não só em abstracto mas em concreto; terceiro, a efectivação de um investimento de confiança, isto é, o desenvolvimento de acções ou omissões, que podem não ter tradução patrimonial, na base da situação de confiança; quarto, o nexo de causalidade entre a actuação geradora de confiança e a situação de confiança, por um lado, e entre a situação de confiança e o investimento de confiança, por outro; quinto, a frustração da confiança por parte do sujeito jurídico que a criou. Estes pressupostos devem ser encarados de modo global: a não verificação de um deles será em princípio relevante, mas pode ser superada pela maior intensidade de outro ou por outras circunstâncias pertinentes (por exemplo, em certos casos, o decurso de grandes lapsos temporais).»”
Embora, actualmente, se dever entender que princípios como o da justiça - e da boa-fé - são aplicáveis mesmo no exercício de poderes vinculados, sobrepondo-se a outros deveres legais (cfr., por todos, o Acórdão do STA, de 25/06/2008, recurso n.º 0291/08), urge, antes de mais, analisar se a factualidade invocada se enquadra nas várias circunstâncias referidas supra e, portanto, se é susceptível de se subsumir a violação da tutela da confiança.
A invocação apresenta-se vaga e genérica, pois refere somente que a aquisição da viatura, bem como a posterior dedução do IVA, foram precedidas de consulta junto do órgão periférico local da Administração Tributária, tendo o técnico oficial de contas, que se dirigiu a esses serviços, obtido a informação de que o IVA seria dedutível. Concluindo a impugnante na sua petição inicial, de seguida, não ser legítimo que a Administração Tributária induza nos contribuintes e nas empresas certos comportamentos e condutas, agindo, depois, de forma contrária às informações que presta – cfr. artigos 29.º F) e 33.º da petição inicial.
Como elencamos supra, tem que existir uma convicção, por parte do destinatário da actuação em causa, na determinação do sujeito jurídico que a adoptou quanto à sua actuação subsequente, bem como a presença de elementos susceptíveis de legitimar essa convicção, não só em abstracto mas em concreto.
Ora, in casu, desconhecemos os termos em que o técnico oficial de contas apresentou a situação, porque não se mostra alegado. Seria essencial invocar que o técnico oficial de contas descreveu à Administração Tributária, com detalhe, o caso concreto da aqui Recorrente, incluindo as características de construção e equipamento da viatura em apreço. Pois só mediante a exposição da situação concreta, com os pormenores necessários ao cabal e total entendimento do caso, seria possível formar a referida convicção.
A factualidade invocada não se apresenta de molde a permitir aferir eventual violação da tutela da confiança e, consequentemente, do princípio da boa-fé. Logo, qualquer prova que incidisse sobre os factos genéricos apresentados pela impugnante sempre seria inútil, não se vislumbrando qualquer erro de julgamento de facto cometido pelo Meritíssimo Juiz “a quo” ao dispensar a produção de prova testemunhal requerida. A impugnante deveria ter invocado factos simples e não conclusões de facto para demonstrar a alegada violação de lei.
De todo o modo, sempre se dirá, chamando novamente à colação as informações vinculativas, não ser por acaso que o artigo 68.º da LGT se refere a informações escritas prestadas aos contribuintes e que o pedido de informação deve ser acompanhado da identificação dos factos cuja qualificação jurídico-tributária se pretenda. Lembramos que a LGT concretiza a aplicação do princípio da boa-fé ao estabelecer o regime das informações vinculativas.
No caso concreto, ficaria sempre a dúvida acerca do teor da consulta efectuada pelo técnico oficial de contas junto do Chefe do Serviço de Finanças de Arcos de Valdevez – cfr. a mencionada declaração de fls. 40 do processo administrativo. Tendo-se tratado de uma abordagem oral, dificilmente o tribunal formaria convicção, com a segurança e certeza exigíveis, acerca dos dados e factos realmente transmitidos ao Chefe do Serviço de Finanças, inviabilizando retirar ilações acerca de eventual confiança que se tenha formado no técnico oficial de contas.
Salientamos, novamente, não constar dos autos qualquer elemento comprovativo de que a Recorrente tenha formalizado pedido de informação vinculativa, com a identificação dos factos cuja qualificação jurídico-tributária pretendia.
Nesta conformidade, improcede igualmente o fundamento do recurso constante da conclusão 12 das respectivas alegações, na medida em que os factos invocados na impugnação não permitem percepcionar que a Administração Tributária tenha criado, efectivamente, legítimas expectativas no sentido de a Recorrente ter direito à dedução do IVA.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, impõe-se negar provimento ao recurso deduzido e confirmar a decisão recorrida.

Conclusões/Sumário

I - Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artigos 19.º a 25.º, do C.I.V.A.
II - Nos termos do artigo 20.º, n.º 1, do C.I.V.A., só é dedutível o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados e que sejam pertinentes aos fins próprios da actividade do sujeito passivo. Não se destinando as aquisições a fins empresariais, não poderá o sujeito passivo proceder à respectiva dedução de acordo com o citado preceito.
III - O fundamento da exclusão do direito à dedução previsto no artigo 21.º, do C.I.V.A., encontra-se no facto de muitas das situações ali previstas dizerem respeito a I.V.A. suportado nos "inputs" em relação às quais se configura difícil, ou mesmo impossível, controlar da sua bondade, visando-se, pela via da exclusão, obstar à dedução do imposto suportado com bens ou serviços não essenciais à actividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares, não empresariais/profissionais. Esta norma é, no fundo, uma norma especial anti-abuso em sede de I.V.A.
IV - O artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do C.I.V.A., "a contrario sensu", só exclui do campo das viaturas de turismo os veículos automóveis que, pelo seu tipo de construção e equipamento, seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial.
V - Quando o legislador definiu as viaturas de turismo como as que não sejam destinadas unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial, pretendeu com esta referência intencional à expressão "unicamente", e imbuído do mencionado propósito de evitar a possibilidade do aproveitamento para fins particulares da faculdade de dedução do I.V.A. na aquisição de bens e serviços, que só relativamente às viaturas que, pelas suas características, tivessem somente a potencialidade de ser afectas àquelas actividades seria possível o exercício do direito à dedução do I.V.A. suportado na sua aquisição.
VI - O artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do C.I.V.A., não define o conceito de viaturas de turismo por contraposição ao conceito de viaturas de mercadorias. É que na definição do conceito de viatura de turismo constante desta norma, ao se apresentar como viaturas de turismo, por um lado, os veículos que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não sejam destinados unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial, e, por outro lado, os veículos que, sendo mistos ou de transporte de passageiros, não tenham mais de 9 lugares, é pressuposto da intenção do legislador de que, naquela primeira espécie de viaturas de turismo, cabem os veículos de mercadorias (que possam ter outro destino/utilização para além do transporte de mercadorias). Estamos, efectivamente, perante um conceito próprio do Código do I.V.A. que não remete para a classificação ou tipologia constante do Código da Estrada. De facto, se fosse intenção do legislador construir o conceito de viatura de turismo a partir da tipologia de veículos constante deste último diploma legal, excluindo do mesmo os veículos classificados como veículos de mercadorias, teria, simplesmente, estipulado expressamente nesse sentido.
VII - Como corolário do princípio da colaboração da Administração, em geral, com os particulares (cfr. artigo 7.º, do Código de Procedimento Administrativo), o artigo 59.º, n.º 3, al. e), da Lei Geral Tributária, prevê a cooperação da Administração Tributária com os contribuintes consubstanciada, além do mais, na emissão de informação vinculativa sobre situações tributárias concretas (cfr. artigo 68.º da Lei Geral Tributária).
VIII - Nos termos da lei (cfr. artigo 57.º, n.º 1, do C.P.P.T.), uma vez prestada a informação sobre a situação do contribuinte, ficam os serviços tributários vinculados a não proceder de forma diversa, caso se verifiquem os factos identificados e previstos na lei, salvo em cumprimento de decisão judicial. O C.P.P.T. não fixa qualquer prazo de validade à informação prestada, é preciso notar que ela tem, no entanto, dois termos de referência. Por um lado, ela reporta-se aos factos enunciados pelo contribuinte; por outro, reporta-se ao enquadramento jurídico que deles fazem os serviços.
IX - A informação prestada perde qualquer validade se os factos ocorrerem em termos diversos daqueles que foram apresentados aos serviços, nomeadamente se ocorrerem com contornos que lhe tenham sido ocultados. Do mesmo modo, a informação prestada perde validade se as normas jurídicas que serviram à qualificação tributária dos factos vierem, entretanto, a ser alteradas. Por último, se a Fazenda Pública proceder de forma diversa do sentido que constar de informação vinculativa prestada, o acto que praticar enfermará de vício de violação de lei, sendo gerador da sua anulabilidade.
X - A Administração Tributária, com a emissão de uma informação vinculativa, não fica obrigada ao seu cumprimento em relação a todas as situações que se lhe colocam dentro do objecto dessa mesma orientação. Pelo contrário, a vinculação da Administração Tributária ao teor das mesmas é uma vinculação inter-partes, pois somente em relação ao caso em concreto objecto do pedido a Fazenda Pública não pode proceder em sentido diverso da informação prestada, ressalvado o cumprimento de decisão judicial.
XI - Regime diferente existe para as informações genéricas proferidas pela Administração Tributária sobre a interpretação das normas tributárias que estejam em vigor no momento do facto tributário, relativamente às quais, nos termos do artigo 68.º-A, n.º 1, da Lei Geral Tributária, a Administração Tributária fica vinculada ao seu cumprimento em relação a todas as situações que se lhe colocam dentro do objecto dessa mesma orientação.
XII - Por força do preceituado no artigo 266.° da Constituição da República Portuguesa, a actividade da administração tributária tem de ser levada a cabo em subordinação à Constituição e à lei e deve respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos (princípio da legalidade) e os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.
XIII - Actualmente, deve entender-se que princípios como o da justiça e da boa-fé são aplicáveis mesmo no exercício de poderes vinculados, sobrepondo-se a outros deveres legais.
XIV - Na densificação do princípio da actividade administrativa relevam sobretudo dois subprincípios concretizadores da boa-fé: o princípio da primazia da materialidade subjacente e o princípio da tutela da confiança.
XV - A Lei Geral Tributária concretiza a aplicação do princípio da boa-fé ao estabelecer o regime das informações vinculativas.
XVI - O princípio do inquisitório somente tem aplicação perante a invocação de factos concretos pelas partes que se mostrem controvertidos, passando estes, ainda, pelo crivo do que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como útil ao apuramento da verdade.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 13 de Outubro de 2016.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves