Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00449/20.2BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:N/A
Sumário:Segundo o estatuído no artigo 3º/1 do NRFGS, aprovado pelo DL 59/2015, de 21 de abril, o montante global máximo a pagar pelos créditos salariais garantidos pelo Fundo é o correspondente a seis vezes o valor da retribuição mensal do trabalhador (6 meses de retribuição), mas sendo apenas considerado o valor mensal de retribuição que não seja superior a 3 vezes a retribuição mínima garantida; Tais balizadas foram acatadas no caso concreto - improcede o recurso.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:M. E OUTRA
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
M., residente na Rua (…) e M., residente na Rua (…), instauraram acção administrativa contra o Fundo de Garantia Salarial, peticionando que seja condenado a proferir decisão que defira o pedido de pagamento dos créditos salariais reclamados, nomeadamente no que diz respeito ao valor da indemnização pela cessação dos seus contratos de trabalho por justa causa.
Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção e absolvida a Entidade Demandada dos pedidos.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, as Autoras formularam as seguintes conclusões:
1 - As Recorrentes pretendiam ver anulados os despachos, datados de 14 de Novembro de 2019, proferidos pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, que deferiu apenas parcialmente o pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial dos créditos salariais das Recorrentes, ex-trabalhadoras da insolvente “M.Lda.”.
2 - Segundo tais ofícios, o indeferimento parcial do pagamento dos créditos laborais das Recorrentes prende-se o seguinte motivo: “(…)quanto à indemnização requerida, e uma vez que a resolução do contrato ocorreu por iniciativa do trabalhador alegando justa causa, não é assegurada pelo Fundo porque não se encontra devidamente titulado por sentença judicial que a reconheça” e que “quanto aos créditos a título de formação profissional, não se encontram devidamente titulados por sentença judicial que reconheça o seu valor, pelo que não foram considerados pelo FGS” e ainda que “os créditos requeridos ultrapassam o plafond legal, no seu limite mensal, que não pode exceder por cada mês o triplo da retribuição mensal garantida, conforme estabelecido no termos do nº 1 do art. 3º do Dec-Lei 59/2015 de 21 de Abril.”.
3 - A sentença recorrida sequer analisou criticamente estes fundamentos e decidiu sobre os mesmos, uma vez que considerou que “ (…) deve considerar-se o limite de € 3.480,00 (6x580,00€) a que alude o art. 3º nº 1 do DL nº 59/2015, pelo que as pretensões de pagamento pelo Fundo não poderiam exceder este valor. Acontece que às Autoras já foi paga quantia muito superior ao limite máximo legalmente previsto, pelo que se torna despiciente analisar se os demais créditos laborais são ou não devidos às Autoras, porquanto, independentemente, da resposta a tal questão, estaria vedada a condenação da Entidade Demandada no seu pagamento, por violação do limite máximo aqui aplicável.”
4 – É desta decisão que ora se recorre, pois, salvo o devido respeito, a sentença proferida, ao indeferir o pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial, dos créditos laborais das Recorrentes, constitui uma violação à lei que urge corrigir.
5 - Esta interpretação do art. 3.º, n.º 1, do RFGS constitui uma novidade, dado que, no anterior regime do Fundo de Garantia Salarial (FGS), nunca tal situação se colocou dado que, o próprio FGS sempre utilizou – e continua a utilizar - a seguinte fórmula matemática: [(RMMG x 3 meses) x 6 meses], tendo em atenção a remuneração mínima mensal garantida em vigor no ano em que é accionado o Fundo.
6 - Sempre foi prática, quer pelo FGS, quer pelo entendimento da Jurisprudência, que o art. 320º, nº 1 do Regulamento do Código do Trabalho (actual art. 3º, nº 1 do NRFGS) não estabelecia um limite mensal para o pagamento de créditos, mas um limite global que dependia somente da remuneração mínima mensal garantida (RMMG), ou seja, que tal normativo estabelecia um limite global de 18 (dezoito) remunerações mínimas mensais garantidas (3 RMMG x 6 meses).
7 - Nenhuma diferença existe na redação dos dois preceitos - artigos 317.º a 326.º do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho (anterior regime) e art. 3º, nº 1 actual - , pelo que, não conseguimos compreender o motivo para esta alteração jurisprudencial, até porque o próprio FGS, no site da Segurança Social, no atendimento ao público e no seu “guia prático do Fundo de Garantia Salarial” - disponível em http://www.seg-social.pt/documents/10152/14991/2003_fundo_garantia_salarial/8817db88-d500-4aa9-b55d-19357892041c , página 7 – continua a afirmar que “o limite global garantido é igual a 18 vezes a retribuição mínima mensal garantida que está em vigor.”
8 - O Recorrido nem sequer na sua contestação se defende com a alegação de que já foi ultrapassado o limite global de 6 RMN e, por tal motivo, está impedido de pagar outros montantes.
9 - O próprio FGS pagou às Recorrentes uma soma superior a tal valor, apenas não pagou os 18 SMN (10.800,00€) pelos motivos já explanados: falta de sentença judicial a reconhecer o crédito e nunca utilizou o argumento de que só poderia pagar até 6 SMN, pelo que, não conseguem agora as Recorrentes entender o motivo pelo qual a sentença em crise refere que o Fundo até já lhes pagou a mais.
10 - O próprio FGS previamente criou nas Recorrentes legítimas expectativas, que são agora alteradas, de forma inesperada e contraditória.
11 - Quando accionaram o FGS, as Recorrentes detinham uma confiança legítima e expectativas fundadas de que o regime, no que respeita em concreto ao valor máximo que o trabalhador poderia receber, seria no montante de 18 RMN.
12 - Seria esse o valor que o FGS pagaria às Recorrentes se, em tempo útil, as mesmas fossem detentoras de uma sentença judicial que lhes reconhecesse os créditos que a sua entidade patronal insolvente não liquidou.
13 - Pelo exposto e com o devido respeito por opinião contrária, entendemos que a interpretação do nº 1 do artigo 3º do NRFGS como estabelecendo um limite global de seis remunerações mínimas mensais garantidas padece de erro de julgamento.
14 - Pelos motivos supra expostos, entendem as Recorrentes que nunca deveria ser indeferido o pagamento pelo Recorrido, dos créditos por si reclamados.
15 - Este actos administrativos enfermam, assim, do vício de violação de lei e, como tal, devem ser revogados e rectificados.
16 - Nestes termos, terão de ser revogados os supra citados despachos e serem deferidos os pedidos formulados pelas Recorrentes de pagamento dos seus créditos e direitos salariais, pelo Fundo de Garantia Salarial, devendo ser condenado o Recorrido a pagar às Recorrentes até ao montante global de 18 RMN (10.440,00€).
17 - Ao considerar diferentemente laborou em erro, pois, a sentença recorrida, pelo que, não se pode manter, por errada interpretação e aplicação do artigo 3º, nº 1 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo DL. nº 59/2015, de 21 de abril.

Termos em que, com o suprimento, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão que condene o Recorrido a pagar às Recorrentes todos os seus créditos laborais até ao montante global de 10.440,00€, só assim se fazendo JUSTIÇA!
O Réu não juntou contra-alegações.
O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
a) Em 01.04.2015, a primeira Autora M. celebrou contrato de trabalho com a sociedade “M., Lda.”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (facto não controvertido);
b) No âmbito do contrato referido em a), a primeira Autora e a sua entidade patronal acordaram que aquela receberia a retribuição mensal de 580,00 euros (facto não controvertido);
c) Em 09.11.2018, a primeira Autora resolveu o contrato de trabalho com a sociedade “M., Lda.” por falta culposa do pagamento pontual das retribuições devidas (cfr. fls. 7v do PA);
d) Em 01.09.2015, a segunda Autora M. celebrou contrato de trabalho com a sociedade “M., Lda.”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (facto não controvertido);
e) No âmbito do contrato referido em c), a segunda Autora e a sua entidade patronal acordaram que aquela receberia a retribuição mensal de 580,00 euros (facto não controvertido);
f) Em 09.11.2018, a segunda Autora resolveu o contrato de trabalho com a sociedade “M., Lda.” por falta culposa do pagamento pontual das retribuições devidas (cfr. fls. 22v do PA);
g) Em 15 de Novembro de 2018, foi requerida a insolvência da sociedade “M., Lda.” (cfr. fls. 31v do PA);
h) Em 17 de Dezembro de 2018, a sociedade “M., Lda.” foi judicialmente declarada insolvente, na acção especial de insolvência, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão- Juiz 4, sob o n.º 7329/18.0T8VNF (cfr. fls. 31v do PA);
i) As Autoras apresentaram, na qualidade de credora da insolvente, reclamação de créditos, as quais se dão aqui por inteiramente reproduzidas (cfr. fls. 10 e 25 do PA);
j) O Administrador da Insolvência reconheceu os créditos laborais reclamados pelas Autoras (cfr. fls. 10 e 25 do PA);
k) Em 6 de Fevereiro de 2019, as Autoras deram entrada, no Centro Distrital da Segurança Social de Braga, de requerimentos dirigido ao Fundo de Garantia Salarial para pagamento de créditos emergentes dos contratos de trabalho celebrados com a sociedade “M., Lda.”, os quais se dão aqui por inteiramente reproduzidos (cfr. fls. 2 e 17 do PA);
l) Por despacho de 14.11.2019, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, os requerimentos apresentados pelas Autoras foram parcialmente deferidos, os quais se dão aqui por inteiramente reproduzidos (cfr. fls. 43 e 45 do PA);
m) À primeira Autora foi reconhecido o valor de 3.570,€ (valor ilíquido), a que corresponde a quantia de 3.083,77€ (valor líquido) (cfr. fls. 43 do PA);
n) À segunda Autora foi reconhecido o valor de 4.260,00€ (valor ilíquido), a que corresponde a quantia de 3.709,97€ (valor líquido) (cfr. fls. 45 do PA);
o) As Autoras foram notificadas da decisão de deferimento parcial, mediante ofícios datados de 05.12.2019, os quais se dão aqui por inteiramente reproduzidos (Cfr. fls. 43 e 45 do PA).
DE DIREITO
Atente-se no discurso fundamentador da sentença:
Nos presentes autos, as Autoras insurgem-se contra o despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial que (in)deferiu parcialmente o requerimento para pagamento de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho por si apresentado ao Fundo de Garantia Salarial.
Atento o disposto no art. 66º, nº 2 do CPTA, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória.
Impõe-se, pois, verificar se estão preenchidos os pressupostos legais de que depende o deferimento das pretensões das Autoras.
A Entidade Demandada deferiu parcialmente os requerimentos das Autoras, tendo deferido à primeira Autora o valor de € 3.570,00(valor ilíquido) e à segunda Autora o valor de 4.260,00€ (valor ilíquido).
Com a instauração da presente acção, pretendem as Autoras que lhes seja deferida a atribuição da quantia em falta para perfazer a quantia dos créditos reclamados e peticionados.
Vejamos.
Ao caso em apreço é aplicável o DL n.º 59/2015, de 21/04, que aprovou o novo regime do Fundo de Garantia Salarial, previsto no artigo 336º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, transpondo a Directiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008, relativa à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador.
Nos termos do disposto no artigo 2.º, nº 8 do DL n.º 59/2015, “o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
Atenta a factualidade apurada, é manifesto que os requerimentos foram apresentados atempadamente.
Nos termos dos arts. 1º a 3º da Lei n.º 59/2015, o pagamento dos créditos salariais está dependente da verificação do preenchimento cumulativo de determinados requisitos.
Dispõe o artigo 1º, sob a epígrafe “Situações abrangidas”, que:
1 - O Fundo de Garantia Salarial, abreviadamente designado por Fundo, assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja:
a) Proferida sentença de declaração de insolvência do empregador;
b) Proferido despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de processo especial de revitalização;
c) Proferido despacho de aceitação do requerimento proferido pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I. P. (IAPMEI, I. P.), no âmbito do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o Fundo é notificado nos seguintes casos:
a) No âmbito do processo especial de insolvência, o tribunal judicial notifica o Fundo da sentença de declaração de insolvência do empregador, a qual deve ser acompanhada de cópia da petição inicial e dos documentos identificados nas alíneas a) e b) do artigo 24.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE);
b) No âmbito do processo especial de revitalização, o administrador judicial provisório notifica o Fundo da apresentação do requerimento previsto no artigo 17.º-C do CIRE com cópia dos documentos indicados nas alíneas a) e b) do artigo 24.º do CIRE e referidos na alínea b) do n.º 3 do artigo 17.º-C do CIRE, bem como do despacho do juiz que o designa;
c) No âmbito do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, o IAPMEI, I. P., notifica o Fundo da apresentação do requerimento de utilização do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), do despacho de aceitação deste requerimento, da celebração e cessação do acordo e da extinção do procedimento.
(…)”.
Estabelece o artigo 2º, com a alteração introduzida pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, sob a epígrafe “Créditos abrangidos”, que:
1 - Os créditos referidos no n.º 1 do artigo anterior abrangem os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação.
2 - Aos créditos devidos ao trabalhador referidos no número anterior deduzem-se:
a) Os montantes de quotizações para a segurança social, da responsabilidade do trabalhador;
b) Os valores devidos pelo trabalhador correspondentes à retenção na fonte do imposto sobre o rendimento.
3 - O Fundo entrega às entidades competentes as importâncias referidas no número anterior.
4 - O Fundo assegura o pagamento dos créditos previstos no n.º 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas
5 - Caso não existam créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo assegura o pagamento, até este limite, de créditos vencidos após o referido período de referência.
6 - A compensação devida ao trabalhador por cessação do contrato de trabalho que seja calculada nos termos do artigo 366.º do Código do Trabalho, diretamente ou por remissão legal, é paga pelo Fundo, com exceção da parte que caiba ao fundo de compensação do trabalho (FCT), ao fundo de garantia de compensação do trabalho (FGCT) ou a mecanismo equivalente (ME), após o seu acionamento, salvo nos casos em que este não possa ter lugar.
7 - O disposto nos números anteriores não exime o empregador da responsabilidade pelo cumprimento das respetivas obrigações fiscais e contributivas de segurança social.
8 - O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
9 - O prazo previsto no número anterior suspende-se com a propositura de ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações.”.
Prevê o artigo 3º, sob a epígrafe “Limites das importâncias pagas”, que:
1 - O Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.º 1 do artigo anterior, com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida.
2 - Quando o trabalhador seja titular de créditos correspondentes a prestações diversas, o pagamento é prioritariamente imputado à retribuição base e diuturnidades.
Do regime enunciado resulta que a lei exige a verificação cumulativa de determinados requisitos para que o Fundo de Garantia Salarial possa assegurar o pagamento dos créditos emergentes da cessação de contrato de trabalho.
No caso em apreço, principiaremos a nossa análise pela questão que se prende com o limite a atender para efeitos de reconhecimento dos créditos laborais, designadamente qual o valor máximo que as Autoras podem almejar.
Como já referido, a intervenção do FGS está quantitativamente limitada, de acordo com o disposto no art.º 3.º, n.º 1, do RFGS. Esse limite corresponde ao equivalente a seis meses de retribuição, referindo-se, assim, à remuneração do trabalhador.
Assim, os créditos são pagos até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, não podendo o montante desta exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida.
Significa isto que, achado o montante dos créditos a assegurar (por estarem contidos no período de referência), o valor poderá ser reduzido até ao limite legal imposto.
E qual é o limite legalmente imposto?
Em nosso entender, resulta daquele normativo que os créditos (calculados e contidos no período de referencia) são pagos até um montante máximo que equivale a seis meses de retribuição do trabalhador; se a retribuição mensal do trabalhador exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida, então deve considerar-se que a retribuição tem este valor (três vezes a retribuição mínima mensal garantida). Desta forma, o limite máximo mensal é de aplicar àqueles casos em que os trabalhadores auferem um salário superior a três salários mínimos nacionais; que, não é, manifestamente, o caso das Autoras.
Em suma, a norma em análise estabelece um limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição e, nos casos em que a retribuição mensal excede o triplo do salário mínimo nacional, o limite equivale a seis meses de montante igual a três vezes o salário mínimo nacional.
Foi esta, quanto a nós, a opção do legislador. Neste sentido, entre outros, o acórdão do TCA Norte, de 29.11.2019 (proc. nº 865/16), disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Resulta da factualidade apurada que as Autoras e a sua entidade patronal acordaram que aquelas receberiam a retribuição mensal de 580,00.
Assim deve considerar-se o limite de € 3.480,00 (6x580,00€) a que alude o art. 3º nº 1 do DL nº 59/2015, pelo que as pretensões de pagamento pelo Fundo não poderiam exceder este valor.
Acontece que às Autora já foi paga quantia superior ao limite máximo legalmente previsto, pelo que se torna despiciente analisar se os demais créditos laborais são ou não devidos às Autoras, porquanto, independentemente, da resposta a tal questão, estaria vedada a condenação da Entidade Demandada no seu pagamento, por violação do limite máximo aqui aplicável.
X
A Entidade Demandada foi absolvida dos pedidos por o Tribunal ter entendido que a decisão de indeferimento parcial do pedido de pagamento pelas Recorrentes dos créditos laborais pelo Fundo de Garantia Salarial (FGS) não tinha necessidade de ser analisada, uma vez que o pagamento que o FGS realizou às Recorrentes foi em montante superior ao limite máximo legalmente previsto.
Na óptica das Recorrentes esta sentença padece de erro de julgamento de direito.
Avança-se, já, que carecem de razão.
Vejamos,


As Recorrentes, com a ação, pretendiam ver anulados os despachos, datados de 14 de novembro de 2019, proferidos pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, que deferiu apenas em parte o pagamento pelo FGS dos créditos salariais das Recorrentes, ex-trabalhadoras da insolvente “M.Lda.”.
Segundo os ofícios supra mencionados, tal indeferimento parcial prende-se com o seguinte motivo: (…) quanto à indemnização requerida, e uma vez que a resolução do contrato ocorreu por iniciativa do trabalhador alegando justa causa, não é assegurada pelo Fundo porque não se encontra devidamente titulado por sentença judicial que a reconheça” e que “quanto aos créditos a título de formação profissional, não se encontram devidamente titulados por sentença judicial que reconheça o seu valor, pelo que não foram considerados pelo FGS” e ainda que “os créditos requeridos ultrapassam o plafond legal, no seu limite mensal, que não pode exceder por cada mês o triplo da retribuição mensal garantida, conforme estabelecido nos termos do nº 1 do art. 3º do Dec-Lei 59/2015 de 21 de Abril.
Segundo a sentença recorrida (…) deve considerar-se o limite de €3.480,00 (6x580,00€) a que alude o art. 3º nº 1 do DL 59/2015, pelo que as pretensões de pagamento pelo Fundo não poderiam exceder este valor.
As Recorrentes discordam deste entendimento, assacando-lhe o vício de violação à lei.
Sucede que questão em tudo idêntica a esta foi já decidida por este TCAN, em 02 de julho deste ano, no âmbito do processo nº 1941/19.7BEBRG, onde se consignou, em termos que subscrevemos por inteiro:
(….)
Refira-se desde já, que atento o entendimento que corrente e reiteradamente tem vindo a ser adotado, não se reconhece que a decisão recorrida mereça censura.
Recorda-se que entendem as Recorrentes que a Sentença recorrida, no que concerne aos limites dos montantes dos créditos salariais a pagar pelo Fundo de Garantia Salarial, terá incorrido em erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 59/2015, de 21 de abril, tendo ainda incumprido o principio da igualdade - Artº 13.º da CRP e 6.º do CPA, e os princípios da proporcionalidade, da justiça e da razoabilidade, a que se reportam os artigos 7.º e 8.º, ambos também do CPA.
Refira-se desde logo, e no que respeita à suposta violação de princípios de natureza Constitucional, que as Recorrentes não cumpriram o ónus de prova a que a esse respeito estavam obrigadas.
Na realidade, se é certo que se não vislumbra a violação de qualquer dos princípios enunciados, mormente de natureza Constitucional, ainda assim, sempre teriam as Recorrentes que densificar de modo mais eficaz, em que se consubstanciariam tais violações.
Com efeito, não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu.
Como tem vindo a ser reconhecido pela generalidade da Jurisprudência (Vg. o Acórdão do TCA - Sul nº 02758/99 19/02/2004) “não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.”
No mesmo sentido aponta, igualmente, o Acórdão do STA nº 00211/03 de 29/04/2003, onde se refere que “por omissão de substanciação no articulado inicial e nas alegações de recurso, não é de conhecer da questão da inconstitucionalidade e/ou interpretação desconforme à CRP de normas de direito substantivo …, na medida em que a Recorrente se limita a afirmar, conclusivamente, a referida desconformidade sem que apresente, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a que modalidade reverte o vício afirmado”.
Assim, até por falta de concretização e densificação do alegado, não se vislumbra que se verifique qualquer violação de princípios, mormente constitucionais.
No demais, constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afetem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objetiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.
Como resulta da decisão recorrida, tem vindo a entender-se reiterada e pacificamente, que “o FGS assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a data da propositura da ação de insolvência, sendo que para esse efeito, importa, apenas, a data do vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida em ação intentada com vista ao seu reconhecimento judicial“.
Acresce que, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, do RFGS o montante a atribuir potencialmente ao trabalhador, está ainda limitado pelo equivalente a seis meses de retribuição.
No entanto, o montante equivalente a seis meses de retribuição, não poderá exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida.
Resulta, pois, do referido normativo que os créditos laborais contidos no período de referência, não poderão ultrapassar o equivalente a seis meses de retribuição do trabalhador.
Ainda assim, se a retribuição mensal do trabalhador exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida, o que não é aqui o caso, deve considerar-se que a retribuição tem este valor (três vezes a retribuição mínima mensal garantida).
O limite máximo mensal será assim de aplicar aos casos em que os trabalhadores auferem um salário superior a três salários mínimos nacionais.
O referido normativo, estabelece, pois, um limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição e, nos casos em que a retribuição mensal excede o triplo do salário mínimo nacional, o limite equivale a seis meses de montante igual a três vezes o salário mínimo nacional.”
x
Em concreto, da factualidade apurada, resultou que as Autoras auferiam uma retribuição mensal de 580€.
Assim, e tal como decidido em 1ª Instância, nos termos do artº 3º nº 1 do DL 59/2015 as pretensões de pagamento pelo Fundo não poderiam exceder os €3.480,00 (6x580,00€).
Nos casos em que às trabalhadoras já foi pago valor superior àquele, naturalmente que esse valor é insuscetível de ser reduzido por esta via.

Improcedem, pois, as conclusões das Apelantes.
Como sumariado no Acórdão que acabámos de seguir:
1 – O FGS assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a data da propositura da ação de insolvência, sendo que para esse efeito, importa, apenas, a data do vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida em ação intentada com vista ao seu reconhecimento judicial.
Acresce que, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, do RFGS o montante a atribuir potencialmente ao trabalhador, está ainda limitado pelo equivalente a seis meses de retribuição.
No entanto, o montante equivalente a seis meses de retribuição, não poderá exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida.

No caso concreto, sendo o vencimento mensal das trabalhadoras de 580€, nos termos do artigo 3º/1 do DL 59/2015, as pretensões de pagamento pelo Fundo não poderiam exceder os 3.480€ (6x580€).
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelas Recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
Notifique e DN.
Porto, 15/07/2021
Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas