Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03113/19.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/29/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:INTIMAÇÃO PARA A PASSAGEM DE CERTIDÕES; CERTIDÃO NEGATIVA
Sumário:1 – O pedido de passagem de certidão tem como pressuposto que a certidão é sempre um documento emitido em face de um documento original preexistente, pois as certidões são documentos emitidos por entidades públicas que atestam a existência ou inexistência de um certo documento ou registo.
A entidade administrativa reproduz, transcreve ou resume total ou parcialmente (consoante seja de teor ou narrativa) o conteúdo do documento ou declara que certo documento não existe (certidão negativa).
Pretendendo um qualquer requerente que a Administração produza um documento de raiz, sempre terá à sua disposição outros meios processuais e procedimentais que o habilitarão com vista à concretização desse objetivo, mormente a Ação tendente à prática de ato devido, no âmbito da qual a Administração sempre poderá impor a apresentação de documentação com vista à instrução do respetivo processo.
Inexistindo determinado ato ou procedimento administrativo, a Administração tem o dever de emitir a correspondente certidão negativa.

2 – Com efeito, a Intimação para a prestação de Informações, prevista nos artigos 104.º e ss do CPTA, visa a prestação de informações e passagem de certidões e não a intimação das partes para a prática de quaisquer outros atos, para as quais existem no nosso ordenamento contencioso administrativo, outro tipo de ações tendentes, designadamente, “à prática de ato devido”.
Esta Intimação destina-se a permitir aos interessados a obtenção de prestações materializadas em informações, certidões ou no acesso a documentos, exceto se o pedido em causa incidir sobre matérias secretas ou confidenciais relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
A procedência do presente meio depende da verificação dos seguintes requisitos:
a) A qualidade de interessado do Requerente;
b) A existência de um pedido prévio à interposição da intimação dirigido à Administração solicitando a prestação de informação, a emissão de certidão, ou a consulta do processo;
c) Que a Administração, por omissão ou recusa, não tenha prestado a “informação” solicitada no prazo legal;
d) Que o Requerente intime judicialmente a Administração no prazo processual de 20 dias;
e) Que não ocorram limites, restrições, exceções constitucionais e/ou legais justificativas de recusa da administração em prestar a “informação” solicitada. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C.
Recorrido 1:UNIÃO DAS FREGUESIAS DE (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
C., tendo vindo a requerer a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões contra a UNIÃO DAS FREGUESIAS DE (...), tendente à intimação desta “a passar certidão do alvará de sepultura adquirida por seus falecidos pais, D. e mulher, conforme expresso na ata da Junta, da sessão ordinária de 03/10/1926”, inconformado com a decisão proferida no TAF do Porto, em 27 de janeiro de 2020, através da qual foi julgada procedente a exceção de caducidade do direito de ação e, em consequência, mais tendo sido absolvida da instância a Entidade Requerida, veio Recorrer para esta Instância em 12 de fevereiro de 2020, aí tendo concluído:
“(i) O A. requer que seja considerada a nulidade da douta sentença, por omissão de pronúncia, quanto à matéria de custas, à qual se refere a disposição do artº 12 do RCP
(ii) Por ter interesse para a boa decisão de facto, no sentido de esta contribuir para melhor aplicação do direito, deve a matéria de facto da douta sentença - facto nº 2 - ser complementada com teor do ofício da Junta a que se refere o ponto 2 do recurso;
(iii) O A., na qualidade de cabeça de casal da herança de seus pais, requereu à sua Junta de Freguesia, em 06-11-2019, que lhe passasse uma certidão do alvará relativo a uma sepultura adquirida por seus pais, identificada na deliberação da mesma Junta de 1926 que também juntou; tendo passado o prazo regulamentar sem que lhe fosse passada a certidão, nem tendo sido pedido ao A. qualquer esclarecimento sobre o pedido, este instaurou a presente ação de intimação;
(iv) Num requerimento anterior, de 15-07-2019, havia feito pedido idêntico, ao qual a Junta, por ofício de 19-08-2019, informou o A. que para a emissão do referido alvará tinha de apresentar um requerimento assinado por todos os herdeiros dos originários concessionários da sepultura, facto este que, por consabidas razões de índole particular, os serviços da Junta sabiam ser de execução praticamente impossível;
(v) Daí que o A. se apresentasse no dito requerimento de 06-11-2019 na referida qualidade de cabeça de casal para o pedido efetivado;
(vi) Entendeu-se na douta decisão que, em virtude do pedido feito em 15-07-2019, sem reação atempada do A., havia já caducidade do seu direito quando instaurou a presente ação;
(vii) Ora, esta ação foi instaurada com o fundamento de não ter sido satisfeito o pedido de 06-11-2019 e não o outro de 15-07-2019; tendo a ação sido instaurada em 28-11-2019, é evidente que o A. está em tempo (artº 84 nº 1 CPA; artº 105 nº 2 a) do CPTA)
(viii) Por outro lado, atenta a natureza do pedido feito no requerimento de 06-11-2019, o seu fim, e a razão por que foi apresentado na Junta de Freguesia, de modo algum pode afirmar-se que o A. estava impedido de o fazer, conforme é entendimento da lei e da jurisprudência e doutrina antes referenciadas (artº 2032, 2079, 2080 CC; 268 nº 1 e 2 CRP; artº 84 nº 1 CPA)
(ix) Concluindo, não pode afirmar-se a caducidade do direito do A. de instaurar a presente ação; assim o decidindo, a douta decisão interpretou e aplicou erradamente o direito aos factos, especialmente a disposição do artº 105 nº 2 alª a) CPTA
Nestes termos e nos mais de direito, admitido o presente recurso, deve revogar-se a douta decisão recorrida, por não se verificar a caducidade do direito que a lei reconhece ao A., ordenando-se, com a prolação de douto acórdão, que a R. colabore e dê satisfação ao pedido do A., assim se fazendo a esperada e boa justiça.”
Em 27 de fevereiro de 2020 veio a ser proferido Despacho de Admissão do Recurso, mais tendo sido corrigido o valor do processo para efeito de custas, para 2.000€, nos termos do Artº 12º do RCP.
A aqui Recorrida/União de Freguesias, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 28 de fevereiro de 2020, concluindo:
“1. O Autor afirma que existe nulidade da sentença por omissão de pronúncia, quanto a custas a que se refere o disposto no art.º 12.º do RCP. Trata-se de uma mera alegação para “consubstanciar” o recurso apresentado e, tanto assim é que, o Autor não teve, nas suas conclusões, a capacidade de fundamentar qual a alínea do disposto no art.º 12.º do RCP que seria aplicável ao presente caso, limitando-se a referir que existe omissão de pronúncia quanto ao disposto naquele artigo.
2. Sendo que, a respeito de custas fixa a Douta Sentença o valor da ação, conjugando as disposições do art.º 34.º n.ºs 1 e 2 do CPTA, do art.º 6.º n.º 4 do ETAF e do art.º 306.º n.º 2 do CPC, em €30.000,01 e refere, ainda, na sua decisão que as custas serão suportadas pelo Requerente/Autor e a norma citada pelo Autor, art.º 12.º do RCP, limita-se a ordenar que se aplique a tabela I – B, que, salvo melhor entendimento, é clara quanto aos valores das custas.
3. Como tal, não se afigura existir a alegada omissão de pronúncia.
4. Pretende o Autor que a matéria de facto seja complementada apenas com o teor de um ofício da Ré. No entanto, entende a Ré, que, se assim for, aquela matéria também deve ser complementada com o teor do documento 3 junto com a sua contestação/defesa.
5. Pois, nesse documento elaborado, subscrito (pelo seu punho) e apresentado pessoalmente, em 16 de Novembro de 2018, pelo Autor à Ré este afirma e informa (a Ré), sem margem para dúvidas, o seguinte: “3.º Apesar da compra realizada, e do uso e posse contínua que ao longo dos anos o Requerente e seus familiares têm feito do referido jazigo, na verdade, nunca foi emitido o correspondente Alvará. Aliás, compulsados os arquivos correspondentes dessa autarquia, não foram encontrados quaisquer registos de Alvará sobre o referido direito de superfície.” (cfr. Doc 3 da contestação/defesa da Ré)
6. E, bem assim, a ser-se rigoroso, tal complemento deveria ocorrer com toda a documentação relacionada com a matéria em causa junta pela Ré aos autos.
7. No entanto, o Autor não refere ou identifica em que sentido o documento por si referido deveria ser interpretado ou modificaria a decisão tomada. Pelo que, o ali vertido não pode ser tido em consideração.
8. Importa referir que o Autor alega que é cabeça-de-casal da herança de seus pais, mas nunca o comprovou documentalmente, nomeadamente, por apresentação dos assentos de óbito daqueles que com ele seriam herdeiros.
9. Alega o Autor que não existe caducidade do seu direito, pois interpôs a presente ação por não ter sido satisfeito o seu requerimento de 06/11/2019 e que foi erradamente aplicado o direito aos factos, em especial o disposto no art.º 105.º n.º 2 al.ª a) do CPTA.
10. É facto que, em 15 de Julho de 2019, o Autor apresentou, pessoalmente, um requerimento para que a Ré lhe emitisse uma certidão do alvará (que o Autor sabe não existir! – cfr. ponto 3 do Doc 3 da contestação/defesa da Ré) relativo a uma sepultura cujo direito de uso seus pais adquiriram em 1926, afirmando (agora) que não dispõe do alvará da sepultura, nem ele, “… nem qualquer dos outros familiares, segundo averiguação feita…”.
11. A Ré respondeu, por Despacho recebido pelo Autor em 19/08/2019, que a sua pretensão não seria atendível atentas as normas legais e regulamento em vigor e que estava a aguardar (como ainda está) que este apresentasse o seu requerimento nos termos constantes no Regulamento dos Cemitérios e que juntasse a documentação necessária à emissão do competente averbamento. Não tendo, o Autor não solicitado qualquer esclarecimento ou aperfeiçoamento do Despacho da Ré.
12. É facto que, em 06 de Novembro de 2019, o Autor, com um requerimento igual ao apresentado em 15/7/2019, vem, com os mesmos fundamentos, requerer novamente a emissão de uma certidão do alvará (que o Autor sabe não existir!).
13. Tudo conforme a Douta Sentença dá por assente nos Factos com relevância para a decisão da causa.
14. Note-se, a este respeito, que o próprio Autor assume e confessa, nas suas conclusões, que em 15/07/2019 havia feito pedido igual ao efetuado em 06/11/2019 (cfr. conclusões iii) e iv) das Doutas Alegações de recurso). Logo, como bem entendeu a Douta Sentença, o Autor deveria ter intentado a presente ação no prazo 20 dias, após a receção da resposta ao seu requerimento de Julho de 2019, conforme determina o art.º 105.º do CPTA, pelo que quando a presente ação deu entrada em juízo (28/11/2019) há muito se encontrava esgotado aquele prazo e, como tal, ocorreu a caducidade do direito do Autor.
15. Assim, o prazo para a presente ação sempre teria de ser considerado como iniciado a partir do momento em que o Autor recebe a resposta ao seu requerimento de 15 Julho de 2019.
16. Porquanto, como o Autor sabe/informou não existe o referido Alvará de uso do jazigo em causa, nem este juntou a documentação necessária, nos termos regulamentares, para que fosse emitido tal documento refletindo a atual realidade/veracidade da “titularidade” daquele direito de uso/utilização. Logo, face a tal factualidade, todo o requerimento apresentado pelo Autor neste sentido terá de ser, obrigatoriamente, objeto de um Despacho em tudo igual ao já emitido pela Ré e que o Autor recebeu em 19/08/2019.
17. Então, conforme resulta do disposto no art.º 13.º n.º 2 do CPA, a Ré (ou outra entidade pública) não está esta obrigada, durante dois anos a contar da apresentação do requerimento (de 15 de Julho de 2019), a proferir nova decisão/despacho sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular e com base nos mesmos fundamentos. Aliás, aceitar-se/permitir-se uma posição diferente, mesmo tendo em consideração os direitos de quem lida/contacta com os órgãos da administração, é permitir e “avalizar” o perpetuar de sucessivas interpelações, por vezes sem sentido, por parte de quem contacta com a administração pública.
18. Importa reforçar que o Autor tem perfeito conhecimento de que tal documento não existe e, ainda assim, exige que lhe seja emitida certidão de um documento que não existe.
19. Inclusive recorrendo ao Tribunal para “forçar” o “fabrico” de um documento que, como se sabe, por informação do próprio Autor, não corresponde à atual situação do jazigo em causa, ou seja, o Autor pretende que a Ré emita um documento que não corresponde à veracidade dos factos por ele dados a conhecer.
20. Acredita a Ré que essa não pode, nem deve ser, a postura de um órgão da Administração Pública, isto é, fornecer aos cidadãos documentos que não correspondem à realidade. Aliás, tal postura sempre seria contrária à boa-fé que deve orientar a atividade da função pública.
21. Acresce que, aceitar-se posições como a do Autor é, também, forçar a entidade pública a afetar pessoas e recursos, já de si parcos e necessários noutras funções/serviços, para a exclusiva satisfação/gratificação de um qualquer cidadão que, sem sentido, perturba a atividade diária de um órgão público.
22. Deve, ainda, a Ré referir que se afigura muito estranho que o Autor, sabendo que não existe o alvará que pretende (como ele próprio afirma/confessa – cfr. doc. 3 junto com a contestação/defesa) venha, sucessivamente e nos mesmos termos, requerer a emissão de certidão do dito alvará. Pelo que, salvo melhor entendimento, o Autor atua em manifesto abuso de direito e/ou má-fé ou espera que a Ré “fabrique” um documento que, atualmente, não corresponde à realidade.
23. Face à falta de colaboração do Autor, a não apresentação da documentação necessária à emissão do alvará que reflita a atual situação do direito de uso do jazigo em causa, qualquer pessoa colocada na posição de um Homem Médio tem de concluir que o Autor não quer fornecer tal informação à Ré - o que não se compreende. Pelo que esta postura do Autor viola, pelo menos, o disposto no art.º 10.º n.º 2 in fine do CPA.
24. Resulta do supra exposto que, face à factualidade levada ao conhecimento da Ré pelo Autor, os sucessivos requerimentos de certidão de alvará de uso/utilização do jazigo adquirido pelos seus pais serão objeto de um Despacho (não é possível emitir o alvará ou certidão do mesmo), uma vez que não pode a Ré, de boa-fé (sem falar no respeito pelos demais princípios que devem nortear a administração pública – art.º 266.º da CRP) emitir tal documento.
25. Assim, como bem determinou a Douta Sentença sob recurso, há caducidade do direito do Autor uma vez que o prazo de 20 dias, para a presente ação, se iniciou após a receção do Despacho de resposta ao requerimento apresentado em 15/07/2019.
26. Bem como com a prolação daquele despacho, tendo em conta a factualidade levada a conhecimento da Ré pelo Autor, e nos termos do disposto no art.º 13.º n.º 2 do CPA, a Ré (ou outra entidade pública) não está esta obrigada, durante dois anos a contar da apresentação do requerimento a proferir nova decisão/despacho sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular e com base nos mesmos fundamentos.
27. Pelo que, muito bem andou a Douta Sentença ao decidir nos termos em que decidiu.
TERMOS EM QUE,
a) Deve a Douta decisão sob recurso ser integralmente mantida, negando-se provimento ao recurso apresentado. Caso assim não se entenda,
b) Deverá ser decidido que, tendo em consideração a postura do Autor e o disposto no artigo 10.º n.º 2 in fine do CPA e no artigo 13.º n.º 2 do CPA a Ré não tem, nem pode, emitir a certidão exigida e não tem de apreciar, durante o período de 2 anos, o mesmo requerimento, efetuado nos mesmos termos, pelo mesmo particular.
Assim decidindo Farão V.ªs Ex.ªs como sempre a habitual SÃ JUSTIÇA

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 12 de maio de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, impondo-se verificar se se terá verificado a declarada caducidade do direito de ação.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
“1. Por requerimento datado de 15 de julho de 2019 o Requerente requereu ao Presidente da Junta das Freguesias (…) o seguinte: “O requerente é filho legítimo de D. e G., já falecidos, sendo aquele titular da concessão de uma sepultura no cemitério paroquial de (...). O requerente dispõe da ata da Junta de Freguesia, datada de 19-09-1926, de cujos ter termos decorre uma deliberação, segundo a qual “foi resolvido vender a D. e mulher do lugar de (...), 7,5 m de terreno no cemitério velho para um jazigo”. Tal sepultura tem o n.º ___do designado cemitério velho. Desde então, até à presente data, os familiares do referido D. têm utilizado o direito de concessão da sepultura, tendo aí sido sucessivamente sepultados, incluindo o D. e mulher.
Dado que não dispõe do respetivo alvará da dita sepultura, nem qualquer dos outros familiares, segundo averiguação feita, vem requerer a V. Ex.ª, para efeitos judiciais, a emissão de uma cópia certificativa do mesmo, prontificando-se o requerente a pagar todos os custos da mesma.” – cfr. doc. n.º 1 junto com a resposta da Entidade Requerida.
2. O Requerente recebeu o ofício da Junta das Freguesias de (...), em 19/08/2019, que o informou que a sua pretensão não seria atendível atentas as normas legais e regulamento em vigor, encontrando-se a Junta a aguardar que o Requerente apresente requerimento nos termos constantes no Regulamento dos Cemitérios em vigor e junte a documentação necessária à emissão do competente averbamento. – Cfr. Ofício e A/R juntos como doc. n.º 2 com a resposta da Entidade Requerida.
3. Em 6 de novembro de 2019 o Requerente apresentou na Junta das Freguesias de (...), o requerimento com o seguinte teor: “C., (…) vem requerer a V. Exa, para fins judiciais, o que segue: O requerente é herdeiro dos seus pais, D. e G., conforme documento que se anexa (habilitação de herdeiros). Também é o cabeça de casal, por ser o único filho vivo dos irmãos (artº 2080 código civil).
Seus pais eram titulares da concessão de uma sepultura no cemitério paroquial de (...), por aquisição feita em 3-10-1926, conforme ata da Junta que também se anexa.
Partilhamos todos os bens, está ainda por partilhar a referida sepultura. O requerente é por estatuto legal o administrador da herança (artº 2079 código civil).
Dado que não encontra entre os papeis dos bens do acervo hereditário o título respeitante à sepultura e dele necessita com urgência, para os ditos fins judiciais, vem na qualidade invocada,
Requerer a V. Ex.ª a passagem de uma certidão do referido alvará, prontificando-se a pagar todos os custos da mesma.” – Cfr. requerimento junto como doc. n.º 1 com o requerimento inicial.
4. O requerimento inicial do presente processo foi enviado a este Tribunal, através do SITAF, em 28 de novembro de 2019 – Cfr. SITAF.

IV – Do Direito
No que ao direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“A intimação da entidade administrativa competente para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões pode ser requerida pelo interessado quando não seja dada integral satisfação aos pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos bem como quando a notificação ou a publicação do ato administrativo não contenham a indicação do autor, da data ou dos fundamentos da decisão (n.º 2 do artigo 60.º e artigo 104.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
A intimação deve ser requerida, como se estabelece no n.º 2 do artigo 105.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ao tribunal competente no prazo de 20 (vinte) dias, que se inicia com a verificação de qualquer dos seguintes factos:
a) Decurso do prazo legalmente estabelecido, sem que a entidade requerida satisfaça o pedido que lhe foi dirigido;
b) Indeferimento do pedido;
c) Satisfação parcial do pedido.
No caso em apreço, o interessado solicitou, em 15 de julho de 2019, para efeitos judiciais, a emissão de uma cópia certificada do alvará da sepultura, cujos progenitores eram os titulares da concessão, tendo a Entidade Requerida informado o Requerente que a sua pretensão não seria atendida atentas a normas legais e regulamento em vigor (cfr. pontos 1 e 2 da matéria de facto assente).
Através de requerimento, com data de registo de entrada na Junta das Freguesias de (...) , em 6 de novembro de 2019, o Requerente voltou a solicitar à Junta a emissão, para efeitos judiciais, de uma certidão do referido alvará.
Analisando o teor dos dois requerimentos apresentados pelo Requerente, em 15 de julho de 2019 e em 6 de novembro de 2019, verificamos que o pedido é o mesmo: a emissão, para efeitos judiciais, de certidão do alvará da sepultura, cujos pais do Requerente eram os concessionários (cfr. pontos 1 e 3 da matéria de facto assente).
Ora, atento o disposto na alínea b) do n.º 2 do citado artigo 105.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Requerente deveria ter requerido a presente intimação no prazo de 20 (vinte) dias a contar da resposta da Junta de Freguesia da não emissão da referida certidão comunicada ao Requerente, através do ofício identificado no ponto 2 da matéria de facto.
Assim, haverá que julgar intempestiva a apresentação da presente intimação porquanto, tendo sido o Requerente notificado da decisão da Entidade Requerida, em 19 de agosto de 2019 (cfr. ponto 2 da matéria de facto assente), da não emissão da certidão do alvará requerida, o prazo de 20 (vinte) dias para a apresentação da presente intimação encontrava-se, em 28/11/2019, na data da sua apresentação (ponto 4 da matéria de facto assente), largamente ultrapassado.
A caducidade do direito de ação constitui uma exceção dilatória, insuprível, cuja verificação obsta ao conhecimento do mérito e determina a absolvição do Réu da instância (n.º 2 e alínea k) do n.º 4 do artigo 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).”

Correspondentemente decidiu-se em 1ª instância:
“Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se procedente a exceção de caducidade do direito de ação e, em consequência, absolve-se a Entidade Requerida da instância.”

Vejamos:
Há desde logo um equívoco no raciocínio da União das Freguesias que “contagiou” a decisão Recorrida.

Com efeito, vem requerida singelamente a mera passagem de certidão “do alvará de sepultura adquirida por seus falecidos pais, D. e mulher, conforme expresso na ata da Junta, da sessão ordinária de 03/10/1926”.

Ao contrário do afirmado pela União das Freguesias, não é, nem poderia ser intenção do Requerente “forçar” o “fabrico” de um documento”.

Na realidade, ou o documento (alvará) existe, e como tal pode ser certificado, ou não existe, e não pode, naturalmente, ser certificado.

Aliás, constitui jurisprudência pacífica que o pedido de passagem de certidão tem como pressuposto que a certidão é sempre um documento emitido em face de um documento original preexistente, pois, na verdade, as certidões são documentos emitidos por entidades públicas que atestam a existência ou inexistência de um certo documento ou registo.

A entidade administrativa reproduz, transcreve ou resume total ou parcialmente (consoante seja de teor ou narrativa) o conteúdo do documento ou declara que certo documento não existe (certidão negativa).

Pretendendo um qualquer requerente que a Administração produza um documento de raiz, sempre terá à sua disposição outros meios processuais e procedimentais que o habilitarão com vista à concretização desse objetivo, mormente a Ação tendente à prática de ato devido, no âmbito da qual a Administração sempre poderá impor a apresentação de documentação com vista à instrução do respetivo processo.

Desde logo e como se sumariou no Acórdão deste TCAN nº 316/15BECBR, de 15-07-2015 “A Intimação para a prestação de Informações, prevista nos artigos 104.º e ss. do CPTA, visa a prestação de informações e passagem de certidões e não a intimação das partes para a prática de quaisquer outros atos, para as quais existem no nosso ordenamento contencioso administrativo, outro tipo de ações tendentes, designadamente, “à prática de ato devido”.
Esta Intimação destina-se a permitir aos interessados a obtenção de prestações materializadas em informações, certidões ou no acesso a documentos, exceto se o pedido em causa incidir sobre matérias secretas ou confidenciais relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
A procedência do presente meio depende da verificação dos seguintes requisitos:
a) A qualidade de interessado do Requerente;
b) A existência de um pedido prévio à interposição da intimação dirigido à Administração solicitando a prestação de informação, a emissão de certidão, ou a consulta do processo;
c) Que a Administração, por omissão ou recusa, não tenha prestado a “informação” solicitada no prazo legal;
d) Que o Requerente intime judicialmente a Administração no prazo processual de 20 dias;
e) Que não ocorram limites, restrições, exceções constitucionais e/ou legais justificativas de recusa da administração em prestar a “informação” solicitada(...).”

Aqui chegados, enquadremos e analisemos então o suscitado.
Seguindo de perto o precedentemente referenciado acórdão deste TCAN, de facto, o meio processual de intimação usado pelo aqui Recorrente encontra-se legalmente previsto nos artigos 104.º e ss do CPTA.

Com efeito, o CPTA instituiu, em concretização da Constituição da República Portuguesa (CRP) o meio de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões como um meio principal, de carácter urgente, a usar pelos interessados nos casos de incumprimento dos deveres de informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos em todas as suas modalidades (informação/consulta de processos/passagem de certidões), bem como nos casos de notificação insuficiente, remetendo para a lei substantiva (constitucional e legal), a regulação do direito à informação e respetivos limites.

Tais direitos à informação procedimental e não procedimental encontram-se constitucionalmente reconhecidos como direitos fundamentais análogos aos direitos, liberdades e garantias (artigo 268.º da CRP) e, assim, submetidos ao regime previsto no artigo 18.º da CRP.

Lê-se no artigo 104.º do CPTA que “quando não seja dada integral satisfação a pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a intimação da entidade administrativa competente” para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões e que o pedido de intimação é igualmente aplicável nos casos de notificação insuficiente previstos no n.º 2 do artigo 60.º.

Por sua vez, nos termos previstos no artigo 105.º do CPTA a intimação deve ser requerida ao tribunal competente, no prazo de 20 dias, que se inicia com a verificação das circunstâncias ali mencionadas, sintetizadas na formulação de pedido prévio à Administração para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões não satisfeito integralmente no prazo legalmente estabelecido.

Neste contexto, o CPA consagra o direito dos interessados de serem informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos em que sejam diretamente interessados, abrangendo as informações a prestar os atos e diligências praticados, as decisões adotadas e quaisquer outros elementos solicitados, bem como a obter certidão dos documentos que constem dos processos e certificados de dados constantes de documentos do processo.
É certo que o Requerente apresentou originariamente a sua pretensão em 15 de julho de 2019, sendo que a União das Freguesias lhe veio a responder em 19/08/2019, informando que a sua pretensão não seria atendível, “encontrando-se a Junta a aguardar que o Requerente apresente requerimento nos termos constantes no Regulamento dos Cemitérios em vigor e junte a documentação necessária à emissão do competente averbamento”.

Acontece que não foi aqui requerido qualquer averbamento, ainda que possa vir a ser essa a intenção ulterior do Requerente, pelo que a resposta da União das Freguesias não corresponde ao requerido.

Assim, mostra-se legitimo e compreensível que o Requerente tenha renovado o seu pedido junto da União de Freguesias, em 6 de novembro de 2019, desta feita, por forma a que lhe pudesse ser, tão-só, certificado o requerido.

Efetivamente, veio o Requerente a requerer junto da União das Freguesias referida, enquanto cabeça-de-casal e herdeiro dos seus pais, para o que terá junto habilitação de herdeiros, certidão do alvará correspondente à ata da originária Junta de Freguesia de 03/10/1926, relativa à concessão de sepultura do cemitério paroquial de (...), titulada pelos seus pais.

A procedência do presente meio, depende pois da verificação dos seguintes requisitos:
1. A qualidade de interessado do Requerente;
2. A existência de um pedido prévio à interposição da intimação dirigido à Administração solicitando a prestação de informação, a emissão de certidão, ou a consulta do processo;
3. Que a Administração, por omissão ou recusa, não tenha prestado a “informação” solicitada no prazo legal;
4. Que o Requerente intime judicialmente a Administração no prazo processual de 20 dias;
5. Que não ocorram limites, restrições, exceções constitucionais e/ou legais justificativas de recusa da administração em prestar a “informação” solicitada.

Importa agora, em função do discorrido, verificar se os referidos pressupostos se encontram preenchidos face ao pedido aqui em análise, atento o decidido pelo tribunal a quo.

A certidão requerida pressupõe relativamente ao Requerente a verificação de um interesse atendível, protegido ou não proibido juridicamente que justifique, razoavelmente, dar-se tal informação.

Como se sublinhou e reiterou já, importa não confundir emissão de certidão com a “prática de ato devido”, prerrogativa que não tem cabimento no presente tipo de Processo.

Efetivamente, esta espécie de Processo visa a prestação de informações e passagem de certidões e não a intimação das partes para a prática de quaisquer outros atos, para as quais existem no nosso ordenamento jurídico-administrativo, como se disse já, outro tipo de ações tendentes “à prática de ato devido”.

Na realidade, em sede da presente intimação para a emissão de certidões, o tribunal não poderá “obrigar” a Entidade Recorrida a praticar quaisquer atos substantivos, que não, e se for caso disso, a passagem certificada do requerido.

Em qualquer caso, há uma questão que importa verificar e que se prende com o cumprimento dos prazos aplicáveis.

Como se sumariou no Acórdão do TCAN nº 279/15.3BEMDL, de 22-10-2015, “Prevê o art.º 105º do CPTA que “A intimação deve ser requerida ao tribunal competente no prazo de 20 dias, que se inicia com a verificação de qualquer dos seguintes factos:
a) Decurso do prazo legalmente estabelecido, sem que a entidade requerida satisfaça o pedido que lhe foi dirigido;
b) Indeferimento do pedido;
c) Satisfação parcial do pedido.”

Em qualquer caso, a situação aqui em apreciação, não corresponde a qualquer daquelas que se mostram previstas no referido normativo, pela singela razão que a União da Freguesias, embora tendo respondido, não o fez em função do requerido, o que legitimou que o Requerente pudesse ter renovado o seu pedido junto da Administração por forma a que o referido lapso pudesse ser corrigido administrativamente, pois que não faria sentido recorrer de imediato à via judicial, quando é patente que a União de freguesias não percecionou o requerido.

Assim, os 20 dias para recurso à via judicial deverão ser contados a partir do Requerimento de 6 de novembro de 2019, o que se significa que tendo a presente intimação sido apresentada em 28 de novembro de 2019, mostra-se a mesma tempestiva, o que não determina, naturalmente, que a União de Freguesias tenha de certificar documento de que não disporá.

Com efeito, requerendo-se expressamente a emissão de certidão, e não apenas a prestação de informação, terá pois a União das Freguesias que emitir a respetiva certidão, ainda que, se for o caso, meramente negativa.

Como sumariado no acórdão do STA nº 709/16, de 07-07-2016, “Inexistindo determinado ato ou procedimento administrativo, a Administração tem o dever de emitir a correspondente certidão negativa que lhe tenha sido requerida, dever que não é suprido mediante simples informação em resposta ao pedido de intimação.”

Refira-se finalmente não se vislumbrarem razões para alterar a matéria de facto provada, tal como requerido pelas partes, uma vez que tal não teria a virtualidade de alterar o sentido da decisão proferida e a proferir.
* * *

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso, revogando-se a sentença recorrida, mais se determinando que a Entidade Recorrida certifique o requerido, ainda que, se for caso disso, negativamente.

Custas pela Entidade Recorrida

Porto, 29 de maio de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Rogério Martins (Em substituição)