Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01755/23.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/16/2024
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:NÃO ADJUDICAÇÃO DO PROCEDIMENTO CONCURSAL;
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; CONDENAÇÃO À PRÀTICA DE ATO DEVIDO;
EXECUÇÃO DE SENTENÇA ANULATÓRIA; PRINCIPIO DE SEPARAÇÃO DE PODERES;
Sumário:
I – Perante a impossibilidade da aquisição do “quadro motivacional integral” subjacente à decisão de extinção do procedimento concursal visado nos autos, deve concluir-se que a fundamentação que a Administração mobiliza é manifestamente insuficiente no sentido da sua conformação com o dever de fundamentação que se impunha neste caso.

II – É jurisprudência assente que a execução de acórdão anulatório de acto por vício de forma decorrente de falta de fundamentação satisfaz-se pela introdução na ordem jurídica de novo acto substitutivo de pronúncia ainda que com o mesmo conteúdo decisório, desde que expugnado do vício que conduziu à anulação.

III - Ao assim não entender, e dessa sorte, substituir-se à Administração na apreciação do mérito adjudicatório, o Tribunal a quo incorreu, para além de claro desrespeito da linha jurisprudencial supra espraiada, em manifesta violação do princípio da separação de poderes constitucionalmente consagrado
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:
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I – RELATÓRIO

1. O MUNICÍPIO ..., Entidade Demandada nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Autora a sociedade [SCom01...], UNIPESSOAL, LDA. [doravante [SCom01...]], vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador-sentença promanado nos autos, que julgou procedente a presente ação, reconhecendo “(…) o direito da Autora a ser indemnizada pelo Réu, determinando a que as partes acordem no montante de indemnização, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado (…)”.

2. Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

1ª. O presente recurso jurisdicional foi interposto contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em 23 de novembro p.p., através da qual o tribunal a quo julgou verificado o vício da falta de fundamentação e, em consequência, anulou o ato de não adjudicação do contrato de “aluguer de meios audiovisuais e estruturas para as Festas do Município ... de 2023”.

2ª. Adicionalmente, o tribunal considerou que o contrato deveria ser adjudicado à Autora/Recorrida, procedendo, em substituição da Administração, à análise e avaliação das propostas e adjudicando o serviço à Recorrida.

3ª. Por último, o tribunal entendeu que por já não ser possível à Autora/Recorrida executar o contrato, considerando que as festas do Município já decorreram, tem esta direito a ser indemnizada, nos termos do disposto nos artigos 45.° e 45.°-A do CPTA.

4ª. Salvo o devido respeito, o aresto em recurso enferma de notório erro de julgamento por duas razões, a primeira, porque o ato de não adjudicação, praticado ao abrigo do disposto no artigo 79.° do Código dos Contratos Públicos, não padece de falta de fundamentação e segunda porque a adjudicação do contrato à Autora/Recorrida é violadora do princípio da separação de poderes, constitucional e legalmente consagrado.

5ª.Como é sabido, a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal do ato administrativo, exigindo-se que, perante o itinerário cognoscitivo e valorativo constante daquele ato, um destinatário normal possa ficar a saber por que se decidiu em determinado sentido.

. Para praticar o ato de não adjudicação, o Município empregou a seguinte fundamentação: “No decurso do procedimento e devido a eventos diversos ocorridos e promovidos pelo Município verificou-se que existe um conjunto de serviços, previstos no presente procedimento, que já se encontram satisfeitos. Assim, a prossecução do presente procedimento nos termos em que foi aprovado e as propostas apresentadas, conduzirá a um acréscimo de custo injustificado, resultante da duplicação de serviços. Atenta a ocorrência de factos supervenientes à data da decisão de contratar, que obrigarão a uma alteração significativa do objeto do contrato a celebrar, entende-se que ao abrigo do disposto na alínea d) do n.° 1 o artigo 79.° do CCP, não deverá ocorrer adjudicação e o presente procedimento considerado extinto” (v. fls. 110 do PA).

7ª. Perante isto, os concorrentes tomaram conhecimento que entre a decisão de abertura do procedimento e a abertura das propostas houve eventos que levaram o Município a aperceber-se que já detinha um conjunto de serviços e equipamentos, razão pela qual não fazia sentido duplicar custos.

Ora,

Sabendo queA fundamentação não tem, por imposição legal, de ser exaustiva, bastando que dê a conhecer as razões factuais e de direito por que se decidiu no sentido adotado no ato e não num outro sentido possível, sendo que, ainda que a fundamentação formal da deliberação impugnada não se apresente de forma clara, suficiente e congruente, deve considerar-se que o fim visado pela consagração daquele dever se encontra manifestamente cumprido quando o seu destinatário demonstra bem ter compreendido os motivos determinantes daquele” (v. Ac.° do TCA Norte, de 22 de março de 2022, Proc. n.° 0O003/11.0BEPNF, disponível em www.dgsi.pt, destaques da autoria dos signatários).

É por demais evidente que a fundamentação empregue é suficiente, ainda para mais quando a Autora/Recorrida percebeu perfeitamente as razões pelas quais o Recorrente decidiu conforme decidiu.

10ª Além disso, os tribunais já tiveram oportunidade de reconhecer que "...embora se admita que o ato recorrido pudesse encontrar-se melhor fundamentado de facto, mediante concretização dos factos integradores das razões da sua prática, o certo é que, ainda assim, são compreensíveis as razões do ato recorrido, que os autores revelam conhecer e compreender. (...) Assim, admitindo-se que o mesmo poderia ser mais completo, ainda assim, permite, sem margem para dúvidas, dar a conhecer as menções obrigatórias previstas no art° 123° do CPA, isto é, permite determinar inequivocamente o seu sentido, alcance e os efeitos jurídicos do ato administrativo, não existindo falta de determinabilidade da fundamentação, não se mostrando, por essa razão, violado tal preceito" (cf. Ac.° de 12/07/2012, Proc. n.° 04268/08, disponível em www.dgsi.pt, destaques da autoria dos signatários).

11ª Portanto, ainda que se admita que a fundamentação pudesse ser mais completa, ainda assim é por demais notório que a Autora/Recorrida percebeu o sentido, alcance e os efeitos jurídicos do ato de não adjudicação.

12ª Porém, ainda que assim não se entenda, o que não se aceita e apenas se coloca por mera cautela de patrocínio, sempre o tribunal a quo podia ter feito uso da teoria tradicional de “degradação das formalidades essenciais em não-essenciais”, que conduzia ao aproveitamento do ato impugnado e anulava o efeito invalidante (v., neste sentido, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 3.a ed., 2013, Imprensa da Universidade de Coimbra, pp. 206 e 207 e Ac.°s do TCA Norte, de 05/12/2014, Proc. n.° 02171/09.1BEPRT, e de 04/05/2018, Proc. n.° 00446/10.6BEMDL e do TCA Sul, de 20/01/2022, Proc. n.° 1002/20.6BELSB, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Com efeito,

13ª Não obstante se entenda considerar verificado o vício anulatório, constata-se que a Recorrida fica exatamente na mesma situação, pois bastará ao Município concretizar o que o tribunal a quo entendeu que faltava concretizar e o resultado será exatamente o mesmo, isto é, haverá uma decisão de não adjudicação.

14ª. Por essa razão, é por demais evidente que no caso em apreço deveria o tribunal a quo ter recorrido ao princípio do aproveitamento do ato administrativo, tornando, dessa forma, inoperante a força invalidante.

15ª. Porém, mesmo que se entenda que o ato impugnado padece de falta de fundamentação e que não seria possível recorrer ao princípio do aproveitamento do ato administrativo, então o aresto em recurso incorreu em erro de julgamento por a decisão de adjudicação do contrato á Autora/Recorrida violar o princípio da separação de poderes, constitucional e legalmente consagrado nos artigos 110.° e 111.° da Constituição e 3.° do CPTA.

16ª Como é sabido, “...também o campo de atuação dos tribunais administrativos se restringe à aplicação da lei e do Direito. Isto significa que os tribunais administrativos (...) não se podem substituir às entidades públicas na formulação de valorações que, por já não terem caráter jurídico, mas envolverem a realização de juízos obre a conveniência e oportunidade da sua atuação, se inscrevem no âmbito próprio da discricionariedade administrativa’’ (v. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4ª. Ed., Almedina, pág. 51).

17ª O tribunal a quo violou o referido princípio porque anulou um ato de não adjudicação e em sua substituição proferiu um ato de adjudicação, isto é, decidiu/apreciou da conveniência e oportunidade de não manter uma decisão de não adjudicação, isto porque o Município podia, perante a decisão de anulação do ato impugnado, decidir manter a decisão da não adjudicação, procedendo apenas a uma fundamentação mais completa e mais sustentada dessa decisão.

18ª Aliás, o que o tribunal a quo fez poderia ser aceitável se estivéssemos perante um concurso em que qualquer um dos outros concorrentes tivesse impugnado a decisão de adjudicação e se verificava assistir-lhe razão e aí o tribunal procedia à adjudicação da proposta que teria o preço mais baixo.

19ª Porém, no caso concreto a decisão que foi anulada foi uma decisão de não adjudicação, pelo que competia ao Recorrente extrair dessa anulação as competentes ilações e não ao tribunal substituir-se à Administração na decisão de adjudicação - ainda para mais quando o próprio júri não tinha ainda procedido à análise e avaliação das propostas (…)”.


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3. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida não contra-alegou.

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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

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6. Cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se o despacho saneador-sentença recorrido incorreu em erro[s] de julgamento de direito, por (i) violação do disposto no artigo 153º e 154º do C.P.A. [alusivos ao dever de fundamentação dos atos administrativos] e, bem assim, por (ii) ofensa do princípio de separação de poderes contido na normação plasmada nos artigos 110º e 111º, nº.3 da C.R.P.

9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

10. A matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art.º 663º, n.º 6, do CPC.


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IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

11. A sociedade [SCom01...], aqui Recorrida, intentou a presente ação de contencioso pré-contratual, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a “(…) Anulada a decisão de não adjudicação proferido pela Ré; E, consequentemente, b) Ser o Réu condenado a praticar o acto devido de adjudicação do procedimento concursal à Autora, pelo preço de €64.500,00 (…)”.

12. O T.A.F. de Coimbra julgou procedente a presente ação, reconhecendo “(…) o direito da Autora a ser indemnizada pelo Réu, determinando a que as partes acordem no montante de indemnização, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado (…)”.

13. Escrutinado o teor da decisão judicial recorrida, assoma evidente que o juízo de procedência da presente ação escorou-se no entendimento de que (i) o ato impugnado enfermava do vício de falta de fundamentação e (ii) que a pretensão condenatória formulada nos autos era fundada, mas impossível de satisfazer, impondo-se, por isso, reconhecer do direito da Autora a ser indemnização, em termos a acordar pelas parte no prazo de 30 dias após trânsito em julgado.

14. O Recorrente discorda deste duplo juízo decisório, alegando que o mesmo enferma de erro[s] de julgamento de direito, por (i) violação do disposto no artigo 153º e 154º do CPA [alusivos ao dever de fundamentação dos atos administrativos] e, bem assim, por (ii) ofensa do princípio de separação de poderes contido na normação plasmada nos artigos 110º e 111º, nº.3 da C.R.P.

15. Porém, e no concerne ao primeiro grupo de razões invocado, não lhe assiste qualquer razão.

16. Na verdade, e com reporte para a invocada falta de fundamentação, impera que se comece por salientar que o colendo S.T.A. desde há muito entende que, tendo em vista que a fundamentação do ato administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, e como é assinalado em abundante jurisprudência do S.T.A. [citam-se por mais recentes os seguintes acórdãos do Pleno da Secção: de 25-01-2005 (Rec. 01423/02), de 13-10-2004 (Rec. 047836), de 17-06-2004 (Rec. 0706/02), e de 06-05-2004 (Rec. 047790), de 03-11-2004 (Rec. nº 0561/04), de 11-01-2005 (Rec. nº 0605/04), de 26-04-2005 (Rec. nº 01198/04, de 20-01-2005 (Rec. nº 0857/04), de 20-11-2002 (Rec. nº 01178/02), de 05-12-2002 (Rec. nº 01130/02) e de 12-07-2005 (Rec. 512/05], o ponto de vista relevante para avaliar se o conteúdo da fundamentação é adequado àquele imperativo, é o da compreensibilidade por parte do destinatário normal, colocado na situação concreta, de modo que deve dar-se por cumprido tal dever se a motivação contextualmente externada lhe permitir perceber quais as razões de facto e de direito que determinaram o autor do ato a agir ou a escolher a medida adotada.

17. Cientes deste enquadramento, e atentando agora no que decorre da factualidade levada ao probatório, pode afirmar-se, desde já, que o ato impugnado não satisfaz a enunciada exigência.

18. Na verdade, o despacho de concordância ora impugnado [Ponto 7) dos factos provados] teve por base a proposta do júri concursal contida no relatório preliminar do seguinte teor: “(…)

4.1 - Proposta de não adjudicação

No decurso do procedimento e devido a eventos diversos ocorridos e promovidos pelo Município verificou-se que existe um conjunto de serviços, previstos no presente procedimento, que já se encontram satisfeitos. Assim, a prossecução do presente procedimento nos termos em que foi aprovado e as propostas apresentadas, conduzirá a um acréscimo de custo injustificado, resultante da duplicação de serviços.

Atenta a ocorrência de factos supervenientes à data da decisão de contratar, que obrigarão a uma alteração significativa do objeto do contrato a celebrar, entende-se que ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 o artigo 79.° do CCP, não deverá ocorrer adjudicação e o presente procedimento considerado extinto.

Mais se entende que deverá ser avaliado as reais necessidades do Município no âmbito e para efeitos da concretização dos objetivos a atingir nas Festas do Município ... 2023 e efetuado novo procedimento de concurso, adequado à nova situação factual.

Nestes termos, propõe-se:

1. Não Adjudicação de qualquer proposta apresentada;

2. Extinção do presente procedimento;

3. Avaliação das necessidades atuais para Instrução de novo procedimento;

4. Que das decisões que vierem a ser tomadas, seja dado conhecimento a todos os concorrentes (…)”.

19. Neste sentido, entendemos que a entidade decidente aceitou a proposta de não adjudicação, assim, absorvendo o respetivo conteúdo e fundamentação, desse modo, a convertendo em decisão própria.

20. Pois bem, uma vez analisada a fundamentação per relationem em causa, concluímos que esta padece de manifesta insuficiência.

21. Na verdade, desconhecem-se quais foram os “(…) eventos diversos ocorridos e promovidos pelo Município (…)” no decurso do procedimento que determinaram a satisfação superveniente das necessidades postas a concurso.

22. Não basta fazer apelo a uma realidade vaga e indeterminada [“eventos diversos ocorridos e promovidos pelo Município”], é necessário que se concretize que eventos foram esses por forma a perceber-se se existe [ou não] coerência e lógica na afirmação do nexo ligante entre os mesmos e a eventual “satisfação superveniente” dos serviços previstos no procedimento concursal visado nos autos.

23. De igual modo, ignora-se se a alegada “satisfação superveniente” abrange a totalidade ou apenas parte dos serviços postos a concurso ora a extinguir.

24. Realmente, o ato impugnado refere apenas que “(…) existe um conjunto de serviços, previstos no presente procedimento, que já se encontram satisfeitos (…) ”, o que suscita a inelutável dúvida quanto à real amplitude [se total ou parcial] da invocada “satisfação superveniente” dos serviços postos a concurso ora a extinguir.

25. O texto do ato administrativo é, portanto, absolutamente inequívoco na afirmação da insuficiência descritiva dos pressupostos fácticos que estiverem na base do sentido decisório perfilhado pela Administração, o que é determinante da impossibilidade da aquisição do “quadro motivacional integral” subjacente à decisão de extinção do procedimento concursal visado nos autos.

26. O que serve para atingir a conclusão que a fundamentação que a Entidade Demandada mobiliza neste domínio, e que se mostra supra sintetizada, é manifestamente insuficiente no sentido da sua conformação com o dever de fundamentação que se impunha neste caso.

27. Pelo que impera concluir pela improcedência do erro de julgamento de direito imputado à decisão recorrida no domínio da falta de fundamentação em análise.

28. O mesmo, porém, já se pode afirmar no tocante ao invocado erro de julgamento, desta feita, aferido na vertente da violação do princípio da separação de poderes.

29. Realmente, escrutinado o libelo inicial, não sentimos hesitação em assumir que a formulação do pedido de condenação do Réu “(…) a praticar o acto devido de adjudicação do procedimento concursal à Autora, pelo preço de € 64.500,00 (…)” assenta na representação da obrigação de adjudicação do procedimento concursal visado nos autos mercê da procedência da pretensão anulatória formulada nos autos.

30. Tudo se passa, portanto, ao nível da representação de uma pretensa execução de um caso julgado anulatório.

31. Ora, é jurisprudência assente que os limites objetivos do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos, seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que respeita ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, se determinam pelo vício que fundamenta a decisão, pelo que “a eficácia de caso julgado anulatório se encontra circunscrita aos vícios que ditaram a anulação contenciosa do acto nada obstando, pois, a que a Administração, emita novo acto com idêntico núcleo decisório mas liberto dos referidos vícios” [Acórdãos do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 21/06/1991 (proc. n.º 19760), de 29/01/1997 (proc. n.º 27517), de 08/05/2003 (proc. n.º 40821A) e de 02/07/2008 (proc. n.º 01328A/03)].

32. A jurisprudência tem, assim, entendido que “a execução de acórdão anulatório de acto por vício de forma decorrente de falta de fundamentação satisfaz-se pela introdução na ordem jurídica de novo acto substitutivo de pronúncia ainda que com o mesmo conteúdo decisório, desde que expugnado do vício que conduziu à anulação, tendo em conta a situação de facto e as normas jurídicas que a regulavam na data do acto anulado” [Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/03/2000 (proc. n.º 43680A); em idêntico sentido vejam-se ainda, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 23/10/2012 (proc. n.º 0262/12), do Tribunal Central Administrativo Norte de 19/06/2008 (proc. n.º 00645-A/2001), de 11/02/2010 (proc. n.º 00227/09.0BEPRT), de 10/12/2010 (proc. n.º 00345-A/01), de 20/01/2012 (proc. n.º 00851/07.5BEPRT) e do Tribunal Central Administrativo Sul de 05/12/2013 (proc. n.º 10148/13)].

33. Desta forma, balizado pela procedência anulatória motivada pela existência de um vício de forma, a atuação que se impunha ao Tribunal a quo passava, não pelo reconhecimento da adjudicação concursal nos termos e com o alcance operados no despacho saneador-sentença recorrido, mas antes, e tão só, pela condenação da Entidade Demandada à prática de novo ato administrativo devidamente expurgado do vício de forma determinante da sua anulação.

34. Ao assim não entender, e dessa sorte, substituir-se à Administração na apreciação do mérito adjudicatório, o Tribunal a quo incorreu, para além de claro desrespeito da linha jurisprudencial supra espraiada, em manifesta violação do princípio da separação de poderes constitucionalmente consagrado.

35. Por conseguinte, é de manifesta evidência que a decisão recorrida, no particular conspecto em análise, é merecedora da censura que o Recorrente lhe dirige.

36. Assim deriva, naturalmente, que se impõe conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar parcialmente procedente a presente ação, condenando-se a Entidade Demandada à prática de novo ato administrativo devidamente expurgado do vício de forma determinante da sua anulação.

37. Assim se decidirá.

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V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar a sentença recorrida e julgar a presente ação parcialmente procedente, condenando-se a Entidade demandada à prática de novo ato administrativo devidamente expurgado do vício de forma determinante da sua anulação.

Custas em ambas instâncias pela Recorrente e Recorrida, na proporção de 50%.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 16 de fevereiro de 2024,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Luís Migueis Garcia em substituição
Helena Maria Mesquita Ribeiro