Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00886/22.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/10/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:DESPEJO ADMINISTRATIVO; FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS;
FALTA DE INTERESSE EM AGIR;
AUTO TUTELA EXECUTIVA;
Sumário:1 - Os tribunais administrativos são competentes para conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento de renda apoiada, mas já não em matéria de despejo, por estar essa competência atribuída aos órgãos administrativos.

2 – No que é atinente ao despejo dos inquilinos, dispõe o artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, cabe ao senhorio levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, atribuindo a competência da decisão do despejo aos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no artigo 2.º, n.º 1.

3 - Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo, o que significa que é conferida competência legal a um orgão administrativo para determinar, não apenas o despejo, mas a sua execução, e neste conspecto, o poder de decidir o despejo e de o executar, sob auto tutela declarativa e executiva.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO




INSTITUTO DA HABITAÇÃO E DA REABILITAÇÃO URBANA, IP, [devidamente identificado nos autos] Autor na acção que intentou contra AA [também devidamente identificado nos autos], na qual foi requerido, a título principal, o decretamento da cessação do contrato de arrendamento, por resolução, e a entrega do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens, bem como, a condenação do Réu no pagamento das rendas vencidas no valor de €5.091,50 e vincendas, acrescidas dos respetivos juros de mora calculados à taxa supletiva legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento e entrega efetiva do bem imóvel, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi julgada procedente a excepção dilatória atinente à falta de interesse em agir, e o Réu absolvido da instância, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:


“[…]
CONCLUSÕES:
A) Ainda que se considerasse ter existido a sustentada autotutela administrativa, a mesma deixou de ter consagração legal, por força da alteração do artigo 28º da Lei n.º 81/2014, operada pela Lei n.º 32/2016 de 24/8, cuja atual redação do nº 1 do artigo 28º determina que cabe ao aqui recorrente “levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei.”, afastando expressamente o despejo administrativo, até por falta de meios humanos e materiais para que as entidades administrativas levem a cabo tais procedimentos de despejo;

B) O nº 2 do artigo 28º, ao determinar que “são da competência exercida pelos dirigentes máximos, dos concelhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do art.2º, consoante for o caso, as decisões relativas ao despejo, sem prejuízo de delegação”, apenas expressa que, qualquer despejo que seja instaurado, carece de autorização superior, no caso, do Conselho Diretivo do Autor, nada se extraindo no que respeita à propugnada autotutela declarativa e / ou executiva administrativa;

C) Também o nº 4 do citado artigo 28º que dispunha “4 - Quando o senhorio for uma entidade diversa das referidas no n.º 1 do artigo 2.º, o despejo é efetuado através da ação ou do procedimento especial de despejo previstos no NRAU, e na respetiva regulamentação.”, foi revogado pela Lei nº 32/2016 de 24 de agosto, donde, todas as entidades aí referidas podem levar a cabos os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, artigo 28º/1 (in fine).

D) Também os números 7 e 8 do artigo 34º da Lei 81/2014 d e19 de dezembro foram revogados pela Lei nº 32/2016 de 24 de agosto. Ao serem revogadas tais comunicações, deixou o senhorio de poder obter título bastante para desocupação de habitação e proceder ao despejo administrativo.

E) A única forma que presentemente a Lei admite como despejo administrativo é a prevista no artigo 26º da citada Lei “Cessação do contrato por renúncia” e elencando aí os procedimentos que as entidades administrativas devem tomar para concretizar a posse do imóvel, sendo as demais por via judicial prevista no nº 1 do artigo 28º da citada Lei.

Mas ainda que não se concorde inteiramente com o alegado, sempre se terá como claro e inequívoco que:

F) Os Acórdãos citados pelo Tribunal assentam numa premissa que não se verifica, qual seja, a de que o recurso à autotutela/ via extrajudicial para resolução dos contratos de arrendamento apoiado é imperativa;

G) Na verdade, o diploma em causa – Lei nº 81/2014 de 19/12 – salvo melhor opinião, veio apenas criar um mecanismo para, em determinadas situações, o senhorio poder resolver o contrato por comunicação ao arrendatário após a sua audição, isto é, veio acrescentar mais um mecanismo de resolução do contrato de arrendamento e despejo e não proibir o acesso à via judicial, dentro de uma lógica de celeridade de procedimentos.

H) Assim sendo, o princípio geral estatuído na referida lei apenas poderá ser o seguinte: o senhorio pode resolver o contrato nos termos gerais de direito, lançando mão da ação judicial e pode, ainda, utilizar em alternativa a resolução extrajudicial prevista na lei se verificar que essa possibilidade é mais expedita.

I) Existindo situações em que só através da via judicial se obtém a resolução contratual (e, mais do que isso o despejo coercivo, atentas as limitações constitucionais), não é possível sustentar, com coerência, a exclusividade e imperatividade da via extrajudicial prevista no artigo 25º a 28º do citado diploma legal, sendo certo que conclusão contrária implicaria uma limitação injustificada do direito de ação do aqui Recorrente previsto no artigo 20º da CRP.

J) Ademais, como bem refere a Doutrina mais avisada, para que haja interesse em agir exige-se apenas uma necessidade de recorrer aos tribunais justificada, razoável e fundada. Não tem de se traduzir numa necessidade absoluta e/ou única para a realização da pretensão deduzida pelo senhorio (vide A. Varela in Manual de Processo Civil, pg. 179).

K) Está-se assim perante uma errada aplicação do pressuposto processual inominado do interesse em agir, e, consequentemente, preterido o princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, vertido no artigo 20º da C.R.P.

Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e, consequentemente, ordenando-se o prosseguimento da ação instaurada para decretamento da resolução do contrato de arrendamento e pagamento da dívida.
[…].”

**

O Recorrido apresentou Contra Alegações, mas sem que tenha formulado a final as respectivas conclusões, daquelas se retirando, de todo o modo, que pugna pela manifesta e absoluta falta de fundamento do recurso, e que deve o mesmo ser julgado improcedente com manutenção integral da Sentença recorrida, com todas as consequências legais.

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

**

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, no sentido da sua improcedência, do que foram notificadas as partes, e quanto ao que as mesmas nada alegaram e/ou requereram.



***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitada pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões apresentadas consistem, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida padece erro de julgamento em matéria de direito.

**

III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pelo Tribunal recorrido em sede do despacho saneador proferido, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
A respeito da falta de interesse em agir, excepção dilatória de conhecimento oficioso, impõe-se o julgamento da matéria de facto, que se efectuara desde já, dando-se por provados os seguintes factos:
A. A 18.03.2005, entre o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP e AA foi celebrado, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 166/93, de 07 de Maio, contrato de arrendamento para fim habitacional, em regime de renda apoiada, relativamente ao fogo que se encontra descrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo n.º ...56, com o teor que se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. documentos juntos aos autos com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

B. Por ofício datado de 12.08.2020, o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP informou AA do seguinte (cf. documento junto aos autos com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]



C. Em 12.05.2022, foi registada a entrada, via SITAF, da petição inicial que originou os presentes autos (cfr. fls. dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas).
*
Factos não provados: inexistem, com relevância para a decisão da causa.

*
Motivação de Facto: A matéria de facto julgada provada foi a considerada relevante para a decisão das excepções, assentando a convicção deste Tribunal no teor dos documentos integrantes do processo judicial, bem como da posição assumida pelas Partes nos articulados.
[…]”

**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 14 de novembro de 2022, que apreciou a pretensão deduzida pelo Autor contra o Réu AA, no sentido do decretamento da cessação do contrato de arrendamento, por resolução, e a entrega do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens, bem como, a condenação do Réu no pagamento das rendas vencidas no valor de €5.091,50 e vincendas, acrescidas dos respetivos juros de mora calculados à taxa supletiva legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento e entrega efetiva do bem imóvel, e pela qual foi julgada procedente a excepção dilatória atinente à falta de interesse em agir, tendo o Réu sido absolvido da instância.

Como assim dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, para efeitos de poderem ser evidenciadas perante o Tribunal Superior as irregularidades de que a Sentença pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a Sentença do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Aqui chegados.

Cotejadas as conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, delas se extrai que a sua pretensão está ancorada no entendimento que prossegue de que a auto tutela administrativa deixou de ter consagração legal, por força da alteração do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, operada pela Lei n.º 32/2016 de 24 de agosto, cuja atual redação determina que lhe cabe levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, o que afasta expressamente o despejo administrativo, até por falta de meios humanos e materiais para que possa levar a cabo os procedimentos de despejo, e de que a única forma que presentemente a Lei admite como despejo administrativo é a prevista no artigo 26.º deste mesmo diploma legal, atinente à “Cessação do contrato por renúncia” e elencando aí os procedimentos que as entidades administrativas devem tomar para concretizar a posse do imóvel, sendo as demais necessariamente concretizadas por via judicial [a que se reporta o referido artigo 28.º, n.º 1], e bem assim, de que o recurso à auto tutela/via extrajudicial para resolução dos contratos de arrendamento apoiado não é imperativa, antes se tratando de mais um mecanismo de resolução do contrato de arrendamento e despejo e não proibir o acesso à via judicial, dentro de uma lógica de celeridade de procedimentos, e que em face do julgamento do Tribunal a quo, em torno da não verificação do pressuposto processual inominado do interesse em agir, foi preterido o princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, vertido no artigo 20.º da CRP.

Neste conspecto, cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo, que tendo conhecido da referida excepção dilatória, absolveu o Réu da instância, como segue:

Início da transcrição
“[…]
O interesse em agir é um pressuposto processual, que constitui uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, conducente à absolvição da instância nos termos do consignado no artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4 do CPTA, e que se verifica quando no momento da propositura da acção, o Autor não necessite da acção, ou dela não retire utilidade, para fazer valer os seus direitos. Tendo tal excepção como fito evitar a instauração de acções inúteis.
Ocorrendo a falta de interesse em agir quando não é indispensável o recurso à acção judicial para a salvaguarda dos direitos e interesses do Autor.
Sendo que para se aferir da desnecessidade do prosseguimento da acção é preciso apreciar o sistema jurídico aplicável às pretensões deduzidas.
Como tal, será de atender à circunstância de o Autor pretender com a presente acção o decretamento da cessação do contrato de arrendamento social, por resolução, e a entrega do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens, para além da condenação do Réu no pagamento das rendas vencidas e vincendas acrescidas de juros de mora.
Tendo-se julgado provado que entre o Autor e o Réu foi celebrado contrato de arrendamento de renda apoiada, que se encontra sujeito à disciplina prevista no Decreto-Lei n.º 166/93, de 08 de Maio.
Resultou também provado que o Autor remeteu missiva ao Réu informando do valor em dívida.
Ocorre que nos termos do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, que aprovou o Regime da Renda Apoiada para Habitação, tanto a resolução contratual como o despejo administrativo não são da competência dos tribunais administrativos, os quais apenas têm competência para apreciar as matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado.
Ademais, tendo o despejo por fundamento a falta de pagamento das rendas, a decisão de promoção da correspondente execução a efectuar pelos órgãos administrativos, deve ser tomada em simultâneo com a decisão de despejo, o que também compete à Administração.
Assim, apenas quando o inquilino se oponha à decisão administrativa de resolução do contrato, do despejo ou da sua execução, é que o mesmo pode recorrer judicialmente ou aos meios de resolução alternativa de litígios.
[…]
Assim, por todo o quanto aduzido, e por se considerar que o Autor dispõe de meios de autotutela, declarativa e executiva, temos que julgar procedente a excepção dilatória da falta de interesse em agir, e absolver o Réu da instância.
[…]”
Fim da transcrição

Conforme deflui da Sentença recorrida, e com reporte à causa de pedir e ao pedido deduzido a final da Petição inicial, o Tribunal a quo julgou que por dispor o Autor de meios de auto tutela, declarativa e executiva, que carecia de interesse em agir para efeitos do pedido formulado nos autos [decretamento da cessação do contrato de arrendamento, por resolução, e a entrega do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens, assim como a condenação do Réu no pagamento das rendas vencidas no valor de €5.091,50 e vincendas, acrescidas dos respetivos juros de mora calculados à taxa supletiva legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento e entrega efetiva do bem imóvel], tendo assim absolvido o Réu da instância.

A Sentença recorrida apoiou-se no Acórdão do TCA Sul datado de 18 de junho de 2020, proferido no Processo n.º 644/18.4BESNT.

E em torno da questão em apreço também já se pronunciou este TCA Norte, de forma unânime e reiterada com Acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 2504/19.2BEPRT, datado de 08 de abril de 2022, 654/18.1BEBRG, datado de 27 de maio de 2022, e 1222/22.9BEPRT, datado de 10 de fevereiro de 2023. De referir ainda que daquele Acórdão proferido no Processo n.º 654/18.1BEBRG foi interposto recurso de Revista para o STA, que em formação preliminar proferiu Acórdão datado de 03 de novembro de 2022 negando a admissão da requerida Revista.


De resto, encerrando o âmbito da pretensão recursiva do Recorrente IHRU uma base que é comum aqueles Acórdãos, quer do TCA Sul, quer deste TCA Norte, e sendo de salientar ainda que as Alegações de recurso e respectivas conclusões aqui apresentadas, são em tudo similares às que por si foram apresentadas no âmbito do Processo n.º 1222/22.9BEPRT, onde igualmente se remeteu em sede da fundamentação, para o Acórdão proferido naquele Processo n.º 654/18.1BEBRG [cujo sentido decisório acompanhamos], julgamos assim que a decisão do Tribunal a quo, tem de manter-se, por não ser merecedor da censura jurídica que lhe dirige o Recorrente.

Efectivamente, em torno dos invocados erros de julgamento do Tribunal a quo, seja o decorrente da procedência da excepção atinente à falta de interesse em agir, seja relativamente ao julgamento de que é imperativo o recurso à auto tutela para resolução dos contratos de arrendamento, para aqui também extraímos parte do Acórdão proferido no referido Processo n.º 654/18.1BEBRG, datado de 27 de maio de 2022, a cujo julgamento aderimos sem reservas [com as adaptações que mostrem necessárias, designadamente em sede da matéria de facto], a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito [cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil], como segue:

Início da transcrição
“[…]
Atendendo, à alegada falta de interesse agir, sendo esta uma exceção dilatória inominada insuprível, cuja verificação obsta ao prosseguimento dos autos e determina a absolvição da instância ou o indeferimento, da petição inicial, no caso de não ter ocorrido ainda a citação do Réu, estribou-se o Tribunal a quo, no entendimento que o Apelante tem mecanismos que lhe permitem assegurar a tutela requerida nos presentes autos, por força do DL 81/2014, de 19 de dezembro, alterado com a Lei 32/2016 de 24 de agosto.
[…]
Alicerçou-se, e bem, no Acórdão do TCA Sul de 18/6/2020, proferido no âmbito do processo nº 644/18.4BESNT.
Como aí se salienta, sem que seja possível extrair uma solução expressa e inequívoca da letra da lei, a mesma há de decorrer da interpretação conjugada de um conjunto de preceitos da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, a saber, os artigos 17.º, n.º 3, 28.º, 28.º-A e 35.º, n.º 3.
Com relevo, transcrevem-se as citadas disposições legais pertinentes para o caso:
Artigo 17.º, n.º 3: Compete aos tribunais administrativos conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado.”
Artigo 28.º Despejo
1 – Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação a uma das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, cabe a essas entidades levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei.
2 – São da competência dos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, consoante for o caso, as decisões relativas ao despejo, sem prejuízo da possibilidade de delegação.
3 – Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo.
4 – (Revogado.)
5 – Salvo acordo em sentido diferente, quaisquer bens móveis deixados na habitação, após qualquer forma de cessação do contrato e tomada de posse pelo senhorio, são considerados abandonados a favor deste, caso não sejam reclamados no prazo de 60 dias, podendo o senhorio deles dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação por parte do arrendatário.
6 – (...).
Artigo 28.º-A
Resolução alternativa de conflitos
As entidades locadoras podem recorrer à utilização de meios de resolução alternativa de conflitos para resolução de quaisquer litígios relativos à interpretação, execução, incumprimento e invalidade de procedimentos na aplicação da presente lei, sem prejuízo do recurso ao tribunal sempre que não haja acordo entre as partes.”
A que acresce ainda o artigo 35.º, n.º 3: “Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação nos termos do número anterior há lugar a despejo nos termos do artigo 28.º.”.
Do quadro legal descrito extrai-se a competência dos tribunais administrativos para conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado, mas sem que se preveja a competência judicial em matéria de despejo.
O legislador elencou as matérias a que cabe a competência aos tribunais administrativos, especificando-as como sendo apenas a matéria da invalidade e da cessação do contrato, pois no demais, a competência é atribuída aos órgãos administrativos, nos exatos termos em que a lei o definir.
No que se respeita ao despejo, estabelece o artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, cabe ao Autor levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, atribuindo a competência da decisão do despejo aos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, consoante for o caso, sem prejuízo da possibilidade de delegação de competências.
O que implica que a lei consagrou o exercício do poder administrativo de autotutela declarativa, excluindo a competência jurisdicional dos tribunais administrativos.
A Administração dispõe do poder de determinar a resolução do contrato de arrendamento.
Por isso, se prevê no citado artigo 28.º, n.º 5 que quaisquer bens móveis deixados na habitação, após qualquer forma de cessação do contrato e tomada de posse pelo senhorio, são considerados abandonados a favor deste, caso não sejam reclamados, podendo o senhorio deles dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação por parte do arrendatário.
O senhorio tem a competência legal para decretar o despejo, assim como de fazer seus os bens móveis deixados na habitação, o que implica o reconhecimento legal não apenas da propriedade do imóvel, mas da posse do arrendado e, ainda, da propriedade dos bens móveis na mesma deixados que não sejam reclamados pelo inquilino.
Tal pressupõe que caiba à Administração o poder de determinar o despejo administrativo.
Acresce ainda em auxílio da interpretação expendida que, segundo o artigo 28.º-A do diploma em análise, o inquilino pode recorrer à utilização de meios de resolução alternativa de conflitos para resolução de quaisquer litígios relativos à interpretação, execução, incumprimento e invalidade de procedimentos na aplicação da lei, sem prejuízo do recurso ao tribunal, sempre que não haja acordo entre as partes.
Tal disposição traduz que apenas quando o inquilino se oponha à decisão administrativa de resolução do contrato e do despejo ou da sua execução e a pretenda contestar, pode recorrer à via judicial ou recorrer aos meios de resolução alternativa de conflitos.
Deste modo, apenas quando não haja o acordo entre as partes existirá um litígio carente de resolução, a qual, por isso, não se atribui a sua resolução ao próprio órgão administrativo.
Neste caso, apenas sendo contestada a decisão administrativa de resolução do contrato de arrendamento e do despejo administrativo pelo inquilino, se atribui a uma entidade terceira imparcial e independente a resolução do litígio, isto é, os tribunais administrativos, mediante a instauração de uma ação administrativa ou as vias de resolução alternativa de conflitos.
Não sendo impugnada a decisão administrativa, não existe litígio que careça de ser judicialmente dirimido.
Como sentenciado, aplicando o aresto transcrito, com as necessárias adaptações, ao caso concreto, depreende-se que nos termos do artigo 28.º da Lei 32/2016 de 24.08, caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, são da competência dos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos, no caso o Conselho Diretivo, as decisões relativas ao despejo. Quando a causa resolutiva seja a falta de pagamento de rendas, o n.º 3 do artigo 28.º, ainda estabelece que a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo, o que não é o caso dos autos.
[…]
A única situação em que se verifica o uso à via judicial administrativa é quando o inquilino se oponha ou conteste a decisão administrativa de despejo.
Portanto, a Autora dispõe de meios de autotutela - declarativa e executiva - que lhe permitem alcançar os fins visados com a propositura da presente ação, designadamente no que respeita à determinação e execução do despejo/desocupação do fogo ocupado, nos termos da disciplina prevista no artigo 28.º da Lei n.º 32/2016 de 24.08.
À falta de necessidade de tutela jurisdicional por parte do Autor, corresponde a falta de interesse processual ou interesse em agir.
O interesse processual ou interesse em agir (...) consiste, de acordo com a maioria da doutrina, na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação para, dessa forma, obter um benefício direto, com repercussão positiva imediata na esfera jurídica do autor, aferindo-se, assim, tal interesse pela alegação de uma situação concreta necessitada de tutela jurisdicional.
“O interesse processual não pode ser afirmado ou negado em abstracto: apenas comparando a situação em que a parte (activa ou passiva) se encontra antes da propositura da acção com aquela que existirá se a tutela for concedida, se pode saber se isso representa um benefício para o autor e uma desvantagem para o réu. Se a situação relativa entre as partes não se alterar com a concessão dessa tutela judiciária, então falta o interesse processual.” – cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in ¯O Interesse Processual na Acção Declarativa”, 1989, pág. 6.
Sobre o interesse em agir pronuncia-se Vieira de Andrade como sendo um pressuposto que exige a verificação objetiva de um interesse real e atual, isto é, da utilidade na procedência do pedido - em ¯A Justiça Administrativa‖, 2017, 16ª ed., pág. 292 e seguintes.
O interesse em agir apresenta-se como uma concretização da ideia de que a utilidade ou vantagem em causa há de ser “digna de tutela jurisdicional”.
Como se sumariou no Acórdão da RL de 19/01/2017, proc. 3583/16.0T8SNT.L1-2 ”I - O interesse em agir é também apelidado de “interesse de agir”, “interesse processual”, “causa legítima da acção”, “motivo justificativo dela”, “necessidade de agir, ou necessidade de tutela jurídica. “Como resulta de todas estas designações, consiste na necessidade de recorrer ao processo” (...).
Com efeito, o interesse em agir é um pressuposto processual positivo para aferir da necessidade da tutela judicial efectiva consagrada no artigo 20º da CRP e bem assim da adequação do meio processual utilizado; o interesse em agir afere-se no momento da propositura da acção onde se manifesta a pretensão.



Segundo o STJ - Acórdão de 09/5/2018, proc. 673/13.4TTLSB.L1.S1 – “... II) O interesse processual, apesar de a lei não lhe fazer referência, de forma direta, porque o Código de Processo Civil não o contempla como exceção dilatória nominada, continua a constituir um pressuposto processual relativo às partes; III) Só se pode afirmar que há interesse processual quando a situação de incerteza, ou de dúvida, acerca da existência, ou não, de um direito ou de um facto, contra as quais o autor pretende reagir através da ação de simples apreciação, reunir objetividade e gravidade;
[…]
Na situação vertente, reitera-se, à falta de necessidade de tutela jurisdicional por parte do Autor, corresponde a falta de interesse processual ou interesse em agir.
Efectivamente não se evidencia qualquer meio contencioso pelo qual o inquilino haja impugnado qualquer acto, administrativo ou contratual.
A intervenção do Tribunal, em lugar do Ente Público tomar as decisões administrativas que lhe compete, no âmbito das suas atribuições e competência dos seus órgãos, e nos termos da lei, redundaria numa clara violação do princípio da separação de poderes.
[…]”
Fim da transcrição

Neste patamar, porque nos revemos neste Acórdão deste TCA Norte proferido no Processo n.º 654/18.1BENRG, julgamos assim que o Tribunal a quo julgou com acerto em torno da constatada falta de interesse em agir do Autor ora Recorrente, sendo que a solução jurídica a que aí se chegou e que aqui reiteramos, não é colocada em causa pelo Recorrente no recurso de Apelação ora em apreço.

Como assim referiu o Ministério Público junto deste TCA Norte, no Parecer por si emitido, e com acerto, “[…] O facto da entidade recorrida não deter os meios necessários para o exercício das suas funções, nomeadamente para a tomada da posse administrativa, é um problema organizacional da referida entidade, que deve ser resolvido internamente e não pode servir de argumento para se recorrer ao tribunal.
Acresce, que o referido regime legal, não é meramente facultativo, com refere o recorrente, pois a administração pauta-se pelo regime da legalidade procedimental, e não por razões de oportunidade.
Encontrando-se plenamente previsto, do ponto de vista legal, os procedimentos de autotutela administrativa, necessários ao exercício das suas competências, pelo que carece o recorrente de interesse em agir por via dos meios judiciais.
[…]”

Aqui renovando a linha jurisprudencial acima enunciada, julgando que por dispor o Autor de meios legais de auto tutela, declarativa e executiva para a necessária e devida actuação visando os contratos de arrendamento por si outorgados [Cfr. artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto], e deles [meios] não tendo deitado mão, ocorre assim a sua falta de interesse em agir, por não ser indispensável o recurso à acção judicial para a salvaguarda dos seus direitos e interesses [do Autor], ou seja, por não carecer o Autor de tutela jurisdicional efectiva [Cfr. artigo 2.º do CPTA].

Termos em que, a pretensão recursiva do Recorrente tem assim de improceder na sua totalidade, por não padecer a Sentença recorrente dos erros de julgamento que lhe vêm por si apontados, designadamente a preterição do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça a que se reporta o artigo 20.º da CRP.

*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Despejo administrativo; Falta de pagamento de rendas; Falta de interesse em agir; Auto tutela executiva.

1 - Os tribunais administrativos são competentes para conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento de renda apoiada, mas já não em matéria de despejo, por estar essa competência atribuída aos órgãos administrativos.

2 – No que é atinente ao despejo dos inquilinos, dispõe o artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, cabe ao senhorio levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, atribuindo a competência da decisão do despejo aos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no artigo 2.º, n.º 1.

3 - Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo, o que significa que é conferida competência legal a um orgão administrativo para determinar, não apenas o despejo, mas a sua execução, e neste conspecto, o poder de decidir o despejo e de o executar, sob auto tutela declarativa e executiva.

***

IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP, confirmando a Sentença recorrida.

*

Custas a cargo do Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

**

Notifique




*

Porto, 10 de março de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Fernanda Brandão, em substituição
Helena Ribeiro