Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00057/09.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/09/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Moura
Descritores:IMI;
ISENÇÃO;
CLASSIFICAÇÃO INDIVIDUAL DE IMÓVEL DE INTERESSE PÚBLICO;
Sumário:
O imóvel não se situa na zona classificada pela UNESCO como Património Mundial, tem que estar individualmente classificado como imóvel de interesse público para beneficiar da isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

A FAZENDA PÚBLICA interpõe recurso da sentença que julgou procedente a Ação Administrativa Especial deduzida por «AA» contra a o indeferimento do pedido de isenção de IMI referente a imóvel localizado na zona histórica do Porto.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
1.ª Por via do presente recurso pretende a Recorrente reagir contra a sentença proferida a 2018-02-05 pelo tribunal a quo, a qual determinou anular a decisão de indeferimento do pedido de isenção de IMI relativo ao prédio urbano propriedade da Recorrido;
2.ª Salvo o devido respeito, a decisão proferida pelo tribunal a quo padece de um duplo erro de julgamento (quanto à matéria de facto e à matéria de Direito), porquanto aquele areópago: (i) não apreciou convenientemente a certidão emitida pelo, então, IPPAR, corporizada no Documento 4 junto à p.i. e igualmente no Processo Administrativo; (ii) decidiu de acordo com jurisprudência do TCAN inaplicável ao caso vertente, uma vez que não existe identidade quanto aos factos e à questão fundamental de direito, esquecendo que no caso sub judice o bem cultural imóvel “Zona Histórica do Porto” não se confunde com o bem cultural imóvel “Centro Histórico do Porto” (subjacente àquele acórdão); (iii) não
interpretou correctamente o então artigo 40.º/1-n) do EBF, fazendo uma interpretação contra legem; (iv) olvidou as competências que legalmente assistem à Recorrente em matéria de verificação dos benefícios fiscais;
3.ª Considerou o tribunal a quo que certidão emitida pelo IGESPAR (cfr. Documento 4 da p.i. e igualmente constante do Processo Administrativo) refere o seguinte: «Da certidão a que se alude em 4, consta documento de onde decorre o seguinte: “(…) IPPAR “(…) Certifico que o imóvel (…) está classificado como Imóvel de Interesse Público pelo Decreto n 67/97, DR 226 de 1997-12-31. (…)”»;
4.ª Não é aceitável como possa o tribunal a quo concluir como concluiu, porquanto o mesmo, incompreensivelmente, amputou a informação constante da certidão em causa, mediante a não transcrição daquilo que nela efectivamente consta, sendo que ao fazê-lo subverteu (aliás, grosseiramente) o sentido da informação ali patente;
5.ª O tribunal a quo refere que da certidão se extrai que o prédio urbano está classificado como de “Imóvel de Interesse Público”, contudo aquilo que a certidão do IPPAR veicula é que o prédio urbano apenas faz parte integrante do conjunto denominado “Zona Histórica do Porto”, esta, sim, classificada como Imóvel de Interesse Público”;
6.ª Daqui decorre que o exercício de amputação textual que o tribunal a quo fez levou, erradamente, à extracção de uma conclusão que a certidão do IPPAR em causa simplesmente não dá qualquer suporte;
7.ª Resultava da lei aplicável ao tempo que a atribuição do benefício fiscal patente no artigo 40.º/1-n) do EBF dependia da prévia comprovação da classificação cultural do prédio em causa, a qual era feita mediante certificação por parte da autoridade administrativa competente, sendo que à data dos factos, aquela autoridade administrativa era o IPPAR (posteriormente IGESPAR e hoje Direcção-Geral do Património Cultural);
8.ª O Recorrido obteve por parte do IPPAR a certidão corporizada no Documento 4 junto à p.i. e ao Processo Administrativo;
9.ª Tal certidão (constante de modelo oficial) contém três campos fundamentais para efeitos de aferição da situação jurídico-patrimonial dos imóveis: (i) o primeiro campo, quando assinalado, certifica que o imóvel em causa está individualmente classificado; (ii) o segundo campo, quando assinalado, certifica que o imóvel em causa está incluído num conjunto classificado; e (iii) o terceiro campo, quando assinalado, certifica apenas que o imóvel em causa está abrangido por uma zona de protecção, a qual pode ser geral ou especial;
10.ª No caso vertente, a certidão corporizada do Documento 4 junto à p.i. e no Processo Administrativo: (i) não atesta que o imóvel em causa está individualmente classificado, uma vez que o primeiro campo não está assinalado; (ii) apenas atesta que o imóvel em causa está incluído num conjunto classificado (como é o caso da “Zona Histórica do Porto”), uma vez que só este segundo campo está assinalado;
11.ª Contrariamente ao veiculado na sentença ora colocada em crise, o prédio não está individualmente classificado nem a certidão refere que o prédio estava efectivamente classificado como de “Interesse Público”, mas, sim, apenas o conjunto urbano no qual se localiza o prédio, o que é algo de radicalmente diferente, logo o tribunal a quo incorreu num claro erro de julgamento em torno da apreciação da prova e, ao fazê-lo, inquinou a sentença;
12.ª A decisão do tribunal a quo limitou-se essencialmente a seguir a jurisprudência recentemente emanada do TCAN sobre esta matéria, por julgar idênticas entre si a questão subjacente aos presentes autos e a questão discutida naqueles;
13.ª Também aqui andou mal o tribunal a quo, uma vez que o mesmo olvidou um facto essencial: não existe identidade entre o caso vertente e o dos acórdãos em causa, logo não poderia ter o tribunal a quo ter seguido, sem mais, o entendimento perfilhado pelo Tribunal Superior;
14.ª Não existe identidade quanto aos factos e à questão fundamental de direito, uma vez que nos presentes autos discute-se a isenção de IMI relativamente ao bem cultural imóvel “Zona Histórica do Porto”, ao passo que nos acórdãos do TCAN está em causa o bem cultural imóvel “Centro Histórico do Porto”;
15.ª Esta diferença é fundamental, porquanto, além de serem bens culturais distintos, os mesmos usufruem de classificações patrimoniais distintas e esta última característica é primordial na correta interpretação do artigo 40.º/1-n) do EBF (hoje 44.º);
16.ª A “Zona Histórica do Porto” não se confunde com o “Centro Histórico do Porto”, pois são duas realidades culturais distintas, não obstante a sua semelhança terminológica e proximidade geográfica;
17.ª A “Zona Histórica do Porto” está classificada como sendo um “Imóvel de Interesse Público” por via do Decreto 67/97 e da Portaria 975/2006, conforme corrobora a certidão junta pelo próprio Recorrido;
18.ª Por sua vez, o “Centro Histórico do Porto” está classificado como bem cultural de “Interesse Nacional” em decorrência da sua inclusão na Lista do Património da
Humanidade, conforme decorre do artigo 15.º/7 da LBPC, articulado com o Aviso n.º 15.173/2010, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 147, de 2010-07-30;
19.ª Basta comparar as plantas publicadas na Portaria 975/2006 (referente à “Zona Histórica do Porto) e no Aviso n.º 15.173/2010 (referente ao “Centro Histórico do Porto”) para se perceber como estamos a falar de duas realidades completamente distintas: enquanto a “Zona Histórica do Porto” se situa exclusivamente numa das margens do rio Douro, o “Centro Histórico do Porto” está implantado nas duas margens do rio Douro;
20.ª Ao seguir acriticamente a jurisprudência do TCAN sobre o “Centro Histórico do Porto” e, com isso, ao olvidar por completo que no caso vertente está em causa um outro bem cultural imóvel que não aquele, o tribunal a quo fez uma incorrecta aplicação da lei, ao concluir pela desnecessidade de uma classificação individual do prédio em apreço para efeitos da isenção de IMI;
21.ª Em decorrência directa do acabado de afirmar, verifica-se igualmente que o tribunal a quo errou ao aplicar, como aplicou, o então artigo 40.º/1-n) do EBF, na medida em que fez uma interpretação contra legem, desprezando por completo a letra da lei, ao concluir pela desnecessidade de prova da classificação individual do prédio aqui em causa, atento o facto de o mesmo se encontrar inserido numa malha urbana classificada;
22.ª Conforme resulta do Decreto 67/97, da Portaria 975/2006 e do próprio Documento 4 junto à p.i. e ao Processo Administrativo, a “Zona Histórica do Porto” está classificada como sendo um “Imóvel de Interesse Público”;
23.ª À data da classificação da “Zona Histórica do Porto”, em 1997, o regime base do património cultural português assentava no Decreto 20.985 de 1932, sendo que este regime jurídico do património cultural apenas previa três graduações do conceito de Classificação: (i) Monumento Nacional, (ii) Imóvel de Interesse Público e (iii) Valor Concelhio;
24.ª A classificação “Imóvel de Interesse Público” não se confunde minimamente com a classificação “Monumento Nacional”, como erradamente concluiu o tribunal a quo;
25.ª O legislador patrimonial foi inequívoco em atribuir à “Zona Histórica do Porto” a classificação de “imóvel de Interesse Público”, pelo que pretender conferir outro grau de classificação que não aquele (designadamente a de “Monumento Nacional”) é uma interpretação contra legem;
26.ª Estabelecia o então artigo 40.º/1-n) do EBF que «estão isentos de imposto municipal sobre imóveis (…) os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável»;
27.ª Tal como resulta de forma clara da letra da lei, apenas os prédios individualmente classificados como de “Interesse Público” estão isentos de IMI, mesmo aqueles que se encontrem dentro do perímetro de um Conjunto classificado;
28.ª No que tange às classificações de “Imóvel de Interesse Público”, “Valor Municipal” ou “Património Cultural” o legislador foi muito claro e preciso em fazer depender a concessão do benefício fiscal aqui em causa da existência de uma classificação individual sobre cada um dos prédios que compõem um conjunto patrimonial;
29.ª O recorrido não demonstrou, quer em sede procedimental quer em sede processual, que o seu prédio urbano está individualmente classificado, pelo contrário, a certidão que ele juntou sob a forma de Documento 4 releva ela própria que o prédio não está classificado, uma vez que o campo específico destinado a atestar essa classificação patrimonial está em branco;
30.ª A autoridade administrativa apenas assinalou que o prédio aqui em causa está somente incluído no conjunto patrimonial “Zona Histórica do Porto” (este último, sim, classificado)., logo nem o intérprete da lei fiscal nem o julgador poderão extrair um facto que não consta da própria certidão;
31.ª Estando a “Zona Histórica do Porto “classificada como “Imóvel de Interesse Público”, então aplica-se o 2.º segmento do artigo 40.º/1-n) do EBF, sendo que este segmento é muito claro: a isenção de IMI depende de todo e qualquer prédio estar individualmente classificando, independentemente se estar ou não inserido num conjunto classificado ou, se se preferir, numa malha urbana;
32.ª A interpretação feita pelo tribunal a quo é não só colide frontalmente com a letra da lei, como ainda é uma interpretação que leva, no fundo, a riscar aquilo que foi uma opção clara do legislador fiscal: aplicar um benefício fiscal em função do grau de classificação cultural dos imóveis;
33.ª A seguir-se o entendimento do tribunal a quo em torno do, então, artigo 40.º/1-n) do EBF, forçoso é concluir que a redacção dada pelo legislador àquela norma através da Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, foi tudo menos uma mudança de paradigma e que, portanto, o advérbio “individualmente” ali inserido é inócuo;
34.ª Por fim, considerou o tribunal a quo que está fora das competências da Recorrente apurar se o prédio urbano aqui em causa está ou não individualmente classificado, sendo que ao fazê-lo andou mal porquanto: (i) olvidou não só aquilo que à data dos factos impunha a lei, (ii) como olvidou ainda as competências que legalmente assistem à Recorrente em matéria de verificação dos benefícios fiscais;
35.ª À data dos factos estabelecia o então artigo 40.º/5 do EBF o seguinte: «a isenção a que se refere a alínea n) do n.º 1 é de carácter automática no caso de prédio que tenha beneficiado da isenção prevista na alínea g) do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, devendo, nos restantes casos, ser reconhecida pelo chefe de finanças da área da situação do prédio, a requerimento devidamente fundamentado, que deve ser apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 90 dias da verificação do facto determinante da isenção»;
36.ª Daqui resulta que o benefício aqui em causa carecia de reconhecimento por parte da Recorrente.
37.ª Verificar se um prédio detém ou não uma classificação patrimonial é algo radicalmente distinto de classificar ou desclassificar um prédio, como sub-repticiamente entendeu o tribunal a quo;
38.ª Não é compreensível como possa o tribunal a quo afirmar que está fora das
competências da Recorrente apurar se o prédio urbano aqui em causa está ou não individualmente classificado (sem, contudo, adiantar minimamente quem é, afinal, a entidade para tal);
39.ª Se assim fosse (o que não é), então isso levaria a uma conclusão, no mínimo, aberrante e ilegal: afinal de contas, seria o então IPPAR (hoje Direcção-Geral do Património Cultural) a reconhecer e a atribuir a isenção de IMI aqui em causa;
40.ª Somente a Recorrente é a entidade competente para a atribuição do benefício fiscal aqui em causa, uma vez que o seu reconhecimento passa inexoravelmente pela verificação dos pressupostos estatuídos na lei fiscal;
41.ª Tal foi o que fez a Recorrente: verificou se a certidão do IPPAR aqui em causa demonstrava, ou não, que o prédio se encontrava individualmente classificado, sendo que o ónus de tal prova incidia sobre o Recorrido (artigo 74.º da LGT);
42.ª No caso vertente, a certidão corporizada do Documento 4 junto à p.i. e no Processo Administrativo é taxativa: (i) o imóvel em causa não está individualmente classificado, uma vez que o primeiro campo não está assinalado; (ii) o imóvel em causa apenas está incluído num conjunto classificado (como é o caso da “Zona Histórica do Porto”), uma vez que só este segundo campo está assinalado;
43.ª Portanto, a Recorrente não operou nenhuma desclassificação como, no fundo, sugere o tribunal a quo; ela limitou-se a analisar a certidão sub judice e a retirar dela os factos tal como eles ali estão verdadeiramente espelhados;
44.ª É manifestamente errado o argumento segundo o qual está fora das competências da Recorrente apurar se o prédio urbano aqui em causa está ou não individualmente classificado, uma vez que compete exclusivamente à Recorrente (sem prejuízo de eventual ulterior controlo judicial) verificar os pressupostos de que depende a isenção aqui em causa, o que ela fez à luz da Lei e da própria certidão corporizada no referido Documento 4;
45.ª O entendimento veiculado pelo Recorrido e erradamente acolhido pelo tribunal a quo acaba por redundar numa frustração da política pública de protecção do património cultural português subjacente ao, então, artigo 40.º/1-n) do EBF e, paralelamente, à violação da lei fundamental do país;
46.ª A seguir-se esta corrente de entendimento, ela traduzir-se-á na concessão de
verdadeiros privilégios fiscais a prédios destituídos de qualquer valor cultural, dado que, como ficou demonstrado, não só aos documentos comprovam a ausência de classificação individual do prédio aqui em causa;
47.ª Um resultado com esta amplitude é atentatório do mais básico princípio da justiça fiscal constitucionalmente consagrado, a par do princípio da generalidade da tributação (artigo 5.º/2 da LGT);
48.ª Como se não bastasse, o mesmo entendimento ofende o basilar princípio da igualdade tributária, na medida em que, enquanto proprietária de um prédio não classificado, o Recorrido (alicerçado na errada decisão do tribunal a quo) pretende: (I) ser privilegiado relativamente aos proprietários (designadamente portuenses) de imóveis não classificados; (ii) e ser colocado no mesmo patamar que os proprietários de prédios efectivamente classificados;
49.ª Consequentemente, a sentença ora colocada em crise não deve ser mantida na ordem jurídica, porquanto (i) incorreu numa errada apreciação da prova, (ii) interpretou incorrectamente as leis aplicáveis e (iii) veicula uma solução que ofende quer os princípios gerais da tributação previstos na LGT, quer (sobretudo) na CRP.
Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve ser dado provimento ao recurso interposto, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público não emitiu parecer, por se estar no âmbito de uma ação administrativa especial e a questão controvertida não implicar com direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou valores constitucionalmente protegidos como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias Locais (artigos 9.º, n.º 2 e 146.º, n.º 1 do CPTA).

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões de acordo com o disposto nos artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA e dos artigos 635.º, n.º 4, 639.º e 608.º, n.º 2 do CPC, são as de saber se o imóvel em apreço nos autos beneficia ou não de isenção de IMI para o ano de 2007 e seguintes, por se encontrar na zona histórica do Porto.

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Relativamente à matéria de facto, o Tribunal, deu por assente o seguinte:
IV. FUNDAMENTAÇÃO
DOS FACTOS
Factos Provados
Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada e não impugnada, encontra-se assente por provada a seguinte factualidade:
1) O Autor é dono e possuidor do prédio urbano, sito na Rua ..., no Porto inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...31, ... - certidão de fls 7 que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

2) Em 20-02-1998 o Autor solicitou a isenção de pagamento de Contribuição Autárquica que lhe foi concedida pelo Serviço de Finanças ... 6 por ter sido considerado como imóvel de valor municipal por estar inserido na Zona Histórica do Porto, “do período de 1997 a 2006, inclusive, com termino a 31-12-2006” – cfr. fls 15 e 16 do PA apenso que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

3) Em 16-01-2007, o Autor solicitou a permanência da isenção referida em 2) – fls. 14 do PA apenso que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

4) Por despacho proferido em 10-10-2008 foi indeferido o pedido solicitado em 3), que se transcreve em parte:
“(..)
Por requerimento apresentado em 2008/09/24, dentro do prazo, vem o sujeito passivo exercer o direito de audição, alegando:
A certidão emitida pelo IPPAR “certifico que o imóvel identificado em B faz parte integrante do conjunto denominado Zona Histórica do porto e está classificado como imóvel de interesse público”.
Ora a redacção da certidão não é esta, pois a mesma classifica a Zona Histórica e não o imóvel conforme transcrição integral:
“Certifico que o imóvel identificado em B faz parte integrante do conjunto denominado Zona Histórica do Porto classificado como imóvel de Interesse Publico pelo Decreto-Lei nº 67/97(..)”
(..)
Pelo exposto o presente pedido é de indeferir”

- fls 2 e 3 do PA apenso que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

4) Da certidão a que se alude em 4. consta documento de onde decorre o seguinte:
“(..)
IPPAR
“(…) Certifico que o imóvel (…) está classificado como Imóvel de Interesse Público pelo Decreto nº 67/97, DR 226 de 1997-12-31.
(…)”
– cfr. fls. 17 dos autos.

Factos Não Provados

Não resultam provados quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa, tendo em conta as várias soluções de direito plausíveis.

Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto resultou da análise dos documentos e informações oficiais, não impugnados, juntos aos autos pelas partes e constantes do processo administrativo, bem como nas posições assumidas nos articulados, tudo conforme foi referido em cada ponto dos factos assentes.

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Alteração da matéria de facto

Em função do recurso apresentado, bem como ao abrigo do artigo 662.º do Código de Processo Civil, considera-se pertinente a alteração à matéria de facto.
Assim, por um lado, acrescenta-se ao ponto 1) da matéria de facto a menção concreta da freguesia em que se situa o prédio em apreço.
Por outro lado, transcreve-se na íntegra a certidão emitida pelo IPPAR, dessa forma alterando-se o ponto 4 (segundo ponto 4) da matéria de facto, renumerando-se em conformidade, como ponto 5 do probatório, que passa a ter a redação adiante efetuada.

1) O Autor é dono e possuidor do prédio urbano, sito na Rua ..., no Porto inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...31, da freguesia ... - certidão de fls 7 que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

5) Da certidão a que se alude em 4. consta documento de onde decorre o seguinte:
“(..)
IPPAR
“(…) Certifico que o imóvel identificado em B (…) faz parte integrante do conjunto denominado ZONA HISTÓRICA DO PORTO classificado como IMÓVEL DE INTERESSE PÚBLICO pelo Decreto nº 67/97, DR 226 de 1997/12/31.
(…)”
– cfr. fls. 17 dos autos.

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Apreciação jurídica do recurso.

Alega a Autoridade Tributária e Aduaneira, ora Recorrente, que a Sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito, na medida em que não apreciou e não transcreveu convenientemente a certidão emitida pelo IPPAR e decidiu de acordo com a jurisprudência do TCAN que não é aplicável ao caso, uma vez que o imóvel se situa na “Zona Histórica do Porto” e não no “Centro Histórico do Porto”, bem assim como o prédio não se encontra classificado individualmente como imóvel de interesse público, mas antes está assim classificado o conjunto urbano no qual se localiza o prédio.
Mais alega a Recorrente que a “Zona Histórica do Porto” está classificada como “Imóvel de Interesse público”, enquanto o “Centro Histórico do Porto”, está classificado como bem cultural de “Interesse Nacional”, classificações concedidas por diferentes diplomas e com distintas plantas de localização, abrangendo aquela (Zona), apenas uma das margens do rio Douro e esta (Centro), ambas as margens do rio Douro; por isso não era admissível seguir a jurisprudência existente sobre o “Centro Histórico do Porto”, pois a classificação de “Imóvel de Interesse público”, não se confunde com “Monumento Nacional”, devendo aquele estar individualmente classificada.
Alega, igualmente, a Recorrente que a Sentença efetuou uma interpretação contra legem do então artigo 40.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), ao considerar não ser necessária a prova de classificação individual do prédio em causa nos autos, o que se mostra necessário, pois o que está classificado é a “Zona Histórica do Porto”, por isso é necessário que o prédio esteja classificado individualmente, independentemente de estar inserido num conjunto classificado.
Diz, ainda, a Recorrente, que não está fora das competências da AT apurar se o prédio está ou não individualmente classificado, sendo necessário para o reconhecimento do benefício fiscal em causa, de modo a verificar os pressupostos legais para o efeito; situação distinta da classificação patrimonial dos imóveis.

A Sentença recorrida considerou que o imóvel em apreço nos autos estava classificado como de Interesse Público, pois entendeu que a classificação do conjunto arquitetónico, classificava todos os prédios que fazem parte desse conjunto, tal como entendeu o TCAN em relação aos imóveis do Centro Histórico do Porto, julgamento que considerou aplicável aos imóveis da Zona Histórica do Porto.
Apreciando.
Em primeiro lugar, compete referir que em momento algum o Autor invoca o regime estabelecido para o designado “Centro Histórico do Porto”, ou seja, não alega que o prédio em apreço esteja classificado como imóvel de interesse nacional, inserido na categoria de Monumento Nacional, nem que faça parte da Lista do Património Mundial da UNESCO.
Conforme é sabido, o Centro Histórico do Porto foi inscrito na Lista do Património Mundial da UNESCO, pelo Aviso n.º 15173/2010, publicado no Diário da República, II Série, de 30 de julho de 2010, nos termos do qual, são identificadas as freguesias onde impera tal classificação, conforme o ponto 1 do Aviso, que diz:
1 — Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 72.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, torna-se público que, em 1996, foi incluído na lista indicativa do Património Mundial da UNESCO o conjunto conhecido por centro histórico do Porto, localizado nas freguesias da Sé, São Nicolau, da Vitória e de Miragaia, concelhos do Porto e Vila Nova de Gaia, distrito do Porto

Portanto, o Autor sempre invocou na Petição Inicial que o seu imóvel estava situado na Zona Histórica do Porto e não no Centro Histórico do Porto, classificado pelo Decreto n.º 67/97, como imóvel de interesse público, nunca alegando que o seu imóvel está classificado como património mundial da UNESCO. O que, aliás, bem se compreende, uma vez que o imóvel do Autor se encontra situado na freguesia ... [vide ponto 1) da matéria de facto], a qual não consta da Lista de Património da UNESCO, conforme se pode ver pelo teor do Aviso acima transcrito, onde apenas constam os imóveis sitos nas Freguesias da Sé, São Nicolau, da Vitória e de Miragaia, como integrantes da Lista do Património Mundial da UNESCO.
Do exposto, resulta que a situação deve ser analisada em função do que o Autor alega e segundo o regime legal aplicável.
Assim, o regime legal aplicável é o previsto no Decreto n.º 67/97, de 31 de dezembro, o qual, nos termos da alínea b) do artigo 1.º, classifica como imóveis de interesse público, os que constam do anexo II ao citado diploma. O anexo II Identifica como Imóveis de Interesse Público, entre outros, a: Zona histórica do Porto, Porto, freguesias de Miragaia, Vitória, Sé, Santo Ildefonso, Massarelos e São Nicolau (conforme planta de delimitação constante do anexo IV ao presente diploma, do qual faz parte integrante).
Ora, conforme descrito na certidão emitida pelo IPPAR, acima transcrita no ponto 5 do probatório (alterado por este tribunal de recurso), verifica-se que o imóvel se situa na Zona Histórica do Porto, Zona esta que está classificada como imóvel de interesse público. Ou seja, o que está classificado é a Zona e não o imóvel concreto que está em discussão nos autos.
Desta forma, o Tribunal deve analisar a situação conforme a norma diretamente aplicável, sendo que, tratando-se os benefícios fiscais de normas excecionais, não admitem interpretação analógica, muito embora admitem interpretação extensiva (vide artigo 9.º do EBF).
Do exposto resulta que, havendo norma própria a regular a situação, não é necessário haver recurso a qualquer interpretação extensiva. Assim, a norma aplicável ao caso concreto, era o então artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação dada pelo artigo 82.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2007), que alterou a redação da alínea n), a qual passou a ter o seguinte teor:
n) Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável.
A redação anterior da norma em apreço era a seguinte:
n) Os prédios classificados como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público e bem assim os classificados de imóveis de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável.
Posteriormente, este artigo 40.º do EBF, passou a ter redação ligeiramente diferente, conforme introduzida pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho (que ainda hoje se mantém), que foi a seguinte:
n) Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos de legislação aplicável.
Portanto, verifica-se que a partir de 01/01/2007, o legislador entendeu que apenas beneficiavam de isenção de IMI os imóveis classificados individualmente como de interesse público. O Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, manteve para os prédios classificados como de interesse público que, que o reconhecimento fosse individual para o prédio; previsão legal que ainda se mantém até à atualidade.
Ora, no caso em apreço, o imóvel não está classificado individualmente, mas antes o conjunto de imóveis que integra a “Zona Histórica do Porto”, é que está classificada como imóvel de interesse público. Portanto o Decreto n.º 67/97, classifica um conjunto urbanístico na sua totalidade, não classifica o imóvel em apreço nos autos individualmente. Neste aspeto, a certidão emitida pelo IPPAR é esclarecedora que a classificação existente refere-se à “Zona Histórica do Porto” e não ao imóvel concretamente considerado.
Por sua vez, conforme já acima assinalado, o prédio em apreço nos autos não se situa dentro da área classificada pela UNESCO, uma vez que se situa na freguesia ..., a qual não integra o conjunto de Freguesias onde se inserem os imóveis classificados pela UNESCO como Património Mundial, pelo que não pode beneficiar do mesmo regime legal estabelecido para os imóveis classificados como “Monumento Nacional”.
Sendo assim, a situação do imóvel deve ser analisada à luz do regime dos prédios individualmente classificados, nos termos da alínea n) do n.º 1 do então artigo 40.º do EBF (atual artigo 44.º do EBF), assim como no disposto nos números 5, 6 e 7 do mesmo preceito, com a redação à data da prática do ato impugnado.
Conforme dado por assente no ponto 4) da matéria de facto, o ato foi praticado no dia 10/10/2008, ou seja, antes da entrada em vigor da alteração ao artigo 44.º, conforme a redação dada pelo artigo 109.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (Lei do Orçamento de estado para o ano de 2010), nos termos da qual o reconhecimento da isenção de IMI passou a ser automática.
Portanto, a legislação aplicável é aquela que estava em vigor à data da prática do ato e não a que foi aprovada cerca de um ano e meio depois do ato aqui impugnado.
À data da prática do ato impugnado o regime em apreço constava já do artigo 44.º do EBF, que se manteve idêntico ao anterior artigo 44.º, sendo a redação dos números 5, 6 e 7, a seguinte (vide Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, diploma que altera e republica o Estatuto dos Benefícios Fiscais):
Artigo 44.º
(…)
5 - A isenção a que se refere a alínea n) do n.º 1 é de carácter automático, no caso de prédio que tenha beneficiado da isenção prevista na alínea g) do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, devendo, nos restantes casos, ser reconhecida pelo chefe de finanças da área da situação do prédio, em requerimento devidamente documentado, que deve ser apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 90 dias contados da verificação do facto determinante da isenção.
6 - Nos restantes casos previstos no presente artigo, a isenção é reconhecida pela Direcção-Geral dos Impostos, em requerimento, devidamente documentado, que deve ser apresentado pelos sujeitos passivos no serviço de finanças da área da situação do prédio, no prazo de 90 dias contados da verificação do facto determinante da isenção.
7 - Nas situações abrangidas nos n.os 5 e 6, se o pedido for apresentado para além do prazo ai referido, a isenção inicia-se a partir do ano imediato, inclusive, ao da sua apresentação.

Em função do regime acabado de transcrever, a isenção apenas era automática nas situações em de aquisição de prédio individualmente classificado como de interesse nacional, interesse público ou interesse municipal – vide alínea g) do artigo 6.º do Código do IMT. Como no caso concreto não está em apreço a aquisição do prédio, não é aplicável o automatismo da isenção de IMI.
Significa isto, que para todas as demais situações a Autoridade Tributária deve apreciar a situação concreta do imóvel, devendo o interessado apresentar um requerimento devidamente documentado, conforme estabelecia o então n.º 5 do artigo 44.º doo EBF. Daí que competisse à Autoridade Tributária analisar os pressupostos de facto e de direito, de modo a verificar se o pedido de isenção de IMI devia ou não ser deferido. Portanto, o interessado na isenção do IMI tinha o ónus de demonstrar que o imóvel em apreço estava individualmente classificado como de interesse público. O Autor apresentou uma certidão emitida pelo IPPAR, segundo a qual o que está classificado é a Zona Histórica do Porto, ao abrigo do Decreto n.º 67/97, sendo que tal certidão não atesta que é o imóvel em si que está classificado, mas a Zona estabelecida no mencionado Decreto n.º 67/97.
A partir do momento em que o imóvel não se encontra na zona classificada pela UNESCO como Património Mundial, significa que tem de estar individualmente classificado como imóvel de interesse público para beneficiar da isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).
Do exposto resulta que não estando o imóvel em apreço nos autos individualmente classificado, não pode beneficiar de isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis.
Face ao exposto, o recurso merece provimento.
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No concerne às custas deste recurso, atenta a procedência do recurso, a revogação da sentença e ao facto de o Recorrido não ter contra-alegado, ficam as custas a cargo deste, sem prejuízo de não ser devida taxa de justiça nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado – vide artigos 527.º, nos. 1 e 2 e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e Acórdão deste TCA Norte de 30/09/2021, processo n.º 00378/06.2BECBR, disponível em www.dgsi.pt.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
O imóvel não se situa na zona classificada pela UNESCO como Património Mundial, tem que estar individualmente classificado como imóvel de interesse público para beneficiar da isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis.
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Decisão

Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a ação totalmente improcedente.
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Custas a cargo do Recorrido, não sendo devida taxa de justiça nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado.
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Porto, 9 de novembro de 2023.

Paulo Moura
Irene Isabel das Neves
Carlos de Castro Fernandes