Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00277/07.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/28/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO E DO CONTRADITÓRIO; FACTOS ESSENCIAIS; MATÉRIA DE FACTO; JUROS COMERCIAIS.
Sumário:I-Impende sobre o autor o ónus de, na petição inicial, delimitar subjetiva e objetivamente a relação jurídica controvertida que submete à apreciação e decisão do tribunal, fixando os limites fácticos e jurídicos dentro dos quais o tribunal fica legitimado a mover-se tendo em vista reconhecer-lhe o pedido que formula e dentro do qual o réu se terá de defender, sob pena de a decisão que se vier a proferir quanto a esse litigio ser nula, seja por omissão ou por excesso de pronúncia, seja por condenação ultra petitum.

II- Os factos essenciais têm de ser alegados pelas partes sob pena de, posteriormente, o tribunal os não poder considerar como provados ou não provados na decisão que venha a proferir, ainda que, na sequência da instrução da causa, venha a ser produzida prova quanto aos mesmos e aqueles, em função dessa prova, devam merecer resposta positiva.

III- O direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não subsiste a se mas antes tem caráter instrumental face à decisão de mérito. Por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processuais, o tribunal ad quem deve abster-se de reapreciar a matéria de facto quando os factos concretos objeto da impugnação forem insuscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às várias soluções plausíveis de direito, nenhuma relevância jurídica assumirem, sob pena de levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.

IV- De entre as várias categorias classificativas dos juros, estes podem ser classificados em civis ou comerciais, consoante a natureza dos intervenientes na operação de que emergem (arts. 559º do CC e 102º do Cód. Com.).

V-A taxa de juros moratórios legal civil incide sobre as obrigações exclusivamente civis e encontra-se fixada em 4% ao ano desde 01/05/2003 (arts. 559º, nº 1 do CC, e 1º da Portaria nº 291/2003, de 8/04).

VI- A aplicação ou não da taxa de juro legal comercial, nomeadamente, da taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, depende do ato ou negócio jurídico de onde emerge a obrigação de pagamento dos juros ser ou não qualificável como “ato comercial” à luz do Código Comercial.

VII- Ás obrigações vencidas no âmbito dos contratos de empreitadas de obras públicas é de aplicar a taxa de juros comerciais fixados em portaria conjunta do Ministro das Finanças e da Justiça, nos termos do § 3º do art. 102.º do Cód. Comercial. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MUNICÍPIO DE (...)
Recorrido 1:C.-SC
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO
1.1.C.-SC, instaurou a presente ação administrativa comum contra o MUNICÍPIO DE (...), na qual peticionou ao Tribunal que ( a) declare a rescisão do contrato de empreitada da obra pública referido no item 3º da p.i.; (b) que condene o Réu a pagar à Autora a quantia de 130.120,44€ referente à execução dos trabalhos, encargos e compensação pelo exercício do direito de rescisão contratual (itens 18º, 19º e 21º da p.i., acrescida de juros vincendos à taxa legal de 9,01% a contar da citação e até efetivo pagamento e(c) que impute ao Réu a totalidade das custas, procuradoria e demais encargos legais.
Alegou, para tanto, em síntese, que logo após o início dos trabalhos surgiram divergências entre a fiscalização da obra e a autora, nomeadamente quanto ao encargo referente à instalação do estaleiro, ao valor dos trabalhos a mais e á necessidade de remoção de obstáculo para a realização da obra a partir do terreno vizinho, o que impossibilitou a autora de executar a empreitada, levando a que incorresse em despesas, as quais devem ser ressarcidas, tudo por culpa do réu.
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1.2.O Réu apresentou contestação na qual se defendeu por exceção e por impugnação, tendo também deduzido pedido reconvencional.
Em sede de defesa por exceção, invocou a falta do pressuposto processual consubstanciado na não realização da tentativa de conciliação extrajudicial perante o Conselho Superior de Obras Públicas, prevista e regulada no artigo 260.º do Regime Jurídico de Empreitada de Obras Públicas, o que constitui exceção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do pedido, dando lugar à absolvição da instância, de acordo com os artigos 493.º, n.º2, 495.º e al. e) do art.º 288.º do C.P.C.
Na sua defesa por impugnação, sustentou, em resumo, que a Autora retardou o cumprimento da empreitada, injustificadamente, o que levou ao incumprimento contratual e fez com que o Réu tivesse que lançar novo concurso, com os custos daí decorrentes e o atraso provocado na construção do Museu da Oliveira e do Azeite, que é obra emblemática da região.
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1.3. Na reconvenção, o Réu pediu a condenação da autora como única causadora da rescisão do contrato de empreitada e, em consequência, a sua condenação a pagar-lhe a quantia que vier a liquidar-se em sede de execução de sentença, derivada dos danos provocados pelo seu comportamento.
Para tanto alegou, em síntese, que a Autora em junho de 2006 suspendeu os trabalhos de execução da obra, abandonando-a injustificadamente durante vários meses, após o que abandonou definitivamente a obra, dela retirando todos os materiais e máquinas, sem qualquer autorização judicial ou do dono da obra, pelo que, não concluiu a obra no prazo contratual, acrescido da prorrogação de 30 dias solicitada no seu início. Esse comportamento constitui a Autora na obrigação de indemnizar o Município pelos prejuízos sofridos com o lançamento de um novo concurso público para a realização da mesma empreitada.
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1.4. A autora replicou, pugnando pela improcedência da exceção invocada e do pedido reconvencional, sustentando, em suma, que a rescisão do contrato de empreitada é um direito que lhe assiste, e deve-se unicamente a razões imputáveis ao Réu decorrentes da falta de fornecimento de elementos técnicos indispensáveis ao prosseguimento e conclusão dos trabalhos, atinentes à implantação da obra no terreno, aterros, muro de betão armado, remoção do beiral pertencente ao vizinho e execução da viga V16. Pede ainda a condenação do Réu como litigante de má-fé, por deduzir pedido de indemnização a que sabe não ter direito e por alegar factos contrários à verdade.
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1.5. Foi proferido despacho saneador, que fixou o valor da causa em € 145.120, 44 (artigos 32.º, n.º1 do CPTA e 308.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.C.), julgou improcedente a exceção dilatória invocada pelo Réu e fixou a matéria de facto assente e a base instrutória.
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1.6. Realizou-se tentativa de conciliação que se frustrou.
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1.7.O Réu apresentou requerimento para a liquidação dos danos alegadamente sofridos em virtude da rescisão do contrato de empreitada operada pela Autora, pedindo a condenação daquela a pagar-lhe a quantia de € 117.511,02, acrescida dos juros à taxa comercial desde a notificação até integral pagamento.
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1.8.A Autora impugnou o pedido de liquidação dos danos apresentado pelo Réu, contrapondo que essa liquidação, para além de assentar em pressupostos falsos é a prova evidente da falta de rigor do Réu, sendo a segunda obra diferente da primeira e muito mais onerosa.
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1.9. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, cumprindo-se todos os legais formalismos.
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1.10. Por sentença de 30 de dezembro de 2016, o tribunal de 1.ª instância julgou a presente ação parcialmente procedente, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: «Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação, determino a rescisão contratual e condeno o Réu ao pagamento da quantia global de 85.314,33€ ( 53.518,90€+11.884,74€+19.811,86 €+98,83€) a que acrescem juros de mora, á taxa de 9,01% desde a citação até integral pagamento.
Consequentemente, julgo improcedente o pedido reconvencional formulado.
Condeno a Autora e o Réu no pagamento da totalidade das custas, na proporção de um terço para a Autora e dois terços para o Réu”.
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1.11. Inconformado com a decisão, o Réu veio dela interpor recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Norte, formulando as seguintes conclusões:
A)- Os concretos pontos de facto dos itens 21, 34, 22, 23 e 31 dos factos provados/sentença dever-se-ão ter como NÃO PROVADOS;
B)- Os concretos pontos de facto dos itens 5, 6, 23 dos factos não provados/sentença dever-se-ão ter como PROVADOS;
C)- A douta sentença entendeu que o incumprimento contratual ocorrido APENAS teve como origem a impossibilidade de continuar a obra por não estar resolvido o problema da implantação da obra (sem abranger terreno alheio);
D)- Tal facto nuclear/essencial à produção do efeito jurídico/pretensão da Autora, nunca foi alegado, nem na p.i., nem na réplica, nem levado à base Instrutória;
E) - Tal facto, que para além de não alegado pela parte a quem competia, também se deve ter por não provado;
F)- O Tribunal não poderia basear-se nessa factualidade para, apenas, com base nela, dar procedência ao pedido: rescisão do contrato pelo empreiteiro por incumprimento do dono da obra, com as consequências daí inerentes;
G)- Violando-se assim o principio dispositivo e do contraditório;
I)- Sendo tal facto o único a sustentar a procedência, a sua não relevância pela não alegação e prova, conduz à imputação do incumprimento contratual ao empreiteiro Autor;
J) - Para além disso, mostram-se violadas as cláusulas 4.4.1, 4.4.2 e 6.1.2. do C. Encargos pelo empreiteiro;
L) - A factualidade apurada, e supra descrita em CII e CIII, permite concluir que foi o comportamento ilícito e culposo da A. que determinou a não execução da empreitada em questão;
M)- Pelo que é ao comportamento da empreiteira que deverá imputar-se a responsabilidade pela não execução da obra, e pelos danos provocados ao Réu com tal comportamento;
N) - Danos que se apuraram em 34.085,69 €;
O) - Os juros peticionados, foram-no à taxa legal, sendo certo que desde Setembro de 2007, não existe qualquer taxa de 9,01%;
P) - A decisão ora em recurso, e com todo o devido e merecido respeito, não apreciou nem valorou criticamente a prova (documental e testemunhal) que foi produzida, e não aplicou e/ou violou, entre outros, as seguintes disposições legais:
- Código Civil: artº 762º e 798º e 559º;
- Código Proc. Civil: artigos 5º e 3º;
- D.L. 59/99 de 2 de Março: artigos: 159º, 189º, 234 e 238:
- Portaria nº 291/2003 de 8/4.
NESTES TERMOS, e demais em direito aplicáveis que Vªs. Exªs. se dignarão doutamente suprir, Senhores Juízes Desembargadores, deve conceder-se inteiro provimento ao Recurso, revogando-se a douta sentença de 1ª instância, absolvendo-se o Réu do pedido; e julgar-se a Reconvenção parcialmente procedente e provada condenando-se a A. a pagar ao Réu a quantia de 34.085,69 €, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a data da notificação da liquidação dos danos até integral pagamento,
ASSIM se aplicando correctamente o Direito e fazendo JUSTIÇA»
*
1.12.A Apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação e formulou as conclusões que se seguem:
«
i) A parte sob censura da douta decisão recorrida não é passível das críticas que lhe move o Recorrente/Réu;
ii) Nem quanto à decisão de facto nem quanto à decisão de direito;
iii) Quanto à matéria de facto, insurge-se o Recorrente contra a decisão de provado dos “Factos” alegado nos itens 21,34,22,23 e 31 dos Factos Provados/Sentença, socorrendo-se do que foi dito pelas testemunhas Engº G.M., Engº R.F. e Engº A.R.;
iv) As partes indicadas de tais depoimentos não conduzem a decisão contrária à decidida, dado serem respostas equívocas;
v) Por outro lado, foi julgada provada matéria de facto que contradiz, frontalmente, tais conclusões – é o caso de factualidade dada como provada nos pontos 9,10,19,20,21, 22 e 23 do probatório;
vi) Ficou, assim, claro que bem andou o Tribunal Recorrido – nem poderia ser de outro modo – ao dar como provado que “a Autora encontrava-se impossibilitada de prosseguir os trabalhos pela falta de solução quanto ao obstáculo do terreno do vizinho”;
vii) Quantos aos factos referidos nos itens 5,6 e 23 da Factualidade não Provada, não se pode retirar com um mínimo de segurança do que refere o Recorrente que os mesmos factos devam ser considerados provados.
viii)Na verdade, quanto ao facto mencionado no item 23 a testemunha Engº A.R. limitou-se a concordar com o que estava subjacente à pergunta orientada – a devolução do montante em causa;
ix) Finalmente, improcede, de todo, a conclusão do Recorrente quando defende a taxa de juro de 4% aplicável nos atrasos de pagamento dos trabalhos executados no âmbito de contratos de empreitada de obras públicas em clara oposição ao Decreto-Lei nº 32/2003 que efectuou a transposição da Directiva 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, e que a fixou em 9,01% - Portaria nº 1105/2004 e do despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Justiça nº 603/2004 e ainda Aviso nº 10097/2004 (2ª série) publicado em 30 de Outubro.
x) Improcedem, por isso, todas as conclusões produzidas nas doutas alegações a que se responde, sendo certo que a decisão recorrida não violou as normas indicadas pelo Recorrente.
TERMOS EM QUE, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença proferida, com o que se fará JUSTIÇA!»
*
1.13.O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado total provimento ao recurso jurisdicional e confirmada a sentença recorrida.
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1.14. Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. É entendimento uniforme que o objeto de recurso é delimitado em função do teor das conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA – e, por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem no âmbito dos recursos de apelação não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação das seguintes matérias:
I- se a decisão recorrida violou os princípios do dispositivo e do contraditório;
II- se na recorrida, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto, por:
- a) ter dado como provados os pontos de facto dos itens 21, 34, 22, 23 e 31 do probatório que devem ser dados como não provados;
- b) por ter dado como não provados os pontos de facto dos itens 5,6 e 23 base instrutória, que devem ser dados como provados;
III- Se a decisão recorrida padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida:
- por violação das cláusulas 4.4.1., 4.4.2 e 6.1.2 do Caderno de Encargos, dos artigos 762.º e 798.º e 559.º do Código Civil, artigos 159.º, 189.º, 234.º e 238.º do Dec. Lei n.º 59/99, de 02 de março e da Portaria n.º 291/2003, de 8/04.
- por ter condenado o Réu a pagar à autora juros à taxa legal de 9,01% desde a citação até efetivo e integral pagamento.
**
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.A DE FACTO

Sem prejuízo da posterior apreciação das questões colocadas em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, importa desde já elencar os factos dados como provados e não provados pela sentença recorrida:
«1. A Autora é a adjudicatária da empreitada de obra pública denominada “Construção do Museu da Oliveira e do Azeite de (...)” e o Réu é o dono da obra – facto alegado em 1º e 2º da p.i. e aceite pelo réu em 7º da contestação;

2. O contrato de empreitada aqui em causa, em regime de série de preços, foi assinado em 22 de Dezembro de 2005 – facto alegado em 3º da p.i. e aceite pelo réu em 20º da contestação;

3. A consignação da obra ocorreu a 2 de Janeiro de 2006 – facto alegado em 3º da p.i. e aceite pelo réu em 20º da contestação;

4. O contrato teve visto do Tribunal de Contas em 21.02.2006;

5. O valor da adjudicação à Autora foi de 569.873,11€ - cfr. fls. 217 dos autos em suporte físico;

6. Em 03.07.2006, o Réu remeteu à Autora a seguinte comunicação, acompanhado de auto de medição – cfr. fls. 214 dos autos em suporte físico:

ASSUNTO
Envio de Auto referente à empreitada:
“Construção do Museu da Oliveira e do Azeite de (...).”

“Para conhecimento e devidos efeitos, informo V.Exª de que o Auto n.º 3TN, referente à empreitada em epígrafe, mereceu Despacho à contabilidade para liquidação, tendo já sido enviado àqueles Serviços.

Com os melhores cumprimentos.

[…]

A este auto de medição de trabalhos corresponde, conforme medição feita ao verso a importância a liquidar de:



valor € Extenso
7 872,57€ sete mil oitocentos e setenta e dois euro(s) e cinquenta sete cêntimo(s)

7. Em 21.10.2006, a Autora remeteu ao Réu a seguinte comunicação, acompanhada de plano de trabalhos – cfr. fls. 123 e 124 dos autos em suporte físico:

ASSUNTO: “Construção do Museu da Oliveira e do Azeite de (...)”

“Exmas Senhoras

No seguimento da reunião havida com V.as Ex.as nas instalações da Câmara Municipal de (...), na qual estiveram presentes o Exmo. Sr. Presidente e Exmo. Sr. Vereador, Engº A.B., representantes dessa Câmara e o Director de Produção desta Empresa, Engº J.D., vimos através do presente ofício remeter a V.as Ex.as em folha anexa, e conforme combinado, o plano de trabalho da empreitada mencionada em epígrafe cujo o seu termo está previsto para 22 de Agosto do ano de 2007.
Mais informamos V.as Ex.as que o presente plano de trabalho, cuja data é de 24.10.2006, prevalece e revoga sobre os demais planos de trabalho apresentados por esta empresa até à presente.

Desde já agradecemos a V/ melhor atenção sobre o exposto, ficando ao V/ inteiro dispor para esclarecer eventuais dúvidas que possa surgir.

Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos com os maiores cumprimentos.

C.-S.C., S.A.”

8. Em 07.11.2006, a Autora remeteu ao Réu a seguinte comunicação, acompanhada de plano de trabalhos – cfr. fls. 130 dos autos em suporte físico:

“Ex.mos Senhores:

Como combinado com V.as Ex.as vimos pelo presente remeter o plano de trabalhos da empreitada supra referenciada que se encontra em vigor, tendo a sua data de término a 30 de Agosto de 2007 conforme acordado com V.as Ex.as. Mais informamos que o presente plano de trabalhos prevalece e revoga sobre os demais trabalhos apresentados pela C. até à presente data.

Desde já agradecemos a V/ melhor atenção ao exposto, ficando aguardar resposta formal sobre o que V.as Ex.as se oferecem dizer.

Sem outro assunto de momento,

Subscrevemo-nos com elevada estima e consideração,”

9. Em 15.11.2006, foi elaborada a seguinte ata de reunião – cfr. fls. 221 e 222 dos autos em suporte físico:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

10. Com data de 4 de Dezembro de 2006, a administração da Autora subscreveu carta dirigida à Câmara Municipal de (...) com o seguinte teor – cfr. doc. 1 junto com o r.i. do processo cautelar apenso:

ASSUNTO: "Construção do Museu da Oliveira e do Azeite de (...)"

Exmos, Senhores,

C.-S.C., S.A., adjudicatária da obra denominada "Construção do Museu da Oliveira e do Azeite de (…)", vem apresentar suspensão de trabalhos em anexo, porquanto:

A Empreiteira está impossibilitada de dar andamento aos trabalhos em virtude da falta de elementos técnicos que permitam a execução de todos os trabalhos, a saber:

- Aterros (falta definições, o tipo de esquema a aplicar e respectiva ordem de execução);
- Muro em betão armado (falta definir a questão da tela, sem a qual não será possível prosseguir esse trabalho), assim como todos os restantes trabalhos;
- A confirmação da implantação da obra, uma vez que o projecto não traduz a realidade existente no local;
- Contornar o problema do beiral (adega);
- Solução técnica para execução da viga V16 - em nosso entender o edifício terá que ser todo ele demolido;

Nestas circunstâncias e tornando-se impossível a continuação dos trabalhos sem que sejam fornecidos os elementos em falta, vem a empreiteira recorrer-se da suspensão imediata dos trabalhos com base no disposto da alínea e) do Art.° 185° do Dec. Lei 59/99 de 02 de Março.
Termos em que o faz, com as consequências legais.
Solicita a resposta escrita da entidade adjudicatária, possibilitando o recomeço dos trabalhos logo que solucionadas as questões pendentes.
Aguarda Deferimento,”

11. Em 05.12.2006, o Réu remeteu à Autora comunicação, acompanhada de auto de medição – cfr. fls. 216 dos autos em suporte físico:

ASSUNTO: P.º n.º 211/202/905.01

Envio de Auto referente à empreitada
"Construção do Museu da Oliveira e do Azeite de (...)"

Para conhecimento e devidos efeitos, informo V. Ex.ª de que o Auto n.° 4 TN, referente à empreitada em epígrafe, mereceu Despacho à contabilidade para liquidação, tendo já sido enviado àqueles Serviços

Com os melhores cumprimentos.

[…]
A este auto de medição de trabalhos corresponde, conforme medição feita ao verso a importância a liquidar de:


valor € Extenso
3 446,23€ três mil quatrocentos e quarenta e seis euro(s) e vinte três cêntimo(s)

12. Em 06.12.2006, o Réu remeteu à Autora a seguinte comunicação – cfr. fls. 218 dos autos em suporte físico:

ASSUNTO:

Informação - Empreitada:
"Construção do Museu da Oliveira e do Azeita da Mirandela"

Venho comunicar e V. Ex.ª que, por meu despacho de 4 de Dezembro de 2006, foram aprovados trabalhos a mais e a menos nos valores de 22.669,05€ e 2.867,19€ respectivamente, respeitantes à empreitada em epígrafe.

Com os melhores cumprimentos,”

13. Com data de 12 de Janeiro de 2007, a administração da Autora subscreveu carta dirigida à Câmara Municipal de (...) com o seguinte teor – cfr. doc. 3 junto com o r.i. do processo cautelar apenso:

“ASSUNTO: "Construção do Museu da Oliveira e do Azeite de (...)"
Rescisão do contrato da empreitada

Exmos. Senhores.

Na sequência do nosso pedido de suspensão dos trabalhas enviado a V.as Ex.as através de carta com Ref.ª 51563JD de data 0412.2006 e posteriormente via fax com Ref.ª FE6016 de data 05.12.2008 para a empreitada supra denominada, vimos, uma vez que se mantém inalteradas as condições referidas nessas nossas comunicações e decorrido o prazo a que se refere a alínea b) no n.º 2 do artigo 189 do Decreto-lei 59/99 de 2 de Março, requerer a rescisão do contrato com efeitos imediatos.
Também e como confere a Lei, o empreiteiro tem direito à indemnização correspondente aos danos emergentes e lucros cessantes que se quantificam no valor de referencia indicado no n.º 2 do artigo 234 do supra citado normativo, ou seja, 10% da diferença entre o valor dos trabalhos executados e o valor dos trabalhos adjudicados, incluindo a revisão de preços correspondente.

Somos desde já a informar V.as Ex.as dos respectivos valores que ainda se encontram por facturar na empreitada:

i) Trabalhos a mais previstos no âmbito da empreitada importam o valor de 10.208,87 euros;
ii) Trabalhos a mais não previstos no âmbito da empreitada importam o valor de 8.953,23 euros;
iii) Revisão de preços importa o valor de 1.772,00 euros;
iv) Estaleiro importa o valor de 35.786,46 euros;
v) Indemnização associada à rescisão do contrato da empreitada importa o valor de 53.760,65 euros.

Aos valores acima indicados acresce IVA à taxa legal em vigor

Mais informamos V.as Ex.as que todos os materiais já trabalhados dou comprados para respectiva empreitada serão objecto de respectiva quantificação e valorização, sendo certo que irão ser facturados a essa Ex.ma Câmara Municipal.

Agradecemos a vossa confirmação e acordo quanto ao pagamento da indemnização reclamada e restantes valores apresentados.

Nesta conformidade, iremos preceder à desmobilização dos meios operativos e consequentemente retirada de obra conforme o disposto no Decreto-Lei n.° 59/99.”

14. No processo cautelar que correu termos neste Tribunal sob o n.º 69/07.7BEMDL, a Autora pediu a suspensão dos trabalhos em causa, a qual veio a ser deferida por sentença já transitada em julgado – cfr. r.i. do processo cautelar apenso;

15. A Autora emitiu as seguintes faturas – cfr. docs. 3 a 7 juntos com a p.i.:
- Factura n°20060185 de 30.08.2006 – 8.266,20;
- Factura n° 20060197 de 20.07.2006 – 1.899,12;
- Factura n° 20060205 de 25.07.2006 – 4.100,37;
- Factura n° 20060317 de 07.12.2006 – 3.618,54.

16. Relativamente à empreitada em apreço, foi elaborado “Auto de medição n.º 1 - Trabalhos a mais” com o seguinte teor – cfr. doc. 8 junto com a p.i.:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]


17. Relativamente à empreitada em apreço, foi elaborado o seguinte mapa – cfr. doc. 1 junto com a contestação:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

18. Em 25 de Julho de 2007, foi elaborado “Auto de posse administrativa” com o seguinte teor – cfr. doc. 9 junto com a p.i.:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]




Registo n.º 1686 de 06AG007

ASSUNTO: Empreitada de Construção do Museu da Oliveira e do Azeite de (...)
Local: Museu da Oliveira e do Azeite – Trav.ª D. Afonso III (Antiga Moagem), Mirandela.
Empreiteiro: C., Sociedade de Construções, SA
Com sede em: Rua de Montezelo, 105, 4425-348 - Folgosa


Auto da posse Administrativa dos Trabalhos

1.
Aos vinte e cinco dias do mês de Julho 2007 compareceram expressamente no lugar do “Museu da Oliveira e do Azeite”, sito na Travessa D. Afonso III (Antiga Moagem), Freguesia e MUNICÍPIO DE (...), onde se encontravam os estaleiros daquela sociedade para esta empreitada para, nos termos do disposto no artigo 236.° de DL n .º 59/99, de 2 do Março, ser conferida POSSE ADMINISTRATIVA FORMAL ao dono da obra, face no que estabelece o Despacho/Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferido no âmbito do Processo Cautelar n.º 69/07.7BEMDL, em 3 de Julho de 2007, os abaixo assinados, Srs., Rui Alves de Carvalho, Oficial da Policia de Segurança Pública, na qualidade de representante designado empossante pelo Governador Civil de Distrito de Bragança, conforme o seu o seu despacho de 18/JUL/2007, sobre oficio n.º 06616 de 16JUL07 emanado do dono daquela obra, a Câmara Municipal de (...), o qual preside nesta acto e, ainda, também expressamente convocados para o efeito pelo mesmo Sr. Governador Civil, respectivamente os Srs. Eng. R.F., Chefe de Divisão de Edifícios e Conservação do Município como representante da entidade dona da obra, o MUNICÍPIO DE (...), e o Sr. Eng. J.T., Director da Obra, como representante da sociedade que exibiu credencial que para o efeito lhe foi conferida, documento que fica apenso ao presente, assim como os que foram exibidos pelos demais membros.

2.
Pelos presentes e antes identificados membros intervenientes, foi então analisada a parte da obra já realizada, conforme discriminação do (s) auto (s) de medição dos trabalhos, com o (s) número (s) 4TN, Proc, 211/202/905.01 de 3ONOV2006, e ainda os terrenos consignados e ocupados, os respectivos materiais, edificações, os estaleiros, ferramentas, máquinas e veículos, tudo afecto á obra em causa e nessa ocasião existente no local, que se discriminam da forma seguinte:
I - Obras realizadas:
Confirmam-se as medições daqueles autos, cuja (s) cópia (s), se anexam e este auto; no valor global de 34.038,64 (trinta e quatro mil e trinta e oito cêntimos);
II - Terrenos:
Terrenos consignados, isto é, os de implantação do edifício da antiga moagem, totalmente delimitados pelos elementos e da estrutura já executada.
III - Edificações:
Corpo central da antiga moagem, constituído por paredes de, alvenaria de pedra e elementos da estrutura da cobertura em madeira conforme foto anexa. A área do corpo central é de 57,30 m2 e altura aproximada de 8,0 m. Estrutura de betão armado na zona da cave prevista em projecto, encontrando-se parcialmente executados os pilares e muros ao nível do rés-do-chão conforme documentado nas fotografias em anexo.
IV – Materiais:
a) Armadura de vigas (11 unidades) depositada no interior da obra;
b) Armadura de muro (1 unidade);
c) Elementos de cofragem curvos em madeira bastante deformados;
d) Cinquenta e sete metros lineares (57 ml) de tapumes em chapa metálica com 2,0m de altura, bastante danificados.

3.
Nesta conformidade e no uso dos poderes que o n.º 4 do referido artigo 236.° consigna ao primeiro dos signatários, referido representante do Sr. Governador Civil do distrito de Bragança, este conferiu desde logo a POSSE ADMINISTRATIVA FORMAL, para todos os efeitos legais, ao MUNICÍPIO DE (...) dos trabalhos já realizados da empreitada acima referenciada e demais pertences acima inventariados, tendo-se, por isso, lavrado o presente auto, com intervenção dos demais cidadãos acima identificados e na qualidade que também se registou, os quais vão, com o empossante, assinar o presente, (se a empresa não nomeou representante indica-se que não assina o seu representante por não ter comparecido).
Tendo estado presente a todos os actos e verificações, o representante do empreiteiro deu o seu acordo ao que se regista /não discordou do que fica registado.
Ou
Consigna-se, para os devidos efeitos, que o representante do empreiteiro antes referido, apresentou FAX datado de 27/07/07, que se junta e envia em anexo.


O representante do empreiteiro (se estiver presente e não se recusar a assinar)”

19. Desde o começo dos trabalhos, foram surgindo divergências entre a Fiscalização da Obra, com o representante legal do Réu, e a Autora, nomeadamente, quanto ao encargo referente à instalação do estaleiro (artigo 24°13 do RJEOP), ao valor dos trabalhos a mais e à necessidade de remoção de obstáculo para realização da obra a partir do terreno vizinho;

20. Não obstante, a Autora foi executando os trabalhos possíveis até finais de 2006, não se podendo precisar a data exata;

21. Em 12.01.2007, o Réu não tinha resolvido a questão do obstáculo existente em virtude da obra estar prevista em parte no terreno do vizinho;

22. A Autora encontrava-se impossibilitada de prosseguir os trabalhos pela falta de solução quanto ao obstáculo do terreno do vizinho;

23. Essa falta determinou um abrandamento do ritmo de execução e atualmente a total paralisação da obra;

24. Até à presente data, a Autora não obteve qualquer resposta do Réu, como também não obteve a satisfação dos seus créditos;

25. O Réu não aceitou a rescisão do contrato de empreitada em causa;

26. A Autora iniciou a obra em março de 2006;

27. A Autora apresentou diversos planos de trabalhos consoante a obra foi evoluindo para aprovação do dono da obra;

28. A Autora pediu esclarecimento quanto ao estaleiro apenas no auto de consignação;

29. Antes de iniciar os trabalhos, apesar de já consignados, a Autora propôs ao Réu que este lhe pagasse pela montagem e construção do estaleiro o valor de 35.786,46€;

30. O que o Réu recusou, quer por tal valor se encontrar diluído já nos preços unitários, como constava do processo concursado, quer ainda porque tal valor representava um acréscimo de 6,3% do valor da obra;

31. Havia obstáculo para a realização da obra a partir do terreno do vizinho, mormente porque a obra estava prevista em parte no terreno dos vizinhos (do vizinho J.M.F. – construção de escada de emergência e da parede do anfiteatro; de outro vizinho – necessidade de destruição de um beiral);

32. O vizinho emitiu a seguinte declaração em 30.06.2006 – cfr. fls. 165 do processo cautelar apenso:
DECLARAÇÁO

J.M.F., na qualidade proprietário e representante legal dos herdeiros de A.M.B., declara que autoriza a C.-S.C., S.A. a utilizar o seu terreno temporariamente para fazer a vedação que garanta a segurança e privacidade, quer dos moradores dentro da nossa propriedade privada, quer para os trabalhadores ao serviço da Comporta na construção do Museu do Azeite. Entretanto lembro que devem respeitar-se as condições a seguir indicadas, conforme combinado verbalmente:

1º - A vedação não poderá ultrapassar os limites combinados.

2º - Não é permitido fazer qualquer trabalho de demolição ou perfuração sem prévio acordo.

3º - Todos os trabalhos relacionados com os pontos 1º e 2º tem que ser executados com a minha presença ou na de quem eu delegue. Entretanto desejo ter acesso à entrada na obra para que possa certificar-me de que estão a ser cumpridas as regras de cedência, de forma a evitar situações de ilegalidade de utilização do mesmo, como previa o projecto inicial.

Mirandela, 30 de Junho 2006


33. A Autora procedeu a desmontagem e levantamento da grua, tendo levantado todo o material e maquinaria afeto à obra;

34. A empreiteira não podia realizar o projeto por impedimento por parte do vizinho;

35. Na verdade, a Autora desde que esteve em obra produziu apenas 34.684,08€;

36. A título de revisão de preços o Réu aceita o valor de 98,83€;

37. As Faturas nºs 20060197 e 20060205, nos valores respetivamente de 1.899,12€ e 4.100,37€, não dizem respeito à empreitada em apreço, mas as outras sim e não foram pagas;

38. Mas sim a outras empreitadas: “Drenagem e abastecimento de água de Fonte da Urze”; e “Rede de Abastecimento de água e Drenagem de águas Residuais de Jerusalém do Romeu”;

39. Antes do final do ano de 2006, em data que não se pode precisar, a Autora suspendeu os trabalhos;

40. Não concluiu a obra no prazo contratual acrescido da prorrogação de 30 dias solicitada no início da mesma;

41. Os problemas com o vizinho (Professor F.) foram resolvidos em dezembro de 2008;

42. O Réu Município teve de lançar novo concurso público para a realização da mesma empreitada, adjudicando a obra pelo valor de 588.637,53€ - cfr. fls. 251 dos autos em suporte físico;

43. Esta obra tinha candidatura aos fundos comunitários – cfr. fls. 127 e 128 dos autos em suporte físico;

44. Foi emitida nota de honorários pela sociedade C., Ldª, a título de revisão do projeto de execução (adaptação e alterações com vista ao lançamento do 2º concurso de empreitada do Museu da Oliveira e do Azeite) no valor de 19.603,11€, acrescida de IVA – cfr. fls. 254 dos autos em suporte físico;

45. Em 19.12.2007, foi enviada a seguinte mensagem de correio eletrónico – cfr. fls. 255 dos autos em suporte físico:

De: <e-anuncio@incm.pt>
Para: <---@cm-mirandela.pt>
Enviado: quarta-feira, 19 de Dezembro de 2007 12:04
Anexar: 1198065672671.pdf;ANEXO_II.pdf
Assunto: Comprovativo de submissão ao acto

A Imprensa Nacional - Casa da Moeda, S. A., informa que recebeu o seu pedido de publicação no Diário da República, a que foi atribuído o número de referência 1198065672671, indispensável para qualquer contacto com a INCM.

Este pedido vai ser submetido a uma avaliação de conformidade com os requisitos de publicação, no prazo de um dia útil. Em caso de desconformidade, será feita notificação de rejeição para o mesmo endereço de correio electrónico, com indicação do motivo.

Para actos preenchidos nos formulários do Regulamento CE n.° 1564/2005 (acima do limiar) e tendo optado pelo envio para o SIMAP (JOUE), através da INCM, o envio é automático após a validação com sucesso descrita no parágrafo anterior.

O preço da publicação deste acto é de 456,22 euros. A INCM, S. A , irá enviar a respectiva factura, com pagamento a 30 dias.

Nota. - O ficheiro em anexo serve como garantia de que o pedido foi efectuado.

Com os melhores cumprimentos.

Lisboa, 19-12-2007”

46. Em 19.12.2007, foi remetida a seguinte mensagem de correio eletrónico – cfr. fls. 257 dos autos em suporte físico:

Manuel Macedo_______________________________________________
De: "A. L. (24H/dp)" ---@)24horas.com.pt> 0277
Para: "M.M." ---@cm-mirandela.pt>
Enviado: quarta-feira, 19 de Dezembro de 2007 16:41
Anexar: ANEXO_II.pdf
Assunto: FW: PEDIDO DE ORÇAMENTO - Publicação de Anúncio de Concurso (24H)

Exmo. Sr. M. ,

Conforme solicitado, envio orçamento para o anúncio em anexo.

Localização: Classificados
Dimensão: 9.8cm x 15.5cm
Preço: €126,00 + IVA

Com os melhores cumprimentos.

A. L.
Jornal 24 horas
(Delegada de Publicidade)
T: 21 330 64 72
F: 21 330 64 90

47. Em 20.12.2007, foi remetido o seguinte fax – cfr. fls. 256 dos autos em suporte físico:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


TEXTO:

Exmos Senhores,
Os meus cumprimentos.
Conforme pedido de V.Ex.as, sou a informar o preço para publicação do concurso da construção do edifício do Museu da oliveira e do Azeite, na importância de 200,00€, acrescidos de 21% de Iva.
Ao dispor, subscrevo-me

Jerónimo Manuel pinto

48. Em 06.06.2008, o Réu recebeu comunicação com o seguinte teor – cfr. fls. 258 dos autos em suporte físico:

Assunto/Subject ON - Operação Norte - Eixo 2 - Medida 2.1 - Anulação do Projecto - Museu da Oliveira e do Azeite (01-02-01-FDR-00160) - Recuperação do Co-financiamento FEDER

Na sequência do V/ Fax de 05 de Junho, solicitando a anulação do projecto em epígrafe, venho informar V.Exª que se torna necessária a recuperação do valor da comparticipação FEDER entretanto pago, no montante de 13.631,90 euros.

Nestes termos, venho solicitar a V.Exª, no prazo de 10 dias úteis, a confirmação do valor a recuperar acima referido, bem como a informação sobre o modo de devolução, pelo Município, do valor em causa - por transferência bancária para o NIB da CCDRN 0781 0112 00000000918 33 (FEDER) do respectivo montante em divida ou, alternativamente, a cativação pela CCDRN de todos os valores a pagar no âmbito de outros projectos aprovados no PO Norte para o Município, até a completa recuperação da divida.

Com os meus melhores cumprimentos.


49. A obra do Museu da Oliveira e do Azeite era e é emblemática para a cidade de (...) e para a Região e Trás-os-Montes, pelo que irá representar na promoção do azeite, na preservação de prática e equipamentos da atividade da olivicultura e na atração de pessoas/visitantes à cidade região.
*
Factualidade não provada
Não resultou provado que:

1.Houve falta de definições técnicas constantes do projeto de conceção e de execução da obra;
2. Os planos de trabalhos apresentados pela Autora o foram nas datas alegadas;
3. A desmontagem do estaleiro ocorreu em março de 2007;
4. Em 19 de Junho de 2006 a Autora, através do seu diretor técnico solicitou a suspensão da obra, e paralisou os trabalhos;
5. Em 23 de Junho de 2006, o Município comunicou à Autora que não havia qualquer fundamento para a suspensão da obra, pelo que deveria prosseguir os trabalhos em conformidade com o projeto adjudicado;
6. Apesar disso, a Autora, desde 14 de Junho de 2006, não reiniciou os trabalhos solicitando, adiando e faltando a reuniões com o dono da obra e por ela solicitadas;
7. Em reunião de 24 de Agosto de 2006, entre Autora e Réu, aquela ficou de apresentar um plano de trabalhos até 28/8/2006 e reiniciar os trabalhos no dia 4/9/2006;
8. Contudo a 4/9/2006, ninguém se encontrava em obra, nem os trabalhos foram reiniciados;
9. O Município não aprovou o plano de trabalhos nem aceitou a suspensão dos trabalhos, por ausência de fundamento, em 19 de Junho de 2006;
10. Em 4 de Dezembro de 2006, a Autora abandonou a obra;
11. Houve falta das definições técnicas para que a empreiteira não pudesse executar o projeto e realizar a obra a que se vinculara;
12. O encargo relativo ao estaleiro estava incorporado ou diluído nos preços unitários da proposta adjudicada;
13. O valor apurado pelas medições do dono da obra é tão-só de 4.662,26€;
14. Relativamente ao valor dos trabalhos a mais não previstos no âmbito da empreitada, o valor apurado pelo dono da obra é tão só de 2.334,29€;
15. A título de revisão de preços foi apurado o valor de 1.772,00€;
16. O custo do transporte de matérias que se encontravam em obra e que foram removidos para a sede da Autora é de 1.755,00€;
17. O encargo relativo à montagem, construção, desmontagem e demolição do estaleiro é de 35.786,46€;
18. A Autora injustificadamente retardou a execução dos trabalhos;
19. Em Junho de 2006 suspendeu os trabalhos e abandonou a obra durante vários meses;
20. Abandonou definitivamente a obra e dela retirou todos os materiais e máquinas afeta à obra, sem qualquer autorização judicial ou do dono da obra;
21. O Réu teve despesas e afetação de recursos humanos com o trabalho técnico e administrativo para abertura de novo concurso, abertura de propostas, análise de propostas e celebração do respetivo contrato no valor de 5.886,38€;
22. O Réu teve custos com a fiscalização da 1ª obra e na parte da obra que a Autora deveria ter executado e não executou no valor de 14.735,89€;
23. O Réu devolveu à CCDRN – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte o montante de 13.631,90€;
24. O Réu suportou um sobrecusto quanto à segunda empreitada no valor de 52.803,06€;
25. O atraso da Autora quanto à obra causou um prejuízo de 10.000,00€ ao Réu.

Com interesse e relevância para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado ou não provado.»
**

III.B DO DIREITO

3.2. Da Violação dos Princípios do Dispositivo e do Contraditório
3.2.1. O Apelante assaca á decisão recorrida a violação dos princípios do dispositivo e do contraditório.
Sustenta, para o efeito, que a sentença recorrida colheu como único facto integrador da causa de pedir, ou seja do “Incumprimento Contratual …o problema da implantação da obra (sem abranger terreno alheio) e tal apenas foi provocado pelo Réu, sendo a este imputável”, quando, no entender do Apelante, nem da p.i., nem da réplica consta tal facto nuclear, ou seja, que “para a implantação e execução da obra concursada fosse necessário abranger usurpando terreno alheio”.
Precisando, no entender do Apelante, nem da base instrutória, nem do projeto de execução consta que a obra tivesse de ser implantada em terreno alheio, não cabendo ao tribunal, por sua iniciativa, transportar factos essenciais que não foram alegados pela autora quando a mesma alegou “…remoção de obstáculo para realização da obra a partir do terreno vizinho”.
Ao assim ter procedido, o Tribunal a quo, impediu também o Réu de pronunciar- se sobre uma “ABRANGÊNCIA” e “OCUPAÇÃO DEFINITIVA” DO TERRENO VIZINHO, que não estava alegada e, consequentemente, de requerer provas nomeadamente a prova “PERICIAL/IMPLANTAÇÃO”, violando-se o disposto no art.º 5º, n.º 1 e 3.º do CPC, o que, tudo determina o naufrágio da ação, devendo por isso, a ação ser julgada improcedente.
3.2.2. Considerando que a procedência deste vício é suscetível de gerar a nulidade da decisão, o seu conhecimento tem precedência relativamente às demais questões colocadas pelo Apelante, razão pela qual o analisaremos primacialmente.
Vejamos se lhe assiste razão.
3.2.3. No caso, estamos perante uma ação administrativa comum a cuja tramitação se aplicam as regras do Código de Processo Civil – cfr. art.º 1.º e 42.º do CPTA.
Tratando-se de uma ação administrativa comum que foi intentada em 2007, a análise que vamos efetuar sobre a alegada violação dos princípios do dispositivo e do contraditório, terá de processar-se à luz das disposições do CPC de 1961, ou seja, na versão anterior à reforma operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.
Um dos princípios nucleares do processo civil é o princípio do dispositivo. Na sua conceção tradicional, entendia-se que o “processo é coisa ou negócio das partes (conceção privatística, contratualista ou quase contratualista do processo), ou seja, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas. Nessa conceção, o princípio do dispositivo significava que são as partes que dispõem do processo, assim como da relação jurídica.
Quanto ao juiz, ao mesmo cabe-lhe arbitrar a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando o resultado (conceção duelística ou «guerresca» do processo). Donde a inércia, inatividade ou passividade do juiz, em contraste com a atividade das partes. Donde também que a sentença procure e declare a verdade formal (intra-processual) e não a verdade material (extra-processual)” Manuel Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374..

Embora esta conceção tradicional do princípio do dispositivo se encontre atualmente ultrapassada, uma vez que, sendo os tribunais instrumentos de pacificação social os mesmos não podem encarar o processo como puro negócio das partes, descurando os interesses públicos subjacentes à sua nobre função de administrar a justiça em nome do povo, à qual é co-natural a busca da verdade material, a verdade é que o princípio o dispositivo continua a ser um princípio estruturante da lei adjetiva, que tem vindo, contudo, a ser temperado pelo princípio do inquisitório.
Nesse sentido, podemos afirmar que a última revisão ao CPC, operada pela Lei n.º 41/2013, foi mais um passo decisivo nesse temperamento, ao privilegiar as decisões materiais em detrimento das decisões de forma.

Não obstante a evolução verificada, o certo é que o princípio do dispositivo, reafirma-se, continua a ser nuclear no âmbito do processo civil, nele se se procurando que as decisões judiciais versem efetivamente sobre o fundo da causa e, portanto, sobre os bens discutidos no processo e que definem realmente a relação jurídica deduzida em juízo, dirimindo, de modo efetivo, o conflito existente entre os litigantes, procurando-se ainda que essa resolução do conflito seja efetuada a contento da verdade material, embora uma verdade material processualmente adquirida, ou seja, não a verdade material ontológica, isto é, como esta efetivamente ocorreu (se alguma vez tal é possível) e “obtida a todo o custo”, mas a verdade material obtida de acordo com o estrito cumprimento das regras legais que regulam a aquisição dos meios de prova, o valor probatório a atribuir a cada um desses meios de prova e, bem assim, as regras processuais que têm de ser observadas ao longo do processo a fim de se obter um processo equitativo e, por conseguinte, uma decisão judicial materialmente justa, isto é, em que a verdade material explanada no processo tenha sido obtida mediante o cumprimento das normas legais de direito probatório material aplicáveis e, bem assim, das que regulam o processo.

Mesmo no atual CPC, o princípio do dispositivo continua a ter um papel decisivo, fundamental e nuclear conforme decorre da circunstância dos tribunais cíveis não poderem resolver qualquer interesse das partes sem que essa resolução lhes seja pedida (art. 3º, n.º 1 do CPC); de caber às partes e, principalmente, ao autor, aduzir o material fáctico a utilizar pelo juiz para a decisão do litígio, circunscrevendo, assim, o thema decidendum, dentro do qual o tribunal se tem de mover, sob pena de incorrer em nulidade da decisão que venha a proferir, por excesso de pronúncia ou por omissão de pronúncia, quando, respetivamente, conheça de questão que não lhe foi submetida pelas partes e de que não lhe era lícito conhecer oficiosamente, ou quando não conheça de questão que estas lhe submeteram, apesar desse conhecimento não se encontrar prejudicado pelo conhecimento de uma anterior questão sobre que se debruçou e decidiu. E daí que, continue a impender sobre o autor o ónus de definir, na petição inicial, os elementos subjetivos (sujeitos) e objetivos (pedido e causa de pedir) da relação jurídica controvertida que submete ao tribunal e que pretende que este dirima, devendo para tanto individualizar, na petição inicial, os sujeitos dessa relação jurídica, qual a pretensão de tutela judiciária que solicita que o tribunal lhe reconheça (pedido) e quais os factos em que faz ancorar essa sua pretensão (causa de pedir), devendo, nesta sede, alegar os factos essenciais constitutivos da causa de pedir que elegeu para ancorar o pedido (arts. 5º, n.º 1 e 552º, n.º 1 als. a), d) e e) do CPC, aplicáveis ex vi art.º 1.º do CPTA).
A petição inicial é o articulado utilizado pelo demandante para deduzir em juízo uma dada pretensão de tutela jurisdicional, com base em determinados fundamentos de facto e de direito que elegeu para sustentar essa pretensão. Cfr. Ac. RC. de 20/09/2016, Proc. 1215/14.0TBPBL-B.C1, in base de dados da DGSI.

Sem petição inicial o processo não chega sequer a existir, sequer o tribunal se encontra legitimado a iniciá-lo e a dirimir o conflito, cujos contornos, de resto, desconhecerá (art. 3º, n.º 1 do CPC), e sem a qual não é possível ao demandado defender-se, por desconhecer qual a concreta pretensão que contra si é deduzida e quais os concretos fundamentos de facto e de direito em que essa pretensão se encontra sustentada.
É assim, através da petição inicial que se concretiza a chamada disponibilidade do início do processo, sabendo-se que nenhuma querela judicial se inicia sem o prévio impulso de uma das partes (impulso processual inicial) e em que o demandante terá de delimitar subjetiva (quanto aos sujeitos) e objetivamente (quanto ao pedido e à causa de pedir) os contornos do conflito que submete à apreciação e à decisão do tribunal, fixando não só o âmbito da atividade do tribunal, como os contornos fácticos e jurídicos do conflito em relação ao qual o demandado terá o ónus de se defender.
Porque assim é, uma vez delimitados, na petição inicial, pelo demandante os contornos subjetivos e objetivos da relação jurídica controvertida, por força do princípio da estabilidade da instância, uma vez ocorrida a citação do demandado, em homenagem aos enunciados princípios do dispositivo e do contraditório, esses contornos não admitem alterações, salvas as exceções consagradas na lei (art.268.º do CPC, atual art.º 260º do NCPC).
3.2.4.Resulta do que se vem dizendo que sobre o demandante ( a Autora) impende o ónus de, na petição inicial, delimitar subjetiva e objetivamente a relação jurídica controvertida que submete (e pretende submeter) à apreciação e à decisão do tribunal, delimitando os limites fácticos e jurídicos (causa de pedir) dentro dos quais o tribunal fica legitimado a mover-se tendo em vista reconhecer-lhe o pedido que formula e dentro do qual o demandado se terá de defender, sob pena de a decisão que vier a proferir quanto a esse litigio ser nula, seja por omissão de pronúncia ou por excesso de pronúncia, seja por condenação ultra petitum- artigos 660.º, n.º2, 661.º, n.º2 e 668.º, n.º1, als. d) e e) do CPC aplicável aos autos (arts. 608º, n.º 2, 609º, n.º 2, 615º, n.º 1, als. d) e e) do NCPC).
A definição legal de pedido extrai-se do n.º 3 do art.º 498 ( n.º 3 do art. 581º do NCPC), tratando-se do efeito jurídico que o demandante (autor) pretende obter.
No dizer de Teixeira de Sousa, o pedido consiste na forma de tutela jurídica que é requerida para determinada situação subjetiva, tratando-se da pretensão de tutela jurídica que o demandante pretende obter com fundamento na situação jurídica que alega (causa de pedir), ou dito por outras palavras, “o pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor (o reconhecimento judicial da sua propriedade pretendido pelo autor; a entrega ou restituição dessa coisa; a condenação do réu numa pretensão de certo montante; etc.)”.
Por sua vez, a causa de pedir é o facto jurídico, simples ou complexo, do qual o demandante faz dimanar a sua pretensão de tutela judiciária, isto é, o pedido – n.º 4 do art. 498.º do CPC -, tratando-se, portanto, da “fonte” de que dimana o direito que aquele pretende fazer valer em juízo e que elegeu para ancorar esse pedido. A causa de pedir é assim integrada pelo ato ou facto jurídico eleito pelo autor para sustentar a sua pretensão de tutela judiciária.
Esse ato ou facto jurídico tem de ser idóneo a condicionar ou a produzir o efeito jurídico que o pedido encerra e daí que a causa de pedir tenha de ser integrada pelos factos essenciais de cuja verificação depende a procedência da pretensão deduzida, uma vez que é na causa de pedir, melhor dito, nos atos ou factos que a constituem e que o autor terá de alegar, na petição inicial, que este estriba ou sustenta o pedido formulado.
Destarte, conforme escreve Paulo Pimenta parafraseando Lebre de Freitas, a causa de pedir é integrada por todos os factos “que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido”, concluindo: “A causa de pedir tem, pois, um substrato fáctico cuja alegação compete ao autor, de modo a fundamentar a sua pretensão. É muito por isso que usa falar-se em narração: o autor deverá expor (narrar) o quadro factual atinente ao tipo legal de que pretende prevalecer-se na ação instaurada. Tal narração fáctica envolverá a alegação, por exemplo, dos concretos factos relativos à celebração do negócio de compra e venda por via do qual o autor ficou credor do preço sobre o réu, os relativos à ocorrência de um acidente de viação e respetivas consequências e à responsabilidade daí decorrente (…). Será por via desses factos, isto é, pela demonstração desses factos em juízo, que o autor poderá vir a alcançar a tutela jurisdicional desejada. É da correspondência entre o quadro factual assim apurado nos autos e o quadro fáctico previsto numa ou mais normas substantivas que resultará o reconhecimento do direito invocado. Isso ocorrerá na sentença, fixando esta em concreto os efeitos inerentes a tal reconhecimento, nos limites do peticionado”.
Note-se que no ordenamento jurídico nacional vigora o princípio da substanciação da causa de pedir, nos termos da qual não basta ao demandante indicar a causa genérica do direito que pretende fazer valer em juízo e de onde faz derivar a pretensão de tutela judiciária que deduz (pedido), mas antes reclama-se que o mesmo, logo na petição inicial, enuncie a causa específica em que faz ancorar o pedido. Assim, o autor tem o ónus de alegar, logo na petição inicial, de forma substanciada os concretos os factos que integram a causa de pedir.
Reafirma-se, o pedido e a causa de pedir não só conformam e modelam o objeto do processo, como condicionam e delimitam o âmbito do direito do réu ao contraditório, não podendo este ser condenado em pedido ou em causa de pedir diversos dos alegados pelo autor na petição inicial e em relação ao que não teve, consequentemente, oportunidade de se defender, como condicionam toda a atividade instrutória (probatória) do tribunal e a decisão de mérito a ser por ele proferida, que será nula quando nela o tribunal não conheça de todas as questões que lhe foram submetidas pelas partes e cujo conhecimento não tenha ficado prejudicado pelo conhecimento de questão anterior (omissão de pronúncia) ou quando conheça de questão não suscitada pelas partes e de que não lhe seja lícito conhecer oficiosamente (excesso de pronúncia) ou quando condene em pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do que fora formulado pelo autor (condenatio ultra petitum).
Por sua vez, visando o demandado opor exceções dilatórias (que impeçam o tribunal de conhecer do mérito da causa e que, por isso, implicam a absolvição deste da instância ou a remessa do processo para outro tribunal – n.º 1 do art.º 493.º CPC ( art. 576º do NCPC) ou perentórias (que impeçam, modificam ou façam extinguir o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor – n.º 3 daquele art. 493º), sobre ele impende o ónus da alegação, na contestação, dos factos essenciais em que se baseiam essas exceções- artigos 264.º e 488.º do CPC ( arts. 5º, n.º 1 e 572º, al. c) do NCPC).
No domínio do CPC aplicável à situação em juízo, entendia-se que o ónus de substanciação que impendia sobre o demandante em sede de petição inicial abrangia não só os factos essenciais, como também os complementares ou concretizadores e, bem assim, os instrumentais, isto é, aqueles que exerciam no processo uma função puramente probatória, servindo para indiciar a verificação dos factos essenciais e/ou dos complementares.
Na sequência da revisão operada pela referida Lei n.º 41/2013, que mitigou o princípio do dispositivo, consagrando no quadro do direito processual civil nacional, no dizer de Teixeira de Sousa, uma “conceção deflacionista de causa de pedir”, correspondente ao princípio da individualização aperfeiçoado, com o desiderato já enunciado de privilegiar sentenças de mérito em detrimento das de forma, o demandante passou a ter apenas o ónus de alegar, na petição inicial, os factos essenciais que constituem a causa de pedir que elegeu para ancorar o pedido, assim, como o demandado, em sede de contestação, apenas tem o ónus de alegar os factos essenciais das exceções que deduza contra o direito que o demandante pretende exercer contra si (arts. 5º, n.º 1, 552º, n.º 1, al. d) e 572º, al. c) do CPC).
Note-se que, sendo aplicável aos autos o CPC na versão de 1961, a Autora podia ainda ampliar a causa de pedir na replica.

3.2.5. Não obstante, agora como então, os factos essenciais têm de ser alegados pelas partes sob pena de, posteriormente, o tribunal os não poder considerar como provados ou não provados na decisão que venha a proferir, ainda que, na sequência da instrução da causa, venha a ser produzida prova quanto aos mesmos e aqueles, em função dessa prova, devam merecer resposta positiva.
Em síntese, é às partes que cumpre alegar os factos essenciais que integram a causa de pedir ou que fundamentam a exceção (artº 264 nº 1 do CPC de 1961, e 5 nº 1 do NCPC). No tocante aos factos essenciais vale, por inteiro, o princípio da disponibilidade objetiva: o tribunal não os pode considerar se não foram alegados pelas partes.
Aqui chegados, assente que está que no domínio do CPC vigente á data dos factos e bem assim do atualmente vigente, o autor tem e continua a ter, como decorrência do princípio do dispositivo, o ónus de delimitar subjetiva (sujeitos) e objetivamente (pedido e causa de pedir) a relação jurídica controvertida que submete à apreciação do tribunal, cumprindo-lhe, por conseguinte, na petição inicial, identificar os sujeitos dessa relação, bem como a pretensão judiciária que pretende que lhe seja reconhecida pelo tribunal contra o aí réu (pedido) e, bem assim, alegar, individualizando-a, a causa de pedir, mediante a alegação dos respetivos factos essenciais em que ancora esse pedido, incumbe precisar que para além dos identificados ónus serem decorrência do identificado princípio do dispositivo, os mesmos são igualmente consequência de um outro princípio nuclear, fundamental e estruturante que informa o processo civil, que é o princípio do contraditório.

O princípio do contraditório, na sua dimensão tradicional, que mantém a sua vigência atual (art. 3º, n.º 1 do CPC), significa que o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que o autor lhe submete e que identifica e delimita na petição inicial sem que a pessoa por ele demandada (o réu) seja devidamente chamada a esse processo (o que se alcança pela citação) para que o último se defenda – dimensão negativa do princípio do contraditório -,e que, atualmente, tem também uma dimensão mais ampla, a saber: a sua dimensão positiva.
Nessa dimensão positiva proíbe-se ao tribunal a prolação de decisões surpresa, ainda que essa decisão incida sobre questão que seja do conhecimento oficioso do tribunal.
Com efeito, concebendo o legislador o atual processo civil como “comunidade de trabalho”, em que o princípio da cooperação obriga magistrados, mandatários e partes a cooperarem entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (art. 7º, n.º 1 do CPC), responsabilizando todos pelos resultados alcançados no processo Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pag. 62., o princípio do contraditório não se compadece apenas com a sua dimensão negativa de mera salvaguarda do direito de defesa do réu em relação às pretensões que contra ele são deduzidas pelo autor, com fundamento em determinada causa de pedir, mas antes reclama que seja reconhecido àquele (assim como ao autor) o direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e pelo tribunal, ainda que a coberto de se tratar de questão que cumpre ao último conhecer oficiosamente, e a tomar sobre elas posição, ou seja, um direito de resposta, de molde a possibilitar que aquele possa influenciar essa decisão que venha a ser tomada pelo tribunal a propósito dessa concreta questão Teixeira de Sousa, ob. cit., págs. 46 a 48..
Aqui atua a dimensão positiva do princípio do contraditório, em que o assento tónico deixa de ser a “defesa” para passar a ser a “influência” (vertente esta consagrada no n.º 3 do art. 3º do atual CPC), posto que só assim o processo assumirá uma real dimensão de “comunidade de trabalho” e se salvaguardará o princípio da igualdade substancial das partes estabelecido no art. 4º do CPC, de que o princípio do contraditório é decorrência.
Avançando.

3.2.6.Enunciados que estão os ónus alegatórios que impendem sobre o autor em sede de petição inicial, nomeadamente, quanto ao ónus de individualização da relação jurídica controvertida por ele delineada, em que aquele tem de, em sede de petição inicial, individualizar subjetiva (sujeitos) e objetivamente (pedido e causa de pedir) essa relação jurídica que submete à apreciação do tribunal, e expostas que estão as consequências jurídicas que decorrem do incumprimento desses ónus e as razões que subjazem à imposição destes e das consequências jurídicas decorrentes do respetivo incumprimento, abeirando-nos agora do ponto decisivo que subjaz ao inconformismo do Apelante em relação à decisão recorrida, importa verificar se ocorreu ou não a invocada violação dos princípios do dispositivo e do contraditório.
Quanto ao tribunal, este apenas pode conhecer da concreta relação jurídica material que lhe foi submetida pelas partes, o que implica que apenas poderá decidir das “questões” que estas lhe submeteram, incorrendo em nulidade por omissão de pronúncia quando não conheça de todas essas questões, ou seja, de todos os pontos fáctico-jurídicos nucleares, essenciais ou estruturantes da relação jurídica que as partes submeteram à sua apreciação, atentos os sujeitos, de todos os pedidos e todas as causas de pedir invocadas pelo autor e de todas as exceções aduzidas pelo réu ou das contra exceções aduzidas pelo autor às exceções invocadas pelo réu, salvo se a apreciação dessas questões tiver ficado prejudicada pela apreciação e a decisão que tomou em relação a uma outra questão, e incorrendo em nulidade por excesso de pronúncia quando aprecie questão que não lhe tenha sido submetida pelas partes e de que não lhe era lícito conhecer oficiosamente (arts. 608º, n.º 2, 609º e 615º, n.º 1, al. d) do CPC).

3.2.7.Decorrência do enunciado ónus alegatório que impende sobre as partes e da consequente vinculação ao thema decidendum por estas fixado ao tribunal e, a que este se encontra subordinado, precise-se que em sede de julgamento da matéria de facto, na sentença, o tribunal apenas pode considerar provados ou não provados os factos essenciais que constituem a causa de pedir e que tenham sido alegados pelo autor em sede de petição inicial e, bem assim, os factos essenciais em que se baseiam as exceções invocadas pelo réu na contestação, desde que estes resultem da instrução da causa (art. 5º, n.º 2, al. a) do CPC).
“A esse poder de disposição quanto aos factos da causa, corresponde um limite do julgamento: o juiz não pode utilizar factos que as partes não tragam ao processo (artº 664 do CPC de 1961 e 5 nº 1 do CPC em vigor). Correspondentemente, o decisor da matéria de facto não pode pronunciar-se sobre facto que as partes não tenham alegado. Caso o faça, essa resposta - de harmonia com o CPC de 1961, vigente ao tempo do proferimento da decisão impugnada – deveria mesmo considerar-se não escrita, portanto, inexistente (art.º 646 nº 4, por interpretação extensiva)[5].
Seja qual for, em definitivo, a solução exata para o problema das respostas restritivas – i.e., que declaram provado menos do que o alegado – e explicativas – i.e., que julgam provada a causa do facto declarado assente – no tocante às respostas excessivas ou exorbitantes, a única doutrina admissível – à luz do CPC vigente ao tempo do proferimento da decisão impugnada - é a de as ter por não escritas, e, logo, por inexistentes[6]. O tribunal da audiência só pode conhecer da matéria de facto abrangida pelos pontos insertos na base instrutória, ou na sua falta, alegados nos articulados, e não pode responder ao que lhe não foi perguntado. Em boa lógica, impõe-se que não se tomem em consideração, pelo menos, as respostas exorbitantes, isto é, as respostas que excedam ou ultrapassem os factos compreendidos nos quesitos ou na alegação. “
3.2.8. No caso, importa verificar se compulsada a p.i. e a réplica, de entre os factos alegados pela Autora como causa de pedir da pretensão indemnizatória que formula contra o Réu, é possível identificar a alegação dos factos que o tribunal a quo deu como provados.
Na petição inicial, a autora alegou, para além do mais, que após o início dos trabalhos surgiram várias vicissitudes que determinaram a elaboração do plano de trabalhos definitivo, prevendo a conclusão dos trabalhos para 30 de Agosto de 2007” (ponto 4 da p.i.); que “Desde o começo dos trabalhos, foram surgindo divergências entre a Fiscalização da Obra, como representante legal do Réu, e a Autora…Nomeadamente, quanto ao encargo referente à instalação do estaleiro ( artigo 24.º/3 do RJEOP), ao valor dos trabalhos a mais e à necessidade de remoção de obstáculo para realização da obra a partir do terreno vizinho” ( pontos 5 e 6 da p.i.); que não obstante “ A autora foi executando os trabalhos possíveis, situação que se manteve até finais de Novembro de 2006” (ponto 7 da p.i).
Na replica, veio a Autora alegar que “ A rescisão do contrato de empreitada por parte da Autora é um direito que lhe assiste” e “…contrariamente ao alegado pelo Réu, deve-se unicamente a razões a este imputáveis- a falta de fornecimento de elementos técnicos indispensáveis ao prosseguimento e conclusão dos trabalhos, a saber: implantação da obra no terreno, aterros, muro de betão armado, remoção do beiral pertencente ao vizinho e execução da viga V 16 – doc. n.º1 referido na p.i.-“ – pontos 16.º e 17.º da réplica.
Consentaneamente, desses factos essenciais alegados pela Autora e integrativos da causa de pedir, em que a mesma suportou a sua pretensão – pedido – foi elaborado o ponto 1 da B.I. em que se questiona se « Desde o começo dos trabalhos foram surgindo divergências entre a fiscalização da obra, como representante legal do Réu, e a Autora, nomeadamente, quanto ao encargo referente à instalação do estaleiro ( art.º 24.º do RJEOP) ao valor dos trabalhos a mais e à necessidade de remoção de obstáculo para realização da obra a partir do terreno vizinho?».
3.2.9. O Apelante, invoca que foram violados os princípios do dispositivo e do contraditório por na decisão recorrida a Meritíssima Juiz a quo ter sustentado a condenação do Réu na impossibilidade da Autora continuar a obra por não estar resolvido o problema da implantação da obra (sem abranger terreno alheio), quando tal facto nuclear/essencial à produção do efeito jurídico/pretensão da Autora, nunca foi alegado, nem na p.i., nem na réplica, nem levado à base Instrutória, considerando que, por isso, o tribunal a quo não poderia basear-se nessa factualidade para, apenas, com base nela, dar procedência ao pedido: rescisão do contrato pelo empreiteiro por incumprimento do dono da obra, com as consequências daí inerentes ( vide conclusões C) a G)).
Na ótica do Apelante, não podia o Tribunal a quo, na matéria de facto que deu como provada, mesmo que de forma abstrata, assentar que a Autora se encontrava impossibilitada de prosseguir os trabalhos pela falta de solução quanto ao obstáculo do terreno do vizinho, sem que esse obstáculo estivesse especificado, de modo a saber-se que obstáculo ou obstáculos eram esses, sendo que em toda a lide o que transpareceu era a ocupação/serventia temporária do terreno do vizinho para execução dos trabalhos da empreitada e não a questão de a obra abranger terreno do vizinho para a implantação da obra.
Será assim?
3.2.10. Na decisão recorrida o Tribunal a quo deu como assente, para o que ora releva, a seguinte factualidade:
«21. Em 12.01.2007, o Réu não tinha resolvido a questão do obstáculo existente em virtude da obra estar prevista em parte no terreno do vizinho;
22. A Autora encontrava-se impossibilitada de prosseguir os trabalhos pela falta de solução quanto ao obstáculo do terreno do vizinho;
23. Essa falta determinou um abrandamento do ritmo de execução e atualmente a total paralisação da obra;
31. Havia obstáculo para a realização da obra a partir do terreno do vizinho, mormente porque a obra estava prevista em parte no terreno dos vizinhos (do vizinho J.M.F. – construção de escada de emergência e da parede do anfiteatro; de outro vizinho – necessidade de destruição de um beiral);
34. A empreiteira não podia realizar o projeto por impedimento por parte do vizinho»
*
3.2.11.Considerando o que vem alegado pela Autora, quer na p.i., quer em sede de replica, não se pode afirmar que os factos dados como assentes pelo Tribunal a quo, nos pontos supra transcritos do probatório, não estivessem, de todo, de alguma contidos na alegação dos pontos 4 a 6 da p.i. e 17.º da réplica, quando aí alegou que após o início dos trabalhos surgiram várias vicissitudes que determinaram a elaboração do plano de trabalhos definitivo, que desde o começo dos trabalhos foram surgindo divergências entre a fiscalização da obra, como representante do Réu, e a Autora, referentes ao encargo relativo à instalação do estaleiro, ao valor dos trabalhos a mais e à necessidade de remoção de obstáculo para a realização da obra a partir do terreno vizinho, que a rescisão do contrato por parte da autora se ficou a dever à falta de fornecimento de elementos técnicos, indispensáveis, ao prosseguimento e conclusão dos trabalhos relativos à implantação da obra no terreno, realização de aterros, construção de muro de betão armado, remoção do beiral pertencente ao vizinho e execução da viga V16 ( art.º 17.º da replica).
Porém, é inegável que a Autora, na sua alegação, com exceção para a questão do beiral, não cuidou de concretizar os específicos obstáculos que acabaram por ser dados como provados pelo Tribunal a quo, não tendo aí identificado, como se lhe impunha, os concretos elementos técnicos indispensáveis que estavam em falta, sequer indicou quais os concretos aterros, muro de betão, e para além do beiral ( que concretizou) que problemas estavam a ser colocados relativamente à implantação da obra, que vizinhos estavam a levantar problemas, porque podiam ser vários, quais eram esses concretos problemas e em que medida impediam o prosseguimento dos trabalhos que estava incumbida de executar como obrigação contratual que assumira.
Refira-se que essa falta de concretização de factos essenciais impedia o Tribunal a quo de os ter concretizado mesmo nos termos em que o fez nas respostas que deu e que se encontram lavradas nos pontos 21, 22, 23, 31 e 34, com exceção da questão do beiral, sob pena de violação dos princípios do dispositivo e do contraditório, até porque, no limite, poderia estar a concretizar factos que a Apelada não tinha em vista aquando daquela alegação genérica e não concretizada da causa de pedir que verteu na p.i. e na réplica, onde, de acordo com o regime processual então vigente aquela podia ampliar, quer o pedido quer a causa de pedir.
É certo, que ouvida toda a prova produzida na audiência de discussão e julgamento, verificamos que todo o julgamento incidiu sobre os factos que acabaram por ser dados como provados pelo Tribunal a quo, pelo que, dúvidas não existem de que os factos em causa são factos essenciais à pretensão da Autora que, como tal, careciam de ter sido devidamente alegados na petição inicial.
Não o tendo sido, também do ponto de vista do princípio do contraditório, se afirma a sua violação, uma vez que face a tal alegação da Autora, na verdade, o Apelante desconhecia, com a plenitude que foi dada como provada, a que concretos factos, a mesma se referia.
3.2.11. Claro que na base de toda esta situação está, manifestamente, a circunstância do Tribunal a quo não ter feito uso da faculdade, em sede de pré-saneador ou na audiência prévia, de convidar a Autora a suprir as insuficiências da facticidade que alegou mediante a concretização dos específicos fundamentos a que se pretendia referir com aquela alegação vertida nos pontos 4 a 6 da p.i., indicando quais eram esses concretos obstáculos a que aludia como impeditivos da execução da obra, nomeadamente, indicando que problemas de implantação da obra concursada surgiram, quando surgiram, com quem ( quem eram os vizinhos que levantaram problemas), em que medida esses problemas impediam a continuação dos trabalhos, etc…
Embora no domínio da atual lei processual civil o convite ao aperfeiçoamento não seja uma faculdade que assista ao Tribunal mas um poder dever e, como tal, um ónus que se lhe impõe, à data em que aquele convite podia ter sido formulado, tratava-se de uma mera faculdade do tribunal, como tal prevista no art.º 508.º, n.º3 do CPC, pelo que a sua omissão não correspondia a uma nulidade, sendo insuscetível de censura em recurso. Cfr.Ac. STJ, de 27.11.2007, proc.070A3918;
Considerando a lei processual aplicável, ao omitir aquele convite ao aperfeiçoamento, pese embora tal omissão fosse suscetível de influir no exame e na decisão da causa, conforme, aliás, influiu porquanto o Tribunal a quo se viu necessitado de levar aos factos assentes, em face da prova que foi produzida em audiência de julgamento e considerando a pretensão da autora, alguns dos factos constitutivos do seu direito, acabando o mesmo por concretizar alguns dos factos essenciais integrativos da causa de pedir, em violação dos princípios do dispositivo e do contraditório, não tem como consequência a anulação de todo o processado desde que a nulidade foi cometida, ou seja, incluindo nesta anulação o despacho saneador, com a consequente remessa dos autos à 1.ª instância para que seja formulado convite à Autora destinado a suprir as apontadas insuficiências fáticas de que padece a causa de pedir por si invocada, seguindo-se os ulteriores termos do processado.
Ao invés, a consequência será antes a de se considerar como não escritas as respostas dadas pelo tribunal a quo que extravasam os factos alegados pela autora na p.i. e na replica.
Logo, nos seguintes pontos da matéria de facto assente deve passar a constar o que ora se fixa:
«21. Em 12.01.2007, o Réu não tinha resolvido a questão do obstáculo existente em virtude da obra estar prevista em parte no terreno do vizinho;
22. A Autora encontrava-se impossibilitada de prosseguir os trabalhos pela falta de solução quanto ao obstáculo do terreno do vizinho;
23. Essa falta determinou um abrandamento do ritmo de execução e atualmente a total paralisação da obra;
31. Havia obstáculo para a realização da obra a partir do terreno do vizinho, porque a obra estava prevista em parte no terreno do vizinho em que havia a necessidade de destruição de um beiral;
34. A empreiteira não podia realizar o projeto por impedimento decorrente do referido em 31.»

Termos em que se conclui pela parcial procedência dos apontados fundamentos de recurso.
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3.3. Do Erro de Julgamento Sobre a Matéria de Facto.
3.3.1. O Apelante assaca à decisão recorrida erro de julgamento sobre a matéria de facto por a decisão recorrida ter dado como provados os factos lavrados nos itens 21, 34, 22, 23 e 31 do probatório que devem ser dados como não provados. E, por ter dado como não provados os factos dos itens 5, 6 e 23 base instrutória, que devem ser dados como provados.
3.3.2. Nos pontos 21, 22, 23, 31 e 34 dos factos assentes o Tribunal a quo deu como provada a seguinte facticidade:
«21. Em 12.01.2007, o Réu não tinha resolvido a questão do obstáculo existente em virtude da obra estar prevista em parte no terreno do vizinho;
22. A Autora encontrava-se impossibilitada de prosseguir os trabalhos pela falta de solução quanto ao obstáculo do terreno do vizinho;
23. Essa falta determinou um abrandamento do ritmo de execução e atualmente a total paralisação da obra;
31. Havia obstáculo para a realização da obra a partir do terreno do vizinho, porque a obra estava prevista em parte no terreno do vizinho (do vizinho J.M.F.- construção de escada de emergência e das paredes do anfiteatro; de outro vizinho- necessidade de destruição de um beiral).
34. A empreiteira não podia realizar o projeto por impedimento por parte do vizinho».
3.3.3.Na sequência da impugnação do julgamento sobre a matéria de facto ouvimos a prova testemunhal que foi produzida em audiência final e depois de considerar, quer a motivação apresentada pelo Tribunal de 1.ª instância, quer as razões em que o Apelante se baseia para questionar esse julgamento, para além da correção que supra efetuamos aos pontos 34 e 31, por violação dos princípios do dispositivo e do contraditório, não ocorrem razões que justifiquem a alteração do julgamento sobre os factos que foi realizado pela 1.ª instância.
Na verdade, como evidencia a Meritíssima juiz a quo e comprovamos através da audição integral da prova testemunhal, a prova testemunhal indicada pela Autora revelou-se credível, tendo as testemunhas que foram ouvidas prestado depoimentos coerentes, e que foram relevantes « quanto à questão do estaleiro, da existência de trabalhos a mais …e ao litigio com o vizinho J.M.F.; quanto à existência de diversos planos de trabalhos; também quanto à necessidade de parar com a obra, atenta a impossibilidade de implantar a obra tal como estava prevista em virtude de ocupar terreno do vizinho J.M.F. e à falta de solução atempada por parte do Réu».
Salienta-se, particularmente, os depoimentos prestados pelas testemunhas:
- J.T., que trabalhava para a C. e foi diretor de obra, que confirmou que a obra arrancou em março de 2006, altura em que verificaram que havia várias situações que não estavam previstas, as quais identificaram e enviaram para a Câmara, entre as quais se incluía a questão do estaleiro; referiu que a obra de construção do Museu do Azeite e da Oliveira era para implantar no terreno de uma antiga moagem, onde havia um edifício para demolir, a cuja demolição procederam; que foram confrontados com vários impedimentos à boa execução da obra, como o facto da rede de saneamento estar dentro da obra, das escavações terem de ir a uma profundidade superior à que estava prevista nas peças do procedimento; a construção da saída de emergência que estava prevista foi impedida pelo prof. Felgueiras por invadir terreno sua propriedade “ que não nos deixou arrancar com o trabalho… ficamos com a obra parada…toda a traseira da obra ficou parada…tivemos de inverter toda a filosofia e planeamento da obra….tivemos reunião em obra com os projetistas…disseram que iam arranjar solução mas nunca chegou nenhum projeto alternativo para a saída de emergência… fomos fazendo o trabalho…depois tínhamos de proceder à demolição do beiral do vizinho… parte do auditório nascia em cima do terreno do vizinho…mais uma situação chata….ele não autorizava…assim já estávamos impedidos de trabalhar na traseira e no lado direito…viemos para o lado esquerdo e aparece novamente o prof. Felgueiras a dizer que estávamos a invadir o seu terreno…ficamos sem puder fazer nada…»; disse ainda que « o prof. F. permitiu-nos ter acesso sem qualquer problema»; ele apenas «começou a levantar problemas quando começamos a fazer a saída de emergência…para aí em junho de 2006…aí não nos competia a nós resolver o problema …posteriormente penso que a câmara resolveu o problema pagando aos proprietários…estivemos em obra até ao dia em que podíamos fazer alguma coisa…até ao último prego.
-M.F., encarregado de construção civil, que esteve na obra na parte final, a partir de agosto/setembro de 2006, que confirmou que teve de parar com a obra porque foi impedido por um vizinho que alegava que a obra estava a invadir o seu terreno. Na altura «…estava a betonar um pilar … tive de parar… o vizinho impediu…não fiz mais nada»;
-J.M.F.: Disse que a saída da emergência do Museu, na sua retaguarda, invadia o seu terreno, pelo que embora tenha deixado entrar e passar pelo seu terreno, não deixou que o ocupassem em termos definitivos «…mostraram-me o projeto e eu vi que aquilo invadia o meu terreno…nunca ninguém falou comigo…depois vi uma armação em ferro no meu terreno e liguei para o Eng. J. impedi que enchessem aquilo…o problema só foi resolvido para aí em 2009 ou 2010…para passar deixei, nunca impedi…para ocupar não…quando autorizei foi com contrapartidas».
- e o depoimento de M.J.L, legal representante da autor. Disse que acompanhou a obra do princípio ao fim, e que correu mal desde o início. Disse que não indicaram, por lapso, o preço do estaleiro; que tiveram de fazer escavações com uma profundidade superior à que estava prevista, o que deu lugar a mais trabalho; que a obra não cabia no terreno, obrigando a ir para o terreno de vizinhos, não cabendo no terreno da câmara; a escada de emergência estava prevista sobre terreno que não era da câmara; também havia problemas na parte da frente por causa de um beiral…fomos andando enquanto podemos…em outubro ou novembro de 2006 tivemos de parar…fomos impedido de fazer essa parte da obra…acabaram por pagar o terreno ao vizinho, só assim é que conseguiram avançar com a obra.
Por seu turno, as testemunhas indicadas pelo Réu, prestaram depoimentos pouco consistentes, em que revelaram não se recordarem dos factos e denunciando um contacto com a obra ocasional, tendo o conhecimento que revelaram assentado mais no contacto com os documentos.
Como bem salienta a Senhora Juiz a quo, afirmaram que não havia litigio com o prof. F., quando o próprio assumiu que impediu o avanço da obra e que só autorizou a sua progressão depois de terem negociado consigo as contrapartidas.
Uma tal afirmação, abala a credibilidade dos depoimentos prestados por tais testemunhas, não permitindo dar-lhes o valor probatório necessário para, em consciência, alicerçar a convicção do julgador.
Assim, sem necessidade de mais considerações, mantemos o julgamento efetuado pelo Tribunal de 1.ª instância, que se mostra correto em face da prova produzida com a referida alteração aos pontos 31.º e 34.º dos factos assentes.
3.3.4. Quantos aos factos dados como não provados e que o Apelado reclama que deviam ter sido julgados provados, tendo o Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento ao dar a facticidade inscrita nesses pontos como não provada, deles consta a seguinte facticidade:
- «5- Em 23 de junho de 2006, o Município comunicou à Autora que não havia qualquer fundamento para a suspensão da obra, pelo que deveria prosseguir os trabalhos em conformidade com o projeto adjudicado»,
- «6- Apesar disso, a Autora, desde 14 de Junho de 2006, não reiniciou os trabalhos solicitando, adiando e faltando a reuniões com o dono da obra e por ela solicitadas»;
- «23-O Réu devolveu à CCDRN- Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, o montante de 13.631,90€».
3.3.5. Antes de mais, incumbe precisar que o direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não subsiste a se mas antes tem caráter instrumental face à decisão de mérito.
Significa isto que por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processuais, o tribunal ad quem deve abster-se de reapreciar a matéria de facto quando os factos concretos objeto da impugnação forem insuscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às várias soluções plausíveis de direito, nenhuma relevância jurídica assumirem, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente. Logo, o princípio da limitação dos atos consagrado no art.º 130º do CPC, deve ser observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto quando a análise da situação concreta evidenciar, ponderando todas as soluções plausíveis da questão de direito que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projeta na decisão de mérito a proferir. 20 Acs. STJ de 17/05/2017, Proc. 4111/13.4TBBRG; RG. de 18/12/2017, Proc. 730/16.5T8GMR.G1; de 18/12/2017, Proc. 3892/16.8TBRG.G1; de 09/04/2015, Proc. 4649/11-8TBBRG.G1; RP. de 07/05/2012, Proc. 2317/09.0TBVLG.P1; RC. de 24/02/2012, Proc. 219/10.6T2VGS.C1; 27/05/2014, Proc.104/12.0T2AVR.C1, todos in base de dados da DGSI.
No caso, independentemente da sorte que viesse a ter a impugnação da matéria de facto vertida nos pontos 5º, 6.º e 23º dos factos julgados como não provados na sentença recorrida, perante a precedente decisão sobre a matéria de facto vertida nos pontos 21, 22, 23, 31 e 34 dos factos julgados provados nessa mesma sentença, tendo presente as várias soluções plausíveis de direito aplicáveis ao caso, nenhuma utilidade teria aquela apreciação.
É que, ante a improcedência da impugnação apresentada pelo Apelante em relação ao erro de julgamento assacado aos pontos 21,22,23,31 e 34, cuja facticidade pretendia ver julgada como não provada e a preservação, no essencial, da matéria de facto dada como assente nesses itens, com ressalva apenas para a resposta dada aos pontos 34.º e 31.º, independentemente da sorte que viesse a ter a impugnação daquela outra factualidade, a sorte da presente ação encontra-se, em definitivo, traçada.

Termos em que, por falta de utilidade para a decisão de mérito a proferir, rejeita-se o recurso de impugnação da matéria de facto apresentado pela apelante quanto aos pontos 5º, 6.º e 23.º dos factos dados como não provados pela sentença.
8º, 9º, 10º e 18º dos factos julgados como provados na sentença recorrida.
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3.4. Do Erro de Julgamento Sobre o Mérito da Decisão Recorrida
3.4.1. Introduzidas as alterações acima enunciadas aos pontos 31.º e 34.º dos factos julgados como provados na sentença recorrida, impõe-se verificar se a sentença recorrida se pode manter ou se antes, tal como postula o Apelante, se impõe a sua revogação.

Considerando a matéria de facto dada como provada, a alteração da matéria de facto lavrada nos itens 31.º e 34.º adianta-se que tal não tem como consequência a alteração da decisão da causa, por não influir de forma determinante no mérito da decisão proferida.
Vejamos.
3.4.2. O Apelante pretende ver revogada a decisão recorrida por em seu entender ser ao comportamento ilícito e culposo da Autora, empreiteira da obra, que deverá imputar-se a responsabilidade pela não execução da obra, e pelos danos provocados ao Réu com tal comportamento, que se apuraram em 34.085,69€.
3.4.3. Insurge-se ainda contra os juros arbitrados pela decisão recorrida, sustentando que que foram peticionados juros à taxa legal, sendo certo que desde setembro de 2007 não existe qualquer taxa de 9,01%.
3.4.4. Sustenta que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 762.º, 768.º e 559.º do C. Civil , artigos 159.º, 189.º, 234.º e 238.º do D.L. 59/99, de 02.03 e a Portaria n.º 291/2003, de 08/04.
3.4.5.A impugnação da decisão de mérito proferida pelo Tribunal a quo por parte do Apelante, assentava na procedência do erro de julgamento que o mesmo assacou à decisão sobre a matéria de facto.
Conforme resulta da decisão sob recurso, a mesma assentou a condenação parcial do Réu no pedido indemnizatório formulado pela Autora por se ter julgado que a paragem da obra de construção do Museu da Oliveira e do Azeite se ficou a dever ao comportamento do Réu/Apelante, que não cuidou de resolver atempadamente os problemas com a implantação daquela obra no terreno, removendo os obstáculos criados pelos vizinhos que impediram a autora de, a partir de novembro de 2006, continuar em obra.
É certo que, em consequência da alteração aos pontos 31.º e 34.º da matéria de facto provada este Tribunal ad quem eliminou a concretização que no ponto 34.º se fazia ao obstáculo traduzido pela construção da escada de emergência e da parede do anfiteatro colocada pelo vizinho J.M.F. por se tratar de factos essenciais que não foram alegados dessa forma concreta pela Autora e cuja resposta entendemos consubstanciar violação dos princípios do dispositivo e do contraditório mas manteve incólume a prova do obstáculo traduzida pela necessidade de remoção do beiral para implantação da obra e pela existência de obstáculos à implantação da obra.
Quanto á demais matéria, a mesma foi alegada e manteve-se o julgamento efetuado pela 1.ª instância, resultando ainda provado que «Os problemas com o vizinho (Professor F.) foram resolvidos em dezembro de 2008», facto este que não foi impugnado pelo Réu.
Ou seja, daqui resulta, como seguro, que havia problemas com aquele vizinho e que esses problemas foram posteriormente resolvidos, tendo-se também provado, que esses problemas eram um obstáculo à execução da obra.
Mais se provou que havia problemas com um outro vizinho por causa do beiral, cuja demolição era necessária para a implantação da obra conforme o projeto, situação que não foi oportunamente resolvida pelo Apelante.

3.4.6. Isto dito, vejamos agora o que foi decidido pela 1.ª instância, em cuja sentença pode ler-se o seguinte: « (…) In casu, atenta a data dos factos é aplicável o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP) – Lei 59/99, de 2 de março.
(…)
Da matéria de facto provada resultou que, na verdade, houve incumprimento contratual, que levou na prática a uma cessação material do vínculo que ligava Autora e Réu.
E na origem desse incumprimento esteve a circunstância de haver questões pendentes com os proprietários dos prédios confinantes com o da obra a realizar, que o Réu não resolveu atempadamente. Veja-se que, como resulta do facto 31 supra, do lado do vizinho J.M.F. tinha que se resolver a construção de escada de emergência e a construção da parede do anfiteatro e do lado do outro vizinho havia a necessidade de destruição de um beiral.
Ora, como resultou da prova produzida e se levou também à matéria de facto assente, o problema da construção abranger parte do terreno do vizinho J.M.F. só veio a ser resolvido em dezembro de 2008, o que permite concluir que durante todo o tempo que a Autora esteve em obra (que terá sido até final de 2006 – sem se precisar o dia e o mês) não houve solução para tal.
Dos diversos depoimentos prestados também foi possível concluir que a Autora esteve em obra enquanto lhe foi possível construir, sendo que o impedimento por parte do vizinho era determinante da continuação da atividade contratada. Ou seja, enquanto tal não fosse resolvido, a obra não podia continuar (factos 22 e 23 supra dados como assentes).
No mais invocado pela Autora, mormente as questões com o estaleiro e as demais situações invocadas na carta levada à matéria de facto assente sob o ponto 10 (aterros, muro em betão armado, viga v16) não resultou da prova produzida que tal fosse determinante da continuação da obra. Mais, a questão dos trabalhos a mais também não se revelava impeditiva, tanto que a obra era em regime de série de preços, o que permitia que à medida que fosse sendo realizada, houvesse acerto nos preços devidos.
Daí que o incumprimento contratual ocorrido apenas teve como origem a impossibilidade de continuar a obra por não estar resolvido o problema da implantação da obra (sem abranger terreno alheio) e tal apenas foi provocado pelo Réu, sendo a este imputável.
Em consequência, os eventuais gastos que o Réu terá tido que efetuar com a abertura do novo concurso, nova adjudicação e com o atraso da abertura do museu (como alega no incidente de liquidação deduzido) não poderiam de modo algum ser imputados à Autora. É que esta falhou no cumprimento por facto da responsabilidade do Réu e não por não ter querido cumprir como veio invocado.
Subsumindo esta matéria de facto à legislação aplicável, importam os seguintes dispositivos do RJEOP:
Artigo 189.º
Rescisão em caso de suspensão
1 - O dono da obra tem direito de rescindir o contrato se a suspensão pelo empreiteiro não houver respeitado o disposto no artigo 185.º
2 - O empreiteiro tem o direito de rescindir o contrato se a suspensão for determinada ou se mantiver:
a) Por período superior a um quinto do prazo estabelecido para a execução da empreitada, quando resulte de caso de força maior;
b) Por período superior a um décimo do mesmo prazo, quando resulte de facto não imputável ao empreiteiro e que não constitua caso de força maior.
3 - Verificando-se a hipótese prevista na alínea a) do número anterior, a indemnização a pagar ao empreiteiro limitar-se-á aos danos emergentes.
4 - Quando não se opere a rescisão, quer por não se completarem os prazos estabelecidos no n.º 2, quer por a não requerer o empreiteiro, terá este direito a ser indemnizado dos danos emergentes, bem como, se a suspensão não resultar de caso de força maior, dos lucros cessantes.
[…]
Artigo 234.º
Efeitos da rescisão
1 - Nos casos de rescisão por conveniência do dono da obra ou pelo exercício de direito do empreiteiro, será este indemnizado dos danos emergentes e dos lucros cessantes que em consequência sofra.
2 - Se o empreiteiro o preferir, poderá, em vez de aguardar a liquidação das perdas e danos sofridos, receber como única indemnização a quantia correspondente a 10% da diferença entre o valor dos trabalhos executados e o valor dos trabalhos adjudicados, incluindo a revisão de preços correspondente.
3 - Se a rescisão for decidida pelo dono da obra a título de sanção aplicável por lei ao empreiteiro, este suportará inteiramente as respectivas consequências naturais e legais.
4 - A rescisão não produz, em regra, efeito retroactivo.
5 - A falta de pagamento da indemnização prevista no n.º 2 dentro do prazo de 22 dias contados da data em que o montante se encontre definitivamente apurado confere ao empreiteiro o direito a juros de mora sobre a respectiva importância, nos termos do n.º 1 do artigo 213.º
[…]
Artigo 238.º
Processo de rescisão pelo empreiteiro
1 - Nos casos em que no presente diploma seja reconhecido ao empreiteiro o direito de rescisão do contrato, o exercício desse direito terá lugar mediante requerimento, dirigido ao dono da obra nos 15 dias subsequentes à verificação do facto justificativo do direito, e no qual o pedido fundamentado é instruído com os documentos que possam comprovar as razões invocadas.
2 - Em caso algum poderá o empreiteiro paralisar os trabalhos ou alterar o cumprimento do plano da empreitada em curso, devendo aguardar, para entrega da obra realizada, a resolução do requerimento.
3 - Se o requerimento for indeferido ou decorrerem 15 dias sem resolução, o empreiteiro poderá requerer ao tribunal administrativo do círculo competente que o dono seja notificado a tomar posse da obra e a aceitar a rescisão do contrato.
4 - Recebido o requerimento para efeitos do disposto no número anterior, o qual deverá ser instruído com cópia do requerimento da rescisão da empreitada e dos documentos que o acompanhavam, será imediatamente citado o dono da obra para, no prazo de oito dias, responder o que se lhe oferecer e se a resposta não for dada em tempo, ou contiver oposição ao pedido, o juiz poderá, tomando em consideração a natureza dos prejuízos que da prossecução dos trabalhos possam resultar para o empreiteiro, bem como os que da suspensão possam provir para o interesse público, autorizar a suspensão dos trabalhos pelo empreiteiro.
5 - Autorizada pelo juiz a suspensão dos trabalhos, o empreiteiro fica com direito a retirar da obra as máquinas, veículos, utensílios e materiais não afectos a qualquer garantia, devendo propor a competente acção de rescisão contra o dono da obra dentro do prazo de 66 dias.
Atendendo a que a Autora esteve impedida de executar a sua prestação contratual desde finais de 2006 e que o impedimento cessou apenas em dezembro de 2008, era legítimo à Autora pedir a suspensão dos trabalhos (como fez por via da providência cautelar que foi julgada procedente) e posteriormente pedir a rescisão do contrato por via judicial (o que faz pela presente ação). O alegado abandono da obra, a alegada suspensão de trabalhos e a desmontagem do estaleiro e remoção de materiais sem autorização, ficam supridos pela circunstância de ter sido obtida autorização judicial para a suspensão das obras e pela verificação de impedimento da continuação da obra até dezembro de 2008. Ou seja, tal apenas seria relevante se a Autora não tivesse obtido autorização judicial para paragem de trabalhos e o impedimento tivesse cessado neste entretanto. Como a autorização judicial foi emitida e o impedimento só cessou apenas em dezembro de 2008 tem que se ter por sanada qualquer eventual irregularidade nesta parte.
Assim, a rescisão contratual encontra-se justificada e deve ser determinada, cabendo agora fixar os pagamentos devidos em virtude da mesma.
A Autora pretende o pagamento das despesas que efetuou e que não foram pagas e uma indemnização ao abrigo do artigo 234º, n.ºs 1 e 2 do RJEOP.
Começando já por esta parte, o artigo referido dispõe, na parte invocada pela Autora, que:
1 - Nos casos de rescisão por conveniência do dono da obra ou pelo exercício de direito do empreiteiro, será este indemnizado dos danos emergentes e dos lucros cessantes que em consequência sofra.
2 - Se o empreiteiro o preferir, poderá, em vez de aguardar a liquidação das perdas e danos sofridos, receber como única indemnização a quantia correspondente a 10% da diferença entre o valor dos trabalhos executados e o valor dos trabalhos adjudicados, incluindo a revisão de preços correspondente.
Resultando acima que a Autora, estando em obra apenas produziu 34.684,08€ (facto 35), sendo o valor da adjudicação de 569.873,11€ (facto 5), a indemnização calculada ao abrigo do artigo 234º, n.º 2 do RJEOP (invocado pela Autora) é de 53.518,90€.
Por outro lado, a Autora invoca que tem direito a receber o valor de algumas faturas, sendo que apenas foi reconhecido pelo Réu e resultou da prova efetuada que a Autora tem direito, nesta parte, às faturas sobrantes da conjugação dos factos 15 e 37, num total de (8.266,20€ + 3.618,54€ =) 11.884,74€.
Resulta, ainda, que a Autora pretende o pagamento do valor dos trabalhos a mais.
Nesta parte, resulta admitido pelo Réu – cfr. facto 12 – que estavam em falta trabalhos a mais no valor de 22.669,05€ e trabalhos a menos no valor de 2.857,19€, o que totaliza 19.811,86€, quantia que, face à admissão constante de documento, deve ser paga à Autora.
A Autora peticiona, também, o valor do estaleiro, que não se encontrava previsto no contrato, o valor da revisão de preços, o custo do transporte de materiais que se encontravam em obra e que foram removidos e dos materiais diversos existentes em obra.
Destes valores, o Réu aceitou o valor a título de revisão de preços (98,83€), nada mais resultando da prova produzida.
Os custos de transporte (remoção) de materiais em obra e dos materiais diversos em obra não foram provados, nem por documento, nem por prova testemunhal, pelo que nada tem a Autora a receber neste domínio.
No que concerne ao estaleiro, importa que resultou provado que o seu valor não estava incluído no valor da adjudicação, não estando previsto. Ora, de acordo com o artigo 24º, n.º 2, al. a) do RJEOP:
2 - Constitui, em especial, obrigação do empreiteiro, salvo estipulação em contrário, a execução dos seguintes trabalhos:
a) A montagem, construção, desmontagem, demolição e manutenção do estaleiro;
[…]
3 - Os encargos relativos à montagem, construção, desmontagem e demolição do estaleiro são da responsabilidade do dono da obra e constituirão um preço contratual unitário.
Em anotação a este artigo e depois de uma análise histórica exaustiva, Jorge Andrade Silva, Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, 10ª edição, Almedina, p. 83 e seguintes, conclui que não obstante haja a possibilidade de convencionar que o custo inerente ao estaleiro fique por conta do empreiteiro (derrogando a regra legal), caso nada seja dito, como decorre do n.º 4 tais custos serão suportados pelo dono da obra.
Assim, é obrigação do empreiteiro montar, construir, desmontar, demolir e manter o estaleiro mas não arcar com os custos do mesmo. Na verdade, o empreiteiro tem a obrigação legal de montar o estaleiro, sem o qual não poderá fazer a obra, mas não lhe compete custear tal atividade. Ao não constar dos documentos do concurso sempre poderia suscitar a questão junto do dono da obra, mas do mesmo modo também podia subentender, como parece ter acontecido, que os custos sempre seriam assumidos “extra-orçamento”. Daí que, como se expôs, caiba ao Réu suportar tais custos.
Contudo, da prova produzida, não foi possível apurar o valor do estaleiro. É que apesar de a Autora alegar que o custo do estaleiro foi de 35.786,46€, não o provou e o Réu impugnou tal valor, não se conseguindo determinar concretamente o mesmo. Como decorre do que vem sendo dito, à Autora assiste o direito de ser paga pelo valor que despendeu com a montagem e desmontagem do estaleiro mas não tendo logrado provar o montante de tal não se pode condenar o Réu a pagar uma quantia imprecisa. Pelo que, também, não se condena o Réu nesta parte.
Em suma, e sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se a presente ação parcialmente procedente, determinando-se que houve incumprimento contratual por motivo imputável ao Réu, o que implica o direito de rescisão contratual por parte da Autora (como se determina) e o pagamento das quantias apuradas, nomeadamente a indemnização prevista no artigo 234º, n.º 2 do RJEOP (no valor de 53.518,90€), o pagamento das faturas referidas (no valor total de 11.884,74€), os trabalhos a mais (19.811,86€) e a revisão de preços (98,83€).
Consequentemente, improcede o pedido reconvencional formulado.»

3.4.8. Ora, considerando que a matéria de facto apurada pelo Tribunal de 1.ª instância e na qual o mesmo alicerçou a decisão condenatória que proferiu contra o Réu não sofreu alterações relevantes- as que sofreu não abalam os pressupostos em que assentou a decisão de mérito da sentença sob recurso, que não são de molde a conduzir à sua revogação- faltam razões que a inquinem de erro de julgamento de direito, pela que a decisão recorrida terá de se manter.
Na verdade, em face da factualidade apurada, não restam dúvidas que a apelada se viu impossibilitada, por factos imputáveis ao Apelante, de prosseguir com a execução da obra nos termos e nas condições previstas nas peças do concurso, sendo o Apelante responsável pelos prejuízos considerados ressarcíveis na decisão sob recurso, que subscrevemos,
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3.5. Da Obrigação de Pagamento de Juros Comerciais
3.5.1. Advoga ainda a Apelante que a sentença sob sindicância padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida ao condena-la a pagar juros à taxa de 9,01% sustentando que essa taxa inexiste e que os juros de mora devidos são os civis, os quais se encontram fixados em 4% ao ano.
Vejamos se lhe assiste razão na critica que assaca à sentença sob recurso.
3.5.2. Conforme resulta da taxa de juros aplicada, e bem assim, da causa de pedir que suporta a decisão proferida quanto aos juros, a taxa de juro de mora que foi aplicada na sentença é a taxa de juro comercial.
Importa, assim, verificar se os juros de mora devidos à Apelada são os juros civis conforme é propugnado pela Apelante, se os juros à taxa comercial conforme foi decidido na sentença e resulta do pedido em que a Autora pede que lhe sejam pagos juros á taxa de 9,01% a partir da citação até efetivo reembolso, sem que se olvide que no segundo semestre de 2007, a taxa de juros comercial encontrava-se fixada não em 9,01% mas em 11,07%.
3.5.3. Precise-se que os juros mais não são que frutos civis, constituídos por coisas fungíveis, que representam o rendimento de uma obrigação de capital (art. 212º, n.ºs 1 e 2 do CC) e cujo montante varia em função de três vetores: o valor do capital, o tempo durante o qual este é utilizado ou disponibilizado ao obrigado, e a taxa de remuneração, que pode ser fixada por lei ou por acordo das partes. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, págs. 567 e 568.

Embora a obrigação de juros pressuponha a obrigação de capital, da qual é dependente ou acessória, essa dependência é meramente relativa uma vez que nada obsta que ambas as obrigações, nalguns casos, sejam autonomizáveis, conforme é ilustrado pela circunstância do art.º 310º, al. d), do CC estabelecer um prazo prescricional específico para a obrigação de juros, o qual não tem de coincidir com o prazo prescricional fixado para a obrigação principal – a de juros. Aliás, pode acontecer que a obrigação de juros esteja prescrita (no que tange aos juros vencidos há mais de cinco anos à data da citação da Ré para a ação) e não esteja prescrita a obrigação de capital, assim como pode acontecer estar prescrita a obrigação de capital e não estar a de juros (os vencidos até ocorrer a prescrição da obrigação de capital e que se venceram há menos de cinco anos sobre a data da citação da Ré para os termos da ação) 29 Ac. RL. 04/06/2015, Proc. 143342/12.6YIPRT.L1-8 in base de dados da DGSI.
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De entre as várias categorias classificativas dos juros, estes podem ser classificados em civis ou comerciais, consoante a natureza dos intervenientes na operação de que emergem (arts. 559º do CC e 102º do Cód. Com.).
Os juros podem ainda ser legais, quando resultem da lei, ou convencionais, quando sejam estabelecidos por acordo das partes (art. 559º do CC).
Entre os juros legais, contam-se os juros de mora, uma vez que tendo a obrigação natureza pecuniária, caso o devedor se atrase no cumprimento – mora -, são imediatamente, por imposição legal, devidos juros de mora, a título de indemnização pelos danos causados ao credor pelo atraso no cumprimento da obrigação, à taxa legal, exceto quando já anteriormente à mora, for devido um juro mais elevado ou quando as partes tiverem estipulado um juro moratório diferente (arts. 804º e 806º, n.ºs 1 e 2 do CC).
A taxa de juros moratórios legal civil incide sobre as obrigações exclusivamente civis e encontra-se fixada em 4% ao ano desde 01/05/2003 (arts. 559º, nº 1 do CC, e 1º da Portaria nº 291/2003, de 8/04).
Por sua vez, a taxa de juro legal comercial é aplicável aos casos em que por força da lei (como é o caso dos juros de mora) ou de convenção haja lugar à contagem de juros e as partes nada tenham expressamente convencionado sobre a taxa e o ato ou negócio de que emerge a obrigação de pagar juros seja tida como “ato comercial” nos termos das disposições do Código Comercial.
Deste modo, nos termos do art.º 102º do C. Com., em todos os atos ou negócios classificados de “comerciais” à luz do Código Comercial, isto é, que sejam subsumíveis a uma relação jurídico-mercantil de acordo com esse diploma, no silêncio das partes, há lugar ao pagamento de juros, sempre que nos termos da lei civil haja lugar à contagem de juros, como acontece nas obrigações pecuniárias em relação às quais se verifique uma situação de mora e em que, consequentemente, são devidos juros de mora à taxa supletiva relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas (arts. 102º §3 do Cód. Com., 559º, 804º, n.º 1 e 806º, n.ºs 1 e 2 do CC).
A aplicação ou não da taxa de juro legal comercial, nomeadamente, da taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, depende assim, do ato ou negócio jurídico de onde emerge a obrigação de pagamento dos juros ser ou não qualificável como “ato comercial” à luz do Código Comercial.
Neste domínio impõe-se ter presente que o Código Comercial prevê como atos comerciais, os atos objetiva e subjetivamente comerciais e os atos unilateralmente comerciais ou mistos.
São atos objetivamente comerciais aqueles que se encontram especialmente regulados pelo direito comercial, independentemente de ser ou não comerciante quem os pratica (art. 2º, 1ª parte do CCom.).
A qualidade comercial de tais atos é-lhes intrínseca e decorre da própria lei, como é o caso dos contratos de compra e venda previstos no art. 463º do Cód. Com.
Já são atos subjetivamente comerciais todos aqueles (contratos e obrigações) que são praticados pelos comerciantes, que não tenham natureza exclusivamente civil, se o contrário não resultar do próprio ato (art. 2º, parte final do CCom.). Por exemplo, a compra e venda contemplada no art. 874º do CC, pode ou não ser comercial; será comercial (objetivamente comercial) se se inserir no art. 463º do C.Com., e será subjetivamente comercial se for praticada por um comerciante em ligação com a sua atividade mercantil, o que se presume (arts. 2º e 15º do CCom.) e, finalmente, será civil se não se verificar nenhuma das duas situações anteriores.
Por sua vez, são comerciantes as sociedades comerciais e todas as pessoas que tendo capacidade para praticar atos de comércio, fazem deste profissão (art. 13º do C.Com.).
Em relação aos atos ou negócios celebrados pelos comerciantes, se o contrário não resultar do próprio atou ou negócio, os mesmos, como referido e resulta dos arts. 2º e 15º do C. Com., presumem-se comerciais.
Conforme é bom de ver e resulta do que se vem dizendo pode acontecer que o ato ou negócio celebrado seja subjetivamente comercial do lado de um dos contratantes, por exemplo, do lado do vendedor, que sendo comerciante, procedeu à venda do bem no exercício da sua atividade comercial, mas não o seja do lado do comprador, que compra o bem para o seu consumo ou dos seus familiares ou terceiros, não o destinando à revenda.
Nesse caso, o ato tem natureza unilateralmente comercial ou mista, posto que são
qualificados como tal todos os atos ou negócios em que a sua comercialidade apenas se verifica em relação a um dos sujeitos da relação contratual.
Sobre os atos ou negócios unilateralmente comerciais ou mistos rege o art. 99º, n.º do C.Com., que os subordina à lei comercial quanto a ambas as partes, embora só em relação a um delas se verifiquem os pressupostos da comercialidade. Ac. RL. 24/05/2011, Proc. 2698/03.9TBmTJ.L1-1, in base de dados da DGSI.


Deste modo, no âmbito da redação originária do art. 102º do C.Com., não existiam dúvidas na doutrina e na jurisprudência que todos os atos ou negócios objetivamente comerciais ou subjetivamente comerciais e, bem os atos unilateralmente comerciais ou mistos eram comerciais e que, consequentemente, nos casos em que por convenção ou por lei fossem devidos juros (como é o caso dos juros de mora nas obrigações pecuniárias) esses juros eram os comerciais e que os juros moratórios legais devidos eram os comerciais, fixados em Portaria conjunta dos Ministro das Finanças e da Justiça (art. 102º, § 3º do C.Com.).

Acontece que aquele art.º 102º veio a sofrer alterações, com a entrada em vigor do DL n.º 32/2003, de 17/02, que estabelece o regime especial relativo aos atrasos de pagamento em transações comerciais, transpondo a Diretiva n.º 2003/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 29/07/2000, e cujo propósito confessado pelo legislador e por ele expresso no Preâmbulo desse diploma, foi combater os atrasos no pagamento em transações comerciais que “são uma das principais causas de insolvência” das empresas de pequena e média dimensão, “ameaçando a sua sobrevivência e os postos de trabalho correspondente” e dentro deste desiderato estabelecer “um valor mínimo para a taxa de juros legais de mora, por forma a evitar que eventuais baixas tornem financeiramente aliciante o incumprimento” e, “para facilitar a determinação do momento a partir do qual se vence juros de mora, prever que, sempre que do contrato não conste a data do pagamento, aqueles se vençam automaticamente, sem necessidade de qualquer aviso, a partir de uma data determinada em função de algumas variáveis”.

O enunciado DL n.º 32/2003 aditou ao art. 102º do CCom., os parágrafos 3 e 4, que
constam do seguinte teor:
“§3- Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
§4- A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor da taxa de juros aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais”.
O referido DL n.º 32/2003, determina no seu art. 2º que o regime jurídico que estatui
aplica-se a todos os pagamentos efetuados como remunerações de transações comerciais (n.º 1), à exceção de contratos efetuados com consumidores; juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerações comerciais; pagamentos efetuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros (n.º 2, als. a), b) e c)).
Entretanto, o enunciado art. 102º do CCom., sofreu nova alteração, com a entrada em vigor em 01/07/2013, do DL. n.º 62/2013, de 10/05, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2011/7/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/02, que revogou a Diretiva n.º 2002/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 29/07/2000, e que alterou o §4 daquele art. 102º e lhe aditou o seu §5, que passaram a constar do seguinte:
§4- A taxa de juro referido no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor da taxa de juros aplicado pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais, sem prejuízo do disposto no parágrafo seguinte”.
§5- No caso de transações comerciais sujeitas ao Decreto Lei n.º 62/2013, de 10/05, a taxa de juro referida no parágrafo terceiro não pode ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano cívil, acrescida de 8 pontos percentuais.
Note-se que à semelhança do que acontecia com o art. 2º do DL n.º 32/2003, também o art. 2º do DL n.º 62/2013, continua a declarar que o seu regime jurídico é aplicável a todos os pagamentos efetuados como remunerações de transações comerciais (n.º 1), com as exceções previstas no n.º 2 daquele art. 2º anteriormente vigente, em cujo elenco se conta os contratos efetuados com consumidores.

Especifique-se que o enunciado DL n.º 62/2013, no seu art. 14º declara ser aplicável aos contratos celebrados a partir da sua entrada em vigor, ou seja, a partir de 01/07/2013, salvo as exceções que enuncia, as quais respeitam a contratos públicos e, no seu art. 13º, n.º1 declara que revoga o anterior DL n.º 32/2003, de 17/02, com exceção dos arts. 6º e 8º, que se mantêm em vigor no que respeita aos contratos celebrados antes da entrada em vigor daquele DL n.º 62/2013.
Resulta do que se vem dizendo que com a entrada em vigor em 01/07/2013, do DL.
n.º 62/2013, de 10/05, passaram a existir duas taxas supletivas comerciais, com limites distintos, consoante o contrato jusmercantil de onde emerge a obrigação de juros tenha sido celebrado antes da entrada em vigor do identificado DL n.º 62/2013, ou após a entrada em vigor deste.
Assim: a) em relação aos contratos jusmercantis celebrados antes de 01/07/2013, continua a ser aplicável o regime dos arts. 6º e 8º do DL n.º 32/2003, sendo os juros moratórios legais comerciais estabelecidos por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça, cuja taxa não poderá ser inferior ao valor da taxa de juros aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais” (art. 102º §3 e 4 do C.Com., na redação do DL n.º 32/2003); b) já em relação aos contratos jusmercantis celebrados em 01/07/2013 ou após esta data (ou seja, na vigência do DL n.º 62/2013), os juros moratórios legais comerciais continuam a ser estabelecidos por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça, mas a respetiva taxa não poderá ser inferior ao valor da taxa de juros aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de 8 pontos percentuais (art. 102º § 5 do C.Com, na redação do DL 62/2013). Ac. RG. de 07/11/2019, Proc. 3/16.3T8VRL.G1, in base de dados da DGSI.


3.5.4. No âmbito das empreitadas de obras públicas prescrevia-se no n.º1 do artigo 213.º do D.L. n.º 59/99, de 02.03 que «Se o atraso no pagamento exceder o prazo estipulado ou fixado por lei nos termos do artigo anterior, será abonado ao empreiteiro o juro calculado a uma taxa fixada por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do ministro responsável pelo setor das obras públicas».
Pese embora com a entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, com as sucessivas alterações que entretanto ocorreram, tenha desaparecido o estatuído no n.º 1 do artigo 213.º do Decreto-Lei 59/99 e se tenha estabelecido no n.º1 do artigo 336.º do CCP que “[e]m caso de atraso do contraente público no cumprimento de obrigações pecuniárias, tem o co-contratante direito aos juros de mora sobre o montante em dívida à taxa legalmente fixada para o efeito pelo período correspondente à mora”, essa a lacuna é apenas aparente.
É que a circunstância do CCP ter deixado de fazer a referência existente no Decreto-Lei n.º 59/99, passando apenas a mencionar “taxa legalmente fixada para o efeito”, essa redação quanto aos juros de mora, não deverá, no caso de empreitadas de obras públicas, ser enquadrada no Código Civil, uma vez que o Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, se, como vimos, foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, foi-o com exceção do art. 6.º que alterou precisamente o art. 102.º do C. Comercial.
Conforme se diz no ac. do TCAN de 8.03.2012, proc. nº 97/11.8BECBR: “I - O facto do CCP ter deixado de fazer a referência existente no DL nº 59/99, passando apenas a referir “taxa legalmente fixada para o efeito” tal redação quanto aos juros de mora, não deverá no caso de empreitadas de obras públicas e, estando em causa créditos de uma empresa, como é o caso, ser enquadrada no Código Civil, uma vez que o DL nº 32/2003 de 17/02 não se mostra revogado. // II – Deste modo mesmo após a entrada em vigor do CCP continuam a ser aplicadas as taxas dos juros comerciais à mora do pagamento das empreitadas de obras públicas, ou seja, as taxas supletivas de juros moratórios relativos a créditos de que sejam titulares de empresas comerciais, singulares ou colectivas nos termos do § 3º do artº 102º do Cód. Comercial.
E como também nesse acórdão se explicita: “a taxa legalmente fixada a que se refere o artº 326º do CCP só pode ser entendida por referência a esta redacção dada pelo DL nº 32/2003 no artigo que transcrevemos, ou seja, e, na prática, aplicando-se a taxa dos juros comerciais fixados em portaria conjunta do Ministro das Finanças e da Justiça, como consagrado no § 3º do artº 102º do Cód. Comercial”.
3.5.5. Assim, no caso dos autos é de aplicar o regime jurídico constante do Despacho Conjunto n.º 603/2004, de 16 de outubro, persistindo, mesmo após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de janeiro, o que ocorreu em 29.07.2008, e do Decreto-Lei 33/2018, de 29 de janeiro, a ser aplicável a taxa dos juros comerciais fixados em portaria conjunta do Ministro das Finanças e da Justiça, nos termos do § 3º do art. 102.º do Cód. Comercial.
De acordo com o disposto naquele Despacho Conjunto n.º 603/2004, “o valor da taxa a que se refere o número anterior [devida pelo atraso no pagamento que exceda o prazo estipulado ou o prazo fixado por lei], é divulgado na 2.ª série do Diário da República, por aviso da Direcção-Geral do Tesouro, respectivamente até aos dias 15 de Janeiro e 15 de Julho de cada ano”.
Em conformidade com o disposto no n.º 1 daquele Despacho Conjunto, a taxa de juro apurada para os anos aqui relevantes, são as seguintes:
-No segundo semestre de 2007 a taxa de juro comercial estava fixada em 11,07%- Aviso DGTF 13665/2007, de 30/07/2007.
-No primeiro semestre de 2008, encontrava-se fixada em 11,2%- Aviso DGTF 2152/2008, de 29/01/2008;
-No segundo semestre de 2008, encontrava-se fixada em 11,07%- Aviso DGTF 19995/2008, de 14.07.2008;

-No primeiro semestre de 2009 encontrava-se fixada em 9,5%- Aviso DGTF 1261/2009, de 14.01.2009;

-No segundo semestre de 2009, estava fixada em 8%- Aviso DGTF 12184/2009, de 10.07.09;

-No primeiro semestre de 2010 encontrava-se fixada à taxa de 8%- Despacho DGTF 597/2010, de 04.01.10;

-No segundo semestre de 2010, encontrava-se fixada em 8%- Aviso DGTF 13746/2010, de 12.07.10;

-No primeiro semestre de 2011 encontrava-se fixada em 8%- Aviso DGTF 2284/2011, de 21.01.111,

-No segundo semestre de 2011, encontrava-se fixada em 8,25%- Aviso DGTF, 14190/2011, de 14.07.2011;

-No primeiro semestre de 2012, encontrava-se fixada em 8%- Aviso DGTF 692/2012, de 17.01.12;

-No segundo semestre de 2012 encontrava-se fixada em 8%- Aviso DGTF 9944/2012, de 24.07.2012;

-No primeiro semestre de 2013 encontrava-se fixada em 7,75%- Aviso DGTF 584/2013, de 11.07.13;

-No segundo semestre de 2013 encontrava-se fixada para operações não sujeitas ao D.L. 62/2013, em 7,5% - Aviso DGTF 10478/2013, de 23.08.13;

-No primeiro semestre de 2014, encontrava-se fixada em 7,25% - Aviso DGTF 1019/2014, de 24.01.14;

-No segundo semestre de 2014, encontrava-se fixada em 7,15%- Aviso DGTF 8266/2014, de 16.07.2014.

-No primeiro semestre de 2015, encontrava-se fixada em 7,05%- Aviso DGTF 563/2015, de 19.01.2015;

-No segundo semestre de 2015, encontrava-se fixada em 7,05%- Aviso DGTF 7758/2015, de 14.07.15;

-No primeiro semestre de 2016, encontrava-se fixada em 7,05%- Aviso DGTF 890/2016, de 06.01.16;

-No segundo semestre de 2016, encontrava-se fixada em 7%- Aviso DGTF 86741/ 2016, de 30.06.16;

-No primeiro semestre de 2017, encontrava-se fixada em 7%- Aviso DGTF 2583/2017, de 03.01.17;

-No segundo semestre de 2017, encontrava-se fixada em 7%- Aviso DGTF 8544/2017, de 29.06.17;

-No primeiro semestre de 2018, encontrava-se fixada em 7%- Aviso DGTF 1989/2018, de 03.01.18;

-No segundo semestre de 2018, encontrava-se fixada em 7%- Aviso DGTF 9939/2018, de 28.06.18;

-No primeiro semestre de 2019, encontrava-se fixada em 7% ao ano- Aviso DGTF/2019, de 02.01.19;

-No segundo semestre de 2019, encontrava-se fixada em 7%- Aviso DGTF 11571/2019, de 28.06.19;

-No primeiro semestre de 2020, encontrava-se fixada em 7%- Aviso DGTF de 02.01.2020.

Refira-se que tendo a Autora limitado o seu pedido à taxa de juro de 9,01%, sob pena de se incorrer no vício da nulidade por condenação ultra petitum- artigos 609.º, n.º1 e 615.º, n.º1, al. e do CPC- impõe-se limitar os juros moratórios devidos à Autora, à taxa de 9,01% nos períodos temporais em que a taxa moratória legal comercial seja igual ou superior àquele valor.

Termos em que se impõe revogar a decisão recorrida na parte em que fixou a taxa de juros devida desde a citação até efetivo e integral pagamento em 9,01%, devendo ser essa a taxa apenas nos períodos em que a taxa moratória legal comercial seja igual ou superior a esse valor. Nos demais períodos (de taxa inferior a 9,1%), a taxa será a taxa moratória legal nos termos sobreditos.
**
IV-DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida na parte em que condenou o réu a pagar à autora “ juros de mora , à taxa de 9,01% desde a citação até integral pagamento”, condenando o réu a pagar juros de mora desde a citação até integral e efetivo, à taxa de 9,01% apenas nos momentos temporais em que a taxa moratória legal comercial seja igual ou superior àquele valor e à taxa moratória legal aplicável, quando inferior a 9,01%.
No mais, e com a presente fundamentação, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.
Registe e notifique.
*

Porto, 28 de fevereiro de 2020.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro