Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00691/09.7BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/02/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:APRECIAÇÃO CRÍTICA DA PROVA;
IRC;
DEDUTIBILIDADE DE CUSTOS
Sumário:I. Quando a selecção dos factos não é devidamente impugnada, resta apreciar a subsunção dos factos ao direito aplicável tendo em vista uma solução jurídica diferente da decretada, pois o erro que subsiste não é um erro na apreciação da prova, mas sim um erro na aplicação do direito.
II. A contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros (cfr. artºs.74, nº.1, e 75, nº.1, da L.G.T.).
III. Sobre a ATA recai o ónus da prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação de indícios sérios e credíveis que presidem às correções que suportam a liquidação.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015]
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido em que o recurso não merece provimento.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública (Recorrente) notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, a qual julgou procedente a impugnação judicial interposta por "A..., S.A." (Recorrida) contra as liquidações de IRC referentes ao ano de 2004, 2005, 2006 e 2007, acrescidas de juros compensatórios, no valor global de € 292.280,14, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1) Na sentença recorrida considera-se que a liquidação é ilegal porque a AT não fez a prova que lhe competia no sentido de apurar os necessários indícios que lhe permitiriam qualificar como falsas as faturas contabilizadas pela impugnante, relativas às comissões pagas à "S... (UK), Limited"..
2) A sentença não fez um correto julgamento da matéria de facto, ao desconsiderar cada um dos factos-índice.
3) Os fundamentos invocados pela inspeção para não aceitar como custo fiscalmente dedutível as comissões pagas à "S (UK)", são os seguintes;
4) O prestador das referidas comissões é a empresa "S (UK)" que segundo a inspeção não tem estrutura organizacional para prestar os serviços á impugnante.
5) A AT baseou-se em informações transmitidas pelas autoridades do Reino Unido, que atestam que a empresa "S... (UK), Limited". não tem estrutura empresarial efetiva no Reino Unido. E está alojada no escritório que é um “ninho de empresas” que agrega a um nome um conjunto de elementos e facilidades de forma a conferir uma existência aparentemente real à empresa.
6) Por outro lado, foi apurado pela Administração Tributária, que a "S (UK)" dispôs ao longo do tempo de um único funcionário ao seu serviço, em Londres.
7) Mais resulta do relatório de inspeção que a maioria da correspondência com a "S (UK)" teve origem e destino em Itália.
8) A inspeção tributária diz que na documentação fornecida pela "A..., S.A." não se encontra qualquer elemento que prove ou indicie qualquer intervenção da "S (UK)" na prestação de serviços, nomeadamente, no contacto com os clientes, encomendas, publicidade, ou outros.
9) A inspeção refere que dos diversos esclarecimentos prestados pela "A..., S.A." se retira que o trabalho de intermediação das vendas existiu, sendo que das provas encontradas levam a considerar que sempre foi realizado pelo "NN" e a empresa "E..., SRL", da qual ele é o gerente.
10) A prestação de serviços de intermediação apesar de serem prestados pelo "NN", são pagos à "S... (UK), Limited"..
11) Ora, tais elementos recolhidos pela AT afiguram-se como indícios sérios e credíveis de que a "S (UK)" não tinha qualquer estrutura instalada que permitisse prestar os serviços que faturou à agora Impugnante. De facto, apurando-se que a "S (UK)" não tinha funcionários ao seu dispor, tratando-se de mero “escritório”, pode-se legitimamente pôr em causa que essa estrutura seja suficiente para justificar a faturação efetuada em determinado ano.
12) Assim, ao contrário do decidido a AT apresentou, fundados indícios de que "S (UK)" não tem estrutura quer a nível logístico, quer a nível de recursos humanos para prestar os serviços de agenciamento contratados.
13) O Meritíssimo Juiz do tribunal a quo, diz que a AT não prova que a sociedade "S (UK)" não tinha qualquer estrutura instalada que permitisse prestar os serviços que faturou á agora Impugnante.
14) A inspeção tributária baseou-se em informações transmitidas pelas autoridades fiscais do Reino Unido, que informam que a "S (UK)") não tem estrutura organizacional efetiva no Reino Unido para prestar os serviços, que a sociedade "S (UK)" teve a sua sede localizada sucessivamente em três locais, em Inglaterra, sítios que são conhecidos como “ninhos de empresas”, “escritórios virtuais”, sem capacidade instalada, e que é detida pela "S.... LLC", com sede em Delaware, EUA, local com regime fiscal privilegiado.
15) Por outro lado, foi apurado pela Administração Tributária, que a "S (UK)" dispôs ao longo do tempo de um único funcionário ao seu serviço, em Londres.
16) Mais resulta do relatório de inspeção que a maioria da correspondência com a "S (UK)" teve origem e destino em Itália.
17) Não obstante se encontrem faturas junto aos autos, a verdade é que à Administração Tributária não foram dados a conhecer documentos reveladores da participação direta da "S (UK)", através de um qualquer colaborador seu nas vendas e contactos para esse fim com quaisquer clientes. Apenas foram juntas faturas de pagamentos de comissões e mais nenhum documento.
18) Ora, tais elementos recolhidos pela AT afiguram-se como indícios sérios e credíveis de que a "S (UK)" não tinha qualquer estrutura instalada que permitisse prestar os serviços que faturou à agora Impugnante. De facto, apurando-se que a "S (UK)" não tinha funcionários ao seu dispor, tratando-se de mero “escritório”, pode-se legitimamente pôr em causa que essa estrutura seja suficiente para justificar a faturação efetuada em determinado ano.
19) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo diz que a Administração Tributária não consegue demonstrar a ausência de participação direta da "S (UK)", através de um qualquer colaborador seu, na prestação de serviços de apoio comercial à impugnante.
20) Ora o que a inspeção tributária constatou, foi que o trabalho de intermediação de vendas existiu na empresa “"A..., S.A." desde 1997, sendo que das provas encontradas a empresa prestadora de tais serviços não foi a "S (UK)", mas antes a "E..., SRL" através do gerente o "NN" dado que aquela não possui estrutura empresarial para tanto.
21) O Tribunal a quo refere que a Administração Tributária não procurou explicações junto do "NN" ou de qualquer representante da "S" para aferir sobre a prestação de serviços das comissões que pôs em causa.
22) As autoridades fiscais inglesas, informaram que a "S (UK)" não tinha estrutura organizacional efetiva no Reino Unido para prestar os serviços.
23) Ora se a "S (UK)" não tinha estrutura económica para prestar os serviços relativos às comissões, e dos esclarecimentos prestados pela "A..., S.A.". resulta que os serviços de intermediação foram realizados pela empresa "E..., SRL", afigura-se-nos que estes elementos são suficientes para a AT questionar a conexão entre o prestador efetivo e o emitente das faturas e concluir que se a emitente das faturas não prestou qualquer serviço ( e a que realmente os prestou não emitiu as respetivas faturas), então não poderão ser considerados tais custos.
24) O DM Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da presente impugnação, posição á qual aderimos na íntegra.
25) Segundo as regras da experiência, tendo sido efetivamente prestados serviços de divulgação da empresa em mercados internacionais e em organização de feiras, somos levamos a concluir que o que seria normal era existirem vestígios documentais da intervenção daquela empresa, e tal nunca foi exibido pela impugnante.
26) Ora estes “factos-índice”, ponderados á luz da experiência, são suficientes para permitir concluir que as comissões da "S (UK)" que não foram aceites pela inspeção, porque não estão relacionadas com uma prestação de serviços efetiva por parte daquele agente.
27) A recorrente defende que os factos- índice, recolhidos pela inspeção analisados em conjunto e ponderados á luz da experiência, são suficientes para permitir á AT desconsiderar os custos relativos a comissões que têm as faturas em causa como suporte documental.
28) Face a tais factos ter-se-á de concluir que a "S (UK)" não possuía meios materiais e jurídicos que possibilitem as prestações de serviços relativas às comissões que foram faturadas á impugnante, não podendo concluir-se como fez o douto tribunal que se tratava de suspeitas não fundamentadas da inspeção.
29) A Jurisprudência tem entendido que são “indícios suficientes” os que correspondem a elementos de facto juridicamente relevantes, que segundo as regras de experiência comum demonstrem de forma clara, adequada e inequívoca, que existe uma probabilidade séria de existência e quantificação do facto tributário como facto positivo que legitima o direito da Administração Fiscal de tributar.
30) O ónus da prova que recaia sobre a AT consubstancia-se na prova de indícios sólidos e consistentes de que as transações não representam transações reais, mas não se lhe exige a prova plena de que as transações não existiram.
31) E face á fundamentação constante dos autos (relatório de inspeção da recorrida) e em face da prova forte e bem alicerçada em que aquele se baseou, existem “factos-índice”, mais do que suficientes para permitir à AT desconsiderar os custos suportados que tem as faturas em causa como suporte documental, com o fundamento de que as operações referidas nessas faturas não ocorreram.
32) Por conseguinte a decisão do Meritíssimo Juiz pode e deve ser alterada, porquanto tal é permitido pela aplicação subsidiária do artº 662º do CPC, pois do processo constam todos os elementos de prova da matéria de facto em causa.
33) Deve ser alterada a referida decisão e considerando-se que os indícios apontados pela administração fiscal são suficientes para suportar o seu juízo sobre a “falsidade” das respetivas faturas.
34) Assim, a impugnação judicial nunca pode proceder com fundamento na ilegítima atuação da AT ao desconsiderar as comissões em causa como custo fiscal.
35) A douta sentença sob recurso, não tirou as ilações de facto que deveria tirar dos factos provados e violou os artigos 23º do CIRC e artº 74º nº 1 da LGT.
TERMOS EM QUE, deve ordenar-se a revogação da douta sentença recorrida, como é de
LEI E JUSTIÇA»

1.2. A Recorrida "A..., S.A.", notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, que concluiu do seguinte modo:
«A. Vêm as presentes contra-alegações de recurso apresentadas na sequência do recurso interposto pela FP da douta sentença da Meritíssima Juiz a quo que considerou procedente a impugnação apresentada pela ora Recorrida e ordenou a integral anulação das liquidações adicionais de IRC emitidas pela AT com os n.ºs ...69, ...27, ...59 e ...62, relativas aos exercícios de 2004 a 2007, no valor global de € 292.280,14.
B. Em causa nos presentes autos estão os custos incorridos (comissões pagas) pela Recorrida com os serviços prestados pelo seu agente no mercado do leste europeu – a sociedade "S (UK)", com sede no Reino Unido, cuja pessoa de contacto e ligação junto da Recorrida era o "NN" – para a angariação de clientes e promoção dos seus produtos naquele mercado, i.e., bases de chuveiro em chapa de aço esmaltado.
C. A AT considera que estes gastos, muito embora tenham sido efetivamente incorridos e suportados pela Recorrida (facto que não é controvertido), e tenham um valor normal (o que igualmente é afirmado pela própria AT e não controvertido), não se encontram adequadamente comprovados ao abrigo do artigo 23.º e do artigo 42.º, n.º 1, al. g) do CIRC [na redação à data dos factos], por entender a AT que a "S (UK)" não tem estrutura organizacional e material no Reino Unido para prestar os serviços em apreço e que, em qualquer caso, não existe evidência da sua intervenção na prestação desses serviços, por estes serviços terem sido exclusivamente assegurados pelo "NN".
D. Este entendimento da AT tem a sua origem exclusivamente numa comunicação efetuada pelas autoridades fiscais britânicas à AT datada de 15/02/20066 (possivelmente no âmbito da Operação Furacão), segundo a qual são dadas variadas informações sobre a Recorrida, as suas relações comerciais com duas empresas – a "S (UK)", com quem efetivamente manteve uma relação comercial de alguns anos, e a "S... (USA)", com quem nunca teve qualquer relação comercial e cuja existência desconhecia – , e a estrutura organizacional e material da "S (UK)" no Reino Unido, algumas das quais vieram a demonstrar-se manifestamente falsas (e.g., que a Recorrida produz bicicletas) e que a AT não cuidou de verificar e de amparar em qualquer documento ou prova testemunhal que adequadamente suporte tais informações recebidas e que a AT utiliza exclusivamente como fundamento da sua pretensão tributária.
E. Ou seja, a AT impôs à Recorrida (e pretende manter nesta sede) uma tributação em IRC de cerca de € 300.000 que respeita à desconsideração de custos em que esta efetivamente incorreu e pagou, que foram geradores de proveitos relevantes e tributados porque, com base numa informação que recebeu (desacompanhada de qualquer prova e que não cuidou igualmente de investigar, que contém de resto informação falsa), conclui que a "S (UK)" não tem estrutura organizacional e material no Reino Unido e não foi a prestadora dos serviços aqui em apreço, sem que demonstre adequadamente quer (i) os factos que invoca, limitando-se a invocar os indícios de que teve conhecimento através da referida comunicação das autoridades fiscais britânicas, (ii) o conhecimento da Recorrida destes factos que alega, quer (iii) a vantagem económica ou fiscal que decorreria para a Recorrida desses factos.
F. O Tribunal a quo julgou a pretensão da Recorrente improcedente, entendendo que a AT não logrou demonstrar os fundamentos dos quais quer fazer depender a sua pretensão tributária, pelo que, estando demonstrado que os gastos foram efetivamente incorridos pela Recorrida e estão adequadamente comprovados, e que a AT não logrou cumprir o seu ónus da prova quando colocou em causa a veracidade e materialidade das operações em apreço (que aliás a própria AT expressamente reconhece que tiveram lugar e pelos montantes considerados), considera que tais gastos reúnem os requisitos legais para a sua dedutibilidade fiscal, anulando as Liquidações Contestadas e decidindo integralmente a favor da Recorrida.
G. Sucede que a FP não cumpre o seu ónus de alegação, nem de facto nem de direito, nos termos conjugados dos art.ºs 640º e 639º do CPC, ex vi art.º 2º, al. e) do CPPT, o que deverá conduzir à rejeição do Recurso apresentado por ineptidão. E assim é porque a AT não individualiza quais os factos que pretende remover do probatório (ou os que pretende ver nele aditados), e menos ainda quais as provas que, constando dos autos, importam decisão diversa quanto aos factos.
H. Em qualquer caso, mesmo que assim não se entendesse, o Recurso sempre seria necessária e manifestamente improcedente, quer em matéria de facto, quer de direito.
I. No que respeita à matéria de facto, a FP elenca todas as informações que resultam da comunicação recebida das autoridades fiscais britânicas, sem contudo identificar qualquer concreto meio probatório de onde resulte demonstrada cada uma das informações que invoca ou qualquer norma jurídica que impusesse conclusão distinta daquela que foi propugnada na decisão a quo, quais os meios de prova que em seu entender foram erradamente apreciados e que conduziriam às conclusões que quer ver vertidas no segmento fáctico da decisão a quo (que em rigor também não especifica quais são), não os impugnando ou questionando em momento algum, assim como não pede a adição ou remoção de factos do probatório (sendo que a remoção de alguns destes factos é – em particular dos pontos (iv) e (v) dos factos não provados, na realidade, essencial para que possa obter a conclusão de direito que pretende fazer valer com o presente Recurso).
J. Deverá, assim, em face de tudo quanto se vem expondo, ser rejeitado o Recurso que vem interposto pela FP na parte em que impugna (nunca o dizendo ou formulando adequadamente) a decisão relativa à matéria de facto, por manifesto incumprimento do ónus de especificação dos elementos de prova de onde decorrem as conclusões retiradas pela FP em matéria de facto, nos termos do artigo 640.º do CPC.
K. É que discordar do sentido de uma decisão não é, nos termos da lei, fundamento de recurso. A decisão pode merecer ou não o acordo das partes, mas apenas será fundamento de recurso nos termos legais quando lhe sejam assacados vícios ou erros concretos de julgamento da matéria de facto e de interpretação e aplicação de lei, o que a FP manifestamente não faz no seu Recurso e inevitavelmente vota o recurso à ineptidão.
L. Mesmo a admitir-se a viabilidade do presente Recurso em matéria de facto, no que não se concede, já que a pretensão recursiva não se encontra adequadamente formulada pela FP, a realidade é que em qualquer caso não procederia esse mesmo Recurso, por manifesta falta de fundamento.
M. E assim é, desde logo, porque não peticionando a adição ou remoção de qualquer facto provado ou não provado, i.e., não peticionando a alteração do probatório, não pode ser outra a decisão do Tribunal a quo se não a que foi adotada nos autos.
N. Em qualquer caso, assuma-se, para tornar inteligível o recurso deduzido e permitir as contra-alegações (sem prejuízo da ineptidão antes invocada) que o que a FP pretenderia (ainda que não o invoque) era remover dos factos não provados que “A entidade emitente das faturas não tem qualquer atividade efetiva” (cf. Sentença Recorrida, pág. 40 – Factos não provados) e levar ao probatório, como facto assente, que a "S" não tem estrutura organizacional para prestar serviços e que não prestou os serviços em causa à Recorrida, para a partir daí concluírem que porque as faturas não foram emitidas por quem efetivamente prestou os serviços, o custo não está devidamente documentado e não releva para efeitos fiscais.
O. Ora, o único indício deste facto é a informação recebida das autoridades fiscais do Reino Unido, que refere que assim é (cf. ponto 24) dos factos assentes, a fls. 8 da Sentença Recorrida), para a demonstração do qual a AT não carreou qualquer prova adicional, bem se compreendendo, portanto, que não possa ser dado por provado um facto com base numa simples comunicação de uma autoridade fiscal estrangeira desacompanhada de quaisquer elementos que indiciem ou demonstrem a veracidade desse facto, sobretudo, quando a mesma informação parece resultar de um manifesto lapso, já que, entre outras informações, refere que a Recorrida fabrica bicicletas em Portugal (o que nunca fez, já que se dedica, e dedicou sempre, em exclusivo, à produção e comercialização de bases de chuveiro) e que a "S (UK)" é detida por uma entidade com sede em Delaware que seria detentora de patentes de produtos fabricados pela Recorrida (o que é igualmente falso e outro manifesto lapso).
P. É por isso evidente que o que resulta de todos os elementos de prova juntos aos autos é que os mesmos serviços foram prestados e as comissões pagas (o que não é questionado), pelo que, e por definição, a "S (UK)" ou tinha estrutura ou teve que subcontratar a estrutura necessária para prestar esses serviços, que eram materialmente prestados pelo Sr "NN", de onde, porque o pretendido pela AT não resulta da prova junta aos autos, sempre improcederia o recurso nesta parte (mesmo que adequadamente formulado, o que manifestamente não foi).
Q. Acresce que, da prova produzida e junta aos autos e dos factos assentes (e não impugnados, nem pedida a sua remoção do probatório neste recurso), resulta amplamente demonstrado o inverso do invocado pela AT, i.e., que a "S (UK)" era uma entidade normal, em funcionamento, e que o vínculo entre "S (UK)" e Recorrida efetivamente existiu, já que decorre da prova que:
a. a "S" existia nos anos em causa (cfr. anexo 11 ao doc. n.º 32 junto à p.i.);
b. a "S" tinha nos mesmos anos residência no Reino Unido, o que fica demonstrado pelos certificados de residência emitidos pelas Autoridades Fiscais inglesas que atestam a residência da "S" no Reino Unido (cfr. docs. n.ºs 24 a 26 juntos à p.i.) – documentos autênticos que fazem prova plena da residência da "S (UK)" nos anos em questão (cfr. artigos 363.º, n.º 2, 365.º, n.º 1 e 371.º do Código Civil – “CC”);
c. a "S" teve atividade nestes anos e estava registada no VIES para efeitos de IVA (cfr. anexo 11 ao doc. n.º 32 junto à p.i.);
d. a Recorrida conhecia e trabalhava há anos com o Sr "NN", que lhe apresentou a "S (UK)" como um novo projeto e a entidade para a qual trabalhava (cf. facto constante dos pontos 4), 5) e 9) dos factos assentes na Sentença Recorrida e não contestados pela Recorrente nesta sede);
e. a "S" celebrou um contrato com a Recorrida relativo à prestação dos serviços de agenciamento (cfr. doc. n.º 5 junto à p.i.) e dispõe de um documento escrito em que esta atesta que o "NN" integra o seu “commercial staff” (cfr. doc. n.º 6 junto à p.i.); e
f. pelas vendas intermediadas pelo agente ("S (UK)") este emitia as correspondentes faturas, remetidas do Reino Unido, e que a Recorrida pagou (cf. factos constantes do ponto 14) a 18) dos factos assentes na Sentença Recorrida e não contestados pela Recorrente nesta sede);
g. é indiscutível que os serviços foram prestados e que o seu montante é normal, como expressamente o afirma a própria AT no relatório final, reproduzido no ponto 42, a fls. 30 da Sentença Recorrida).
R. Ainda que a AT houvesse demonstrado e provado que "S (UK)" não tinha qualquer estrutura ou atividade nos anos em causa – o que não fez – , a verdade é que também não demonstrou que a Recorrida tinha conhecimento de que assim era, o que de resto nem conseguiria visto que, da factualidade que vem de se elencar, a Recorrida não tinha quaisquer motivos para suspeitar (mesmo a ser verdade, no que não se concede e não se demonstrou) de uma alegada falta de estrutura societária da "S (UK)" ou que a "S (UK)" não era o efetivo prestador de tais serviços.
S. Acresce que, mesmo que estivesse adequadamente demonstrada a falta de meios organizacionais e de estrutura da "S (UK)" – no que não se concede – , a realidade é que a Recorrida atuou de forma diligente, solicitou todas as informações que lhe eram exigíveis nos teros fiscais à "S (UK)" – em particular a consulta do VIES e o certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais britânicas – , não lhe sendo exigível conduta diferente, o que por si só deverá conduzir à mesma conclusão adotada pela Tribunal a quo na sua decisão.
T. Tendo a Recorrida cumprido todas as obrigações fiscais que se lhe impunham e não tendo a AT logrado demonstrar a falta de estrutura organizacional e material da "S (UK)" no Reino Unido que invoca, não pode ser outra a conclusão que não a que foi adotada pelo Tribunal a quo, i.e., de anular as Liquidações Contestadas emitidas com este fundamento.
U. Assim, os elementos de prova carreados aos autos e a sua apreciação e valoração pelo Tribunal a quo não merecem crítica e devem manter-se, pelo que, ainda que houvesse de ser apreciado o Recurso quanto a matéria de facto, (no que não se concede) sempre deveria este ser julgado improcedente.
V. Por sua vez, é igualmente incumprido o ónus de alegação de direito que impendia sobre a Recorrente (em violação da lei). Além disso, verifica-se a manifesta falta de fundamento dos argumentos invocados, já que o Recurso se atém exclusivamente à opinião da FP, sem contudo indicar, em sede alguma, de que vício padece a Sentença Recorrida ou que normas jurídicas no seu entender resultam violadas com a aplicação do direito efetuada pelo Tribunal Recorrido, o sentido com que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas as normas aplicáveis no seu entender, i.e., a alegação de direito vem completamente desacompanhada de qualquer suporte legal, constituindo meras opiniões genéricas e infundadas.
W. Com efeito, o Recurso limita-se a mencionar en passant o ónus da prova da AT e a verificação de indícios suficientes para outra conclusão de facto, elencando de forma subentendida um lapso na apreciação da prova produzida – e que é um vício de direito – sem invocar adequadamente quais foram as normas que entendeu incumpridas ou o erro de julgamento em concreto efetuado pelo Tribunal Recorrido, termos em que será igualmente inepto (devendo ser rejeitado) o recurso de direito por incumprimento do ónus alegatório que cabia à Recorrente nos termos do artigo 639.º do CPC aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
X. Sucede que, ainda que houvesse de ser apreciado o Recurso, não se provando (como não foi provado na Sentença Recorrida, nem pode ser nesta sede, por ineptidão e, em qualquer caso, manifesta improcedência do Recurso em matéria de facto) a inexistência de estrutura organizacional e material da "S (UK)" ou que os serviços não foram prestados pela "S (UK)", é necessariamente improcedente o Recurso.
Y. Com efeito, e como bem concluiu o douto Tribunal a quo, as correções subjacentes nos presentes autos apenas poderiam ser legalmente admissíveis – i.e., a desconsideração e tributação nos termos do artigo 23.º do CIRC e do artigo 42.º, n.º 1, al. g) do CIRC dos gastos incorridos pela Recorrida pagos à "S (UK)" – se a AT provasse que (i) os custos associados aos pagamentos efetuados pela Recorrida à "S (UK)" não foram comprovadamente indispensáveis para a obtenção de proveitos; e/ou (ii) os referidos custos não estão devidamente comprovados, o que não foi o caso.
Z. Pelo contrário, da prova produzida resulta que (i) o "NN" tem um vínculo profissional ou comercial com a "S (UK)", e que (ii) o "NN" presta os serviços à Recorrida em representação da "S (UK)" – admitindo a FP que foram “efetivamente prestados serviços de divulgação da empresa em mercados internacionais e em organização de feiras” (cf. Conclusão 25 do Recurso) – , e se a AT não logrou provar em contrário, no sentido que pretende fazer valer nestes autos, então as faturas emitidas pela "S (UK)" foram emitidas pelos serviços prestado pelo "NN" em representação dessa mesma "S (UK)", não sendo por esse motivo possível concluir que não foi a "S (UK)" a prestar os serviços.
AA. De facto, a AT não conseguiu apresentar qualquer prova que abalasse a veracidade do contrato celebrado entre a "S (UK)" e a Recorrida, por um lado, ou a declaração da "S (UK)" atestando que o "NN" integra o seu departamento comercial. O que a FP invoca, de forma superficial e em manifesta contradição com os factos provados e que também nesta sede de Recurso não veio contestar, é que sendo todos os serviços prestados pela pessoa do "NN", não se compreende a intervenção da "S (UK)" na prestação dos serviços.
BB. Encontrando-se os encargos aqui em apreço devidamente documentados nos termos já detalhadamente explanados supra, então esses encargos são automaticamente relevantes para efeitos fiscais, devendo ser dedutíveis no apuramento do lucro tributável da Recorrida, pois o artigo 23.º e o artigo 42.º, n.º 1, al g) do CIRC invocados pela AT para fundamentar as correções aqui em apreço não fazem depender a relevância fiscal dos gastos da veracidade ou da falsidade das faturas, mas tão só da sua devida documentação, a qual é aqui incontestável.
CC. Acresce que, ainda que se demonstrasse a inexistência de estrutura da "S (UK)", no que não se concede, para que tal afirmação pudesse ter quaisquer implicações, seria imprescindível que a AT tivesse carreado aos autos não apenas os elementos que claramente demonstrassem que assim era (o que não fez), mas igualmente que a Recorrida tinha conhecimento de que tal acontecia – o que não se verificou.
DD. Quisesse a AT discutir a veracidade ou falsidade das faturas e retirar consequências fiscais dessa discussão, então apenas podia fazê-lo através das normas anti-abuso expressamente previstas para o efeito, devendo ter invocado a simulação do negócio jurídico em apreço nos termos do artigo 39.º da LGT, o que não fez.
EE. E sempre teria, neste caso, de provar o efetivo conhecimento da Recorrida desse negócio simulado, i.e., de que a Recorrida sabia que a relação comercial em apreço decorria entre si e o "NN", em vez da "S (UK)", pois apenas nesse caso poderia ter-se por verificado o requisito essencial para a correção com base neste regime legal, por “falsidade” das faturas.
FF. Em face de tudo quanto se vem expondo, mesmo que se verificasse incidentalmente ou em tese uma divergência entre a vontade real e a declarada e a Recorrida na realidade quisesse ou tivesse celebrado o contrato diretamente com o "NN" (o que não foi o caso e não vem demonstrado), não tendo existido no caso em apreço, nem vindo demonstrado pela AT (i) o pacto simulatório entre Recorrida, "S (UK)" e "NN", isto é, conhecimento, acordo e vontade de simular, nem (ii) a intenção de enganar terceiros, ou seja, a intenção de simular, manifestamente não pode ter-se por verificada uma simulação no caso em apreço.
GG. Assim, a veracidade ou não de tais factos que vêm invocados pela AT sempre se revelaria insuscetível de conduzir ao resultado almejado pela AT pois não apenas não são fundamento de desconsideração do gasto fiscal nos termos do artigo 23.º e 42.º, n.º 1, al. g) do CIRC, já que os gastos se encontram devidamente demonstrados e foram efetivamente incorridos pela Recorrida, e em qualquer caso não podem ter-se por falsos como impropriamente invoca a FP, pois em qualquer caso os factos que invoca são manifestamente insuscetíveis de configurar ou de demonstrar a existência de simulação de que a ora Recorrida tivesse conscientemente querido e participado com a intenção de prejudicar quem quer que fosse.
HH. De onde, mesmo que a AT tivesse adequadamente formulado e fundamentado a sua pretensão tributária nos termos do artigo 39.º da LGT – o que manifestamente não fez – , ainda assim as correções em apreço seriam ilegais, já que não há simulação sem conhecimento e não está demonstrado (porque não é verdade) o conhecimento da Recorrida da falta de estrutura da "S (UK)" e de que a Recorrida sabia que estava, na realidade, a contratar os serviços diretamente prestados do "NN".
II. Termos em que é inevitável concluir pelo acerto da Sentença Recorrida na sua decisão, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, quando decidiu que a AT não logrou demonstrar os elementos de facto dos quais depende a conclusão que pretende fazer valer em juízo, em particular os requisitos do artigo 23.º e do artigo 42.º, n.º 1, al. g) do CIRC, para desconsiderar os custos incorridos pela Recorrida com as comissões pagas ao seu agente no mercado do leste europeu, i.e., à "S (UK)", sendo de julgar improcedente o Recurso interposto e manter integralmente a Sentença Recorrida. Como foi decidido, e bem, pelo doutro Tribunal Recorrido.
V. PEDIDO
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá o presente Recurso ser rejeitado, por incumprimentos do ónus de alegações quer de facto quer de direito de modo processualmente adequado, em violação dos artigos 639.º e 640.º do CPC aplicáveis ex vi al. e) do artigo 2.º do CPPT.
Ainda que assim não fosse, sempre deveria o presente recurso ser julgado manifestamente improcedente, em matéria de facto e em matéria de direito, com os fundamentos acima expostos, mantendo o presente Tribunal a decisão recorrida quer em matéria de facto, quer de direito.
Mais se requer a dispensa do pagamento da taxa de justiça subsequente nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.»

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 1659 SITAF, no sentido da improcedência do recurso, no qual conclui que:
«(...) A recorrente se pretendia impugnar a decisão no tocante à matéria de facto dada corno provada, devia ter efectuado tal, de acordo com o que dispõe o artigo 640º do CPC.
O artigo 640º do CPC impõe-lhe um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. A ... tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizado, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Ao não dar cumprimento ao que estipula a lei, o Tribunal de recurso não a pode sindicar, quanto a esse particular.
No caso em apreço, a recorrente, em nosso entender, pretende é pôr em causa a convicção do julgador em relação à factualidade que deu como provada.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas. na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) v. Acórdão atrás mencionado.
“Resulta daquele princípio que ao tribunal de recurso apenas é permitida a modificação da matéria de facto fixada no tribunal a quo se ocorrer erro manifesto ou grosseiro na sua apreciação, ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente.” Ac. do TCAS de 2/6/2014 no processo 01220/06 in www.dgsi.pt.
A convicção do julgador foi o resultado quer da prova documental quer da prova testemunhal que foi carreada para o processo, tendo-se presente que “as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos” e que a “força probatória dos documentos das testemunhas é apreciada livremente” – artigos 341º e 396º ambos do CC.
(...)
Só que a AT não logrou efectuar essa prova, como lhe competia, sobretudo devido à actividade probatória desenvolvida pela "A..., S.A.", que demonstrou que as facturas em causa traduziam serviços prestados, como se explicita na sentença.
Dela constam as razões de facto e de direito em que assentou. A Mmª Juiz analisou a prova e fundamentou a decisão, em nosso entender, merecedora de confirmação, não se verificando os invocados vícios.
O recurso não merece provimento.»

1.4. Com dispensa dos vistos legais das Exmas. Desembargadoras Adjuntas (cfr. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes: Se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, por não ter efectuado uma análise crítica da prova documental constante do RIT, que a ser realizada conduziria a um desfecho em sentido oposto ao decidido, designadamente, que a "S... (UK), Limited"., não tem estrutura organizacional para prestar os serviços que prestou à recorrida, desconsiderando as facturas em causa relativas a custos com comissões em sede de IRC.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1.ª instância e respectiva fundamentação:
«Com relevância para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
1) A sociedade Impugnante dedica-se à produção e comercialização de loiças sanitárias, mais concretamente bases de chuveiro em chapa de aço esmaltado – fls. do RIT., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, prova testemunhal.
2) A sociedade Impugnante comercializa os seus produtos maioritariamente para o mercado externo – p.i. e prova testemunhal;
3) Sobretudo nos países de leste e onde existe maior dificuldade de penetração, para desenvolver o seu negócio e estabelecer relações comerciais, a Impugnante socorre-se de agentes, que angariam clientes, fazem a intermediação na relação com os clientes e promovem a marca nesses mercados – p.i. e prova testemunhal;
4) Numa feira de materiais de construção realizada em Bolonha em 1994, a Impugnante conheceu o "NN" e, posteriormente, através deste, conheceu a "S (UK)", Lda. – p.i. e prova testemunhal;
5) Entre 1994 e 1997/1998, "NN" colaborou com a Impugnante como agente direto da mesma/freelancer, angariando clientes no mercado da Europa de Leste – p.i. e prova testemunhal;
6) Em 9/4/1998 foi constituída a sociedade “"S... (UK), Limited".”, com sede em Londres, Inglaterra, que passou a ser agente da Impugnante, com vista à expansão dos negócios para outros mercados fora da Europa – artigo 26º e prova testemunhal e https://www..../directors-secretaries e https://www....-companies-house-documents;
7) "OO" fundou a sociedade “"S... (UK), Limited".”, bem como a sociedade “"S.... LLC"” – pág. do Relatório a fls. do PA;
8) A partir de 1998, "NN" deixou de ser freelancer e iniciou colaboração com a "S", com a intenção de criar sinergias entre ambos e aproveitar os contactos e clientela que cada um dispunha para ampliar o mercado.
9) Nessa sequência, "NN" apresentou à Impugnante o seu projeto com a "S", tendo a Impugnante aceitado tal projeto.
10) O que resultou na assinatura do contrato datado de 01/01/2000, denominado “Sole Agency Agreement” (cfr. contrato junto à p.i. como doc. n.º 5);
11) A Impugnante assumiu contratualmente a obrigação de pagar à "S" comissões sobre vendas intermediadas entre 5% e 10% do valor da venda, devendo ser acordado um valor para cada uma das operações (cfr. cláusula 4 do contrato junto à p.i. como doc. n.º 5);
12) O "NN" continuou a visitar os clientes da "A..., S.A.", a estabelecer contactos e relações comerciais. (cfr. prova testemunhal);
13) Foi entregue à Impugnante pela "S" uma carta/declaração, assinada por "EE", em representação da "S" e por "NN". (cfr. do. 6 junto à p.i.);
14) As comissões pagas pela Impugnante à "S" eram na maioria dos casos de 4% e 5%, sendo que em algumas das vendas, em mercados como a Rússia, chegavam aos 8% (cfr. anexos das faturas juntas à p.i. como docs. 18 a 20 e prova testemunhal);
15) A "S" emitia à Impugnante as faturas, indicando o montante das comissões devidas (cfr. docs. 18 a 20 junto à p.i.e prova testemunhal);
16) A fatura era enviada de Inglaterra pela "S". (prova testemunhal);
17) A Impugnante procedia ao pagamento da fatura à "S", por transferência bancária (cfr. docs. 21 a 23 e 43 juntos à p.i. e prova testemunhal);
18) O pagamento das faturas emitidas pela "S" era efetuado para uma conta domiciliada em Londres (a conta n.º ...22 do Banco 1...), de que era titular a "S" (cfr. docs. 21 a 23 e 43 juntos à p.i. e prova testemunhal);
19) Para cada um dos pagamentos efetuados, a Impugnante solicitava às autoridades fiscais inglesas um certificado atestando a residência da "S" em Inglaterra (cfr. docs. 24 juntos à p.i. e prova testemunhal);
20) A sociedade “"S (UK)"” já teve sede em três moradas diferentes em Londres: de 15/01/1998 a 26/10/2003 em 72, ...; de 27/10/2003 a 23/07/2006 em ...; e de 24/07/2006 até à data da consulta, em 4TH ... (cfr. docs. de fls. do PA);
21) A sociedade “"S... (UK), Limited".” teve como diretor "KK" (cfr. docs. de fls. do PA);
22) A sociedade “"S... (UK), Limited".” foi detida pela “"S.... LLC"” com sede em ..., United States of America. (cfr. docs. de fls. do PA);
23) A "E..., SRL", sociedade com sede em Itália, era representada pelo "NN". (cfr. docs. de fls. do PA);
24) Em 15/02/2006, foi remetido pelo Centre for Exchange of Intelligence para a Direção-Geral dos Impostos, “Informação”, designadamente com o seguinte teor:
HM Revenue & Customs – Troca de Informações no âmbito da Convenção sobre dupla tributação, em conformidade com a diretiva 77/799CE sobre a assistência mútua celebrada entre: Portugal ("A..., S.A.") e o Reino Unido ("S... (UK), Limited".).
(...)
Os nossos inspetores tomaram conhecimento de que a sociedade do Reino Unido, a "S... (UK), Limited"., é uma filial a 100% da "S.... LLC", a qual é propriedade de "OO" e da sua sócia "VV", ambos residentes na Bulgária.
A "S.... LLC" detém patentes de bicicletas de corrida profissionais. A principal atividade da sociedade do Reino Unido consiste em atuar na qualidade de comissionista para um mandante envolvido na venda de peças sobresselentes de bicicletas na Europa. A "S.... LLC" identifica o grossista das bicicletas e emite uma ordem para que o fabrico das bicicletas seja efetuado por sociedades portuguesas, através da sociedade do Reino Unido, a "S... (UK), Limited"..
Os fabricantes vendem diretamente aos grossistas e estes pagam diretamente aos fabricantes. A "S.... LLC" ganha uma comissão de 10% sobre todas as vendas efetuadas pelos grossistas. As duas sociedades portuguesas acima referidas fabricam as bicicletas em Portugal. Nenhuma destas sociedades está ligada ao grupo "S" e são sociedades completamente independentes.
O agente tributário que atua para a sociedade do Reino Unido também informou o nosso inspetor que a "S... (UK), Limited". foi constituída exclusivamente para ganhar as comissões pagas sobre as vendas de bicicletas fora de Portugal, dado que as autoridades portuguesas não aceitam pagamentos efetuados a sociedades de responsabilidade limitada. (...)”. (cfr. fls. 1082 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
25) Em 22/10/2007, pelos Serviços de Inspeção Tributária foi elaborada “Informação”, da qual consta, entre o mais:
1. Credencial e âmbito de ação
Para análise da situação foi solicitado a emissão de despacho a que foi atribuído o n.º DI 2007....32 de 2007.09.06.
A ação decorreu de 2007.09.14 a 2007.09.27, conforme releva a nota de diligência NDD2007....79.
2. Análise da situação na empresa
Constatou-se que a empresa "A..., S.A." é uma sociedade anónima detida a 100% pelo Grupo "W", que por sua vez é detido pela empresa espanhola "Companhia W ..., SA".
Não existe qualquer relação de domínio ou de participação entre as empresas "S" e "A..., S.A." ou entre os sócios.
A sua atividade consiste na fabricação de banheiras, bases para chuveiros, colunas e banheiras de hidromassagem, inicialmente em acrílico (2004, 2005) e atualmente em chapa, nada tendo a ver com fabricação ou comercialização de bicicletas ou acessórios para as mesmas.
3. Comissões
Entre a "A..., S.A." e a "S (UK)" foi inicialmente estabelecido um acordo que estabelecia comissões entre 5% e 10% sobre as vendas contratadas pela "S" na Polónia, Hungria, República Checa, Eslováquia Roménia, Bulgária, Rússia, Ucrânia, Eslovénia, Croácia, Bósnia, Letónia, Lituânia e Estónia, podendo estender-se a outros países por acordo entre as partes.
(...) As comissões mostram-se devidas face ao facto da empresa "S" envidar os esforços necessários para obter as encomendas para a empresa.
A boa relação existente entre as duas empresas permitiu a inexistência de outros contratos de agenciamento por escrito.
A colaboração da "S" em feiras internacionais, a suas expensas, influenciou também o montante das comissões.
(...)
4. Faturação e pagamento
(...) Os pagamentos são sempre feitos por transferência bancária e após o bom recebimento dos clientes.
Analisaram-se também as faturas de venda que deram origem às comissões, juntando-se algumas a título meramente exemplificativo, possuindo cada uma delas o respetivo documento comprovativo da exportação ou da transmissão intracomunitária.
(...)
5. Conclusões
Conclui-se assim pela veracidade das transmissões efetuadas bem como das comissões faturadas, as quais, face ao disposto no art.º 59.º do CIRC não têm caráter residual nem são de montantes exagerados.
(cfr. 480 a 482 do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
26) Sobre a informação a que se refere o n.º anterior recaiu despacho datado de 10/01/2008, com o seguinte teor: Emita-se OI externa para IRC – 2004 a 2005 a imputar à equipa ... para investigação destas comissões. (cfr. 479 do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
27) Em 27/10/2006, a Impugnante foi contactada telefonicamente pelo Inspetor "FF", que solicitou um conjunto de documentos, nos quais se incluíam documentos relativos à relação com a "S", os quais foram remetidos à AT por correio registado em 31/10/2006 (cfr. elementos juntos como doc. n.º 53 ao requerimento junto à p.i. como doc. n.º 31 e prova testemunhal);
28) Ao abrigo da Ordem de Serviço OI...107, com despacho de 15/01/2007, foi determinada inspeção tributária à Impugnante. (cfr.fls. 315 dos autos);
29) Com data de 17/03/2008 foi remetida à Impugnante carta-aviso (cfr.fls. 316 dos autos);
30) Em 17/03/2008, ocorreu nova visita da AT, tendo sido solicitado à Impugnante um novo conjunto de documentos (entre os quais documentos relativos ao exercício de 2007) e entregue a "RR" cópia da ordem de serviço do procedimento de inspeção externa relativo aos exercícios de 2004, 2005 e 2006 (cfr. doc. n.º 29 junto à p.i. e depoimento da testemunha "RR").
31) Em 31/03/2008, o inspetor "UU" realizou nova visita à Impugnante, tendo entregue notificação onde solicitava a prestação por escrito de diversos esclarecimentos e a entrega de documentos, inclusivamente respeitantes ao ano de 2007 (cfr. doc. n.º 30 junto à p.i. – fls. 318 e ss – e depoimento da testemunha "RR").
32) Em 22/04/2008, "UU" deslocou-se à Impugnante para recolher os elementos solicitados em 31/03/2008 (cfr. doc. n.º 31 junto à p.i. e depoimento das testemunhas "RR" e "UU").
33) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI...387, foi ordenada a realização de uma ação inspetiva à atividade da aqui Impugnante, de âmbito parcial, limitada ao IRC, IVA e RFS, do ano de 2007.
34) Em 30/07/2008, foi a Impugnante notificada da carta-aviso respeitante ao procedimento de inspeção relativo ao exercício de 2007, onde se indica como data de início e conclusão da inspeção referente a este exercício o dia 30 de julho de 2008 (cfr. doc. n.º 40 e 41 junto à p.i.).
35) Em 30/07/2008, a Impugnante foi notificada da nota de diligência n.º ND...431, da qual consta, entre o mais, que a ordem de serviço é a OI...387, iniciada em 30/07/2007 e concluída nesse mesmo dia, de âmbito parcial ao IRC e IVA do ano de 2007 (cfr. doc. n.º 41 junto à p.i. e artigo 74.º da p.i,).
36) Da nota de diligência mencionada no artigo anterior, resulta ainda que “da ação inspetiva resultam atos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis ao sujeito passivo” (cfr. doc. n.º 41 junto, fls. 756 dos autos).
37) Por ofício de 01/08/2008, foi a Impugnante notificada do projeto de relatório de inspeção tributária realizado na sequência das inspeção feitas ao abrigo das ordens de serviço OI...107 e OI200801387 e para se pronunciar (cfr. doc. n.º 32 junto à p.i, fls. 341 e ss.).
38) A Impugnante pronunciou-se em sede de audição prévia (cfr. doc. n.º 33 junto à p.i, fls. 620 e ss.).
39) Em 05/08/2008, a Impugnante foi notificada do projeto de relatório de inspeção tributária, onde foram propostas correções aos exercícios de 2004, 2005, 2006 e 2007, nos montantes de € 219.506,06, € 234.321,11, € 290.225,03 e € 284.477,42 respetivamente, em virtude da não aceitação como custo dos montantes das comissões pagas à "S". (cfr. doc. n.º 32 junto à p.i.).
40) Notificada a Impugnante do teor do projeto de conclusões do relatório de inspeção e, para querendo, exercer o direito de audição prévia, no prazo de 10 dias, a Impugnante exerceu o direito de audição sobre as conclusões do projeto de Relatório da inspeção – fls. e ss do PA;
41) Em 12/09/2008 a AT elaborou o Relatório final da inspeção, que foi homologado por despacho de 15/09/2008, tendo apurado correções meramente aritméticas à matéria tributável do IRC dos anos 2004, 2005, 2006 e 2007 por desconsideração como custo fiscal das comissões pagas à "S... (UK), Limited". – fls. 689 e ss dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
42) Do relatório final de inspeção consta a seguinte fundamentação com relevância para os Autos:
(...)
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
(...)
– relatório a fls. 689 e ss do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
43) Em 16/09/2008 foi remetida pela Direção de Finanças de ..., Divisão de Inspeção Tributária, notificação para a os mandatários da Impugnante, com o documento de fixação em IRC relativo aos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, relatório final (artigo 61.º e 62.º do...RCPIT... e art. 77.º da ...LGT) para os seus mandatários em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 40.º do CPPT. – fls. 459 do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido
44) Tal notificação foi recebida em 19/09/2008 – fls. 461 do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
45) Em 16/09/2008 foi remetida pela Direção de Finanças de ..., Divisão de Inspeção Tributária, notificação para a Impugnante, com o seguinte teor: “Para seu conhecimento informo que nesta data foi expedida notificação acompanhada do relatório final (artigo 61.º e 62.º do...RCPIT... e art. 77.º da ...LGT) para os seus mandatários em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 40.º do CPPT. fls. 456 do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido
46) Tal notificação foi recebida em 19/09/2008 – fls. 458 do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
47) Na sequência das correções efetuadas, a AT emitiu as seguintes liquidações adicionais de IRC e respetivas demonstrações de compensação e de liquidação de juros compensatórios impugnadas nos presentes autos: liquidação n.º ...96, relativa ao IRC do exercício de 2004, no montante de € 68.209,84; liquidação n.º ...27, relativa ao IRC do exercício de 2005, no montante de € 69597,47; liquidação n.º ...41, relativa ao IRC do exercício de 2006, no montante de € 79.086,31; liquidação n.º ...59, relativa ao mesmo exercício de 2006, anulando e substituindo a anterior liquidação, referente ao mesmo exercício, no montante de € 79.086,31; liquidação n.º ...62, relativa ao IRC do exercício de 2007, em que se apura um reembolso a favor da impugnante de € 186.000,99, face a um reembolso anteriormente determinado de € 261.387,51 (cfr. doc. 1 a 4 e 39 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido)
48) A falta de pagamento das liquidações respeitantes aos exercícios de 2004, 2005 e 2006 deu origem aos processos executivos n.ºs ...00 (2004), ...60 (2005) e ...78 (2006) (cfr. doc. 45 a 47 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
49) Em 25/02/2009, a AT procedeu à compensação das dívidas em execução naqueles processos (cfr. doc. 48 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
50) O Impugnante apresentou reclamação judicial de tal compensação, reputando-a de ilegal, tendo a mesma sido julgada procedente (cfr. doc. 53 e 54 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
51) Uma vez anulado o ato de compensação, a AT reativou os respetivos processos de execução fiscal e notificou a Impugnante para prestar garantia, a qual foi oportunamente prestada – garantia bancária n.º ...53, de 22 de dezembro de 2009 (cfr. doc. 55 e 56 junto à p.i., fls 1265 e ss cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
52) A AT procedeu ao reembolso do montante compensado e do montante de € 9693,07, a título de juros indemnizatórios.
53) A AT instaurou, ainda, o processo de execução fiscal com o n.º ...18, respeitante à liquidação do ano de 2007.
54) Em 19/06/2009, a Impugnante pagou a totalidade da dívida relativa ao ano de 2007.
55) A Impugnante procedeu ao pagamento das dívidas e, em consequência foram extintos os processos de execução fiscal com o n.º ...00, ...60, ...78.
56) Pelo ofício ...00 ...-SF/17 de 2017-01-09, o Serviço de Finanças de ... informou o Banco 2... SA do seguinte:
“Assunto:..Cancelamento de garantia bancária
Fica V. Exa. por este meio notificado que deverá proceder ao cancelamento da garantia bancária n.º ...53, uma vez que o processo de execução fiscal ...00 e aps se encontra extinto por pagamento desde 2016.12.20”.
(cfr. fls 1264 a 1296 cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
57) Com a prestação e a manutenção da garantia bancária, a Impugnante incorreu em custos no montante global de €36183,83. (cfr. doc. n.º 59).
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram designadamente os seguintes factos:
i) A "S... (USA)" emite a ordem para o fabrico das bicicletas pela Impugnante;
ii) A Impugnante fabrica as bicicletas em Portugal;
iii) A "S... (USA)" detém patentes de produtos comercializados pela Impugnante;
iv) A entidade emitente das faturas não tem qualquer atividade efetiva:
v) As faturas não titulam operações reais.
A matéria de facto assente resultou dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados e se dão por integralmente reproduzidos e da prova testemunhal produzida.
"NN" referiu, em suma, que conhece a "A..., S.A." desde 1994, com a qual teve contacto numa feira do setor metalúrgico. Momento a partir do qual passaram a ter relações comerciais. A feira realizou-se em Bolonha e tinha como objeto materiais de construção. Trabalhou para a "A..., S.A." desde essa data até 1998, como profissional liberal/free lancer/colaborador externo. Andava pelos mercados da Europa de Leste a procurar potenciais clientes.
Mais referiu que a "A..., S.A." produz banheiras esmaltadas e polibans, estruturas em aço.
Nos anos de 2004 a 2007 iniciou colaboração com a "S", não era agente da "A..., S.A.".
A "S" é uma empresa inglesa que se ocupa de materiais de construção e de produtos para os setores de bicicletas e motociclos. A sua colaboração com esta empresa foi iniciada com esta empresa em 1998 no intuito de criar sinergias para os negócios, aumentar a presença noutros mercados pois que a "S" já tinha contactos nos mercados que se poderiam associar aos contactos que a testemunha já tinha.
Disse que em 1998 apresentou ao diretor-geral da "A..., S.A." este novo projeto com a "S" que conduziu a que dois anos depois fosse assinado o contrato de agência entre a "A..., S.A." e a "S", pois que a "A..., S.A." queria que continuasse a ser o seu agente. A "S" tem sede em Inglaterra, o seu diretor é "EE".
Continuou a trabalhar sobretudo desde Itália. Porém, a ordem de encomenda era enviada pelos clientes para a "S" e para a testemunha, que a remetia à "A..., S.A.". Após conferir e produzir a encomenda, a "A..., S.A." remetia-a diretamente ao cliente por camião. Era então emitida a fatura final. A testemunha acompanhava todo o procedimento e também todas as questões relativas a pagamentos.
Pelos serviços de intermediação eram pagas comissões. A "S" emitia faturas para a "A..., S.A." conforme serviços prestados, pois que a testemunha afirmou ser colaborador da "S" no período em causa.
O acordo que assinaram era até 2007. A partir dessa data, deixou de colaborar com a "S", pois que a sua experiência foi aumentando, pelo que decidiu trabalhar por conta própria.
"ZZ", Escriturária na "A..., S.A.", ....
Trabalhava na exportação. Fazia todo o trabalho de encomendas. Referiu que a "A..., S.A." trabalha sobretudo no mercado estrangeiro e recorre a intermediários, comissionistas, pois que estes já têm conhecimento dos mercados e é mais fácil estabelecer contactos, angariar clientes nos países de leste.
O agente manda a encomenda com toda a informação do cliente. Na "A..., S.A." verificam a encomenda, produzem a mercadoria e enviam a encomenda pronta diretamente para a cliente. Quanto à documentação, é enviada para o agente, que faz o acompanhamento da cobrança.
Relativamente ao "NN" em concreto, os contactos eram feitos com ele ou com a empregada, "HH", que era também quem assinava os documentos quando aquele não estava no escritório. As encomendas eram enviadas via fax, para Itália.
"YY",
A "A..., S.A." recorre a agentes para servirem de intermediários, porque é mais fácil “entrar” em mercados de certos países, como a Rússia, a Hungria, a Grécia, o Líbano, a Síria... A "A..., S.A." recorre a vários agentes. Um dos agentes é a "S".
Os agentes recebem a encomenda e enviam-na por fax/mail para a "A..., S.A.". A encomenda é verificada e enviada para a produção. Após pronta, é informado o agente da data em que a encomenda estará pronta para expedição. Depois é emitida a fatura.
Na "S" as encomendas eram tratadas com o "NN" e com a "HH", ambos contactados em Itália. A testemunha nunca enviou faxes/comunicações para o Reino Unido. Não conhece o "EE" nem sabe a quem eram pagas as comissões, pois que não cabia a seu departamento efetuar esse tipo de pagamentos.
"TT", TOC da "A..., S.A.".
A "S" é uma empresa que cobra as comissões pelas vendas ao estrangeiro. Quem representa a "S" é o "NN".
A "S" enviava à "A..., S.A." uma fatura com o total devido das comissões a serem pagas pelos serviços prestados. A comissão era uma percentagem da venda total. A fatura vinha por correio da "S", de Inglaterra. Só pagavam as comissões se o cliente final pagasse a mercadoria. O pagamento à "S" era feito por transferência bancária para um banco inglês.
Tem conhecimento de todo o processo de pagamentos, designadamente aqueles em que é necessário certificado de residência. Porém, por regra, não tem contacto com os agentes, designadamente com a "S", é o departamento comercial que tem.
"RR", Diretor Financeiro, Funcionário da "A..., S.A.", referiu que 98% da produção é para exportação. Em países mais estáveis, as vendas fazem-se diretamente através dos comerciais; já em países de leste fazem-se através de agentes.
A "S" era uma empresa agente. O "NN" era o comercial da "S", desde 1998. Antes, a "A..., S.A." já trabalhava cm o "NN" como freelancer. Pelo que, quando este começou a colaborar com a "S", quando passou a fazer parte do staff comercial da "S", uma vez que o queriam manter, aceitaram pagar as comissões à "S". Assim, assinaram um compromisso, no qual se estabeleceu que se o "NN" deixasse a "S", também a "A..., S.A." nada deveria à "S" e não se manteria qualquer vínculo a esta.
Os contactos mantiveram-se com o "NN", com Itália. A testemunha referiu que sabe que o "NN" passou a pertencer ao staff comercial da "S", mas não sabe o vínculo que os unia.
Acrescentou que a reação comercial com o "NN" foi extremamente proveitosa para a "A..., S.A." e fundamental para a estabilidade da empresa.
A "S" cobrava à "A..., S.A." uma comissão. A "S" enviava uma listagem com todas as faturas, nas quais tinha tido intervenção nas vendas. A "A..., S.A." verificava se as faturas tinham sido pagas pelos clientes. As comissões eram, então, pagas por transferência bancária e correspondiam a uma percentagem das vendas (4% – 5%).
Nunca ouviu falar da "S.... LLC", com sede nos EUA. A "A..., S.A." não tem patentes, os modelos são universais; portanto, a "S.... LLC" não pode deter patentes da "A..., S.A.", é impossível.
O conhecimento que tem da "S", os contactos foram sobretudo com o "NN". Na empresa, as pessoas responsáveis contactaram um senhor chamado "EE". Depois um senhor de nome "QQ", a quem eram feitos os pagamentos.
"GG", Inspetor Tributário.
Referiu, em suma, as fases do processo de inspeção e o seu desenvolvimento.
Disse que houve vários procedimentos inspetivos à "A..., S.A.".
Numa primeira fase, houve um pedido de troca de informações por parte do Reino Unido feito à AT e foi necessário responder.
Depois, numa segunda fase, um outro procedimento à parte, foi feita uma ação de inspeção, com uma ordem de serviço, com base na comunicação que veio de Inglaterra e em que se pegou nas informações que já haviam sido recolhidas. Houve elemento que foram pedidos ao contribuinte que já eram do conhecimento da AT, que já estavam na sua posse.
Quanto aos pagamentos, reiterou que os pagamentos feitos pela "A..., S.A." a título de comissões são normais. Porém, analisaram as demonstrações financeiras da "S" e viram que havia uma remuneração de um diretor e nada mas a título de custos com pessoal. O que fez levantar a questão de como é que "NN" seria remunerado à luz deste acordo, não se conseguindo encontrar conexão.
Não viu nenhum indício que a "A..., S.A." conhecesse ou que tivesse qualquer ligação à "S.... LLC". E não há patentes detidas pela "S.... LLC" de produtos fabricados pela "A..., S.A.".»
2.2. De direito
A Recorrente (Fazenda Pública) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de ... pela qual foi julgada procedente a impugnação judicial interposta por "A..., S.A." (Recorrida) contra as liquidações de IRC referentes ao ano de 2004, 2005, 2006 e 2007, acrescidas de juros compensatórios, no valor global de € 292.280,14.
Liquidações essas, subjacentes à uma acção inspectiva tributária a que a "A..., S.A." foi objecto, com recurso a correcções de natureza meramente aritmética, decorrentes da não aceitação de custos fiscais das facturas referentes a comissões pagas a não residentes, in casu, à empresa "S... (UK), Limited"., que considerou não titularem operações económicas reais.
A Recorrida alicerçou a sua Impugnação, invocando, em suma, vícios ao procedimento inspectivo e, em assim que as facturas que contabilizou, emitidas pela "S... (UK), Limited". respeitam a transacções económicas reais que AT não alcançou prova em contrário.
O tribunal a quo, julgou a pretensão da Recorrida procedente, entendendo que a AT não logrou demonstrar os fundamentos dos quais quer fazer depender a sua pretensão tributária, pelo que, estando demonstrado que os gastos foram efetivamente incorridos pela Recorrida e estão adequadamente comprovados, sendo que a AT não cumpriu com o seu ónus da prova quando colocou em causa a veracidade e materialidade das operações em apreço (que aliás a própria AT expressamente reconhece que tiveram lugar e pelos montantes considerados), considera que tais gastos reúnem os requisitos legais para a sua dedutibilidade fiscal, anulando as Liquidações.
Em sede de exame do recurso, antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cf. artigo 639º, do CPC e artigo 282º, do CPPT).
Alega a recorrente que a sentença enferma de erro de julgamento de facto, ao desconsiderar cada um dos factos-índice invocados pela inspecção para não aceitar como custo fiscalmente dedutível as comissões pagas à "S... (UK), Limited"..
A Impugnante em sede de contra-alegações de recurso, defende o incumprimento do ónus de alegação inerente ao erro de julgamento de facto imputado, e no mais mantém a posição estremada na sentença objecto do recurso.
Cumpre, pois, conhecer do Recurso da Fazenda Pública. Vejamos.
2.2.1. O erro de julgamento recai sobre um elemento dos dois elementos que estruturam a decisão jurisdicional: a fundamentação de facto e a fundamentação de direito. O denominado erro de facto, por contraposição ao erro de direito, pode resultar de errada apreciação do material probatório que a ocorrer se estende a fixação da materialidade fáctica relevante para a decisão e/ou conduzir a uma desacertada interpretação dessa materialidade.
Como assertivamente se elucida, no acórdão do TCA Sul de 10.07.2014, proferido no âmbito do processo n.º 7813/14, “No primeiro caso o erro consubstancia-se numa indevida utilização da livre convicção, erro esse que deve ser demonstrado pelo recorrente através do exercício de um duplo ónus: um, (i) o de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso indicando claramente os segmentos da decisão que considera padecerem de erro de julgamento; outro, (ii) fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa.
Assim, quando a selecção dos factos não é colocada em questão em sede de recurso, mas apenas se coloca a ênfase impugnatória na subsunção dos factos ao direito aplicável tendo em vista uma solução jurídica diferente da decretada, o erro que se suscita não é um erro na apreciação da prova, mas sim um erro de julgamento de direito.
No caso vertente a recorrente Fazenda Pública coloca a ênfase na errada valoração da prova dada como provada, no que concerne aquela que directamente decorre do RIT (conclusões 1. a 23), e as ilacções a que o tribunal a quo colheu de que: “(...) a AT não prova que a sociedade "S (UK)" não tinha qualquer estrutura instalada que permitisse prestar os serviços que faturou á agora Impugnante./ (...) a Administração Tributária não consegue demonstrar a ausência de participação direta da "S (UK)", através de um qualquer colaborador seu, na prestação de serviços de apoio comercial à impugnante./ (...) que a Administração Tributária não procurou explicações junto do "NN" ou de qualquer representante da "S" para aferir sobre a prestação de serviços das comissões que pôs em causa.”. Certo é, que ataca as ilacções retirada dos factos, nomeadamente do RIT, feita pelo tribunal a quo, mas em momento algum sustenta que ocorreu uma indevida consideração das provas produzidas nos autos em ordem a determinar um resultado probatório diferente do fixado, estrema a sua tese de que aqueles factos conduzem sim “(a) concluir que a "S (UK)" não possuía meios materiais e jurídicos que possibilitem as prestações de serviços relativas às comissões que foram faturadas á impugnante, não podendo concluir-se como fez o douto tribunal que se tratava de suspeitas não fundamentadas da inspeção.(...) face á fundamentação constante dos autos (relatório de inspeção da recorrida) e em face da prova forte e bem alicerçada em que aquele se baseou, existem “factos-índice”, mais do que suficientes para permitir à AT desconsiderar os custos suportados que tem as faturas em causa como suporte documental, com o fundamento de que as operações referidas nessas faturas não ocorreram”.
Ora, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. E, somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cf. artigo 371º, do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cf. artigo 607º, nº.5, do CPC, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; vide Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Mais, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cf. artigo 640º, do CPC, ex vi do artigo 281º, do CPPT, vide José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181, em anotação ao anterior artigo 685º-B do CPC).
Importa, ainda, ter presente que o poder de cognição deste tribunal ad quem sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal a quo não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artigo 640º do CPC e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artigo 640º do CPC.
Concretizando, as três alíneas do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, impõem à Recorrente a especificação (i) dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (ii) dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos a matéria de facto impugnados diversa da recorrida e (iii) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Decorre ainda do n.º 2 deste artigo que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pela Recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Ora, volvendo aos autos, como decorre das alegações e conclusões a impugnação da matéria de facto não foi correctamente estruturada segundo o regime legal aplicável, para que seja possível a este tribunal ad quem alterá-la. Pois que a Fazenda Pública baliza a sua indignação na ocorrência de um erro na apreciação da matéria de facto, isto é, que os factos dados como provados e não provados conduzem a um resultado jurídico diferente daquele a que chegou a sentença, limitando-se a contrapor as ilacções que o tribunal a quo alcançou assente na sua convicção decorrente do bom senso e experiência e factos-índices constantes do RIT.
Assim sendo, em consonância com as contra alegações da Recorrida e parecer do Ministério Público, não cumpre proceder a qualquer alteração ou aditamento ao probatório consignado na sentença, cumprindo tão só a este tribunal ad quem, aferir do eventual erro na apreciação e valoração da matéria de facto e consequentemente, no julgamento de direito e na solução jurídica preconizada na sentença quanto aos factos-índice invocados pela inspecção para não aceitar como custo fiscalmente dedutível as comissões pagas à "S... (UK), Limited"...
2.2.2. Vejamos, pois, o que se nos oferece dizer, cumprindo de antemão estabelecer o enquadramento jurídico da correcção operada em sede de IRC, imbuído de considerações doutrinais e jurisprudenciais sedimentadas.
Vejamos.
A base de incidência do IRC encontra-se consagrada no artigo 3º, do CIRC, sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultado da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Mas é o artigo 17º e seguintes do CIRC que dita as regras gerais de determinação do lucro tributável, nomeadamente o artigo 23º, o qual especifica quais os custos (gastos) que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Assim, para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artigo 23º do CIRC, o qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (neste sentido entre outros os Acórdãos do TCA Sul de 29.05.2014, processo n.º 7524/14 e de 19.05.2016, processo n.º 7245/13/ J. L. Saldanha Sanches, in “A Quantificação da Obrigação Tributária”, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, in “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.)
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
Cumpre atentar que, à data dos factos, a conformação legal da relação entre gastos e a finalidade de obtenção ou realização de rendimentos sujeitos a imposto apelava, de forma expressa, ao critério da indispensabilidade, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, que se transcreve parcialmente:
“Artigo 23.º
Gastos
1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:
a) […] .“
A aplicação do conceito de indispensabilidade como condição delimitativa da dedutibilidade fiscal em IRC suscitou algumas divergências que, ao longo dos anos, foram dirimidas pela via jurisprudencial e promoveram, conjuntamente com a doutrina, uma maior densificação deste conceito, no entanto in casu, não é posta em causa pela AT a indispensabilidade das comissões pagas, pelo que apenas cumpre reter, quanto aquele conceito que em regra, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa, ou pela negativa, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.
Não estando em causa nos autos, a dispensabilidade dos custos não desconsiderados, mas sim a sua comprovação, centremos a nossa atenção na questão do ónus da prova, pois esta sim, apresenta na sindicância do julgado que nos é exigido fulcral importância, como veremos.
Temos por suposto que a contabilidade traduza a realidade empresarial. Como tal, todos os movimentos no património da empresa deverão ser registados e, mais do que isso, a contabilidade deverá poder ser comprovada. É para este efeito que existe o n.º 1 do artigo 123º do CIRC, que estabelece obrigações contabilísticas para a maioria das empresas. A alínea a) do n.º 2 do mesmo preceito prevê que “todos os lançamentos contabilísticos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário.” Nesta alínea é expressa a exigência de que haja sempre um documento que justifique determinado custo pois só assim, e passando no teste da indispensabilidade, esse custo poderá ser dedutível.E, por outro lado, não podemos olvidar que se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade cabe à ATA o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, contudo no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a ATA questionar essa indispensabilidade (cfr. artigos 74º, n.º 1 r 75º, n.º 1 da LGT). [vide Acórdãos do TCA Sul de 02.02.2010, proc.3669/09, 16.10.2014, proc.6754/13, 22.01.2015, proc.5327/12, 19.02.2015, proc. 8137/14; Acórdão do TCA Norte de 16.10.2014, proc. 438/06].
Sendo que em tal desiderato, assenta o encargo da prova dever recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos.
Neste cenário, e perante o caso trazido a juízo, cumpre aludir ao ónus que recai sobre AT de ilidir a presunção de veracidade de que goza a contabilidade, pois que a indispensabilidade dos custos com comissões não é posta em causa como discorre do RIT.
Recuperemos aqui, o enquadramento jurídico dissertado na sentença sob recurso: «Ora, em sede de IRC, a contabilidade é eleita como o sustentáculo para o apuramento e determinação do lucro tributável (artigo 17.º n.º 1 CIRC), impondo-se, em ordem a permitir o controlo deste, que seja organizada nos termos da lei comercial e fiscal, exigência que, designadamente, implica o cumprimento da regra segundo a qual “todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário” [artigo 98.º n.º 1 e 3 al. a) CIRC]. Quando a contabilidade esteja assim organizada, «presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexatidões ou outros indícios fundados de que ela não reflete a matéria tributável efetiva do contribuinte» (artigo 75.º da Lei Geral Tributária).
Na senda da exigência de justificação documental dos custos (art.º 23.º CIRC) dispõe o artigo 42.º, n.º 1, alínea g), do CIRC, que “Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício: (...) g) Os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial”.
O artigo 115.º, n.º 3, alínea a), do CIRC refere que “na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte: a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário (...)”. Assim, os encargos têm de estar devidamente justificados, por meio de documento, para que seja fiscalmente dedutível enquanto custo fiscal.
Como se escreve no Acórdão n.º 07833/14 do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 21/05/2015, proferido na esteira do Acórdão n.º 0658/11, do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 05/07/2012, e do Acórdão n.º 06468, do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 23/04/2015,
“O CIRC não estabelece qualquer definição do conceito de “devidamente documentado” ao contrário do que sucede em sede de IVA, em que se estabelece a obrigatoriedade de emissão de fatura (art. 29.º, 1, alínea b) do CIVA) com as formalidades previstas no n.º 5 do art. 36.º do CIVA;
Deste modo, em sede de IRC, o documento justificativo do gasto para efeitos do art. 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC não tem de assumir as formalidades previstas para as faturas em sede de IVA;
Os encargos estão devidamente documentados quando contenham os elementos essenciais da operação que titulam, por forma a possibilitar à AT quer ao controlo da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto, quer da respetiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços”.
No que se refere às exigências de natureza formal e de documentação dos custos, têm subjacente a proteção do interesse público no combate à fuga e à evasão fiscal, pelo que não se pode deixar de valorar e ponderar os interesses que estão subjacentes às exigências formais.
É que as exigências dos artigos 23.º e 41.º do CIRC devem ser lidas em conjunto com as que a lei fiscal estabelece em geral sobre a escrita das empresas. Há assim a obrigação de as empresas disporem de «contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal» a exigência de “autenticação dos livros societários na repartição de finanças, nos casos excecionais de impossibilidade de certificação segundo a lei comercial e, por fim, a exigência da observância de um “rigoroso procedimento organizativo da contabilidade do CIRC, o qual, para além do registo cronológico das operações, sem emendas e rasuras se deve apoiar «em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário» (Cfr. TOMÁS CASTRO TAVARES).
No que respeita às aquisições de serviços, a regra geral é de que os respetivos documentos justificativos sejam de origem externa, sendo essa origem que lhe confere a presunção de autenticidade. Tomás de Castro Tavares (in CTF n.º 396, p. 123), aponta, a este propósito, ser adequada e bastante “uma qualquer forma externa de representação da operação (...) desde que explicite, de forma clara, as principais características da operação” designadamente os sujeitos, o preço, a data e o objeto da transação.
Refere também Freitas Pereira (in CTF n.º 365, p. 343 e ss.) que “a inexistência de documento externo destinado a comprovar uma operação para a qual ele devia existir afeta necessariamente, e em princípio, o valor probatório da contabilidade e essa falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno. É que o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respetivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade. Um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele refletidos. Assim, a falta de documento externo pode ser suprida por outros meios de prova que demonstrem de forma inequívoca a justeza do lançamento efetuado”.
Em suma, se é certo que os documentos externos são, por si, bastantes à justificação de custos com a aquisição/prestação de serviços, na esteira da doutrina e da jurisprudência mais abalizada, o que efetivamente releva, em sede de IRC, à justificação de custos incorridos é a demonstração, por qualquer via probatória em direito admitida, de que os mesmos têm aderência à realidade, designadamente através de documentos com origem no próprio sujeito passivo, desde complementados por outros elementos probatórios que permitam conferir-lhes credibilidade, ou, como ensina Tomás Castro Tavares «ao comprador compete, pois, a prova da ocorrência do custo, com a determinação do seu efetivo montante. Para tal, não basta que evidencie um documento interno (por si mesmo realizado). Ao lado desse suporte terá de demonstrar, por qualquer outro meio, a existência e principais características da transação. Nessa tarefa poderá carrear quaisquer meios de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao juiz aquilatar sobre o preenchimento da prova. Deste modo, um custo não documentado assume efeitos fiscais se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efetividade da operação e o montante gasto”.
Concluindo, despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação.
A possibilidade de rejeição liminar do custo por parte da AT é naturalmente maior quando o documento de todo não existe. No entanto, se a documentação existe, mas é insuficiente ou deficiente, a dedutibilidade fiscal do custo respetivo não é posta de parte se os documentos existentes permitirem ainda assim o controlo ou verificação. Neste último caso, o dever de colaboração do contribuinte surge reforçado, cabendo-lhe um maior dever de orientação dos agentes da fiscalização na exposição documentável dos contornos da operação.
Diversa da justificação documental do custo, é a questão da justificação finalística da despesa, isto é, a sua relação com a realidade económica da empresa.
Comprovação distingue-se, portanto, de demonstração do custo (que é feita através da sua formalização ou documentação). É diferente comprovar que o custo existiu e demonstrar que o custo suportado teve relação com a realização dos proveitos ou a manutenção da fonte produtora. E essa demonstração cabe ao contribuinte, pois é este que se encontra em relação direta com a informação justificativa.
Note-se que o ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita corretamente organizada (artigos 75.º do CPPT e 75º da LGT), pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada, mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível.
Destaca-se que todo o sistema de determinação do valor tributário parte da presunção de veracidade das declarações dos contribuintes e dos elementos contabilísticos que lhes servem de suporte, desde que as declarações sejam apresentadas nos termos previstos na lei e que os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade estejam organizados de acordo com a legislação comercial (artigo 75º., n.º 2, al. a) da LGT).
Desta presunção da veracidade resulta a vinculação da AT à realização da liquidação com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, posteriormente, ao controlo dos factos declarados.
A AT procederá não só ao controlo das peças formais do próprio sujeito passivo, mas também, eventualmente, ao confronto com os suportes contabilísticos dos agentes que se relacionaram economicamente com o contribuinte (clientes e fornecedores).
Só no caso de resultar, do controlo efetuado, que a matéria coletável apurada na declaração ou com base nos elementos pelo contribuinte fornecidos não corresponde à realidade, pode a AT proceder, em alternativa, ao apuramento da mesma.» (fim de transcrição)
Em suma, o contribuinte tem que fazer a prova da materialidade das operações efetuadas e demonstrar que os gastos correspondem à realidade dos factos, caso isso seja fundadamente posto em causa pela AT. Sendo precisamente este o cerne do pleito que nos é colocado em apreço.
Pois que, como já referimos supra, analisado o recurso da Fazenda Pública concluímos que apenas está posta em causa a convicção formada pelo tribunal a quo quanto à insuficiência dos factos-índice constantes do RIT para abalar a presunção de veracidade da contabilidade da Recorrida, ou seja, o erro na apreciação da prova, que consiste no erro “de avaliação de um concreto meio de prova, i. e., um erro sobre que factos estão representados por um dado meio de prova”, que se concretiza “nas operações judiciais de análise crítica das provas (…)” (cfr. Pinto, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, pág. 31).
Ora, quando está em causa a correção de liquidações de IRC por desconsideração dos custos documentados por faturas reputadas de falsas pela AT, e porque a liquidação de IRC tem por fundamento o não reconhecimento de custos declarados pelo sujeito passivo, compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação; ou seja, tendo o juízo da administração tributária assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado na fatura em causa não corresponde à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na fatura não corresponde a uma operação real.
Feita essa prova, competiria ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer refletir negativamente os custos declarados na determinação da respectiva matéria tributável nos termos que decorrem dos artigos 17º, nº 1, e 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100º do CPPT não tem aplicação.
Nesta sede, da verificação da suficiência dos factos-índices conducentes à conclusão que AT chegou de que os serviços não foram prestados pela "S (UK)", decorre da sentença que: «A AT suscitou determinadas dúvidas sobre alguns custos da aqui Impugnante, nomeadamente quanto à existência efetiva de comissões pagas pela agora Impugnante à "S... (UK), Limited". [ou "S (UK)"] nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007.
Como motivação para recusa de dedução de tais custos, a AT refere, entre o mais e em suma:
– O trabalho de intermediação das vendas existiu, sendo que as provas encontradas levam a considerar que sempre foi realizado pelo "NN" e os serviços prestados têm o seu centro efetivo de atividade em Itália.
– Grande parte da correspondência entre a "S... (UK), Limited". , Lda e a Impugnante tem origem e destino em Itália.
– Na diversa documentação não se encontra qualquer elemento que prove ou indicie qualquer intervenção da "S... (UK), Limited".. na prestação de serviços.
– Esses serviços, apesar de serem prestados pelo "NN", são pagos à "S... (UK), Limited". por instrução deste.
– A "S (UK)", segundo informações das autoridades fiscais inglesas, não tem estrutura organizacional efetiva no Reino Unido para prestar os serviços, já teve diversas moradas diferentes e é detida pela "S.... LLC", com sede em Delaware, EUA, local com regime fiscal privilegiado.
– A "S.... LLC", por sua vez, tem como sócios o Sr. "OO" e esposa e detém patentes relacionadas com produtos comercializados pela Impugnante no setor das bicicletas.
Cabe à AT provar os factos em que assenta o direito que pretende exercer, nomeadamente, que a sociedade "S (UK)" não tinha estrutura, meios humanos, técnicos e financeiros adequados à prestação efetiva dos serviços que faturou à agora Impugnante.
A AT baseou-se em informações transmitidas pelas autoridades do Reino Unido, que referem que a sociedade "S (UK)" teve a sua sede localizada sucessivamente em três locais, em Inglaterra, sítios que são conhecidos como “ninhos de empresas”, “escritórios virtuais”, sem capacidade instalada.
Refere também a AT, que a "S (UK)" dispôs ao longo do tempo de um único funcionário ao seu serviço, em Londres.
Mais resulta do RIT que a maioria da correspondência com a "S (UK)" teve origem e destino em Itália e que as decisões dessa empresa dependiam das instruções do "NN".
Ora, a AT não consegue demonstrar cabalmente a ausência da participação direta da "S (UK)", através de um qualquer colaborador seu (ainda que seja o "NN"), na prestação de serviços de apoio comercial à Impugnante.
Os elementos recolhidos pela AT não se afiguram-se como indícios sérios e credíveis de que a "S (UK)" não tinha qualquer estrutura instalada que permitisse prestar os serviços que faturou à agora Impugnante.
A AT admite que o pagamento das comissões tem subjacente uma prestação de serviços de apoio comercial no mercado externo, e que tal gasto foi incorrido no interesse da ora Impugnante e de acordo com o seu fim social, que viu substancialmente incrementadas as suas vendas.
A AT afirmou que a "S" não tem estrutura económica para tanto e questionou a conexão entre o prestador efetivo e o emitente das faturas. Referiu igualmente que não haver evidências concretas de qualquer tipo de relação entre a "S (UK)" e "NN".
Porém, não procurou a AT explicações junto do "NN" ou de qualquer representante da "S" para aferir se este não estaria a agir em seu nome, qual a razão de ser a "S" o agente, que tipo de estrutura era exigida pelo agente para a prossecução dos negócios em causa. É que, note-se, existe um documento nos autos, assinado por "NN" em que é declarado que este faz parte do staff da "S". Por isso, impunha-se que a AT aferisse cabalmente tais relações.
A AT limita-se a concluir que a emitente das faturas não prestou qualquer serviço – e quem realmente os prestou não emitiu as respetivas faturas – e a desconsiderar tais custos.
Ou dito de outro modo, a AT não prova que as faturas não foram emitidas pela real prestadora dos serviços (através do seu staff, naturalmente), de modo a revelar que não existir a necessária conexão entre umas e outros, pelo que não se por demonstrado o raciocínio de que os custos, embora realmente suportados, não estão «devidamente documentados», não devendo ser considerados.
Do conjunto da prova produzida nestes autos resulta a convicção de que a agora Impugnante, tem como atividade principal o fabrico de acessórios de casa-de-banho, que comercializa sobretudo no mercado externo.
Tendo como principal objetivo aumentar o seu volume de negócios, nomeadamente para os mercados externos, e, para, tal recorreu aos serviços de agenciamento de outras empresas.
Em 1994 trava-se o conhecimento com o "NN", tendo-se estabelecido que este, inicialmente a título individual, seria agente da Impugnante divulgando e promovendo as vendas dos produtos no mercado externo.
No ano de 1995, pelo Sr. "OO" foi criada a sociedade "S (UK)", com quem o "NN" passou a colaborar a partir de 1998, segundo testemunho do próprio.
Assim, apresentou o seu novo projeto com a "S (UK)", passando esta ser agente da Impugnante para o mercado externo, designadamente para o mercado extraeuropeu, nos termos de contrato assinado. Neste sentido depuseram as testemunhas apresentadas pela Autora.
Quanto a conclusões que a AT retira de que a Impugnante conheceria a relação entre a "S (UK)" e a "S... (USA)", nada é provado. E não compete à Impugnante fazer qualquer prova sobre eventual remuneração da "S" a "NN", em virtude das comissões recebidas. Respeitando-se o princípio do inquisitório, este manda o procedimento de inspeção se oriente pela descoberta da verdade material, procurando desenvolver-se todos os esforços necessários. O que a AT claramente não fez.
Em conclusão, a AT não faz a prova do facto tributário, como lhe compete, sendo que, também nos casos de dúvida, a ausência de prova deve ser valorada contra quem tinha o ónus da prova.
Procede a Impugnação no ponto, anulando-se as liquidações impugnadas.» (fim de transcrição)
Atentemos aos indícios e demais elementos recolhidos pelos serviços de inspecção, pois essa é a única questão que cumpre apreciar em sede de recurso como aferimos.
E, desde logo, perscrutado o RIT, com enfoque para o conteúdo do ponto “S. Conclusões”, no mesmo é reconhecido o cumprimento formal do suporte documental (contrato, facturas e pagamentos), ou seja, que a documentação apresentada pelo sujeito passivo prova que houve serviços prestados de intermediação, o que AT não aceita é que os mesmos provem que tenha sido a "S... (UK), Limited". a entidade prestadora, apresentado como principal indício que a mesma não tinha qualquer estrutura que lhe conferisse o estatuto de empresa e não estava dotada de realidade económica, pelo que AT não lhe pode associar operações reais e efectivas.
Concluindo, apoiada em todos os factos, fundamentos e provas apresentadas sob o ponto III., do RIT, que os custos contabilizados a título de comissões pagas à "S... (UK), Limited".. em causa, não são dedutíveis por força da conjugação do disposto no artigo 23º do CIRC com alínea g) do n.º 1 do artigo 42º do mesmo diploma.
A sentença sob recurso desmontou os factos-índices constantes do RIT em termos que nos revemos e, complementou essa apreciação com a prova produzida e levada ao probatório.
Insurge-se a Recorrente reafirmando que que os fundamentos para não aceitar como custo fiscalmente dedutível s comissões pagas à "S (UK)", são os seguintes:
ü O prestador das referidas comissões é a empresa "S (UK)" que segundo a inspeção não tem estrutura organizacional para prestar os serviços á impugnante.
ü AT baseou-se em informações transmitidas pelas autoridades do Reino Unido, que atestam que a empresa "S... (UK), Limited". não tem estrutura empresarial efetiva no Reino Unido. E está alojada no escritório que é um “ninho de empresas” que agrega a um nome um conjunto de elementos e facilidades de forma a conferir uma existência aparentemente real à empresa.
ü Por outro lado, foi apurado pela Administração Tributária, que a "S (UK)" dispôs ao longo do tempo de um único funcionário ao seu serviço, em Londres.
ü Mais resulta do relatório de inspeção que a maioria da correspondência com a "S (UK)" teve origem e destino em Itália.
ü A inspeção tributária diz que na documentação fornecida pela "A..., S.A." não se encontra qualquer elemento que prove ou indicie qualquer intervenção da "S (UK)" na prestação de serviços, nomeadamente, no contacto com os clientes, encomendas, publicidade ou outros.
ü A inspeção refere que dos diversos esclarecimentos prestados pela "A..., S.A." se retira que o trabalho de intermediação das vendas existiu, sendo que das provas encontradas levam a considerar que sempre foi realizado pelo "NN" e a empresa "E..., SRL", da qual ele é o gerente.
ü A prestação de serviços de intermediação apesar de serem prestados pelo "NN", são pagos à "S... (UK), Limited"..
Se atentarmo-nos nestes indícios e nos demais contidos no Relatório de Inspecção e sancionados na sentença recorrida, desde logo se vê que alguns são ambivalentes ou conclusivos e pouco sustentados em dados objetivos para além de conterem considerações de teor especulativo por parte da AT.
Não ignoramos que a sociedade "A..., S.A." foi constituída em 1992 e por isso detentora de um passado histórico relevante em sede de comercialização para o mercado externo e agenciação, mas estamos cientes que os factos tributários em questão se reportam aos exercícios fiscais de 2004 a 2007, pelo que os anos anteriores apenas servem para efeitos de contextualização e perceção do modo de funcionamento e origem das relações comerciais entre a Recorrida e a "S (UK)", sendo os indícios contemporâneos desse período os relevantes.
Também não ignora este tribunal ad quem a menção patente no RIT sobre o modo de funcionamento entre a "S.... LLC" (sediada nos Estados Unidos) e a "S... (UK), Limited".., conforme informação detalhada prestada pela Direcção de Serviços das Relações Internacionais.
Contudo, nos presentes autos, estão em causa é as comissões diretas pagas à "S (UK)", em 2004, 2005, 2006 e 2007, relativamente ao agenciamento de produtos (bases de chuveiro) produzidos pela Recorrente, sendo que em 2000, foi celebrado um contrato de agenciamento entre a "A..., S.A." e a "S... (UK), Limited". (anexo 20 do RIT)), pelo que as relações entre a "S (UK)") e a "S.... LLC" (EU) não relevam.
É que, conforme resulta da matéria de facto assente e não impugnada em sede recursória (itens 4) a 19)), nesta é traçado o percurso que antecede assinatura do contrato de agenciamento suprarreferido e o modum como ao abrigo do mesmo as operações se passavam, nos seguintes termos: “Numa feira de materiais de construção realizada em Bolonha em 1994, a Impugnante conheceu o "NN" e, posteriormente, através deste, conheceu a "S (UK)", Lda./Entre 1994 e 1997/1998, "NN" colaborou com a Impugnante como agente direto da mesma/freelancer, angariando clientes no mercado da Europa de Leste/Em 9/4/1998 foi constituída a sociedade “"S... (UK), Limited".”, com sede em Londres, Inglaterra, que passou a ser agente da Impugnante, com vista à expansão dos negócios para outros mercados fora da Europa /"OO" fundou a sociedade “"S... (UK), Limited".”, bem como a sociedade “"S.... LLC"” / A partir de 1998, "NN" deixou de ser freelancer e iniciou colaboração com a "S", com a intenção de criar sinergias entre ambos e aproveitar os contactos e clientela que cada um dispunha para ampliar o mercado./ Nessa sequência, "NN" apresentou à Impugnante o seu projeto com a "S", tendo a Impugnante aceitado tal projeto/ O que resultou na assinatura do contrato datado de 01/01/2000, denominado “Sole Agency Agreement” / A Impugnante assumiu contratualmente a obrigação de pagar à "S" comissões sobre vendas intermediadas entre 5% e 10% do valor da venda, devendo ser acordado um valor para cada uma das operações/ O Sr. "NN" continuou a visitar os clientes da "A..., S.A.", a estabelecer contactos e relações comerciais./ Foi entregue à Impugnante pela "S" uma carta/declaração, assinada por "EE", em representação da "S" e por "NN". / As comissões pagas pela Impugnante à "S" eram na maioria dos casos de 4% e 5%, sendo que em algumas das vendas, em mercados como a Rússia, chegavam aos 8%/ A "S" emitia à Impugnante as faturas, indicando o montante das comissões devidas/ A fatura era enviada de Inglaterra pela "S"/ A Impugnante procedia ao pagamento da fatura à "S", por transferência bancária/ O pagamento das faturas emitidas pela "S" era efetuado para uma conta domiciliada em Londres (a conta n.º ...22 do Banco 1...), de que era titular a "S"/ Para cada um dos pagamentos efetuados, a Impugnante solicitava às autoridades fiscais inglesas um certificado atestando a residência da "S" em Inglaterra”.
É despropositada a afirmação que na diversa documentação fornecida pela "A..., S.A." não foram dados a conhecer documentos reveladores da participação directa da "S (UK)", através de um qualquer colaborador seu nas vendas e contactos para esse fim com quaisquer clientes. Alegando que apenas foram juntas faturas de pagamentos de comissões e mais nenhum documento (conclusão 17) que prove ou indicie qualquer intervenção da "S... (UK), Limited". na prestação de serviços.
É que conforme decorre da matéria de facto provada itens 4) a 19) o que se desconhece é como se desenrolavam e processavam as relações entre a "S (UK)" e quem efectivamente prestou os serviços de agenciamento, ou seja, não se alcança o modum como era estabelecida e concretizado a remuneração por parte da "S (UK)", ao "NN", mas isso em nada releva, aliás como a própria AT reconhece ao considerar que as operação subjacentes aos pagamentos efectuados à "S" correspondem a agenciamentos que efectivamente terão ocorrido em face da documentação existente.
Aliás, esta constatação, abala a relevância do facto-índice tido por substancial pela AT de que a “estrutura instalada” e organizacional no Reino Unido não é compatível com a operações subjacentes às facturas emitidas pela "S (UK)", concluindo que as mesmas não são reais e afastando a sua dedutibilidade enquanto custos. Mais se diga, que invertendo o raciocínio da AT, questionamo-nos a jusante sobre que tipo de estrutura é necessária ou exigida para lograr prestar os serviços que deram origem às comissões directas, pois que se desconhece se a "S (UK)" recorria sistematicamente à figura do freelancer ou ao sub agenciamento, o que por si determinava que aquela poderia funcionar plenamente com a existência de uma mera estrutura física nos termos apontados e quiçá com um único funcionário a partir das suas “instalações” em Londres.
Certo é, que por força do contrato celebrado a "S (UK)", detinha a obrigação de angariar clientes e eventualmente fazer o seu acompanhamento, obrigação essa que não impõem necessariamente a necessidade de grande estrutura organizacional instalada.
Acresce ainda, pelas razões já avançadas, ser irrelevante o facto "S (UK)" Ao longo dos anos ter tido diversas moradas diferentes, bem como o facto de ser detida "S.... LLC", com sede em Delaware, EUA, local esse com regime fiscal privilegiado, sendo que esta última tem por sócios Sr. "OO" e esposa.
Por outro lado, não se compreende que o Relatório de Inspeção, discorra extensamente sobre “elisão fiscal” nomeadamente da sociedade "S (UK)" estar relacionado com paraísos fiscais e, daí a sua propensão para emitir faturas e demais documentos que permitem que a Recorrida fique em condições de poder exercer o direito à dedução em sede de IRC e desobrigada de proceder a qualquer retenção na fonte ao abrigo da convenção para evitar a dupla tributação celebrada com Portugal (art. 90.º, n.ºs 2 e 3, do CIRC), daí obtendo benefícios fiscais. É um discurso vazio, sem dele se retirar conclusões e sem recorrer aos procedimentos legais ao seu dispor nos artigos 38.º, n.º 2 da LGT e 63.º do CPPT, para inverter essa suposta elisão fiscal.
A título de nota final, salienta-se que não cabe à AT, nem ao tribunal, apreciar o mérito das decisões de quem administra a empresa, nomeadamente no que respeita aos pagamentos comissões directas, sob pena de intromissão na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, possuindo este uma margem de discricionariedade que está conexionada com a política e estratégia comercial da empresa.
Ora, estando os custos, comissões pagas, titulados por faturas emitidas pela "S (UK)", tendo a Impugnante/Recorrida a sua contabilidade organizada de acordo com as regras contabilísticas e fiscais, como expressamente assume a inspeção, não tendo AT carreado para o relatório factos objetivos que suportem a conclusão de que as comissões pagas à "S (UK)", nos anos de 2004 a 2007, não assentam em efetivas prestações de serviços não está a mesma legitimada a desconsiderar tais custos.
Assim nesta sede, como na sentença sob recurso somos de concluir que apesar da extensa prova carreada a mesma revela-se inconsistente, insuficiente para que se possa concluir que as facturas não foram emitidas por quem prestou efetivamente os serviços.
Acresce ainda referir, que a empresa em questão faz parte de um grupo alargado de outras empresas que produzem bicicletas e artigos de cozinha, que também elas foram objecto de inspecção para apuramento da veracidade das transmissões efectuadas e comissões facturadas pela "S... (UK), Limited".., que determinaram a realização de correcções e emissão de liquidações de IRC, pelo que, no âmbito das impugnações apresentadas a falta de estrutura da emitente das facturas foi objecto de decisão. No âmbito de tais processos de Impugnação foram proferidos por este Tribunal Central Administrativo, acórdãos em 03.11.2022, no processo nº 979/09.7BEVIS e, em 30.11.2022, no processo 980/09.0BEVIS, que por se mostrar pertinente em abono da bondade da decisão sob recurso, apelamos aqui a seguinte argumentação que acolhemos, de que “(…) No âmbito da temática em que se situa o presente diferendo, além dos requisitos legais da indispensabilidade e relevância fiscal do custo, assume particular destaque para que haja dedutibilidade do custo, por um lado, a existência de um custo, isto é, o gasto económico [o qual podemos qualificar como pressuposto material ou substancial], por outro lado, a comprovação do custo [o qual se pode qualificar de pressuposto formal].
Destes dois últimos requisitos, resulta que só podem ser deduzidos os custos que a empresa efetivamente suporta, que concorrem para o seu empobrecimento económico e que seja materialmente comprovado, quer formal [art. 42º, n. º1, al. g)] quer substancialmente, ou seja, subjacente ao documento haja sido suportado um custo económico real, que a empresa tenha desembolsado valor pecuniário ou equivalente.
Verificados os requisitos da comprovação formal, ou seja, o custo esteja devidamente documentado, a lei faz presumir a existência material do custo (art. 75º, n. º1, da LGT).
A administração tributária no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade dos contribuintes com a lei atua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus da prova da existência de todos os pressupostos do ato de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação de indícios sérios e credíveis que presidem às correções que suportam a liquidação. (…)” (in acórdão de 03.11.2022, proc. n.º 979/09.7BEVIS).
Munidos destes considerandos, do demais exposto somos de concluir como na sentença sob recurso que a Administração Fiscal não demonstrou o bem fundado da formação da sua convicção, evidenciando a pertinência do seu juízo de que, quem emitiu as facturas não prestou os correlativos serviços, quando desconsiderou as despesas contabilizadas como custos fiscais e acresceu aos lucros tributáveis dos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007 os valores constantes das mesmas.
Destarte improcede a pretensão da Recorrente, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

2.2.3. Da dispensa do remanescente
O valor do processo ascende a € 292.280,14 (valor inscrito) e preceitua o artigo 6.º, n.º 7 do RCP que, nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
A dispensa do remanescente da taxa de justiça prevista neste preceito legal depende, portanto, da verificação de dois requisitos cumulativos: a simplicidade da questão tratada e a conduta das partes facilitadora e simplificadora do trabalho desenvolvido pelo tribunal.
No caso, entendemos que se justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso à luz do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que as questões a decidir no recurso não se afiguraram particularmente complexas, a conduta processual da Recorrente não é merecedora de qualquer censura ou reparo.

2.3. Conclusões
I. Quando a selecção dos factos não é devidamente impugnada, resta apreciar a subsunção dos factos ao direito aplicável tendo em vista uma solução jurídica diferente da decretada, pois o erro que subsiste não é um erro na apreciação da prova, mas sim um erro na aplicação do direito.
II. A contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros (cfr. artºs.74, nº.1, e 75, nº.1, da L.G.T.).
III. Sobre a ATA recai o ónus da prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação de indícios sérios e credíveis que presidem às correções que suportam a liquidação.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Porto, 02 de fevereiro de 2023
Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis