Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00039/19.2BEAVR |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 06/07/2023 |
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Tribunal: | TAF de Aveiro |
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Relator: | Margarida Reis |
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Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, IVA; FATURAS FALSAS; ART. 19.º, N.º 3 CIVA; ÓNUS DA PROVA; INDÍCIOS; |
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Sumário: | I. No que se refere à aplicação do regime constante no n.º 3 do art. 19.º do CIVA, não obstante a prova a fazer pela Administração fiscal não tenha de ser direta, mas tão só indiciária, da mesma deverá também resultar, ainda que indiciariamente, que o IVA deduzido não se reporta a uma transação real, ou seja, que a operação (ou o seu preço) titulada pela fatura desconsiderada foi simulada, não obstante ter sido emitida por um sujeito indiciado pela prática de emissão de faturas falsas. II. A não ser assim, haveria que concluir que se estaria na presença de uma metodologia de “pesca de arrasto”, caracterizada pela circunstância de a Administração fiscal se limitar a considerar o facto de o contribuinte ter deduzido imposto com base em faturas registadas na sua contabilidade, pela mera circunstância de as mesmas terem sido emitidas por sujeitos passivos indiciados pela prática de emissão de faturação falsa, sem cuidar de saber sobre a substância da operação titulada pelas mesmas. III. Dessa prova indiciária a cargo da Administração fiscal, deverá resultar que o sujeito passivo sabia ou deveria saber que, ao adquirir os bens ou serviços em causa, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA. IV. Resulta da jurisprudência do TJUE que não obstante o direito à dedução poder ser negado se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente, ele só poderá ser recusado a um sujeito passivo se, à luz de elementos objetivos, se demonstrar que este sujeito passivo, ao qual foram fornecidos os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito à dedução, sabia ou deveria saber que, ao adquirir esses bens ou serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outro operador interveniente a montante ou a jusante na cadeia dessas entregas ou dessas prestações. V. Não tendo a Recorrida logrado cumprir o seu ónus de provar indícios objetivos sérios e suficientes que permitam concluir que às faturas desconsideradas não correspondeu qualquer transação efetiva, e que o Recorrente sabia ou deveria saber que, ao adquirir os bens em causa, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA, não era possível concluir pela devolução aos Recorrentes do ónus da prova da efetividade das transações tituladas pelas faturas desconsideradas.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório AA e BB, inconformados com a sentença proferida em 2022-03-24 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial que interpuseram tendo por objeto as liquidações adicionais de IVA referentes aos anos de 2013 e 2014 e correspondentes juros compensatórios, no montante total de EUR 114.443,54, vêm dela interpor o presente recurso. Os Recorrentes encerras as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: IV. CONCLUSÕES I. Visa o presente recurso reagir contra a sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pelo recorrente das liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios referentes aos anos de 2013 e 2014. II. As questões decidendas a submeter a julgamento do Tribunal ad quem consistem em saber se a douta sentença é nula por falta de especificação da matéria de facto não provada e, para o caso de assim se não entender, se padece do vicio de erro de julgamento, de facto e de direito, designadamente por: III. por ter considerado que a Autoridade Tributária reuniu indícios sérios, objectivos e credíveis suficientes da falsidade das facturas e, IV. em consequência, deu por legitimada a devolução ao recorrente do ónus da prova de que as facturas registadas com base nas quais deduziu o IVA nos referidos anos de 2013 e 2014 respeitam a operações reais. A - NULIDADE DA SENTENÇA V. A douta Sentença ora impugnada é nula, de harmonia com o preceituado no artigo 125.º, n.º 1 do C.P.P.T., na medida em que o Tribunal “a quo” não procedeu à discriminação dos factos não provados, sendo que a tanto está obrigado, nos termos do n.º 2 do artigo 123.º do mesmo código. VI. Ora, a falta de indicação dos factos não provados equipara-se, para efeitos da nulidade prevista no citado artigo 125.º, n.º 1 do C.P.P.T., e como nos diz o Venerando Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, à falta de indicação da matéria de facto provada. VII. Ainda que assim doutamente se não entenda, o que apenas como mera hipótese académica se aventa, a verdade é que a douta sentença de que ora se recorre incorre em erro de julgamento B – ERRO DE JULGAMENTO –a força probatória do RIT VIII. A matéria considerada provada pelo meritíssimo Juiz “a quo” consta essencialmente do relatório da I.T. o qual, como adiante se analisará, não contém elementos de facto e provas suficientes que fundamentem a decisão de improcedência da impugnação judicial apresentada, quando conjugados os seus elementos e descrições com a restante matéria de facto considerada provada e com as regras da vida e da experiência. IX. O RIT elaborado na sequência do procedimento inspectivo realizado ao Recorrente comporta, por um lado, as conclusões que a IT retirou da análise efectuada aos dados da escrita e das declarações do Recorrente bem como as conclusões que “importou” de procedimentos inspectivos realizados aos fornecedores emitentes da facturas que considerou como simuladas. X. Relatório que o tribunal a quo acolheu na decisão prolatada reconhecendo-lhe a força probatória que não tem, primeiro porque as asserções que dele constam foram impugnadas pelo recorrente e segundo porque os juízos formulados pela AT não foram extraídos de factos materiais apurados e determinados por critérios objetivos. XI. Assim, desde logo no que se refere as “conclusões-internas” que resultaram do procedimento realizado ao Recorrente, as quais se resumem a: (a) testes estatísticos cujas conclusões não foram temperadas por qualquer margem de erro tolerável, construídos sobre premissas erradas, como é o caso do preço considerado para o kgs da cortiça e não tiveram em conta o mix dos materiais comprados em cada um dos períodos em causa; (b) analise de factos erradas – não foram tidas em contas as compras efectuadas no sul do pais de cortiça amadia – duas em 2013 e uma em 2014 – para as quais foram contratados os necessários serviços de transporte, operações cujas facturas, datas do registo contabilístico e da operação, identificação do fornecedor, localização, quantidade, espécie e preço da mercadoria comprada consta do anexo 5 ao RIT; (c) despesas de deslocação com portagens, refeições e combustíveis que se justificam pela actividade desenvolvida no sul do país inequivocamente comprovada pelas operações de compra descritas e provadas pelos dados de informação constantes do referido anexo 5. XII. Da acção inspectiva ao Recorrente não resultam provados “os critérios objectivos” necessários para que o RIT adquira força probatória. XIII. Força probatória que também não lhe advém dos indícios “importados” a partir dos relatórios elaborados na sequência das acções inspectivas realizadas a cada um dos fornecedores emitentes das facturas consideradas como não titulando operações reais. C – ERRO DE JULGAMENTO – Os indícios de falsidade das facturas XIV. O Tribunal incorreu em erro de julgamento, por deficiente aplicação das regras do ónus da prova, previsto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT. XV. Com efeito, o RIT como supra se referiu, não reúne na parte relativa às conclusões do procedimento inspectivo levado a efeito ao Recorrente os “indícios objectivos” necessários para inverter o ónus da prova cabendo-lhe a demonstração da materialidade das operações tituladas pelas facturas emitidas por aqueles fornecedores. XVI. Não reúne porque se baseia em resultados de testes elaborados a partir de dados estatísticos, não ponderados por coeficientes de erro tolerável, considerando premissas erradas, como é o caso dos preços médios da cortiça considerados sem ter em conta as quantidades e os preços de compra da cortiça amadia, e sem ter em conta o mix das compras de cada um dos anos (cortiça e rolhas). XVII. Resultado que pese embora conste do RIT a testemunha CC no seu depoimento esclareceu a instâncias do Tribunal a quo, que não considerou o resultado do teste como relevante e que por esse facto não considerou, na análise que fez, qualquer margem de erro tolerável. XVIII. No que se refere ao indício relacionado com os gastos com transportes de mercadorias que, pelo preço, indiciavam respeitar a transportes que não se circunscreviam à região, o mesmo também não se verifica porquanto para cada despesa de transporte há uma compra de cortiça amadia efectuada no Sul do país, facto que comprovado pela listagem das compras que consta do anexo 5 junto ao RIT. XIX. Com referência ao indício das “despesas de deslocação” ao sul do país, resulta o mesmo infundado pelo facto de se provar (anexo 5 do RIT) que, nos anos de 2013 e 2014, foram efectuadas compras no sul do país o que justifica aquelas despesas. XX. Deste modo, não se verificam os “indícios-internos” que constam do RIT elaborado no âmbito do procedimento inspectivo realizado ao recorrente. XXI. O Tribunal incorreu em erro de julgamento ao dar como provados aqueles indícios que considerou sérios, fundados e credíveis. XXII. E relativamente aos “indícios-externos” a IT carreou para o RIT um conjunto de “conclusões” a partir das quais o Tribunal a quo considerou que segundo um critério de probabilidade as operações contabilizadas não corresponderão a operações reais, incumbindo ao destinatário destas demonstrar que apesar dos indícios as facturas titulam operações económicas entre aqueles sujeitos, naqueles montantes e relativos às mercadorias delas constantes reproduzindo com fidedignidade os termos contratados. XXIII. Aquelas “conclusões” ou “indícios-externos” foram “importados” dos relatórios elaborados nos procedimentos inspectivos realizados aos fornecedores «X, Unipessoal Lda.», «Y, Lda.», «W, Lda» e «Z, Lda.». XXIV. Também quanto estes “indícios-externos” recolhidos nos relatórios elaborados em resultado das acções inspectivas realizadas aqueles fornecedores são insuscetíveis de legitimar a devolução ao Recorrente do dever probatório como condição da dedução do IVA contido nas facturas consideradas simuladas (os indícios até podiam somente respeitar ao emitente das facturas, desde que fossem suficientemente sólidos, credíveis e enquadrados no âmbito da actividade da Recorrente, como reiteradamente tem decidido o STA, designadamente, no Acórdão do Pleno do STA, de 17/02/2016, proferido no âmbito do processo n.º 0591/16.) XXV. Para que se considerem enquadrados no âmbito da actividade da Recorrente os “indícios” devem respeitar às “operações” que em concreto foram realizadas, não revelando para aquele conceito as questões relacionadas com a falta de credibilidade da entidade fornecedora. XXVI. É entendimento reiterado da jurisprudência do TCAN que a falta de credibilidade revelada pela entidade fornecedora do sujeito passivo, em anteriores inspeções tributárias, com referência a outras operações comerciais, não constitui indício fundado de que também as operações comerciais em causa não existiram, se a Administração Tributária não demonstrar a relação entre os indicadores respectivos e as concretas operações comerciais estabelecidas com o utilizador em questão (Vd. Acs. de 30/04/2015, tirado no proc.º00599/10.3BEPNF e de 12/06/2014, tirado no proc.º 00345/06.6BEVIS, XXVII. Os elementos factuais recolhidos pela AT são representam indícios sérios, seguros e consistentes de que facturas emitidas ao impugnante e por este registadas na sua contabilidade não titulam operações reais e efectivas. XXVIII. Ou seja, perante os elementos factuais que se colhem dos autos, os indícios de facturação falsa recolhidos pela AT não apresentam a consistência e solidez necessárias para abalar a presunção de veracidade de que gozam os dados declarativos e de contabilidade do impugnante (art.º 75.º, n.º 1 da LGT), nessa medida, não recaindo sobre ele o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, da dedução do IVA mencionado nas facturas dos identificados emitentes, referenciadas aos ano em causa de 2013 e 2014 (art.º 74.º, n.º 1 da LGT) XXIX. Se o cruzamento da informação se revela um instrumento de fiscalização pacificamente aceite, impõe-se que os indícios recolhidos (resultem eles do âmago da escrita ou do cruzamento com dados externos) sejam fundados, isto é, sejam suficientemente fortes para abalar a credibilidade dessa escrita e estejam apoiados em dados e critérios objetivos – cfr. artigo 76.º, n.º 1, da mesma Lei. XXX. Ora as conclusões vertidas nos relatórios elaborados na sequência das acçoes de inspecção realizadas aos fornecedores são genéricas, reportando-se no essencial à idoneidade dos seus gerentes, das empresas e dos fornecedores destas, à organização interna, à estrutura empresarial, entre outros, sem contudo respeitarem em concreto as operações realizadas com o ora recorrente. XXXI. Assim, das “informações” e “analises” de relatórios externos “importados” não resultam dados essenciais como os relativos ao tempo, modo e lugar da realização dos procedimentos inspectivos (alguns deles no escritório do contabilista e não na sede da empresa, como é o «X, Unipessoal Lda.»), não permitindo uma apreensão completa verdadeira e apropriada da estrutura empresarial utilizada para o exercício da actividade que, como no caso daquela empresa, a IT afirma não existir. XXXII. O fornecedor pode não dispor da propriedade ou do direito de uso de uma estrutura empresarial, mas tal não significa que não a “possua” ou não a “utilize”, sobretudo tendo em conta o depoimento da testemunha DD que esclareceu deslocar-se as instalações dos fornecedores para aí analisar a mercadoria. XXXIII. Assim, no caso da «X, Unipessoal Lda.» que integra, como afirmou a testemunha EE no seu depoimento, um “núcleo familiar” e empresarial, liderado pelo gerente FF que é conhecido no mercado, conforme referiu a testemunha DD, como o dono da “fábrica” instalada no n.º 1330 da Rua ..., sede social e fiscal da sociedade. XXXIV. Para outros casos como a «Y, Lda.» o facto de não existir no momento em que foram realizadas as diligencias ao local não significa que não tivesse existido na data em que foram realizadas as operações tituladas pelas facturas emitidas. (empresa que em 13-12-2013 foi liquidada) XXXV. Em casos como a «W, Lda», em que os “indícios se reportam a idoneidade do gerente e à sua relação com anteriores empresas, o momento em que ocorreram as deslocações, e o tipo de actividade percepcionada não significa que na data em que as operações foram realizadas e emitidas as facturas não exercesse de facto o comercio de matéria-prima e produto acabado. XXXVI. Acresce que, A IT admite a existência de uma actividade residual, pelo que na falta de outros dados, é legitimo presumir que essa actividade residual comporte as operações realizadas com o Requerente. XXXVII. Em suma, os dados relativos ao comportamento fiscal, à idoneidade dos seus fornecedores à capacidade financeira, não constituem indícios fundados de que as operações comerciais em causa não existiram. XXXVIII. Acresce que a AT não pode desconsiderar as faturas de aquisição, quando existem todos os comprovativos documentais da realidade das transmissões, só porque os seus emitentes são conhecidos como emitentes de faturação falsa. XXXIX. Ou porque endossaram os cheques a terceiros ou porque os depositaram e de seguida levantaram ou utilizaram para suportar os cheques emitidos e apresentados a pagamento. XL. Acresce que o modo como cada um dos fornecedores, na altura em que as operações foram realizadas, geria os fluxos financeiros, não constitui um indício de que as operações tituladas não correspondam a operações reais. XLI. No caso sub judice, as testemunhas nos seus depoimentos, designadamente a inspectora CC, foram unanimes em afirmar que, em consequência da derrogação do sigilo bancário voluntariamente autorizado pelo recorrente, não se provou o retorno às suas contas bancárias de quaisquer quantias utilizadas para pagamento das facturas dos fornecedores. XLII. Que o recorrente efetuava os seus pagamentos sempre por cheque ou transferência bancária, modo de pagamento também usado pelos seus clientes. XLIII. Ao contrário do vertido na douta sentença de que se recorre, não existem indícios suficientes de que as transmissões plasmadas nas faturas em causa, não ocorreram, bem pelo contrário, já que representando as compras tituladas com as facturas em causa 87,27% em 2013 e 59,19$ em 2014, para vender o recorrente teve efectivamente de comprar. XLIV. Não valendo no caso a conclusão defendida pela IT quando refere que as facturas falsas visam reduzir os ganhos e permitir a dedução do IVA. XLV. No caso, as compras tituladas pelas facturas consideradas como faltas são absolutamente indispensáveis para suportar as vendas que não foram postas em causa. XLVI. Os factos apurados pela AT, e vertidos na douta sentença, não permitem afirmar que a Impugnada deu cumprimento ao ónus de reunir e demonstrar “factos-índice” sobre a falsidade apontada aos valores declarados. XLVII. Não cumpriu, pois, a douta decisão “a quo” com o ónus da prova dos pressupostos que lhe era exigida, e por tal razão, não ficou abalada a presunção de verdade de que goza a escrita formalmente organizada do recorrente, e por essa via não pode considerar-se invertido o ónus da prova. XLVIII. Ao decidir como decidiu o Tribunal está a exigir ao Recorrente uma prova impossível, ou pelo menos uma prova de acrescida dificuldade de factos negativos que deverá ter como corolário somente, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigidas se tal dificuldade não existisse. XLIX. É jurisprudência firme que quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade, sendo que, feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação. L. O tribunal recorrido, ao decidir como decidiu, acabou por inverter o ónus de prova, visto que, na prática, atirou para o contribuinte o ónus de provar a veracidade das transações comerciais declaradas à administração tributária e tituladas em documentos contabilísticos escriturados e organizados nos termos da lei e cuja credibilidade não foi, por isso, intrinsecamente abalada. Desconsiderando, assim, a presunção e verdade de tais declarações e elementos contabilísticos beneficiavam, por força do artigo 75.º da Lei Geral Tributária. LI. Ora, como se decidiu Ac. do TCAN de 04-04-2019, Proc 01481/05.1BEVIS a falta de credibilidade revelada pela entidade fornecedora do sujeito passivo, em anteriores inspeções tributárias, com referência a outras operações comerciais, não constitui indício fundado de que também as operações comerciais em causa não existiram, se a Administração Tributária não demonstrar a relação entre os indicadores respectivos e essas operações comerciais”. LII. Assim, sendo aqueles os “indícios” responsáveis, na óptica da IT, pelo afastamento da presunção de verdade de que gozam a contabilidade e as declarações do recorrente, demonstrada a inverificação desses “índices” passa a recair sobre a AT o ónus da prova da falsidade das operações tituladas pelas facturas consideradas como falsas. LIII. No caso dos autos não se verifica a existência de indícios sérios de que as facturas emitidas pelas sociedades «X, Unipessoal Lda.», «Y, Lda.», «W, Lda» e «Z, Lda.» não correspondam a operações reais. LIV. Isto porque não se está pelas razões atrás expostas, perante indícios que traduzam uma probabilidade elevada de as facturas em causa não titularem operações reais, ou seja, de os emitentes não forneceram as mercadorias nelas descritos absolutamente indispensáveis para a realização das vendas declaradas, facturas que foram pagas por cheque nominativo ou transferência bancária, não se provando que tais quantias no todo ou em parte tenham retornado ao recorrente. LV. Os elementos nos quais a Administração fiscal se apoiou para fundamentar a desconsideração de tais facturas são manifestamente insuficientes e inconsistentes LVI. Por conseguinte, e com o devido respeito, a sentença padece de erro de julgamento, de facto e de direito: i. por ter considerado que a Autoridade Tributária reuniu indícios suficientes da falsidade das facturas, violando o disposto no artigo 74.º e no artigo 75.º, ambos da LGT e o n.º 3 do artigo 19.º do CIVA; D– ERRO DE JULGAMENTO – A simulação LVII. Considerando que a AT ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo não recolheu indícios sérios da inexistência das transações que as facturas desconsideradas titulam “não cumpriu o ónus que lhe incumbia de provar a simulação de transações comerciais”, ou seja, para que se pudessem considerar aquelas facturas como falsas. LVIII. A AT teria de reunir indicadores objectivos da existência de um acordo simulatório entre o verdadeiro fornecedor dos bens, o emitente das facturas e o utilizador das mesmas. LIX. Nos casos da denominada “facturação falsa” não está em causa a correcção formal da contabilidade, mas sim a substancial. LX. A circunstância de as operações se encontrarem documentadas (factura, recibo, comprovativo dos meios de pagamento, etc.) e terem sido devidamente inscritas na contabilidade faz presumir a existência da operação, todavia, tal presunção deixa de se verificar, nomeadamente, quando a contabilidade ou escrita do contribuinte revelar indícios fundados de que não reflecte ou impede o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (artigo 75º, nº 1 da Lei Geral Tributária). LXI. Logo, se a Administração Tributária recolher indícios sérios, e objectivos de que os documentos de suporte, ainda que formalmente correctos não reflectem uma verdadeira transacção (seja relativamente aos sujeitos, objecto, datas, valores, meios de transporte utilizados, etc.), cessa a presunção de veracidade das operações constantes de tais documentos. LXII. Constitui jurisprudência pacífica, reiterada e uniforme que quando a liquidação adicional de IVA tem por fundamento o não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, compete à Administração Tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua actuação constantes do artigo 82º do CIVA na redacção aplicável. LXIII. Dito de forma diversa, assentando o juízo da Administração Tributária na consideração de que as operações a que se referem as facturas reputadas falsas não correspondem à realidade, terá de demonstrar a existência de indícios sérios e fundados de que as operações naquelas descritas foram simuladas. LXIV. Feita essa prova, cabe ao contribuinte o ónus da prova de que as operações económicas que estiveram subjacentes à dedução do imposto (artigo 19º do CIVA), se realizaram efectivamente - neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STA, de 24/4/2002, Recurso nº 102/02; de 23/10/2002, Recurso nº 1152 /02; de 9/10/2002, Recurso nº 871/02; de 20/11/2002, Recurso nº 1483/02; de 30/4/2003, Recurso nº 241/03; de 14/1/2004, Recurso nº 1480/03 e do TCAN, por todos, acórdão de 24/1/2008, Processo 01834/04. de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF. LXV. Entende a jurisprudência que a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Proc.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – art.º 75º da LGT. LXVI. Ora no caso sub judice a AT lançando mão dos elementos obtidos no âmbito das acções inspectivas realizadas aos fornecedores não logrou provar indícios objectivos, antes centrou-se em referencias genéricas a idoneidade dos gerentes, a capacidade estrutural de cada uma das empresas, sem contudo especificar o modo, tempo e lugar da realização dos procedimentos inspectivos, elementos que se revelam essências para se localizar no tempo e no espaço as conclusões “importadas” porque muitos delas ou respeitam a terceiros que não o recorrente ou referem-se a períodos de tempo em que não era ou já tinha deixado de ser cliente. E– ERRO DE JULGAMENTO – de direito LXVII. No entendimento do TJUE o direito a dedução só pode ser recusado a um sujeito passivo se, à luz de elementos objetivos, se demonstrar que este sujeito passivo, ao qual foram fornecidos os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito à dedução, sabia ou deveria saber que, ao adquirir estes bens ou estes serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outro operador interveniente a montante ou a jusante na cadeia dessas entregas ou dessas prestações (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de dezembro de 2012, Bonik, C 285/11, EU:C:2012:774, n.os 38 a 40, e de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C 18/13, EU:C:2014:69, n.ºs 27 e 28). LXVIII. Uma vez que a recusa do direito à dedução é uma exceção à aplicação do princípio fundamental que constitui este direito, incumbe às autoridades fiscais fazer prova bastante de que os elementos objetivos que permitem concluir que o sujeito passivo sabia ou deveria saber que a operação invocada para fundamentar o direito a dedução fazia parte de tal fraude (v., neste sentido, Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C 18/13, EU:C:2014:69, n.º 29 e jurisprudência referida). LXIX. No caso dos autos a AT não logrou fazer prova dos elementos objectivos e concretos que permita, concluir que o ora recorrente sabia ou devia saber que as operações realizadas com aqueles fornecedores poderiam fazer parte de uma fraude a lei, pelo que a decisão judicial que recusou a dedução do IVA padece de erro de julgamento. Terminam pedindo: Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão ora posta em crise, considerando-se a impugnação procedente, assim se fazendo JUSTIÇA. *** A Recorrida não apresentou contra-alegações. *** O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso. *** Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT. *** Questões a decidir no recurso Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso. Assim sendo, importa apreciar se a sentença padece de nulidade por falta de especificação da matéria de facto não provada e, caso assim não se entenda, se padece de erro de julgamento de facto e de direito por ter considerado que a Administração fiscal reuniu indícios sérios, objetivos e credíveis para que se conclua pela falsidade das faturas em causa, respeitantes aos exercícios de 2013 e 2014, e, em consequência, por ter dado por legitimada a devolução ao recorrente do ónus da prova de que as mesmas titularam operações reais e efetivas. II. Fundamentação II.1. Fundamentação de facto Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz: DOS FACTOS: (…) Destarte, com relevância para a decisão a proferir consideram-se provados os seguintes factos: [a numeração da paginação referida será efetuada por apelo à paginação eletrónica constante do SITAF salvo expressa menção em sentido contrário]: A. O Impugnante dedica-se à produção de rolhas e encontra-se enquadrado em sede de IRS na Categoria B e em sede de IVA no regime normal trimestral de tributação [cfr. resulta da posição das partes nos presentes autos e decorre do teor do relatório inspetivo integrante da peça do SITAF n.º 004720607]. B. Os Impugnantes foram objeto de procedimento inspetivo efetuado a coberto da OI.............25 com referência aos exercícios de 2011 a 2013. [cfr. emerge do relatório inspetivo integrante da peça do SITAF n.º 004720607]. C. No âmbito do procedimento inspetivo anteriormente referido foi apurado IVA em falta nos anos de 2013 e 2014 nos valores de (respetivamente) EUR 57.969,20 e EUR 41.866,90 [cfr. emerge do relatório inspetivo integrante da peça do SITAF n.º 004720607]. D. As propostas referidas no facto precedente tiveram a seguinte fundamentação: “(...) III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL Na análise da contabilidade verificamos que o SP registou compras a entidades conhecidas pela emissão e/ou utilização de faturas falsas. O valor total destas faturas nos exercícios de 2013 e 2014 ultrapassa os 400.000€ e estes documentos permitiram a dedução indevida e IVA de cerca 100.000€: Estas compras representam mais de 50% das compras declaradas [O valor das compras declaradas está corrigido da contabilização em duplicado da fatura n.º 17 da «X, Unipessoal Lda.» ocorrida no exercício de 2013, que só foi corrigida pelo SP no ano de 2014.]:
Ao presente processo junta-se cópia do diário de compras dos anos de 2013 e 2014 onde é possível confirmar a contabilização das faturas timbradas no nome dos fornecedores acima identificados e a respetiva dedução de IVA (anexo 3). Estes emitentes de faturas falsas foram, ou estão a ser, objeto de serviços de inspeção, onde se procedeu à realização de diversas diligências externas e ao apuramento de factos, que constituem fortes indícios de emissão de faturas falsas. Trata-se de informação apurada em sede do emitente, de extrema relevância para o processo em curso, uma vez que nos permite apercebermo-nos e avaliar da estrutura empresarial de cada um dos emitentes e consequentemente a incapacidade empresarial de justificar as supostas vendas. Ora, quanto a este facto, importa destacar que tal procedimento, além de ter por escopo a descoberta da verdade material” é um procedimento legal conforme consta de diversa jurisprudência, a saber: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28-02-2013, 2a Secção - Contencioso Tributário, Proc.º 00383/08.4BEBRG: (...) IV. Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado. (...) Assim, numa primeira fase, para cada um dos emitentes, vamos proceder a uma exposição e análise dos factos apurados, seguido das diligências realizadas na sede do SP no âmbito do presente procedimento inspetivo. (...) [imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)” [cfr. relatório inspetivo que integra a peça do SITAF n.º 004720698]. E. Com fundamento no sancionamento hierárquico das correções propostas pela IT, foram emitidas as seguintes liquidações de IVA:
[cfr. registos informáticos das liquidações e notas de cobrança que integram a peça do SITAF n.º 004720759]. F. O Impugnante contabilizou nos anos de 2013 e 2014 como gastos as faturas elencadas no capítulo III do relatório inspetivo, deduzindo o IVA nelas mencionado como liquidado pelos seus emitentes. [Facto incontrovertido e que emerge do relatório inspetivo]. G. O Impugnante utilizava na sua atividade para transporte da mercadoria uma viatura com capacidade de carga de 3.500 Kgs. [cfr. testemunho de DD]. Atenta a conformação da instância efetuada pelas partes, nomeadamente em função dos pedidos formulados e respetivas causas de pedir, não se provaram quaisquer outros factos com pertinência para a decisão a proferir. * Nomeadamente, não se considera provado que (matéria aditada por força do despacho proferido pelo TAF de Aveiro em 2022-07-05, nos termos do disposto nos art.ºs 613.º n.º 2, 615 n.º 1 alínea d) e 617.º n.º 1, todos do CPC, aplicáveis ex vi art.º 2.º do CPPT): H. O Impugnante marido comprou aos fornecedores «W, Lda», «Y, Lda.», «X, Unipessoal Lda.» e Brisa Magna a matéria-prima (cortiça) e as mercadorias (cortiça, rolhas e aparas); I. Nos exercícios de 2013 e 2014 o Impugnante adquiriu a «X, Unipessoal Lda.» mercadorias nos montantes de EUR 107.060,00 no ano de 2013 e EUR 94.700,00 no ano de 2014; J. No exercício de 2013 o Impugnante efetuou compras de rolhas e cortiça a «Y, Lda.» no montante de EUR 88.756,00; K. No exercício de 2013 o Impugnante efetuou compras de rolhas a «W, Lda» no montante de EUR 56.224,00; L. No exercício de 2014 o Impugnante efetuou compras de rolhas a Brisa Magna no montante de EUR 87.330,00. Considerou-se esta factualidade como não demonstrada em razão do circuito documental ser insuficiente para formar a convicção da materialidade das operações e de a prova testemunhal adiante apreciada criticamente não permitir formar convicção diversa. Nomeadamente, desta não resultou demonstrado que efetivamente o Impugnante adquiriu aquela mercadoria, por aquele valor, naquelas datas e aos emitentes das faturas. No que tange ao ónus da prova, tal matéria será explanada adiante. * Motivação da matéria de facto: No que respeita à fundamentação, a convicção do Tribunal baseou-se essencialmente numa apreciação crítica [artigos 396.º do Código Civil e 607.º, n.º 5 do CPC, ex vi do art.º 2.º do CPPT], e à luz das regras da experiência comum, do exame da globalidade dos documentos juntos aos autos, incluindo os constantes do procedimento administrativo apenso, não impugnados e da audição dos depoimentos das testemunhas arroladas. A convicção do Tribunal resultou da sua análise em conjunto, independentemente de poderem não ter suportado diretamente qualquer facto levado ao probatório, de harmonia com as menções constantes no fim de cada um dos factos assentes. O Tribunal ouviu as testemunhas arroladas pelas partes, nomeadamente, (i) DD, sobrinho do Impugnante e que com ele tem relação laboral; (ii) GG, responsável pela contabilidade do Impugnante; e as inspetoras tributárias (iii) HH; (iv) EE, (v) II e (vi) CC. A primeira testemunha declarou ao Tribunal que é possível transformar rolhas em outros calibres, desde que tal implique a redução do seu diâmetro ou altura. No tocante às operações com os fornecedores aqui em causa declarou: 1. No caso da “«X, Unipessoal Lda.»” declarou que: a. O fornecedor é o “FF”, este não é comerciante e tem uma fábrica com rolhas e cortiça e equipamentos de produção naquelas instalações; b. Ao qual não compra mercadoria sem ver, no máximo com amostra. c. Desconhecer se este partilha instalações; d. A mercadoria era transportada por aquele ou por si. e. Utilizou uma .............. com capacidade de carga de 300/400 Kgs cuja aquisição nunca foi registou; f. Carregava a mercadoria e entregavam-lhe a fatura, sendo-lhe indiferente quem a emitiu; g. Esta era paga por transferência bancária ou por cheque (que por vezes entregou); 2. No caso da “«Y, Lda.»”: a. Era a empresa do “Sr. JJ”; b. Tinha armazém de aproximadamente 800 m2 que comprava e vendia mercadoria e tinha brocas; c. É normal adquirir pequenos lotes de rolhas para completar lotes para entrega; d. O ganho no preço depende do “valor acrescentado” quer por serem retirados defeitos às rolhas, fazer 2 rolhas de uma, etc.; e. A “transformação” de rolhas impede que estas possam ser “seguidas”; f. Não notou nada de anormal na organização deste; 3. No que concerne à “«W, Lda»”: a. É do Sr. KK; b. A fábrica localiza-se em ...; c. Tinha lá produção e maquinaria; d. Onde ia buscar a mercadoria; 4. No que respeita à «Z, Lda.»: a. Trabalhou na casa da avó e depois num pavilhão em ...; Referiu ainda que atualmente não trabalham com aquelas empresas. Na contrainstância efetuada pela Fazenda Pública sobressaiu que este reiterou a aquisição de mercadoria àquelas empresas e presumir que a mercadoria pertenceria ao vendedor porquanto não tem forma de o confirmar. O depoimento das duas seguintes testemunhas versou, tão-somente, os procedimentos inerentes à contabilização dos documentos referentes às aquisições e compras e ao modus operandi, não se referindo à concreta materialidade das operações aqui em crise. As Inspetoras Tributárias depuseram sobre as ações inspetivas que visaram a «X, Unipessoal Lda.» (HH) e sobre a «W, Lda» / «Y, Lda.» (II) que, no essencial, reiteraram o teor dos excertos transcritos dos seus relatórios. Foi também ouvida a Inspetora que elaborou o RIT que deu origem às liquidações impugnadas que se limitou a reafirmar as conclusões que ali constam. Do seu depoimento realça-se, também, o seguinte: (i) do controlo de existências constatou-se a existência de anomalias; (ii) a transformação de rolhas não altera o seu número, mas apenas o seu calibre; (iii) as faturas reputadas de falsas destinar-se-ão a justificar compras pretéritas; (iv) os cheques foram levantados; (v) não foi identificada relação entre a viatura e o Sr. AA. Pode afirmar-se que genericamente as testemunhas depuseram de forma espontânea, sem hesitações ou contradições relevantes, demonstrando a origem do conhecimento dos factos que relataram, motivos pelos quais o seu depoimento se reputa de credível. No que concerne ao ónus da prova e sua repartição, tal matéria será objeto de desenvolvimento adiante. * II.2. Fundamentação de Direito Os Recorrentes começam por imputar à sentença a nulidade por falta de discriminação dos factos não provados, nos termos do disposto no art. 125.º, conjugado com o disposto no art. 123.º, n.º 2, ambos do CPPT (cf. conclusões V a VII das alegações de recurso). Vejamos. Tal como resulta da fundamentação de facto transcrita acima, na sequência da invocação pelos Recorrentes da nulidade em apreço, o Tribunal a quo entendeu que a mesma se verificava, tendo procedido ao respetivo suprimento através de despacho proferido em 5 de julho de 2022 (cf. fls. 1573 dos autos), oportunamente notificado aos Recorrentes, tendo por força do mesmo fixado na sentença os factos não provados H, I, J, K e L, passando a matéria referente ao suprimento da nulidade a integrar a sentença nos termos do disposto no n.º 2 do art. 617.º do CPC, aplicável ex vi art.º 2.º, alínea e) do CPPT. Por outro lado, apenas a falta absoluta de discriminação dos factos não provados é equiparável à falta da indicação da matéria de facto provada para efeitos da nulidade prevista no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT (cf. neste sentido os Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte proferidos em 2013-11-15, no proc. 00331/05.3BEMDL, em 2015-01-15, no proc. 00173/06.9BEMDL, e em 2017-01-12, no proc. 00287/09.3BEMDL, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). Ora, e como acaba de se referir, é manifesto que a sentença não padece de falta absoluta de discriminação de factos não provados, atento o conteúdo dos supracitados pontos H a L da respetiva fundamentação de facto. Tanto é quanto basta para que se conclua que não se verifica nos autos qualquer nulidade por falta de discriminação da matéria de facto não provada. Sucede, no entanto, que as declarações constantes nos supracitados pontos H a L da fundamentação de facto não provada da sentença se revelam marcadamente conclusivos. Com efeito, as afirmações ali compiladas - que o Impugnante marido “comprou” aos fornecedores «W, Lda», «Y, Lda.», «X, Unipessoal Lda.» e Brisa Magna “a matéria-prima (cortiça) e as mercadorias (cortiça, rolhas e aparas)”, que nos “exercícios de 2013 e 2014 o Impugnante adquiriu a «X, Unipessoal Lda.» mercadorias nos montantes de EUR 107.060,00 no ano de 2013 e EUR 94.700,00 no ano de 2014”; que no exercício de 2013 “o Impugnante efetuou compras de rolhas e cortiça a «Y, Lda.» no montante de EUR 88.756,00”, que no “exercício de 2013 o Impugnante efetuou compras de rolhas a «W, Lda» no montante de EUR 56.224,00”, ou ainda que no “exercício de 2014 o Impugnante efetuou compras de rolhas a Brisa Magna no montante de EUR 87.330,00” – são puras conclusões, que para serem alcançadas teriam de se ter sustentado em factos concretos, simples, e devidamente circunstanciados de tempo, modo e lugar, o que não sucede. Assim sendo, e porque em causa não estão factos, mas matéria conclusiva, inidónea para sustentar a fundamentação factual da decisão, são eliminados do probatório os pontos H a L da matéria de facto não provada. Importará ainda esclarecer a este respeito que esta asserção em nada interfere com o que se deixou afirmado sobre a improcedência da nulidade apontada à sentença pelos Recorrentes, pois que o que aqui está em causa e sustenta a decisão de eliminar os pontos H a L do probatório não é uma qualquer nulidade, mas antes o erro de julgamento de direito em que repousa a decisão ao interpretar incorretamente as regras de direito processual, concretamente ao interpretar incorretamente o conceito de facto constante no arts. 123.º do CPPT e 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, aplicável supletivamente ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT. Prosseguindo. Os Recorrentes alegam ainda que a sentença sob recurso padece de vários erros de julgamento de facto e de direito. Ora, e atendendo à sua precedência lógica, há que começar pela apreciação dos erros de julgamento de facto alegados, pois o que sobre os mesmos se decidir poderá condicionar a apreciação dos erros de julgamento de direito. A este propósito alegam os Recorrentes na motivação das suas alegações de recurso que a sentença padece de erro de julgamento de facto, por não ter dado como provados vários factos relevantes para a decisão, a saber (i) que o impugnante é uma micro entidade que de dedica, essencialmente, à produção e comercialização de rolhas de especialidades (fracos de perfume, de condimentos, de licores e outras bebidas espirituosas), facto que o distingue dos típicos produtores de rolhas de vinhos; (ii) que o impugnante marido dispõe para registo das suas operações contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal; (iii) que as facturas emitidas pelos fornecedores, em causa, registadas na contabilidade como compras por contrapartida das respectivas contas correntes dos fornecedores foram pagas com cheques nominativos sacados sobre as contas bancárias abertas nos bancos Banco 1... e Banco 2..., afectas ao exercício da actividade empresarial; (iv) que os impugnantes autorizaram, voluntariamente, a derrogação do sigilo bancário; (v) que as vendas declaradas em cada um dos exercícios de 2013 e 2014, respectivamente nos montantes de € 352 420,07 e € 363 217,94, não foram postas em causa pela IT; e ainda (vi) que não se provou que as quantias pagas através de cheques nominativos emitidos a cada uma das sociedades beneficiários (os fornecedores) tenham retornado às contas bancárias dos impugnantes (cf. fls. 4-5 das suas alegações de recurso). Sucede que sobre esta matéria nada é referido nas conclusões de recurso. Ora, o que claramente decorre do disposto nos artigos 635.º, n.ºs 3 a 5, e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT, é que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso (cf. a este respeito, designadamente, os Acórdãos do STJ proferidos em 2013-08-18, no proc. 483/08.0TBLNH.L1.S1 e em 2016-10-27 no proc 110/08.6TTGDM.P2.S1, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). Assim sendo, se o recorrente, ao explanar e desenvolver os fundamentos da sua alegação impugnar a decisão proferida na 1.º instância sobre a matéria de facto, pugnando pela sua alteração ou modificação, mas omitindo nas conclusões qualquer referência a essa decisão e a essa impugnação, essa questão não faz parte do objeto do recurso (cf. neste sentido o Acórdão do STJ proferido em 2018-06-06 no paroc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; e no mesmo sentido, ver designadamente os Acórdãos do STJ proferidos em 2018-05-16, no proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, em 2021-02-09, no proc. 16926/04.0YYLSB-B.L1.S1, em 2016-10-27, no proc. 110/08.6TTGDM.P2.S1, e em 2023-01-19, no proc. 3160/16.5T8LRS-A.L1-A.S1, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). Pelo que, e uma vez que esta matéria não integra o objeto do recurso por não ter sido contemplada nas respetivas conclusões, a mesma não será objeto de conhecimento por este Tribunal. Alegam ainda os Recorrentes que a matéria de facto provada na sentença consta essencialmente do Relatório da Inspeção Tributária (RIT), que não contém elementos de facto e provas suficientes para fundamentar a decisão de improcedência da impugnação judicial. Mais argumentam, neste segmento do seu recurso, que o RIT comporta as conclusões a que a inspeção tributária chegou depois da análise feita aos dados da escrita e às declarações prestadas pelo Recorrente, assim como as conclusões que foram importadas de procedimentos inspetivos realizados aos seus fornecedores emitentes da faturas que se consideraram simuladas, tendo sido acolhido na sentença com uma força probatória que não tem, porque as asserções que dele constam foram por si impugnadas, e porque os juízos formulados pela ATA não foram extraídos de factos materiais apurados e determinados com base em critérios objetivos, designadamente no que se refere ao que designam por “conclusões-internas” que resultaram do procedimento. Alegam ainda a este respeito que da ação inspetiva não resultam provados “os critérios objetivos” necessários para que o RIT adquira força probatória, que também não lhe advém dos indícios “importados” a partir dos relatórios elaborados na sequência das ações inspetivas realizadas a cada um dos fornecedores emitentes das faturas consideradas como não titulando operações reais (cf. conclusões VIII a XIII das alegações de recurso). Vejamos. Antes de mais, e desde logo, é no teor do RIT que se encontra a fundamentação dos atos de liquidação de IVA impugnados, o que é quanto basta para que se conclua pela pertinência da respetiva transcrição na fundamentação de facto da sentença. Quanto à errada valoração que os Recorrentes entendem que foi feita do que ali resulta plasmado, o que está em causa, em bom rigor, não é um qualquer erro de julgamento de facto, mas antes um putativo erro de julgamento de direito, pois o que pretendem é pôr em causa a aplicação feita ao caso concreto das regras do ónus da prova. Com efeito, o núcleo do recurso está na insatisfação dos Recorrentes com o modo como as regras do ónus da prova foram interpretadas e aplicadas no caso concreto. Nesse sentido alegam que a sentença faz uma interpretação e aplicação deficiente do regime do ónus da prova previsto no n.º 1 do art. 74.º da LGT ao caso, pois os indícios referidos no RIT relativamente à atividade do Recorrente são imprecisos e os indícios recolhidos junto dos putativos emitentes de faturas falsas são insuficientes, por apenas se concentrarem na falta de credibilidade dos seus fornecedores e não nas operações concretas em questão. Assim, e quanto à argumentação coligida no RIT relativamente à atividade do Recorrente, alegam que não é precisa, uma vez que os serviços de inspeção tributária (SIT) se basearam em testes elaborados a partir de dados estatísticos relativamente aos quais não foi ponderada qualquer margem de erro, tendo também partido de premissas erradas, por terem sido desconsiderado nos preços médios da cortiça as quantidades e preços de compra da cortiça amadia e a variedade de compras em cada um dos anos, de cortiça e rolhas. Por outro lado, e no que diz respeito aos gastos com transportes, consideram os Recorrentes que não foi levado em consideração que foram feitas compras de cortiça amadia no sul do país, o que resultava comprovado no anexo 5 ao RIT, apontando o mesmo erro ao indício referente às despesas de deslocação. Relativamente aos indícios recolhidos junto dos alegados emitentes de faturas falsas, alegam os Recorrentes, e em síntese, que, e ainda que aceitando como correta a metodologia da fiscalização cruzada e a possibilidade de, em abstrato, a mera recolha de indícios nos fornecedores, desde que suficientemente sólidos, poder ser suficiente para sustentar a inversão do ónus da prova nesta matéria, no caso não foi feita uma recolha de indícios objetivos e suficientes para o efeito. Com efeito, argumentam os Recorrentes que as conclusões constantes do RIT nesta matéria são genéricas, reportando-se sobretudo à alegada falta de idoneidade dos fornecedores do Recorrente e à circunstância de os mesmos se encontrarem indiciados pela prática de emissão de faturas falsas, e ignorando as operações concretamente em causa, tendo as inspeções aos mesmos sido realizadas a posteriori, tendo os próprios serviços de inspeção tributária admitido a existência de atividade comercial residual, pelo que na falta de outros dados mais consistentes, não operou a inversão do ónus da prova. Mais alegam que não podem ser imputadas ao Recorrente as irregularidades financeiras dos seus fornecedores, pois todos os pagamentos que efetuou foram feitos através de cheques ou transferências bancárias, tendo o Recorrente autorizado a derrogação do sigilo bancário, e nesse contexto nada tendo sido apurado que suporte a possibilidade de retorno às suas contas bancárias de quaisquer quantias utilizadas para pagamento aos fornecedores dos montantes constantes nas faturas. Por outro lado, argumentam que as compras tituladas pelas faturas desconsideradas se revelavam essenciais às vendas que efetuaram, e que não foram postas em causa pelos SIT. Por fim, os Recorrentes alegam que a Administração fiscal não reuniu quaisquer indícios de que, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 19.º do CIVA, se tenha verificado qualquer simulação, e os elementos que os SIT recolheram junto das entidades emitentes não especificam o “modo, tempo e lugar da realização dos procedimentos inspetivos” a que as mesmas foram sujeitas e cujas conclusões foram “importadas” para o RIT, e que, em consonância com a jurisprudência do TJUE, os elementos reunidos deveriam permitir esclarecer que o Recorrente sabia ou deveria saber que ao adquirir os bens em questão participava numa fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou outro operador, o que não acontece. Sobre esta matéria, na sentença sob recurso transcrevem-se os indícios que os SIT consideraram como suficientes, para se concluir, relativamente a todos e cada um dos emitentes, que “[s]e um ou outro indício tomado de forma isolada até pudesse ter explicação, todos estes indícios apreciados criticamente e na sua globalidade permitem concluir que é manifesto que a IT carreou para o relatório mais indícios do que os que seriam necessários para abalar a presunção de veracidade dos documentos que suportaram a dedução do IVA aqui em causa”, e ainda que a prova testemunhal produzida não abalou os referidos indícios, e que, tendo-se operado a inversão do ónus da prova, os Recorrentes não lograram provar a materialidade das operações em causa. Mais é afirmado na sentença que “(…) não está em causa saber se o Impugnante sabia ou tinha o dever de saber do comportamento fraudulento de um interveniente a montante do circuito económico, no que é comummente designado por “fraude carrocel”; Efetivamente, não está aqui em causa apurar se o Impugnante sabia ou tinha o dever de saber se havia fraude a montante do circuito económico e que dela tinha retirado vantagem, mas sim aquilatar se as faturas que este utilizou para deduzir IVA efetivamente correspondiam a operações económicas reais”. Apreciando. Recorde-se que em causa está a desconsideração pela Administração fiscal do IVA deduzido nos anos de 2013 e 2014 no âmbito da atividade comercial desenvolvida pelo aqui Recorrente, por alegadamente o mesmo se sustentar em “documentos respeitantes a operações indiciadas como simuladas, vulgo faturas falsas”, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do art. 19.º do CIVA. Ou seja, e dito por outras palavras, considerou a ATA que o IVA deduzido no âmbito da atividade comercial do aqui Recorrente, e sustentado em faturas emitidas por empresas indiciadas pela prática de emissão de faturas falsas, o foi indevidamente, porque as faturas em causa não titularam operações comerciais reais ou efetivas. Vejamos então. Dispunha-se no n.º 3 do art. 19.º do CIVA, então como agora, que “Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura” (cf. redação dada pelo Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de agosto). Tal como resulta do RIT, no período inspecionado o aqui Recorrente encontrava-se coletado em sede de IRS na categoria B (rendimentos empresariais), estando em causa “uma pequena unidade empresarial que se dedica essencialmente à produção de rolhas de especialidades para garrafas de licores, uísques, perfumes, etc., onde se destaca os calibres 30x22, 31x28 e 32x26”, sendo seu principal cliente a empresa «K, Lda.» (ponto II.3.1 “Apresentação do sujeito passivo”, a fls. 2-3 do RIT). Com efeito, a Administração fiscal não põe em causa que o aqui Recorrente tenha prosseguido uma atividade comercial efetiva relacionada com a transformação e comércio de cortiça, mas antes que, e como já aqui foi referido, as faturas desconsideradas tenham titulado operações comerciais reais, por terem sido emitidas por entidades indiciadas pela emissão de faturas falsas. Cabia por isso à ATA o ónus de provar que, e nos termos do disposto no supracitado n.º 3 do art. 19.º do CIVA, o IVA em causa resultou de operações simuladas, tal como resulta do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, norma na qual se determina que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, e que deve ser lida em conjugação com o disposto no art. 75.º da LGT, no qual se regula a presunção de boa fé das declarações dos contribuintes. Na matéria específica que nos ocupa da prova da falsidade da faturação ou da existência de operações simuladas para os efeitos do disposto no n.º 3 do art. 19.º do CIVA, e como vem sendo (re)afirmado pela jurisprudência constante e pacífica dos nossos Tribunais superiores, “[n]o que concerne à prova que compete à Administração, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientemente indiciadores a que o Tribunal possa concluir, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência, pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura” (cf. o Acórdão proferido pelo TCAS em 2017-05-25, no proc. 08666/15, e no mesmo sentido, designadamente, os Acórdãos proferidos pelo TCAS em 2019-02-14, no proc. 509/09.0BELRA, e em 2019-04-11, no proc. 1834/10.3BESNT, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). E nesse sentido, se vem decidido neste Tribunal Central Administrativo Norte que a prova a fazer pela Administração fiscal “(…) não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível” (cf. neste sentido, designadamente, o Acórdão proferido por este TCAN em 2022-07-14 no proc. 00548/18.0BEAVR, disponível para consulta em www.dgsi.pt). Uma vez feita essa prova indiciária passará “(…) a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução” (cf. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 2016-02-17, no proc. n.º 0591/15, disponível para consulta em www.dgsi.pt). Por outro lado, encontra-se igualmente assente que não está vedado à Administração fiscal recorrer a dados recolhidos junto dos fornecedores dos sujeito passivos inspecionados, como é aqui o caso, lançando “… mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado” (cf. neste sentido o Acórdão proferido pelo TCAS em 2017-05-25, no proc. 08666/15, e no mesmo sentido, designadamente, os Acórdãos proferidos pelo TCAS em 2019-02-14, no proc. 509/09.0BELRA, em 2019-04-11, no proc. 1834/10.3BESNT, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). Por fim, resulta da jurisprudência consolidada do nosso Supremo Tribunal Administrativo que a ATA “(…) não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende” (cf. neste sentido os Acórdãos proferidos pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA em 2016-02-17, no proc. n.º 0591/15, em 2016-03-16, no proc. n.º 0400/15, em 2016-10-19, no proc. n.º 0511/15, em 2016-11-16, no proc. n.º 0600/15, e em 2019-02-27, no proc. 01424/05.2BEVIS 0292/18, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). Importa ainda recordar, que não obstante a prova a fazer pela Administração fiscal não tenha de ser direta, mas tão só indiciária – entendendo-se como “[f]actos probatórios indiciários ou indícios [os] definidos pelo Prof. CASTRO MENDES, no seu estudo sobre O Conceito de Prova em Processo Civil, como aqueles factos que permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (cf. neste sentido SANCHES, J. L. Saldanha – A quantificação da obrigação tributária: deveres de cooperação, autoavaliação e avaliação administrativa. 2.ª edição. Lisboa: Lex, 2000, pág. 311) – da mesma deverá também resultar, ainda que indiciariamente, que o IVA deduzido não se reporta a uma transação real, ou seja, que a operação (ou o seu preço) titulada pela fatura desconsiderada foi ou não simulada, não obstante ter sido emitida por um sujeito indiciado pela prática de emissão de faturas falsas. De facto, ensina-nos a realidade, na sua multiplicidade e riqueza, que situações existem em que o emitente das faturas falsas não deixa de praticar, também, operações reais, e outras ocorrem em que a operação titulada pela fatura falsa não deixa de ocorrer, ainda que entre um terceiro ao emitente da faturação falsa e o contribuinte – de boa-fé – sujeito à correção fiscal. A este respeito recorda-nos a jurisprudência emanada deste TCAN que ainda que possa à partida parecer estranho que o legislador se tenha “(…) abstraído da relação subjacente titulada na fatura que, para ser subjetivamente verdadeira, teria de existir entre aqueles dois sujeitos (o emitente da fatura e o utilizador da fatura)”, existe “(…) uma razão para tal: é que o legislador também abstrai da relação subjacente para exigir o imposto do emitente. Com efeito, e nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do mesmo código, o imposto também pode ser exigido ao emitente da fatura que ali o mencione indevidamente. Cada fatura onde seja mencionando imposto constitui um «cheque sobre o Tesouro» (cit. José Guilherme Xavier de Basto, in «A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional», Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 164, Centro de Estudos Fiscais 1991, pág. 140). E isto acontece precisamente porque o destinatário da fatura também não deixa, por esse facto, de ter o direito a utilizá-la, no exercício do seu direito à dedução.” (cf. o Acórdão proferido por este TCAN em 2015-09-17, no proc. 00799/05.8BEVIS). Com efeito, e a não ser assim, haveria que concluir, como tem feito este Tribunal Central Administrativo Norte, que se estaria na presença de uma metodologia de “pesca de arrasto”, caracterizada pela circunstância de a Administração fiscal se limitar a considerar o facto de o contribuinte ter deduzido imposto com base em faturas registadas na sua contabilidade, pela mera circunstância de as mesmas terem sido emitidas por sujeitos passivos indiciados pela prática de emissão de faturação falsa, sem nada cuidar de saber sobre a substância da operação titulada pelas mesmas (cf. neste sentido o Acórdão proferido por este TCAN em 2015-09-17, no proc. 00799/05.8BEVIS, e no mesmo sentido, designadamente, os Acórdãos deste TCAN proferidos em 17-02-2022, no proc. 9/17.5BEBRG em 03-03-2022, no proc. 974/17.2BEBRG, estes dois provindos de coletivo no qual a aqui relatora e 1.ª adjunta figuraram, respetivamente, como 1.ª e 2.ª adjuntas; todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). Por fim, mas não de somenos importância, há ainda que sublinhar que, e ao contrário do afirmado na sentença sob recurso, dessa prova indiciária a cargo da Administração fiscal, deverá também resultar que o sujeito passivo sabia ou deveria saber que, ao adquirir os bens ou serviços em causa, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA. De facto, tanto resulta indiscutivelmente da jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), na interpretação que faz sobre o direito à dedução, que repetidamente vem afirmando constituir um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União Europeia, não podendo, por isso, e em princípio, ser limitado (nesse sentido vejam-se, designadamente, os Acórdãos de 6 de dezembro de 2012, Bonik, C‑285/11, § 25 e 26; de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, § 35 e 36, de 21 de março de 2018, Volkswagen, C‑533/16,§ 37 e 39, de 16 de outubro de 2019, Glencore, C-189/18, § 33 e mais recentemente, de 24 de fevereiro de 2022, SC Cridar Cons SRL, C-582/20, § 32). Assim, resulta da jurisprudência daquele TJUE que, não obstante o direito à dedução poder ser negado se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (cf. nesse sentido, designadamente, os Acórdãos do TJEU de 16 de outubro de 2019, Glencore Agriculture Hungary, C‑189/18, § 34, e de 4 de junho de 2020, SC C.F. SRL, C-430/19, § 42), ele só poderá ser recusado a um sujeito passivo “(…) se, à luz de elementos objetivos, se demonstrar que este sujeito passivo, ao qual foram fornecidos os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito à dedução, sabia ou deveria saber que, ao adquirir esses bens ou serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outro operador interveniente a montante ou a jusante na cadeia dessas entregas ou dessas prestações” (cf. designadamente, Acórdãos de 16 de outubro de 2019, Glencore Agriculture Hungary, C-189/18, § 35 e de 4 de junho de 2020, SC C.F. SRL, C-430/19, § 43). E nem se diga que esta exigência apenas releva quando em causa esteja a investigação de possíveis situações de fraude no âmbito de transações intracomunitárias (designada “fraude em carrossel”), pois não obstante esta preocupação aí assumir particular pertinência - na medida em que nesses casos a fraude envolve um conjunto de transações e de intervenientes, aumentando a probabilidade de na respetiva cadeia existirem sujeitos que atuem de boa-fé -, atendendo à relevância que assume o direito à dedução no mecanismo do IVA, não há qualquer motivo para excluir a sua importância em casos em que o que está em causa é a emissão e potencial utilização de faturação falsa. E tanto assim é que o TJUE reafirma a importância deste requisito em circunstâncias em tudo similares às que aqui nos ocupam, como sucedeu nas circunstâncias que originaram o reenvio prejudicial objeto do supracitado Acórdão proferido em 4 de junho de 2020, no caso SC CF SRL, C-430/10 (disponível para consulta em https://curia.europa.eu/). Vejamos então se é de dar razão aos Recorrentes relativamente erros de julgamento de direito que imputam à sentença sob recurso, por errada interpretação e aplicação ao caso das regras do ónus da prova. Ora, e no que se refere aos indícios recolhidos juntos dos emitentes das faturas desconsideradas pela Administração fiscal, desde já se adianta que os Recorrentes têm razão quando alegam que os indícios recolhidos pelos SIT não são suficientes para que se considere cumprido o respetivo ónus da prova, ainda que indiciária, nos termos acabados de descrever. Se não, vejamos. No que se refere à emitente «X, Unipessoal Lda.», os indícios recolhidos e elencados no RIT não são suficientes para que se conclua com um mínimo de segurança que não foram concretizadas operações reais de compra e venda de rolhas e cortiça entre aquela e o aqui Recorrente. Desde logo, em aspetos cruciais, os elementos recolhidos pelos SIT nas várias ações inspetivas levadas a cabo a esta emitente, e aos quais se lança mão no RIT, suscitam dúvidas fundadas sobre as conclusões que são retiradas sobre a sua alegada inatividade. Assim, é referido no RIT que a «X, Unipessoal Lda.» foi criada para o exercício de fabricação de rolhas, mas “nunca produziu rolhas” (o que, aliás, é afirmado de modo totalmente conclusivo a fls. 10 do RIT), e que não tinha instalações, nem ativos fixos relevantes, ou pessoal, para em simultâneo se afirmar que as suas instalações eram utilizadas de forma ininterrupta e a tempo inteiro pela empresa «H», pertencente também ela ao mesmo conjunto de empresas controladas “pelo núcleo familiar de FF e LL”, que se dedicava à prestação de serviços de fabrico de rolhas, possuindo “várias pessoas ao seu serviço”. Afirma-se ainda que nas guias de remessa que emitiu é identificada a matrícula de um veículo, mas que tanto “não constitui prova da realização do serviço de transporte” uma vez que o mesmo não pertenceria ao património da empresa (fls. 12 e 13 do RIT), para logo se afirmar que o “suposto transporte foi realizado na viatura ..-..-OI, que está registada em nome da «X, Unipessoal Lda.»” (fls. 17 do RIT). E a propósito do transporte realizado para o local onde o aqui Recorrente exerce a sua atividade (em ...), refere-se no RIT que não é verosímil que o mesmo se tenha realizado, uma vez que no mesmo dia a suprarreferida viatura terá efetuado 5 transportes, 4 para ... e 1 para ..., ali se afirmando, simultaneamente, que os dois locais são “muito próximos” e que se desconhece “a hora em que ocorreu o transporte de rolhas para o SP relativas à fatura n.º 11”… (cf. fls. 18 do RIT). Ora, e como é defendido pelos Recorrentes, é compatível com as regras da experiência comum concluir que se a emitente partilhava instalações com outra empresa do mesmo grupo, detida pelos mesmos empresários, que partilhasse também dos meios humanos e instrumentos da atividade daquela, usufruindo dos respetivos recursos produtivos. Por outro lado, as incongruências relativamente ao transporte suscitam dúvidas sérias sobre a conclusão que se retira no RIT sobre a sua não concretização, sendo ainda pertinente referir a este propósito que também das incongruências formais a que se alude no RIT quanto à imprecisão ou inexistência de guias de transporte e outros documentos utilizados para o efeito não se poder retirar, por si só, que o transporte os bens transacionados não se efetuou. O mesmo se diga quanto às incongruências na sequenciação e datação de faturas emitidas pela «X, Unipessoal Lda.», que por si só não se revelam suficientes para que se retire a conclusão de que as operações de compra e venda em causa não se realizaram, sendo ainda de referir que sobre esta irregularidades, sempre invocadas em abstrato, não se estabelece qualquer relação concreta com o aqui Recorrente e com a sua atividade comercial. Por fim, não pode também deixar de se dar razão aos aqui Recorrentes quando alegam que tendo o pagamento das transações sido efetuado através de cheques nominativos - referindo-se a fls. 19 do RIT que “todas as facturas da «X, Unipessoal Lda.» emitidas em nome de AA foram regularizadas com cheques da Banco 2... e do Banco 1... passados à ordem da empresa «X, Unipessoal Lda.»” -, e tendo o Recorrente autorizado o levantamento do sigilo bancário – tendo-se a este propósito deixado explicitado no RIT que com “a derrogação do sigilo bancário a AT teve acesso a 98% deste cheques” (cf. RIT a fls. 19), na sequência do que nada foi apurado pelos SIT no sentido de ter ocorrido uma qualquer “devolução” de fundos no seu património, não lhe pode ser imputado o facto de os emitentes das faturas terem endossado cheques e depositado os mesmos em contas que não a da empresa, terem descontado cheques 40 dias após a sua emissão, ou terem procedido ao levantamento das correspondentes quantias no balcão das entidades bancárias. O facto de este procedimento ser caracterizado pelos SIT como sendo “típico” nas situações de emissão de faturas falsas, por si só, e no contexto descrito, não basta para que se conclua pelo envolvimento do aqui Recorrente em qualquer operação fraudulenta. Por fim, e quanto ao alegado “controlo de existências”, são os próprios SIT que referem que desconhecem se as rolhas de boa qualidade adquiridas à «X, Unipessoal Lda.» foram transformadas em calibres menores para venda ao cliente do Recorrente, e que admitem que caso tal tenha sucedido estaria em causa a omissão não da totalidade, mas de parte das rolhas alegadamente adquiridas. Não é por isso possível assentar em que os indícios recolhidos relativamente a este emitente permitam concluir, com um mínimo de segurança, que não foi efetuada qualquer transação real entre o Recorrente e aquele, como pretendido pelos SIT. Com efeito, teria a Administração fiscal de ter ido mais longe na investigação efetuada, não se quedando pelos indícios recolhidos junto da emitente das faturas e pela mera especulação in abstracto sobre o seu significado no caso em apreço, colhendo indícios dos quais se pudesse retirar com um mínimo de segurança que as operações de compra e venda desconsideradas relativamente ao aqui Recorrente não se realizaram. Conclusão idêntica se deve retirar quanto aos indícios recolhidos relativamente às faturas relativas à compra e venda de rolhas e cortiça timbrada emitidas pela «Y, Lda.», no período de 9 de janeiro a 15 de julho de 2013. Com efeito, relativamente a esta empresa a argumentação constante no RIT centra-se na circunstância de o transporte das mercadorias vendidas ter sido feito em veículos que não pertenciam ao seu sócio gerente, não obstante o mesmo ter afirmado, em extrato de declarações prestadas em 2014 e relatadas em discurso indireto – refira-se, sem que se explicite qual o critério que presidiu à respetiva seleção – que a sua atividade comercial seria de intermediação, uma vez que refere que “as compras e o transporte era direto dos fornecedores para os clientes” (cf. fls. 27 do RIT), e ainda na circunstância de as guias de transporte emitidas – ainda que nunca especificando quais – revelarem lapsos formais na respetiva identificação. Ora, sempre se dirá que se a atividade desta empresa era de intermediação na compra e venda dos bens em questão, a circunstância de o transporte ser feito em veículos de terceiros não constitui um indício sério de que as transações não se efetuaram, o mesmo se podendo dizer das alegadas irregularidades formais reveladas pelas guias de transporte. Nesta matéria é particularmente revelador o extrato do RIT no qual se refere que “[n]ão obstante nas guias de remessa constar a identificação de uma viatura com capacidade para transporte das existências, não temos prova da realização do serviço de transporte, uma vez que a referida viatura pertence a uma terceira entidade e não há registo dos respetivos serviços” (cf. fls. x do RIT). Ora, e como vimos afirmando, a Administração fiscal deveria ter apurado indícios sérios de que as transações não se efetuaram, o que, e com o devido respeito, não se pode retirar da circunstância de os registos contabilísticos da empresa e correspondente documentação de suporte revelarem irregularidades, quando, tal como afirmado pelos próprios SIT, deles é possível retirar que o transporte foi efeituado por uma viatura que os mesmos atestam que existia e tinha condições materiais para efetuar o transporte das mercadorias (cf. fls. 46 do RIT), tendo ademais apurado e estabelecido uma relação entre o respetivo proprietário e o sócio da empresa em questão. O mesmo se diga relativamente à alegada inatividade no “armazém ou instalação industrial” identificada como sendo o local físico de atividade desta entidade, sendo de referir a este propósito que ainda que se refira que os SIT se deslocaram a este local, em momento algum se precise concretamente em que data tal visita terá ocorrido, que também não era impeditiva da atividade de intermediação. Sustenta-se ainda o RIT quanto a este emitente na circunstância de os cheques utilizados pelo aqui Recorrente para proceder aos pagamentos das mercadorias terem sido levantados pelo respetivo sócio-gerente, sem que no entanto se estabeleça qualquer relação concreta entre estes levantamentos e o aqui Recorrente, não obstante, e como é ali referido, este último ter autorizado o levantamento do sigilo bancário. Não pode também deixar de se referir, como apontam os Recorrentes, que o RIT se caracteriza aqui pela falta de precisão e vaguidade, não sendo identificados os documentos analisados, nem se precisando em que datas foram feitas as diligências nas instalações da empresa, e pelo pendor subjetivo e de inexequível confirmação objetiva por falta de dados concretos nesse sentido, designadamente, quanto ao extenso elenco de “ilações” retiradas pelo respetivo relator do teor de um RIT cujo conteúdo não é dado a conhecer, pela falta de identificação dos documentos que terão sido concretamente examinados, e por longas considerações relativamente à atividade de uma outra sociedade, alegadamente gerida pelo mesmo sócio, no exercício de 2014, quando é certo que o aqui Recorrente não teve relações comerciais com a mesma, e que as faturas em causa foram todas emitidas em 2013. Acresce que, como foi já aqui referido, das declarações prestadas pelo sócio desta empresa às quais é feita alusão frequente, apenas se transcreve um extrato, relatado em discurso indireto, não se conhecendo o critério que presidiu à respetiva seleção. Não pode por isso concluir-se que tenham sido reunidos indícios sérios de que às faturas em causa não tenham correspondido quaisquer transações reais e efetivas. O mesmo sucede relativamente à «W, Lda». Quanto a esta empresa, a alegada falta de incapacidade para comercializar as rolhas vendidas ao aqui Recorrente funda-se em diligências efetuadas às respetivas instalações, cujas datas não são concretizadas e em depoimentos de terceiros, cujos autos de declarações não se encontram, também eles, junto aos autos e relativamente aos quais não é dado qualquer elemento objetivo que permita concluir em concreto pela idoneidade dos depoimentos prestados nesta matéria, apenas se referindo que a mãe do socio gerente de facto teria 80 anos e se encontrava num Centro Social quando terá assinado termo a pedido dos SIT, termo esse que também ele não se encontra junto aos autos. Tanto é quanto basta para que se conclua não ser possível afirmar com segurança que não tenham sido efetuadas transações reais entre o aqui Recorrente e esta empresa, malgrado as afirmações feitas no RIT a propósito da pouca probabilidade da sua realização, sendo certo que concretamente quanto a este não foram efetuadas quaisquer diligências relativamente aos pagamentos para além das referentes à verificação dos cheques utilizados, que se refere terem sido todos levantados ao balcão pelo gerente de facto da emitente, não obstante, também aqui não se ter estabelecido qualquer ligação concreta entre estes levantamentos e o aqui Recorrente, malgrado a autorização de levantamento de sigilo bancário. Por fim, também no que diz respeito às faturas emitidas pela «Z, Lda.» é de concluir que não foram reunidos indícios sérios que permitam concluir com segurança que as mesmas não correspondam a qualquer transação efetiva, não se esclarecendo em que datas foram feitas as diligências nas respetivas instalações, não se explicitando exatamente em que termos foram feitos os “testes de controlo de stocks” a que ali se alude, fundamentando-se as dúvidas quanto ao transporte das mercadorias – em viatura a que a montante se admitira ter condições para o transporte em questão (cf. fls. 46 do RIT) - em irregularidades formais, e insistindo na circunstância de os cheques utilizados para pagamento terem sido levantados ao balcão pelo gerente sem que se estabeleça qualquer relação concreta entre esse levantamentos e o aqui Recorrente, malgrado o mesmo ter autorizado o levantamento do sigilo bancário. Por fim, também não convence a argumentação alinhada no ponto III.5 do RIT. Com efeito, nos testes efetuados aos stocks do Recorrente – aliás, sem qualquer verificação física do respetivo inventário -, não é feita qualquer referência à possibilidade de terem existido perdas, normais em qualquer atividade, ou à margem de erro a que aludem os Recorrentes. Assim, e perante a fragilidade dos indícios recolhidos quanto ao aqui Recorrente, não é possível relacionar com segurança quaisquer irregularidades reveladas no respetivo inventário com a pretendida utilização de faturação falsas, como pretendido. Por outro lado, e no que se refere às despesas com as deslocações descritas no ponto III.5.2, atendendo a que conclusão de que as mesmas se terão realizado para efetuar compras não declaradas de cortiça não se suporta em qualquer evidência concreta – para além do facto de as deslocações terem sido efetuadas – a mesma revela-se puramente especulativa. Em face de todo o exposto conclui-se que a Recorrida não logrou concretizar o seu ónus probatório de provar indícios sérios, suficientes para que se conclua que às faturas desconsideradas não correspondeu qualquer transação efetiva, e que o Recorrente sabia ou deveria saber que, ao adquirir os bens em causa, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA. Não era por isso possível concluir pela devolução aos Recorrentes do ónus da prova da efetividade das transações tituladas pelas faturas desconsideradas, pelo que, nesta matéria, a sentença sob recurso revela o erro de julgamento de direito que lhe é imputado pelos Recorrentes. Ora, tanto é quanto basta para que se conclua pela procedência do presente recurso, devendo por isso considerar-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo Recorrentes [cf. n.º 2 do art. 608.º ex vi n.º 2 do art. 663.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT]. *** Atento o decaimento da Recorrida, é sua a responsabilidade pelas custas, pelo presente recurso e na 1.ª instância, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo presente recurso, visto que nele não contra-alegou (cf. art. 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais – RCP). *** Conclusão: Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva: I. No que se refere à aplicação do regime constante no n.º 3 do art. 19.º do CIVA, não obstante a prova a fazer pela Administração fiscal não tenha de ser direta, mas tão só indiciária, da mesma deverá também resultar, ainda que indiciariamente, que o IVA deduzido não se reporta a uma transação real, ou seja, que a operação (ou o seu preço) titulada pela fatura desconsiderada foi simulada, não obstante ter sido emitida por um sujeito indiciado pela prática de emissão de faturas falsas. II. A não ser assim, haveria que concluir que se estaria na presença de uma metodologia de “pesca de arrasto”, caracterizada pela circunstância de a Administração fiscal se limitar a considerar o facto de o contribuinte ter deduzido imposto com base em faturas registadas na sua contabilidade, pela mera circunstância de as mesmas terem sido emitidas por sujeitos passivos indiciados pela prática de emissão de faturação falsa, sem cuidar de saber sobre a substância da operação titulada pelas mesmas. III. Dessa prova indiciária a cargo da Administração fiscal, deverá resultar que o sujeito passivo sabia ou deveria saber que, ao adquirir os bens ou serviços em causa, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA. IV. Resulta da jurisprudência do TJUE que não obstante o direito à dedução poder ser negado se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente, ele só poderá ser recusado a um sujeito passivo se, à luz de elementos objetivos, se demonstrar que este sujeito passivo, ao qual foram fornecidos os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito à dedução, sabia ou deveria saber que, ao adquirir esses bens ou serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outro operador interveniente a montante ou a jusante na cadeia dessas entregas ou dessas prestações. V. Não tendo a Recorrida logrado cumprir o seu ónus de provar indícios objetivos sérios e suficientes que permitam concluir que às faturas desconsideradas não correspondeu qualquer transação efetiva, e que o Recorrente sabia ou deveria saber que, ao adquirir os bens em causa, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA, não era possível concluir pela devolução aos Recorrentes do ónus da prova da efetividade das transações tituladas pelas faturas desconsideradas. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao presente recurso, e em consequência, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação judicial procedente, e, em consequência, anular as liquidações adicionais de IVA referentes aos anos de 2013 e 2014 e correspondentes juros compensatórios, impugnadas nos autos. Custas pela Fazenda Pública, em ambas as instâncias, não sendo devida taxa de justiça pelo presente recurso. Porto, 7 de junho de 2023 - Margarida Reis (relatora) – Rosário Pais (em substituição) – Paulo Moura. |