Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02817/13.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/09/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:PROVA DA SITUAÇÃO TRIBUTÁRIA REGULAR;
EBF;
JUSTO IMPEDIMENTO ;
Sumário:
I. Da conjugação do disposto nos n.ºs 5 e 7 do artigo 14.º do EBF, na redacção aplicável, resulta que a situação tributária irregular do interessado por falta de pagamento de IRC de 2011, a manter-se a 31 de dezembro de 2012, determina a cessação do acto administrativo que os concedeu para aquele período.
II. Tendo o pagamento da divida tributária, correspondente a IRC de 2011, sido inviabilizado a 31.12.2012 por os serviços estarem encerrados em virtude de “tolerância de ponto” decretada pelo Governo, o seu cumprimento transfere-se para o primeiro dia útil seguinte (02.01.2013) por força dos princípios inerentes ao instituto do justo impedimento, para efeitos de manutenção do beneficio fiscal.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Recorrente (Autoridade Tributária), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 06 de maio de 2016, que julgou procedente a acção administrativa especial proposta pela Recorrida ([SCom01...], Lda.), visando a anulação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças ... 2 que determinou a cessação de benefícios fiscais por existência de dívidas a 31 de Dezembro de 2012 e, em consequência, o condenou na respectiva reposição relativamente ao exercício de 2012, inconformada vem apresentar o presente recurso.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
« (...)
A - Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 06.05.2016 que julgou procedente a ação administrativa especial interposta pelo ora Recorrido, anulou o acto impugnado e condenou o ora Recorrente a repor o benefício fiscal relativamente ao ano de 2012.
B - Em causa nos presentes autos está a legalidade da decisão do Recorrente de cessação de benefícios fiscais por existência de dívidas fiscais a 31.12 nos termos das disposições conjugadas da a) do nº 5 com o que dispõe o nº 7 do artigo 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
C - Considerou a douta sentença recorrida visto que os serviços não estavam abertos ao público (devido à tolerância de ponto) de 31 .12, de acordo o disposto no art.º 72.º, nº 1 alínea c) do CPA, o termo do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte.
D - Salvo melhor entendimento, considera o Recorrente que a douta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto incorre em erro de julgamento por errónea interpretação a) do nº 5 em conjugação com o nº 7. do artigo 14.º do EBF e do artigo 72.º do CPA.
E - Com efeito, a cessação do benefício fiscal não resulta do incumprimento do prazo mas da aferição de uma situação contributiva debitória reportada a um determinado momento do ano.
F - A cessação de benefícios fiscais por motivos de existência de dívidas fiscais não resulta de um processo de contagem de um prazo.
G - Conforme resulta da lei, a data de 31.12 não é o termo de um prazo, mas a ocorrência de um evento temporalmente determinado que determina a aferição de um determinado requisito.
H - E porque assim não tem aplicação, ao caso em apreço o disposto no artigo 72.º do CPA, nem quaisquer outras normas relativas à suspensão, interrupção ou transposição de prazos.
I - Assim sendo, como na realidade o é verificam-se os pressupostos legais de que depende a cessação dos benefícios fiscais em face da constatação da situação debitória da Recorrida.
J - Aliás, a Recorrida tinha ao seu dispor vários meios de pagamento e um período alargado de tempo para efectuar o referido pagamento das dívidas fiscais
K - Pelo que a concessão da tolerância de ponto não constitui causa direta nem indirecta do incumprimento das suas obrigações fiscais.
L - Donde, sendo a falta de pagamento atempado apenas é imputável à Recorrida, a aplicação do artigo 72.º do CPA ao caso em apreço poderia com facilidade constituir uma situação de abuso de direito.
M - Tendo em conta os factos dados como assentes considera-se estarem verificados todos os pressupostos legais para fazer perecer o direito aos benefícios fiscais em causa, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 14º do EBF, relativamente ao ano ou período de tributação em que ocorrem os pressupostos, 2012.
N - Resulta assim evidente que a decisão impugnada foi praticada de acordo com os preceitos legais aplicáveis, assim como foi efectuada uma correcta interpretação dos pressupostos de facto.
O - Por tudo quanto vem exposto é de concluir que a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à da matéria de direito pelo que não poderá manter-se.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional ora interposto e em consequência, ser revogada a sentença recorrida.»
1.2. A Recorrida, notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. Foi notificado o Ministério Público junto deste Tribunal.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importa decidir, suscitada e delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, consiste em saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito por errónea interpretação a) do nº 5 em conjugação com o nº 7. do artigo 14.º do EBF e do artigo 72.º do CPA.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
« Com interesse para a decisão da causa resulta apurada a seguinte factualidade:
a) Em 13/08/2012 foi emitida em nome da A. a liquidação de IRC nº ...82, relativa ao exercício de 2011, no montante de €35.953,39, com data limite de pagamento de 26/09/2012 (cf. fls. 5 do processo administrativo apenso aos autos, doravante, apenas, PA). ---
b) A A. não procedeu ao pagamento do imposto dentro do prazo limite para o pagamento voluntário referido em a), o que levou a que fosse instaurado em 06/11/2012, o processo de execução fiscal nº ...70 para pagamento da quantia de €36.253,46, sendo emitida em 15/11/2012 a competente citação dirigida à impugnante (cf. fls. 6 e 9 do PA). ---
c) A A. procedeu ao pagamento do montante de €37.067,09, que estava a ser exigido no processo de execução referido em b), através do Documento Único de Cobrança em 02/01/2013, tendo-se extinguido o processo executivo (cf. fls. 7 do PA). ---
d) No dia 31/12/2012 foi concedida tolerância de ponto e os Serviços de Finanças estiveram encerrados ao público.---
e) Pelo ofício nº ...29, datado de 14/08/2013, a A. foi notificada da “Não produção de efeitos de benefícios fiscais – Notificação para audição”, ali se adiantando que “por análise sistemática dos dados existentes nos sistemas da AT, constatou-se a existência da(s) seguinte(s) dívidas à data de 2012-12-31” (cf. fls. 9 dos autos). ---
f) Em resposta ao ofício referido em e), a A. apresentou em 23/08/2013, onde além d o mais refere que “Face ao exposto e porque apenas não liquidamos o IRC no ano civil de 2012 pelo facto do serviço de finanças estra encerrado, motivo pelo qual o sujeito passivo é completamente alheio, solicitamos a V. Exa. que considere o pagamento efectuado e que nos seja resposto o benefício fiscal na declaração periódica (Mod. 22) relativa ao período de 2012” (cf. fls. 22 dos autos). ---
g) Sobre o pedido referido em f) recaiu a informação de 26/08/2013, onde se concluiu que:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
h) Sobre esta informação recaiu o despacho do Chefe do Serviço de Finanças ..., de 27/08/2013, com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
i) A presente acção foi intentada em 27/11/2013 (cf. fls. 2 dos autos). ---
Factos não provados
Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para a decisão da causa. ---
*** ***
O Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos que não foram alvo de contestação. ---
Em relação à factualidade apurada na alínea d) o tribunal firmou a sua convicção na posição da R. vertida nas suas alegações e nas notícias publicadas nos jornais que ali são indicados, bem como no conhecimento pessoal que teve de tal facto, uma vez que a tolerância de ponto foi extensiva aos tribunais.»

2.2. De direito
Importa apreciar se a decisão recorrida que julgou procedente a acção administrativa especial proposta por [SCom01...], Lda., visando a anulação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças ... 2 que determinou a cessação de benefícios fiscais por existência de dívidas a 31 de dezembro de 2012 e, em consequência, o condenou na respectiva reposição relativamente ao exercício de 2012, padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputada pela Recorrente.
A sentença julgou procedente a acção. Para tanto, estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Está em causa apurar se o despacho de cessação dos benefícios fiscais é lícito e qual o reflexo que tem o facto de no dia 31/12/2012, último dia em que podia ser pago o imposto ter havido tolerância de ponto para os funcionários públicos e o Serviço de Finanças ter encerrado. ---
Vejamos. ---
O art. 14º do Estatuto dos Benefícios Fiscais dispõe da seguinte forma:
“Artigo 14.º
Extinção dos benefícios fiscais
1 - A extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra.
2 - Os benefícios fiscais, quando temporários, caducam pelo decurso do prazo por que foram concedidos e, quando condicionados, pela verificação dos pressupostos da respectiva condição resolutiva ou pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário.
3 - Quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à directa realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei.
4 - O acto administrativo que conceda um benefício fiscal não é revogável, nem pode rescindir-se o respectivo acordo de concessão, ou ainda diminuir-se, por acto unilateral da administração tributária, os direitos adquiridos, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele acto pode ser revogado.
5 - No caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária, o acto administrativo que os concedeu cessa os seus efeitos nas seguintes situações:
a) O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social, e se mantiver a situação de incumprimento;
b) A dívida tributária não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea, quando exigível.
6 - Verificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior, os benefícios automáticos não produzem os seus efeitos no ano ou período de tributação em que ocorram os seus pressupostos.
7 - O disposto nos números anteriores aplica-se sempre que as situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 5 ocorram, relativamente aos impostos periódicos, no final do ano ou período de tributação em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, na data em que o facto tributário ocorreu.
8 - É proibida a renúncia aos benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento oficioso, sendo, porém, permitida aos benefícios fiscais dependentes de requerimento do interessado, bem como aos constantes de acordo, desde que aceite pela administração tributária” (negrito e sublinho nosso).---
Assim, o contribuinte perde o direito aos benefícios fiscais se tiver deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto (sobre rendimento, despesas ou património), sendo ainda necessário que a situação de incumprimento se mantenha no final do período de tributação em que se verificou o facto tributário, isto de acordo com o disposto no art. 14º, nº 5º a) e nº 7 do EBF. ---
E, numa primeira leitura, é esta a situação em que a A. se encontra, pois o imposto em falta (IRC do ano de 2011) poderia ter sido pago até o dia 31/12/2012, e tal só sucedeu em 02/01/2013. ---
Sucede que a A. alega que pretendeu efectuar o pagamento do imposto no dia 31/12/2012, último dia do prazo em que poderia regularizar a situação do imposto em falta, mas não conseguiu dado que o Serviço de Finanças estava encerrado devido à tolerância de ponto concedida pelo Governo aos funcionários públicos. ---
Assente que se mostra que no dia 31/12/2012, último dia o prazo para o pagamento do imposto, houve de facto tolerância de ponto e os Serviços de Finanças, bem como outros serviços públicos, estiveram encerrados impera aferir qual a importância de o termo do prazo de pagamento incidir num dia em que foi concedida tolerância de ponto.---
Para o efeito, e tendo em conta o ano a que se reporta a situação (2012) apelemos ao previsto no Código de Procedimento Administrativo (CPA) ao tempo em vigor, o qual não difere da actual versão em vigor. ---
Dispunha o art. 72º do CPA sobre a contagem dos prazos, referindo o nº 1 alínea c) que “O termo do prazo que caia em dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o acto não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”. ---
O dia 31/12/2012, foi uma segunda-feira, dia em que normalmente o Serviço de Finanças estaria aberto ao público, no entanto, e como vimos, foi concedida tolerância de ponto aos funcionários públicos e os Serviços de Finanças estavam encerrados.---
Por outra banda, o dia 01/01/2013 foi feriado e os Serviços de Finanças só reabriram ao público apenas no dia 02/01/2013, precisamente o dia em que a A. efectuou o pagamento do imposto. ----
Ora, aplicando o disposto no art. 72º, nº 1 alínea c) do CPA (ao tempo em vigor) visto que os serviços não estavam abertos ao público (devido à tolerância de ponto), o termo do prazo transferir-se-ia para o primeiro dia útil seguinte1. ---
1 Em situação idêntica (tolerância de pondo no dia de Carnaval) veja-se o Ac. do STJ de 10/10/2006, processo nº 048826, in: www.dgsi.pt.
Destarte, apenas se o dia de tolerância de ponto coincidir com o último dia do prazo (como sucede in casu), se considera existir justo impedimento para que o acto possa ser praticado no dia imediato.---
Assiste razão à A. quando diz que por motivo a si alheio ficou impedida de cumprir as suas obrigações fiscais, mormente o pagamento do imposto. ---
E não se diga, como o faz a R., que a A. não zelou pelos seus negócios como é exigível a um bonus pater famílias, pagando atempadamente os seus compromissos fiscais, e que o poderia fazer através dos vários meios indicados na contestação (multibanco, internet, CTT e outros), pois o que resulta do previsto no EBF é que a A. poderia fazê-lo até ao dia 31/12/2012, nada a impedindo de o fazer, precisamente, no último dia do prazo e ao balcão do Serviço de Finanças.---
O que não pode suceder é que devido à tolerância de ponto, tal prazo seja reduzido em um dia.---
Perante o que vem dito, o pagamento do imposto no dia 02/01/2013, tem de se considerar como válido e eficaz para o efeito pretendido, ou seja, o de manter os benefícios fiscais, entendendo-se que o último dia do prazo, por impedimento derivado da tolerância de ponto, passou do dia 31/12/2012 para o dia 02/01/2013, nos moldes supra explicitados. ---
Sendo o último dia do prazo o dia 02/01/2013, e tendo o pagamento ocorrido nesse dia, tem o R. que considerar válido o pagamento para efeitos de manutenção dos benefícios fiscais, repondo-os, tal como vem requerido.» (fim de transcrição).
A Fazenda Pública não se conformou com o assim decidido e argumenta que o Tribunal incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação da alínea a) do nº 5, em conjugação com o nº 7, ambos do artigo 14.º do EBF e do artigo 72.º do CPA. Se bem interpretamos as alegações e respectivas conclusões, a Recorrente, sustenta que a cessação dos benefícios fiscais por motivos de existência de dividas fiscais, não pode ser reconduzida ao incumprimento do prazo e regras da sua contagem, mas sim a aferição de uma situação contributiva debitória reportada a um determinado momento do ano – ocorrência da existência da divida num momento temporalmente determinado. Em suma pretende afastar aplicação do disposto no artigo 72º do CPA e/ou quaisquer outras normas relativas à suspensão, interrupção ou transposição de prazos, mais referindo que o pagamento do imposto não foi efectivado no dia 31.12.2012 por causas que são exclusivamente imputáveis à Recorrida.
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir, é tão só, a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao considerar que se mantinha no ano de 2012 o beneficio fiscal concedido, por não estar verificado o pressuposto da cessação, qual seja o incumprimento de pagamento de IRC, em dívida, a 31.12. 2012. A resposta a esta questão passa por indagar se o incumprimento das obrigações tributárias pela sociedade recorrida verificado a 31.12.2012 determina que, atentas as circunstâncias concretas ocorridas, que o beneficio fiscal não produza efeitos relativamente ao ano de 2012, ou seja, que cesse os seus efeitos.
Apreciação.
Determina o artigo 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais que «[a] extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra. (…) // No caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária, o acto administrativo que os concedeu cessa os seus efeitos nas seguintes situações: // a) O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social, e se mantiver a situação de incumprimento; // b) A dívida tributária não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea, quando exigível [n.º 5] // « O disposto nos números anteriores aplica-se sempre que as situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 5 ocorram, relativamente aos impostos periódicos, no final do ano ou período de tributação em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, na data em que o facto tributário ocorreu. » [n.º 7].
No caso em exame, do probatório decorrem os elementos seguintes:
i) Em 13/08/2012, foi emitida em nome da Autora/recorrida a liquidação de IRC nº ...82, relativa ao exercício de 2011, no montante de €35.953,39, com data limite de pagamento de 26/09/2012 (item a));
ii) A Autora/recorrida não procedeu ao pagamento do imposto dentro do prazo limite para o pagamento voluntário referido em (i), o que levou a que fosse instaurado em 06/11/2012, o processo de execução fiscal nº ...70 para pagamento da quantia de €36.253,46 (item b));
iii) A Autora/recorrida procedeu ao pagamento do montante de €37.067,09, que estava a ser exigido no processo de execução referido em (ii), através do Documento Único de Cobrança em 02/01/2013, tendo-se extinguido o processo executivo (item c));
iv) Pelo ofício nº ...29, datado de 14/08/2013, a Autora/recorrida foi notificada da “Não produção de efeitos de benefícios fiscais – Notificação para audição”, ali se adiantando que “por análise sistemática dos dados existentes nos sistemas da AT, constatou-se a existência da(s) seguinte(s) dívidas à data de 2012-12-31” (item e));
v) No dia 31/12/2012 foi concedida tolerância de ponto e os Serviços de Finanças estiveram encerrados ao público (item d));
Estes os factos com relevo, cumprindo só evidenciar que sobre a resposta da Recorrida, na qual explicitava que havia liquidado o IRC em falta no dia 02.01.2013, pois tinha sido impedido de efectuar o pagamento no dia 31.12.2012 por encerramento do serviço de finanças, facto que não lhe pode ser imputado, viria a recair a informação e despacho datados de 27.08.2013 a determinar a cessação dos benefícios fiscais declarados na liquidação de IRC para o ano de 2012 por se verificar a situação de incumprimento por falta de pagamento à data de 31.12.2012.
Aqui chegados, e munidos de todo o exposto sobre a situação, cremos estar aptos a retirar conclusões sobre o julgado ora posto em crise em face das circunstâncias concretas do caso.
E, desde logo, a nossa primeira conclusão é que errou o tribunal a quo ao configurar a solução da questão a luz da contagem de prazos, mormente à luz dos dispositivos consagrados no Código de Procedimento Administrativo. Mas, indo mais longe, se diga, que a equação do problema não passa pela contagem de qualquer prazo e/ou as vicissitudes que do mesmo decorrem.
Pois que, em causa está a prática de um acto, pagamento de um imposto ultrapassado que se mostra o prazo do seu pagamento voluntário, como discorre da matéria de facto.
O que se aclama, atento os termos em que a Autora colocou a questão, aliás nos exactos termos que o havia feito em sede de audiência prévia, se bem que não tenha identificado o instituto jurídico em causa, é acutilar se ocorre justo impedimento para retrair os efeitos do pagamento efectivamente ocorrido do IRC em divida no dia 02.01.2013 a 31.12.201, para efeitos de não cessação do Beneficio fiscal no ano de 2012, nos termos e para os efeitos do artigo 14º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Vejamos
É certo que o artigo 146.º do CPC dispõe no seu n.º 1: «Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto». Ou seja, aquela norma visa que ninguém perca o direito de praticar um acto no “processo” em virtude de um evento que obste à prática atempada do mesmo e que esse impedimento não lhe seja imputável.
O que numa análise restrita conduziria a afirmar que tal disposição que, como resulta da sua inserção sistemática (O artigo 146.º inclui-se no Livro III, título I, capítulo I, do CPC, que têm por epígrafes, respectivamente «Do Processo», «Das disposições gerais» e «Dos actos processuais».), se refere à prática de actos processuais – não lograria aplicação no âmbito substantivo da relação jurídica tributária.
Ora, o não pagamento do imposto na data de 31.12.2011, manifestamente, não pode ser havida como um acto processual, o que em princípio afastaria a possibilidade de lhe ser aplicável o referido artigo 146.º do CPC.
Mas será assim?
Como esclarece o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa [ in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6ª edição, volume I, anotação 7 a) ao artigo 20.° págs. 273 a 276], "esta regra do justo impedimento que, como transparece da sua própria designação, é reclamada por exigências evidentes de justiça, deve ser considerada de aplicação generalizada, não só por imperativo constitucional decorrente do princípio da justiça que decorre da ideia de Estado de Direito democrático consignada no art. 2.° da CRP, mas também do próprio princípio do acesso aos tribunais e à justiça (arts. 20° n° 1 e 268° n° 4 da CRP) que não pode deixar de exigir para a sua concretização a concessão de uma possibilidade efetiva e não apenas teórica de utilização dos meios contenciosos de defesa de direitos e interesses legalmente protegidos. Aliás deve entender-se que vigora no nosso direito uma regra básica de que não deve perder direitos pelo decurso do tempo quem esteve impossibilitado de exercê-los, regra essa que tem vários afloramentos, um dos quais é a regra do justo impedimento". É que — defende Ribeiro Mendes [in Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25.11.1998, que pela primeira vez admitiu a aplicação do justo impedimento no âmbito processual administrativo, Cadernos de Justiça Administrativa n.° 15, pág. 15 e segs.] — "tem de haver válvulas de escape para os casos verdadeiramente excecionais em que a rigidez do Direito conduziria a uma terrível injustiça''.
Também na Jurisprudência se tem admitido o recurso a esta figura, como se pode ver nos:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.11.1993 - Proc.º 030135, «VI - Nada na lei ou nos princípios que regem o procedimento administrativo concursal veda ao júri do concurso - no uso do seu poder soberano - de, na sequência de uma concedida justificação de falta a um dado método de selecção, designar ou marcar uma "segunda chamada" para o candidato faltoso».;
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11.10.2007 - Proc.º 07463/03, «I – Constando do ponto 9.3. do aviso de abertura do concurso que a falta de comparência a qualquer um dos métodos de selecção – prova de conhecimentos específicos e entrevista profissional de selecção – determinava a exclusão do candidato, qualquer um destes, sendo conhecedor do efeito negativo da não comparência na respectiva esfera jurídica, estava obrigado – até por se tratar de um concurso para o recrutamento de jurista – a dar conhecimento atempado da sua impossibilidade de comparecer ou, não sendo tal possível, a invocar logo que possível, a figura do justo impedimento, sob pena desse efeito negativo se repercutir imediata e irremediavelmente na respectiva esfera jurídica. II – Não tendo a recorrente agido de acordo com o referido em I., ou seja, sem invocar e provar de imediato o justo impedimento, ficou desde logo precludida a possibilidade do júri atender a um pedido de alteração do dia e hora da realização da prova de conhecimentos específicos efectuado com mais de dez horas de atraso».;
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Proc.º 437/21.1BEALM), de 17.03.2022, «I - A transposição do instituto do justo impedimento, previsto no art. 140.º do CPC, para o domínio da contratação pública justifica-se por respeito pelo núcleo essencial do direito fundamental de acesso ao direito previsto no art. 20.º da CRP, correspondendo, assim, a uma verdadeira e plena consagração dos princípios da justiça e da razoabilidade, consagrados no art. 8.º do CPA, aplicáveis à contratação pública ao abrigo do art. 1.º-A, n.º 1, do CCP. II - Nos presentes autos ocorreu uma situação de justo impedimento, que impossibilitou que a Recorrente pudesse ter submetido na plataforma eletrónica em tempo, a sua proposta;».
Do exposto resulta que, que podemos dar por adquirido que as invocadas circunstâncias de facto pela Recorrida/autora se reconduzem aplicabilidade do justo impedimento. Sendo que mesmo para os mais descréditos da aplicação directa deste instituto por não estarmos perante a prática de um acto processual, mas sim da prática de um acto de pagamento de uma obrigação tributária [cientes de que a mesma produz efeitos para relevar a situação tributária do sujeitos passivo em sede do artigo 14º n.º 5 e 7 do Estatuto dos Benefícios fiscais], temos para nós que sempre os princípios que o enformam determinam que se releve a falta de culpa na impossibilidade de ter sido efectuado o pagamento em data que impedisse os efeito de cessação do beneficio, no respeito pelo núcleo essencial do direito fundamental de acesso ao direito previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), correspondendo, assim, a uma verdadeira e plena consagração dos princípios da justiça e da razoabilidade, consagrados no artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo .
Os factos a ter em conta para resolver a questão são os supra mencionados a que que acresce, que, no ano de 2011 o dia 31 de Dezembro coincidiu com uma segunda-feira e que por despacho da Presidência do Conselho de Ministro (Despacho n.º 15953/2012 de 14 de dezembro) foi concedida tolerância de ponto aos trabalhadores da função pública naquele dia.
E sobre esta disposição e sobre a questão em geral de saber se a “tolerância de ponto” deve ou não elencar um justo impedimento para efeitos de obstar aos efeitos nocivos que decorrem de a liquidação da divida tributária não ter sido efectivada nesse dia, mas no dia útil que se lhe segue, que dizer?
Sobre questão distinta, qual seja da equiparação da “tolerância de ponto” a “feriado” e sobre se deve ou não suspender a contagem dos prazos contados em dias úteis, já se pronunciaram por diversas vezes Tribunais Superiores, no sentido de que a contagem dos prazos não se suspende nos dias de “tolerância de ponto”, excepto se esse dia coincidir com o último dia para a prática do acto, caso em que se considera que há justo impedimento para que o acto possa ser praticado no dia útil seguinte. De toda a jurisprudência importa salientar o acórdão de fixação de jurisprudência do plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de outubro de 1996 (acórdão nº 8/96), publicado no D.R., I Série – A, de 2 de novembro do mesmo ano, no qual consta firmado que: “A tolerância de ponto não se integra no conceito de feriado. A tolerância de ponto não reúne, pois, os pressupostos para, por integração analógica, poder ser subsumida na previsão do art. 144º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil. Porém, se o dia de tolerância de ponto coincidir com o último dia do prazo para prática do acto, considera-se existir justo impedimento, nos termos do art. 146º nº2, do Código de Processo Civil, para que o acto possa ser praticado no dia imediato.”.
E os principais fundamentos que levaram o Supremo a assim decidir, pois são esses que nos importam, foram os seguintes: “A – Convém neste ponto assinalar a diferenciação do feriado em relação à tolerância de ponto. Tratando-se de feriado, todas as repartições públicas situadas no espaço geográfico a que o mesmo se aplica estão obrigatoriamente encerradas. Daí que está impedida a apresentação ou registo de documentos. Tratando-se de tolerância de ponto, este constitui um benefício concedido aos funcionários públicos e equiparados que se traduz na dispensa da sua comparência ao serviço, que passa a não ser obrigatória. Daí que possa suceder uma de duas situações: Ou o funcionário comparece e executa o serviço normal; Ou aproveita a referida dispensa, não comparece ao serviço e não sofre qualquer sanção. De tal consideração decorre uma outra. Decretado determinado dia como tolerância de ponto, porque isso não implica o encerramento dos serviços, a menos que todos os funcionários não compareçam, nada impede que nos dias tidos como tolerância de ponto as repartições e serviços públicos estejam abertos e, se abertos, neles se pratiquem actos da sua normal competência. B – Chegados a este ponto, é altura de equacionar que tratamento deve dar-se ao dia de tolerância de ponto na contagem do prazo peremptório que a lei manda contar continuadamente e só suspende nas férias, nos sábados, domingos e feriados. Será tal dia útil ou dia feriado? Face à consideração do artigo 143º, nº1, do Código de Processo Civil, se o considerarmos feriado, defrontamo-nos com o obstáculo de não poderem nesse dia ser praticados actos judiciais. Tal brigaria, porém, com a conclusão a que chegámos de, podendo os funcionários comparecer, mantendo as repartições abertas, poderem praticar os actos da sua competência. Entendemos, em razão disso, que o dia de tolerância de ponto não pode ser considerado dia feriado. Em consequência, defendemos que na contagem do prazo peremptório o dia de tolerância de ponto tem de considerar-se dia útil. É claro que poderia suceder que, por falta ao serviço de todos os funcionários em virtude da faculdade de tolerância de ponto, as repartições em que os actos deviam ser praticados se apresentem encerradas. Isso, não sendo o dia de tolerância de ponto o último dia do prazo, em nada restringe a hipótese de o acto ser praticado posteriormente. E sendo o dia de tolerância de ponto o último dia do prazo, tudo indica que a situação tem de considerar-se de justo impedimento por o evento ser estranho à vontade da parte – artigo 145º, nº3, do Código de Processo Civil.”
Por nossa parte concordamos inteiramente com estas considerações e daí que apreendamos que do simples facto de ter ocorrido “tolerância de ponto” no dia 31.12.2012 a recorrida viu-se impedida da prática do acto nesse dia. Não abalam esse julgamento as considerações da Recorrente de que a Recorrida não podia desconhecer tal situação e ter obviado a situação de incumprimento acautelando o pagamento em momento anterior, é que estamos no âmbito de uma manifestação da liberdade do sujeito passivo de efectuar o pagamento no dia 31, o que só não aconteceu por facto que não lhe é imputável, a “tolerância de ponto” e, paralelamente, por força da adesão o serviço de finanças em questão estar fechado, conforme se atesta no probatório.
Porque a alegação aduzida pela Recorrida suporta a invocação do “justo impedimento”, a “tolerância de ponto” com o correspondente fecho dos serviços, como foi o caso (vide item d) do probatório), tendo a parte praticado o acto de pagamento do IRC (quantia €37.067,09) no dia útil seguinte (dia 02.01.2013), sendo que não lhe era exigido que o mesmo alegasse e provasse nesse momento o justo impedimento, certo é que prontamente o fez quando confrontado com a posição da AT de considerar que não estava feita a prova da situação tributária a 31.12.2012 para efeitos de manutenção/concessão do benefício fiscal.
A título de exemplo e confirmativo desta posição que assumimos, diga-se que nos anos mais recente, de que é exemplo o ano de 2022, aquando da concessão da tolerância de ponto do dia 30 de dezembro, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, determinou, pelo Despacho n.º 31/2022-XXIII, o alargamento do prazo até ao próximo dia 2 de janeiro, para o cumprimento de algumas obrigações por parte dos contribuintes, entre as quais, as obrigações de pagamento de impostos, mesmo no âmbito de planos prestacionais, e declarativas, cujo termo do prazo ocorra a 30 de dezembro de 2022.
O que bem demonstra a preocupação e o respeito pelos princípios da segurança, certeza e colaboração que deve pautar actividade administrativa.
Em suma, quando a Recorrida foi pela primeira vez notificada do projecto de decisão de revogação do benefício fiscal, estava convicta de que não estava em incumprimento e de imediato comunicou e fundamentou o seu “justo impedimento”, para o pagamento só ter ocorrido a 02.01.2013.
Pelo exposto, se bem que com a presente fundamentação, improcede o recurso, já que, como bem decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, tendo o pagamento ocorrido no dia 02.01.2013, tem AT/Réu que considerar válido o pagamento para efeitos de manutenção dos benefícios fiscais, repondo-os, tal como vem requerido.

2.3. Conclusões
I. Da conjugação do disposto nos n.ºs 5 e 7 do artigo 14.º do EBF, na redacção aplicável, resulta que a situação tributária irregular do interessado por falta de pagamento de IRC de 2011, a manter-se a 31 de dezembro de 2012, determina a cessação do acto administrativo que os concedeu para aquele período.
II. Tendo o pagamento da divida tributária, correspondente a IRC de 2011, sido inviabilizado a 31.12.2012 por os serviços estarem encerrados em virtude de “tolerância de ponto” decretada pelo Governo, o seu cumprimento transfere-se para o primeiro dia útil seguinte (02.01.2013) por força dos princípios inerentes ao instituto do justo impedimento, para efeitos de manutenção do beneficio fiscal.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, com a presente fundamentação.
Custas pela Recorrente.

Porto, 09 de novembro de 2023

Irene Isabel das Neves
Paulo Moura
Margarida Reis