Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00678/95-E
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/13/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA; DEMOLIÇÃO DE OBRA; LEGALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO;
Sumário:1-A demolição como medida de última ratio, uma vez ordenada, apenas deve ser cumprida se até ao momento da sua execução não for viável a legalização da construção, a tal não obstando a prolação de uma sentença que não pode barrar a possibilidade de se considerar a superveniência de alterações ao quadro legal que legitimem, à sua luz, a conservação da construção.

2-A pratica de novo ato de licenciamento, em face das novas regras urbanísticas em vigor, substituindo validamente o ato declarado nulo, repercute-se no processo de ação executiva, determinando a extinção da instância executiva e, em consequência, da instância recursiva, por impossibilidade superveniente da lide.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:B. I. C. P., SA
Recorrido 1:J. M. S. P. V.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I-RELATÓRIO

1.J. M. S. P. V., instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, em 18.09.1995, ação popular na modalidade de recurso contencioso de anulação, contra o VEREADOR DO PELOURO DO URBANISMO E DA REABILITAÇÃO URBANA DA CÂMARA MUNICIPAL DO (…), pedindo a anulação do seu despacho de 19/07/1994, que deferiu o licenciamento da construção do Empreendimento conhecido como “ Shopping B. S.”, imputando-lhe vícios de violação de lei por ofensa ao disposto nos arts.º 59, corpo e § 4, 60.º corpo, 62.º corpo e §§ e 73.º do RGEU, art.º 2.º do D.L. n.º 37575, de 08/10/49 e 2.º, n.ºs 4 e 8 e 21.º do Plano Diretor Municipal.

2.Indicou como contrainteressados G. J. M. e S. C. S. C., SA.

3.Ordenada a citação do órgão recorrido, o mesmo defendeu-se por exceção, invocando a ilegitimidade do recorrente e a intempestividade do recurso, tendo também apresentado defesa por impugnação.

4.Citados, os contra- interessados particulares apresentaram contestação na qual se defenderam nos mesmos moldes que a autoridade recorrida.

5.Proferiu-se despacho saneador, onde se julgou improcedente a exceção da ilegitimidade do recorrente e se relegou para final o conhecimento da exceção da intempestividade do recurso.

6. Por sentença de 14.12.2000, o Tribunal Administrativo de Circulo do Porto julgou improcedente a invocada exceção da intempestividade do recurso e verificados os vícios de violação de lei assacados ao ato recorrido por ofensa ao art.º 59, corpo do RGEU, bem como da norma do art.º 2.º do D.L. n.º 37575, de 08/10/49 (vícios que conduzem à anulabilidade) e, bem assim, por violação do Regulamento do PDM, em qualquer das suas versões, julgando o ato nulo e de nenhum efeito, nos termos do disposto no art.º 52.º, n.º2, alínea b) do D.L. 445/91, de 20/11.

7.Inconformada com tal decisão, e com o despacho que julgou improcedente a exceção da ilegitimidade por si invocada, a recorrida particular S. C. S. C., SA, interpôs recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo, que por acórdão datado de 07/02/2002, negou provimento aos recursos interpostos, mantendo a decisão recorrida.

8.Em 10/10/2002, o Recorrente J. M. S. P. V. veio por apenso aos autos de ação popular, instaurar ação de execução de sentença contra o VEREADOR DO PELOURO DO URBANISMO DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO, apenso ao qual corresponde o Proc. n.º678-A/95.

9.Alegou, em síntese, que tendo transitado em julgado a sentença entretanto confirmada por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que declarou nulo o licenciamento do denominado “Shopping B. S.” e não tendo o órgão requerido, dentro do prazo de 30 dias, dado cumprimento espontâneo à mesma, requereu, nos termos dos arts. 5.º e 6.º do D.L. 256-A/77, de 17/08, ao Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto a adoção dos atos necessários à efetiva e integral execução da sentença exequenda, mormente, a demolição do empreendimento.
Apesar de assim ter instado, o órgão requerido não tomou qualquer providência dentro do prazo legal, nem alegou qualquer causa legítima de inexecução da sentença, que se lhe afigura inexistir in casu, já que o eventual montante indemnizatório, ainda que avultado, não pode justificar a inexecução da sentença, requerendo ao tribunal a quo que declare a inexistência de causa legítima de inexecução da sentença de 14/12/00 e ordene, subsequentemente, o seu efetivo cumprimento.

9.Notificada a entidade requerida nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 8.º do DL n.º 256-A/77, de 17/06, a mesma respondeu, alegando, em síntese, a existência de causa legitima de inexecução, por referência a uma situação de grave prejuízo para o interesse público porquanto a execução da sentença implica a demolição da construção do referido “Shopping”, não acarretando apenas o despender duma certa quantia monetária, ainda que avultada, mas impacto social, ambiental e urbanístico decorrente da demolição do prédio, que inviabilizam a sua demolição e que obstam à execução da sentença por impossibilidade e grave prejuízo para o interesse público no cumprimento da sentença.

10.O requerente replicou, sustentando, em suma, que a demolição do edifício não é nada de impossível, embora possa ser dispendioso e que da sua demolição nenhum dano pode advir para o interesse público, correspondendo a sua demolição a uma exigência irrenunciável do interesse público, desde logo, do cumprimento da lei e das pronúncias judiciais e do respeito pelo valor fundamental do próprio ordenamento do território.
Conclui, que não se verifica nenhum dos requisitos legitimadores da inexecução da sentença exequenda.

11.A fls.89 e 94, o Ministério Público, invocando entendimento seguido pela jurisprudência, promoveu que a execução da sentença devia ser requerida e prosseguir contra a autoridade pública e os recorridos particulares, conjuntamente, sob pena de ilegitimidade passiva.

12.O juiz a quo, por despachos de fls. 90 e 94, ordenou a notificação do exequente para regularizar a petição, fazendo intervir na instância executiva os recorridos particulares S. C. S. C., SA e G. J. M..

13.A S. C. S. C., SA, a 24/03/2003, apresentou o articulado de oposição de fls. 103 a 106, alegando, em síntese, que por transações efetuadas há já alguns anos, vendeu as frações autónomas de que era proprietária no empreendimento “Shopping B. S.”, não sendo já proprietária nem possuidora de nenhuma dessas frações, e sustentou que a requerida demolição desse empreendimento acarretaria prejuízos de valor incalculável, decorrentes, nomeadamente, (i) dos custos da própria demolição, (ii) da perda do direito e/ou posse das frações e do (iii) encerramento de todos os centros de atividade, aqui se destacando as indemnizações devidas aos respetivos trabalhadores, encontrando-se esse edifício implantado há mais de 10 anos no tecido urbano da cidade do Porto, sem que daí tenha resultado ou resulte qualquer prejuízo para o interesse público. Pelo contrário, demoli-lo representaria maior sacrifício para o interesse púbico, para concluir pela inexistência de causa legítima de inexecução.

14.Por sua vez, o recorrido particular G. J. M. fez seu o articulado apresentado pela S. C. S. C., SA, aderindo aos factos aí alegados.

15.Por sentença de 26.06.2003, o TAC do Porto julgou «procedente a pretensão do requerente e em consequência condenar a entidade requerida a reconhecer que não existe qualquer causa legítima de inexecução da decisão proferida nos autos principais, ainda que isso implique a demolição do conjunto predial aprovado pelo ato administrativo declarado nulo».

16.A 09/05/2006 o senhor juiz relator do TAF do Porto proferiu despacho no qual escreveu que «(…) tendo presente a posição assumida pelo exequente no que concerne à realidade em equação nos autos e que passa pelo encerramento, despejo e demolição do “ Shopping do B. S.”, é manifesto que uma tal situação contende com todos os eventuais detentores de direitos sobre as frações do aludido prédio, o que impõe que se assegure a tais sujeitos a possibilidade de se pronunciarem sobre tal matéria, de modo que, notifique o exequente para em 10 dias, juntar aos autos certidão do registo predial relativo ao prédio em apreço em ordem a aferir-se do que fica exposto».

17.Por sentença de 12/11/2007 (fls. 1406 a 1417), o TAF do Porto decidiu, nos autos de inexecução de sentença «Fixar, nos termos do art. 9.º n.º2 do D.L. nº 256-A/77, de 17/06, como atos e operações necessários à execução integral e cabal da sentença exequenda todos os impostos e necessários à realização da demolição da construção denominada “ Shopping B. S.”- erigida nos termos definidos a sentença anulatória aqui em execução e pela mesma qualificada como ilegal, atos e operações esses (prévio encerramento e despejo do edifício) a realizar no prazo máximo de 42 meses, salvo se for entendido, dentro do aludido prazo, que a construção pode ser legalizada, devendo, neste caso, ser emitido o respetivo ato válido de licenciamento.
Sem custas.
Registe e notifique, sendo que a presente sentença deverá ser notificada e todas as entidades que tenham registado a seu favor a aquisição das frações descritas de fls. 342 a 1391».

18.Inconformados com esta decisão dela interpuseram recurso de agravo:
(i) VEREADOR DO PELOURO DO URBANISMO DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO, nos termos que constam das alegações de fls. 1841 a 1880, tendo o Recorrido J. M. S. P. contra-alegado nos termos que constam de fls. 2247 a 2259 ;
(ii)I. M. S. P. R. T. e V. F. T, nos termos que constam das alegações de fls. 1785 a 1801, tendo o Recorrido o J. M. S. P. contra-alegado nos termos que constam de fls. 1928 a 1936;
(iii)J. C. C. F. e mulher G. M. C. R., nos termos que constam das alegações e fls. 1823 a 1840;
(iv) A. M. S., nos termos que constam das alegações de fls. 1883 a1889;
(v)I.- E. I. T., LDA, nos termos que constam das alegações de fls. 1809 a 1818;
(vi)B.- I. C. P., S.A, nos termos que constam das alegações de fls. 1165 e segts;
(vii)T. L S.A, nos termos das alegações que constam de fls. 2294 a 2305;
(viii)J.-C. I. LDA, nos termos que constam das alegações de fls. 2344 a 2365, tendo o Recorrido o J. M. S. P. contra-alegado nos termos que constam de fls. 2400 a 2413.

19.Das conclusões de recurso apresentadas pelos recorrentes, extraímos como questões centrais a decidir por este tribunal saber se : (i) a decisão recorrida deve ser revogada por enfermar de nulidade processual resultante de falta de citação dos contra-interessados que à data da instauração da ação de execução eram proprietários de frações do aludido imóvel, e que nem sequer foram identificados na petição inicial; (ii) se ocorre a violação do art.º 28.º, n.º1 do CPC, existindo uma situação de ilegitimidade passiva por preterição de listisconsórcio passivo necessário; (iii) se os autos principais e a ação de execução deviam ter sido registadas, nos termos do art.º 3.º do CRP, sendo a decisão, na falta de registo das ações, inoponível aos recorrentes; (iv) se houve violação do caso julgado formal; (v) se estão reunidos os pressupostos do art.º 134.º, n.º3 do CPA para que prevaleça a conservação da situação de facto e se a decisão recorrida atentou, ao ignorar essa realidade, contra os arts. 18.º, n.º2 e 266.º, n.º2 da CRP e os arts. 4º, 5.º, n.º2, 6.º, 6.º-A e 134.º do CPA e, bem assim, se o prazo fixado para cumprir o ordenado na sentença recorrida é inadequado.

20.Sucintamente, para além de se insurgiram contra a ordenada demolição do empreendimento denominado “Shopping B. S.”, os Recorrentes particulares alegam que nunca foram citados, nem no recurso de anulação, nem na ação executiva, quando deviam ter sido indicados como partes na ação executiva pelo ora recorrido particular, por serem proprietários de frações que integram o prédio a demolir, advogando, em consequência, a nulidade de todo o processado desde a citação, com a consequente reformulação de todo o processado. Afirmam que só tiveram conhecimento da situação em litigio com a notificação da sentença recorrida, não tendo nenhuma das ações sido registada, contrariamente ao que devia ter sido ordenado em cumprimento do art.º 3.º do CRP.

21. Sendo as questões supra identificadas as questões essenciais que se colocam ao Tribunal ad quem em sede da presente instância recursiva, importa, prima facie, analisar e decidir a questão prévia que passamos a identificar, a qual, como melhor explicitaremos, tem precedência lógica em relação à apreciação das questões atrás elencadas, uma vez que poderão determinar a extinção da lide executiva e, consequentemente, da presente instância recursiva.

22.Convém aqui relembrar que o princípio da economia processual determina que o juiz na condução do processo deva procurar o máximo resultado com o menor dispêndio de atividade, ou seja, resolver todas as questões que lhe seja possível tratar e por outro lado «comportar só os atos e formalidades indispensáveis ou úteis (economia de atos e economia de formalidades)- cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág.387 e 388.
Nessa conformidade e em estrita obediência ao citado princípio, passamos a conhecer da suscitada questão prévia.
*
QUESTÃO PRÉVIA
-DA LEGALIZAÇÃO DO EMPEREENDIMENTO “SHOPPING B. S.”-

23.Ao folhearmos os inúmeros volumes que compõem o processo relativo á ação executiva e os respetivos apensos, a fim de nos inteirarmos dos reais contornos do litigio em apreciação, verificamos que por requerimento de fls. 2542 e segts, o aqui Recorrido J. M. S. P. V., informou o «Juiz Desembargador Relator do Tribunal Central Administrativo Norte» que a entidade administrativa comunicou ao processo de inexecução de sentença que acabara, em novembro de 2015, de “legalizar” o “Shopping B. S.”, juntando dois alvarás, um de licenciamento de construção e outro de autorização de utilização.

24.Analisado o requerimento de fls. 2499 a 2500 ( do apenso A ), que o Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto, no dia 26.11.2015, juntou aos autos com processo n.º 678-A/95, dirigido ao Senhor Juiz de Direito do TAF do Porto, o mesmo começa por aí referir que ele próprio, bem como diversos outros intervenientes no processo, interpôs recurso da decisão de fls. 1407 e seguintes, datada de 12/11/2007 ( a decisão sob recurso nos presentes autos) «em junho de 2008, aguardando, neste momento, os autos a efetivação da citação de diversos interessados, titulares de direitos sobre as 1017 frações autónomas que compõem o denominado “Shopping B. S.», sucedendo que «na pendência dos inúmeros recursos que foram sendo interpostos, a construção em que se corporiza o “ Shopping B. S.” foi, entretanto legalizada pelo Município do (.), através da prática de novos atos administrativos que regularam, ex novo, a situação em discussão nos presentes autos» e que, por força da legalização do “Shopping B. S.”, a lide executiva se tornou inútil conquanto a construção cujo licenciamento havia sido declarado nulo foi objeto de uma nova apreciação urbanística à luz das regras atualmente vigentes, que culminou com a emissão do Alvará de licenciamento de obras particulares n.º ALV/849/15/DMU e do Alvará de autorização de utilização n.º ALV/850/15/DMU, requerendo que a instância executiva fosse declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do CPC.

25.A esse requerimento, o aqui Recorrido J. M. S. P. V. respondeu, em requerimentos separados, que dirigiu, respetivamente, ao Senhor Juiz do TAF do Porto e ao Senhor Juiz Desembargador do Tribunal Central Administrativo do Norte, advogando a continuidade da lide executiva, bem como a necessidade de se proceder à demolição do “Shopping B. S.” e requerendo ao TCAN a extinção da instância de recurso, ao abrigo das alíneas b) e h) do n.º 1 do art.º 652 do CPC, conquanto entende que o comportamento da entidade administrativa traduzido na legalização do “Shopping B. S.” exprime, de modo tácito, a aceitação da sentença recorrida, com os efeitos da perda do direito ao recurso, nos termos do art.º 632.º do CPC, uma vez que, com tal legalização, o órgão aqui recorrente aceitou a segunda das duas alternativas de cumprimento do julgado anulatório, com o que desistiu do recurso.

26.Em sede de contraditório, o aqui recorrente Vereador do Pelouro do Urbanismo respondeu, em requerimento que dirige ao Senhor Desembargador do Tribunal Central Administrativo Norte, que em virtude da legalização do empreendimento “ Shopping B. S.” através da prática de novos atos administrativos por parte do Município, a continuidade da presente instância de inexecução de sentença deixou de ter qualquer utilidade, requerendo que a mesma seja declarada extinta, com fundamento em inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do CPC mas opondo-se ao entendimento perfilhado pelo recorrido J. M. segundo o qual a legalização a que procedeu do referido empreendimento tem como consequência a desistência da instância recursiva . Alega que nada obstava sob o ponto de vista legal e regulamentar que na sequência do pedido de legalização a que foi atribuído o n.º 16293/15/2015, o Município do (…) deferisse a pretensão dos requerentes mediante a prática de novos atos administrativos, sem que essa atuação signifique a desistência da presente instância recursiva. O que sucede, a seu ver, é que com a legalização do “Shopping B. S.” a presente lide e não apenas a instância de recurso tornou-se inútil por a construção em causa ter sido objeto de uma nova apreciação urbanística à luz das normas atualmente em vigor.
Termina, requerendo que seja declarada a instância extinta, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto na alínea e) do artigo 277.º e do artigo 652.º, n.º1, al.h), ambos do CPC. Sem prescindir, e para o caso de assim se não entender, que se declare a instância recursiva extinta apenas em relação ao Recorrente, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto na alínea e) do art.º 277.º e do art.º 652.º, n.º1, al.h) , ambos do CPC.

27.Sobre o requerimento de fls. 2499 e 2500 (apresentado pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal do (…) a senhora juiz do TAF do Porto proferiu despacho no qual refere «Considerando que o Município do Porto não procedeu à demolição nem à legalização do prédio em causa no prazo que lhe foi fixado ( 42 meses) e que os novos atos administrativos não se encontrarão ainda consolidados, afigura-se-nos, salvo o melhor entendimento do Tribunal ad quem, que inexistirá fundamento legal para a extinção da presente instância, por inutilidade superveniente».

28.Já no que tange ao requerimento de fls. 2542 a 2544 (apresentado por J. M. S. P. V.) a senhora juiz do TAF do Porto proferiu despacho no qual refere «Considerando que o recurso interposto pelo Município do Porto foi já admitido ( por decisão de fls. 1478 e segs. que transitou em julgado) e que o Recorrente não desistiu do mesmo, afigura-se-nos, salvo o melhor entendimento do Tribunal ad quem, que o Recorrente não perdeu o direito de recorrer, nos termos do art.º 632.º do CPC».

29.Urge indagar sobre as consequências jurídicas daquele licenciamento, pondo-se em destaque que o tribunal a quo relegou expressamente para o tribunal ad quem essa apreciação cuja resolução é indiscutivelmente questão prévia à apreciação das questões submetidas pelos recorrentes a este tribunal, uma vez que a proceder a tese do recorrente Vereador do Pelouro Urbanístico, segundo a qual tal determinaria a extinção da instância executiva, tal determinará inelutavelmente a extinção da dessa instância da presente instância recursiva, pondo-se em destaque que mesmo na tese do recorrido esse licenciamento, se não opera a extinção da instância executiva, já opera a extinção da recursiva.
Apreciando.

30.Na sentença sob recurso a Senhora Juiz a quo decidiu « Fixar, nos termos do art. 9.º n.º2 do D.L. nº 256-A/77, de 17/06, como atos e operações necessários à execução integral e cabal da sentença exequenda todos os impostos e necessários à realização da demolição da construção denominada “ Shopping B. S.”- erigida nos termos definidos na sentença anulatória aqui em execução e pela mesma qualificada como ilegal, atos e operações esses ( prévio encerramento e despejo do edifício) a realizar no prazo máximo de 42 meses, salvo se for entendido, dentro do aludido prazo, que a construção pode ser legalizada, devendo, neste caso, ser emitido o respetivo ato válido de licenciamento.» (sombreado nosso).

31.Na mesma sentença, foi ainda determinado que aquela «deverá ser notificada a todas as entidades que tenham registado a seu favor a aquisição das frações descritas de fls. 342 a 1391».

32.Pese embora a identificada sentença não tenha ainda hoje sido notificada a todas as entidades que tinham registado a seu favor a aquisição das frações descritas a fls. 342 a 1391 dos autos, alguns dos proprietários de frações que dela foram notificados, não se conformando com o ali decidido e insurgindo-se contra a circunstância de não terem sido chamados a intervir no processo de forma a poderem exercer o seu direito de oposição á referida execução de que alegadamente apenas tiveram conhecimento com a notificação desta sentença, e bem assim contra a circunstância da falta de registo desta ação e da ação principal, interpuseram recurso da mesma para este tribunal, os quais foram admitidos, e com efeito suspensivo da decisão recorrida.

33.Igualmente inconformado com a sentença recorrida, também pelo Senhor Vereador do Pelouro da Câmara Municipal do (…), foi instaurado recurso para este TCAN, que foi admitido com efeito suspensivo da decisão recorrida.

34.Independentemente de assistir ou não assistir razão aos recorrentes particulares e ao recorrente Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal do (…) nos vícios que imputam à decisão recorrida, importa, considerando a informação junta aos autos de que o empreendimento “Shopping B. S.” foi objeto de legalização através da emissão dos competentes alvarás de licença de construção e de autorização de utilização, determinar a relevância dessa operação de legalização municipal perante a sentença que determinou a demolição do referido “Shopping” e as consequências daí decorrentes no âmbito da ação executiva e da presente instância recursiva, tanto mais que na própria sentença recorrida se previu como alternativa à demolição a legalização da referida construção mediante a emissão de ato válido de licenciamento.

35.É do nosso conhecimento funcional, através de consulta que efetuamos ao sistema SITAF, que nenhuma ação impugnatória foi intentada pelo aqui Recorrido J. M. visando a impugnação da legalização operada pela entidade administrativa em relação ao referido empreendimento “Shopping B. S.”.

36. E compulsados os autos, igualmente resulta a inexistência de qualquer referência à instauração de ação impugnatória contra os novos atos de licenciamento do referido empreendimento, como se impunha que sucedesse, ao abrigo do princípio da colaboração das partes, caso assim tivesse ocorrido.

37.Por outro lado, analisado o alvará de licenciamento municipal, nele expressamente se refere que «As obras licenciadas por despachos do Senhor Vereador com Pelouro do Urbanismo, de 2015/09/11, 2015/09/15 e 2015/11/12 respeitam o disposto no Plano Diretor Municipal (…)», com o que se eliminaram as ilegalidades que determinaram a nulidade do anterior licenciamento.

38.Perante o exposto, forçoso é concluir, sem necessidade de outras diligências, que a ser ordenadas, configurariam atos manifestamente inúteis e dilatórios, num processo que já leva anos nos tribunais, que os atos ( os supra mencionados despachos) através dos quais a entidade administrativa legalizou a construção do “Shopping B. S.”, estão consolidados na ordem jurídica.

39.Partindo deste dado, importa extrair as consequências da legalização entretanto operada do empreendimento “Shopping B. S.” na sorte na ação executiva e da presente instância recursiva.

40.Afigura-se-nos que a pratica do novo ato de licenciamento, ao legalizar o empreendimento denominado “Shopping B. S.” em face das novas regras urbanísticas em vigor, substituindo validamente o ato declarado nulo, é suscetível de se repercutir no processo executivo, determinando a extinção da instância executiva e, em consequência, da presente instância recursiva por inutilidade superveniente da lide, pelo que, a ser assim, a demolição deixará de fazer sentido.

Vejamos.

41.É hoje pacífico, sendo entendimento reinante e partilhado quer pela nossa melhor doutrina quer pela jurisprudência dos tribunais superiores da jurisdição administrativa e fiscal, que a demolição de construções cujo licenciamento tenha sido anulado ou declarado nulo ou que tenham sido edificadas sem prévio licenciamento, deve ser a última ratio em matéria de reposição da legalidade urbanística, impondo-se quer aos tribunais, quer à administração municipal a primazia por soluções que passem pela legalização das situações de facto existentes e só perante a constatação da total impossibilidade de legalização ou parcial legalização dessas construções se deve avançar para a demolição, por então ser uma certeza a impossibilidade de adequar essas situações de facto ao quadro normativo vigente no âmbito da legalidade urbanística, assim se obstando à manutenção de construções clandestinas.

42. Na verdade, a imposição de um tal sacrifício ao particular, de demolição de uma construção, só deve acontecer se for a única solução viável, máxime, nunca antes de comprovadamente se concluir pela inviabilidade de legalização.

43.Neste sentido veja-se o Acórdão deste TCAN, de 27.05.2011, proferido no proc. 00516-A/03 – Coimbra, in http://www.dgsi.pt, em cujo sumário se estabelece a seguinte jurisprudência, que merece a nossa total adesão: “I. A demolição de obras realizadas ao abrigo de licenciamento nulo só deve ser ordenada como última e indeclinável medida sancionatória da ilegalidade cometida, por força dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível decorrentes do princípio da proporcionalidade. II. Tal poder de escolha funciona todavia na base de um pressuposto vinculado já que a demolição só pode ter lugar se a autoridade houver previamente concluído pela inviabilidade da legalização das obras em virtude destas não poderem satisfazer aos requisitos legais e regulamentares aplicáveis.
III. A declaração judicial de nulidade de uma licença de construção faz impender sobre a Administração um especial dever de atuar, reduzindo-se a zero a sua discricionariedade para o fazer. IV. O juízo quanto à viabilidade da legalização do edificado, a empreender obrigatoriamente pela Administração, só é concebível enquanto reportado ao bloco de legalidade urbanística atual.

V. É que a atuação apenas terá de consistir na demolição do edificado na medida em que uma nova situação não venha legitimamente afastar essa consequência, sendo que essa nova situação poderá advir da alteração da situação no plano dos factos com realização de trabalhos de correção e/ou de alteração, ou da emissão de novo(s) ato(s) administrativo(s) no âmbito dos procedimentos urbanísticos e suas consequentes conformações em termos de pressupostos, ou ainda através da modificação do quadro normativo aplicável, na certeza de que o caso julgado será respeitado se, uma vez retomado o procedimento, nele forem desenvolvidos diligências e atos que não revelem padecer da ilegalidade que inquinava o ato licenciador antecedente declarado nulo.
VI. Os limites objetivos do caso julgado das decisões anulatórias de atos administrativos, seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que se reporta ao seu efeito conformador em termos do reexercício do poder administrativo, determinam-se pela(s) ilegalidade(s) que fundaram a decisão judicial que se executa.”.


44.A este respeito, também Pedro Gonçalves e Fernanda Paula Oliveira, in “O regime da nulidade dos atos administrativos de gestão urbanística que investem o particular no poder de realizar operações urbanísticas” in: Revista do CEDOUA, Ano II, 2, págs. 18, 19 e seg., sustentam expressamente que “(…) a demolição das operações urbanísticas efetuadas ao abrigo de atos administrativos nulos não pode deixar de ser uma ultima ratio; isto é, a demolição só deverá ser determinada quando não for possível manter a operação urbanística…”, acrescentando que «(…) não há, nas leis urbanísticas, nenhuma norma que determine a demolição como consequência necessária da existência de um ato administrativo nulo …» antes, o princípio da proporcionalidade “ (…) exige que a Administração, na prossecução do interesse público, eleja, de entre os meios disponíveis, aqueles que lesem menos intensamente os interesses lesados com a declaração (administrativa ou judicial) de nulidade …”.

45.Na ação de execução de julgado que determinou a nulidade do licenciamento de uma construção urbana, como é o caso, o tribunal não está limitado aos termos do pedido do exequente na sua petição, nem a decidir dentro dos limites pelo mesmo balizados, "(...) nada impedindo o Tribunal de condenar a Administração em coisa diversa do que seja pedido, desde que se entenda que a execução da sentença, incluindo a renovação do ato anulado, ainda é possível e que constitui a forma legalmente adequada de execução do julgado (... )" - cfr. Acórdão do TCAS, de 16/2/2012. Ademais, a doutrina conclui igualmente que “(…) a previsão da existência de sentenças anulatórias, em que a especificação condenatória surge como última instância, constitui uma maneira adequada de assegurar a plenitude do processo de execução, permitindo soluções adequadas à diversidade das situações"(cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 400).

46.A sentença recorrida insere-se neste quadro axiomático, na medida em que estabeleceu a possibilidade de legalização do referido empreendimento como alternativa á sua demolição, em sede de execução de julgado, em linha com a nossa melhor doutrina e jurisprudência.

47.E não se diga que a circunstância da legalização do referido empreendimento ter ocorrido em 2015 viola a decisão que ordenou a demolição ou em alternativa a sua legalização, por ter acontecido decorridos mais de 42 meses após a sua prolação.

48.Em primeiro lugar, importa considerar que contra a referida decisão foram interpostos recursos para este tribunal, aos quais foi fixado efeito suspensivo.

49.Por outro lado, não obstante a pendência dos recursos interpostos contra a decisão que ordenou a demolição ou em alternativa a legalização do empreendimento “Shopping B. S.”, considerando o disposto no art.º 106.º, n.º2 do RJUE, não deixou nunca de impender sobre a Administração municipal o dever de realizar um juízo sobre a suscetibilidade de legalização da obra.

50.Conforme escreve Fernanda Paula Oliveira, in Nulidades Urbanísticas, CASOS E COISAS, Almedina, pág. 112 «(…)ainda que um tribunal ordene, sem mais, que a Administração proceda à demolição de operações urbanísticas ao abrigo de ato nulo…nem por isso fica excluída a possibilidade de o dever de demolir que foi judicialmente imposto vir, mais tarde a extinguir-se, por alteração superveniente das circunstâncias de direito, designadamente pela alteração da norma do plano violado que passe a admitir aquela operação. (…) E mesmo que a legalização ocorra tardiamente, já depois de ter expirado o prazo razoável que o tribunal tinha fixado para que se procedesse à demolição, nem por isso ela deixa, ainda assim, de ser legítima e possível.» E prossegue, sustentando que «Tal como sucede na Alemanha, também entre nós se deve, na verdade, entender que a legalização superveniente ao trânsito em julgado da sentença que tenha condenado a Administração a demolir ainda pode ser invocada, em oposição à execução, como causa extintiva do dever de demolir, no âmbito de um eventual processo de execução forçada para prestação de facto que venha a ser intentado com fundamento no incumprimento da sentença condenatória por parte da Administração».

Em sentido similar, cfr. Mário Aroso de Almeida/Carlos Alberto Fernandes cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pág. 941 «As circunstâncias em causa ainda poderão ser, em todo o caso, qualificadas como causa legítima de inexecução superveniente, se se entender que a existência de um novo título em que, nos termos da lei, se passe a fundar a construção que devia ser demolida torna impossível a demolição que tinha sido judicialmente imposta».

51.Na situação em apreço, durante a pendência da ação executiva e da presente instância recursiva a entidade municipal procedeu à legalização do empreendimento “Shopping B. S.”, por entretanto, á luz do Plano Diretor Municipal vigente à data da emissão dos despachos que aprovaram a construção do referido empreendimento, o mesmo se mostrar conforme com a ordem jurídica vigente, de tal modo que se impõe concluir que a situação de facto materializada na construção do “Shopping B. S.”, que era desconforme ao bloco legal vigente aquando da prolação da decisão que declarou nulo o licenciamento então concedido e cuja execução está pendente, passou a estar conforme ao ordenamento jurídico. E sendo assim, a entidade administrativa, in caso, o aqui Recorrente deixou de estar sujeito a encetar qualquer operação destinada a concretizar a demolição dessa construção, sendo legítima a manutenção da situação de facto existente traduzida na construção do “Shopping B. S.”.

52.Tendo a referida construção sido legalizada, por ter passado a reunir as condições exigidas pelo Plano Diretor Municipal em vigor á data do novo licenciamento, encontrando-se os atos de licenciamento consolidados porquanto não foram impugnados, esta circunstância superveniente não pode deixar de ser considerada. E a tal não obsta a circunstância de existir uma sentença transitada em julgado que considerou ilegal esse empreendimento por ser nulo o seu licenciamento, na medida em que, conforme sustenta Fernanda Paula Oliveira, in ob. Cit, pág.111, tal não significa « que a sentença tenha o poder de precludir a possibilidade de evoluções que são próprias da dinâmica das relações jurídicas substantivas e que se podem vir, naturalmente, a sobrepor à sentença. Como é sabido, o processo desempenha uma função instrumental, na medida em que está ao serviço do direito substantivo. Daí decorre que o processo está necessariamente sujeito às contingências e vicissitudes que são próprias da “estrutura eminentemente temporal do direito substantivo. ( …) a eficácia do caso julgado não pode deixar de possuir, para além de limites subjetivos e objetivos, também limites temporais ».

53. A demolição como medida de última ratio, uma vez ordenada, apenas deve ser cumprida se até ao momento da sua execução não for viável a legalização da construção, a tal não obstando a prolação de uma sentença que não pode barrar a possibilidade de se considerar a superveniência de alterações ao quadro legal que legitimem, à sua luz, a conservação da construção.

54.Resulta do que se vem dizendo que com o licenciamento da obra, deixou de existir título executivo válido que suporte a presente execução de sentença, o que determina a extinção inelutável da instância executiva por impossibilidade legal superveniente da lide, fruto desses ulteriores atos administrativos de licenciamento do referido empreendimento, impondo-se, consequentemente julgar extinta essa instância executiva, incluindo a presente instância recursiva.

II-DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em em julgar extinta a instância executiva por impossibilidade superveniente da lide.

Custas da execução, incluindo da presente instância recursiva, pelo Recorrido uma vez que foi a entidade administrativa que deu causa à impossibilidade da lide executiva ao licenciar o empreendimento já na pendência da execução- art.º 536.º, n.º3 do CPC.

Registe e Notifique.

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Porto, 13 de dezembro de 2019.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro