Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02035/11.9BEBREG-B
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/08/2013
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ANTECIPATÓRIA - CONSERVATÓRIA
CASO JULGADO
INSTRUMENTALIDADE
NULIDADE DECISÃO - ART. 668.º, N.º 1, AL. D) CPC
Sumário:I. As providências cautelares estão necessariamente dependentes de uma ação já pendente ou a instaurar posteriormente, acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da pronúncia jurisdicional definitiva, na pressuposição de que venha a ser favorável ao requerente a decisão a proferir no processo principal.
II. A pretensão cautelar, no segmento antecipatório que veio a ser entretanto deduzida, para pode ser considerada carecia de ter correspondência com a pretensão/objeto da ação administrativa principal.
III. Na providência cautelar de suspensão de eficácia a «causa petendi» é formada pelos requisitos enunciados no art. 120.º do CPTA.
IV. A decisão cautelar produz caso julgado na medida em que logo que transitada em julgado está dotada de força obrigatória, tornando-se definitiva e imodificável, embora sujeita à regra “rebus sic standibus”.
V.O tribunal uma vez apreciada a pretensão cautelar não pode livremente rever e/ou reapreciar a verificação dos requisitos de concessão da providência, mas já pode revogá-la, modificá-la ou substitui-la caso se venha a verificar uma alteração das circunstâncias que estiveram na base da anterior decisão, alteração essa que obedece e exige a verificação/preenchimento de pressupostos que se mostram legalmente fixados e que decorrem do art. 124.º do CPTA.
VI. Havendo decisão judicial prolatada à luz dos critérios enunciados no art. 120.º do CPTA a negar a tutela cautelar que havia sido peticionada também pela aqui requerente com vista a acautelar o efeito útil do que se viesse a decidir na ação principal não poderá a requerente, confrontada com aquele indeferimento ou rejeição, vir deduzir, sem qualquer limite e assim obstando à execução do ato administrativo em crise, novos procedimentos cautelares com o mesmo objetivo último, invocando, nomeadamente, sucessivos fundamentos de ilegalidade que haviam sido sustentados na ação administrativa principal ou então novos fundamentos de ilegalidade nela não invocados.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:MD(...)
Recorrido 1:Ordem dos Psicólogos Portugueses
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
MD(...), devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Braga, datada de 14.09.2012, que jugou verificada a exceção de caso julgado e absolveu da instância cautelar pela mesma deduzida contra a “ORDEM DOS PSICÓLOGOS PORTUGUESES” (abreviada e doravante «OPP»), igualmente identificada nos autos, na qual, pelos fundamentos aduzidos no requerimento inicial, peticionava, por um lado, a suspensão de eficácia das deliberações proferidas em 06.09.2011 e 23.11.2011 pela Direção que não aceitaram a inscrição da mesma como psicóloga e, por outro lado, a sua admissão provisória da mesma como psicóloga naquela Ordem.
Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 175 e segs. - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem:
...
1.ª A Requerente intentou nos presentes autos duas providências cautelares, sendo que o Tribunal apenas conheceu de uma, indeferindo-a.
2.ª A segunda providência requerida nenhuma relação ou dependência tem com a primeira providência, tanto que podia ter sido deduzida em articulado autónomo.
3.ª A segunda providência requerida pela Recorrente pode e deve ser conhecida pelo Tribunal, inexistindo qualquer obstáculo legal a que seja apreciada no seu mérito.
4.ª Ao não conhecer da dita providência cautelar (de admissão provisória da Recorrente na Recorrida), incorreu o Tribunal «a quo» em nulidade, assim cominada nos termos do artigo 668.º, n.º 1 d) do CPC.
5.ª A sentença recorrida violou ainda o artigo 660.º, n.º 2 do CPC …”.
O ente demandado notificado veio apresentar contra-alegações (cfr. fls. 190 e segs.), nas quais termina concluindo nos seguintes termos:

A) O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou verificada a exceção de caso julgado e que, em consequência, absolveu a Entidade Requerida da instância.
B) Defende a Recorrente que o Tribunal incorreu em erro de julgamento uma vez que se dispensou de apreciar o requerimento de admissão provisória da Recorrente como membro da Ordem Recorrida com fundamento na sua prejudicialidade em relação à exceção de caso julgado verificada relativamente à suspensão de deliberações impugnadas, ao abrigo do n.º 2 do artigo 660.º do CPC, sendo nula por força da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.
C) No entanto, o Tribunal a quo pronunciou-se, clara e expressamente, sobre a pretensa admissão provisória da Recorrente na Ordem Recorrida, considerando que «tal como se havia entendido na anterior providência cautelar, onde se negou a pretensão suspensiva do ato suspendendo (e, necessariamente, a admissão provisória do Autor na Ordem dos Psicólogos Portugueses), estava e está, precludida a possibilidade de, em nova providência, virem a ser invocados os mesmos ou mesmo outros factos ou outras razões que justificassem a mesma pretensão, sendo que a mutabilidade do caso julgado neste tipo de providência, que entretanto se formou, só ocorre por ‘alteração das circunstâncias inicialmente existentes’, através de um pedido de alteração da decisão que recusou a providência cautelar (cfr. artigo 124.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos)».
D) Deste modo, ao invés de ignorar ou desconsiderar o referido requerimento cautelar - como defende a Recorrente - o Tribunal concluiu que também se verificava, quanto a este, a exceção de caso julgado.
E) O que é quanto baste para demonstrar que a sentença recorrida não violou a alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º nem o n.º 2 do artigo 660.º ambos do CPC.
F) A Recorrente alega ainda que a exceção de caso julgado apenas se verifica quanto ao pedido de suspensão de deliberações mas já não quanto ao pedido de admissão provisório na Ordem, no que não tem razão.
G) Como resulta dos respetivos autos, verifica-se uma exceção de caso julgado relativamente ao Processo n.º 2035/11.9BEBRG-A que correu termos neste Tribunal e que já transitou em julgado após o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 8 de junho de 2012 que manteve a decisão de primeira instância.
H) Não obstante a providência cautelar intentada no âmbito do referido processo apenas ter tido como pedido especificado a suspensão da eficácia das deliberações impugnadas, a admissão provisória na Ordem Recorrida era a única forma ou meio idóneo que assegurava a utilidade da sentença a proferir no processo principal, possibilitando o exercício da profissão de psicóloga.
I) O que resulta claramente da sentença proferida no âmbito do referido processo: «através da presente providência, a requerente pretende, no fundo, ser admitida provisoriamente à Ordem do Psicólogos pelo que se trata, portanto, de uma providência antecipatória, na medida em que pretende transcender a manutenção do status quo ante, configurando, desde já, uma situação jurídica material».
J) O confronto dos dois requerimentos cautelares revela a clara situação material de identidade de partes, da causa de pedir e do pedido, além de colocar o Tribunal em clara e evidente posição de potencial contradição ou reprodução de julgados com os prejuízos e inconvenientes inerentes.
K) Por esta razão, bem andou o Tribunal ao considerar que a exceção de caso julgado se verificava relativamente aos dois pedidos, absolvendo a Requerida, ora Recorrida, da instância ao abrigo da alínea i) do artigo 494.º do CPC.
L) Razão pela qual o presente recurso é manifestamente improcedente, não tem qualquer cabimento ou provimento, não sendo a sentença recorrida merecedora de qualquer crítica ou censura.
M) Porém, se assim não se entender - o que se admite por mera cautela de patrocínio e sem qualquer concessão - sempre se dirá que não se verificam os requisitos para que o Tribunal a quo tivesse concedido a providência requerida …”.
O Digno Magistrado do Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto nos arts. 146.º e 147.º ambos do CPTA apresentou pronúncia no sentido do improvimento do recurso (cfr. fls. 210/211), pronúncia essa que não mereceu qualquer resposta uma vez sujeita a contraditório (cfr. fls. 212 e segs.).
Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. e) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir das questões colocadas pela recorrente, sendo certo que, pese embora, por um lado, o objeto do recurso se ache delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) (na redação introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24.08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem” em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda que a declare nula decide “o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito” reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.
As questões suscitadas e de que cumpre decidir resumem-se, no nosso entendimento, em determinar se na situação vertente a decisão judicial recorrida ao indeferir a pretensão cautelar peticionada enferma, por um lado, de nulidade [art. 668.º, n.º 1, al. d) e 660.º, n.º 2 do CPC] e, por outro lado, em erro de julgamento por violação, nomeadamente, do disposto nos arts. 497.º e 498.º do CPC [cfr. alegações e conclusões supra reproduzidas].


3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade:
I) A requerente é licenciada em Psicopedagogia Curativa pela Universidade (…)(Porto), licenciatura esta que concluiu em 05.02.2003 com a classificação final de 15 valores - cfr. doc. n.º 01 junto com o requerimento inicial que se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
II) A licenciatura referida no ponto anterior foi reconhecida oficialmente pela Portaria n.º 171/98, de 16.03 - cfr. citado doc. n.º 01.
III) No decurso desta licenciatura a A. frequentou estágios curriculares (em instituições), concretamente três: um no segundo ano, um no terceiro ano e outro no quarto e último ano - cfr. citado doc. n.º 01.
IV) Desde o dia 01.04.2004 a 31.12.2004 a requerente realizou estágio profissional na (…), em Barcelos - cfr. docs. n.ºs 02 e 03 juntos com o requerimento inicial que se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
V) Em 2005 a requerente iniciou um curso de doutoramento na Universidade de (…), Espanha, em Psicologia Clínica e Psicobiologia, o qual terminou em 2008, com a obtenção de um Diploma de Estudos Avançados e classificação final de 20 valores - cfr. docs. n.ºs 04, 05 e 06 juntos com o requerimento inicial que se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
VI) Em março de 2007 a requerente iniciou a sua atividade profissional na (…), como prestadora de serviços a tempo parcial, desempenhando funções inerentes ao cargo de psicóloga clínica, nomeadamente a avaliação psicológica e o acompanhamento de casos clínicos - cfr. doc. n.º 07 junto com o requerimento inicial que se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
VII) Em 02.07.2010 a requerente concluiu a licenciatura em Psicologia pela Universidade (…) (Porto), com a classificação final de 14 valores - cfr. doc. n.º 08 junto com o requerimento inicial que se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
VIII) No ano de 2010, entre março e agosto, a A. frequentou um estágio curricular em psicologia clínica na CVP(…)- cfr. doc. junto com o requerimento inicial que se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
IX) Desde 05.11.2008 a requerente possui a carteira profissional de psicóloga emitida pela Autoridade para as Condições de Trabalho ao abrigo do Despacho Normativo de 27.07.1972, publicado no n.º 32 do Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de 29.08.1972 - cfr. doc. n.º 11 junto com o requerimento inicial que se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
X) Em 20.10.2010 a requerente requereu junto da requerida a sua inscrição como psicóloga - cfr. docs. n.ºs 12, 13 e 14 juntos com o requerimento inicial que se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
XI) Em 21.01.2011 a requerida informou a requerente que ainda não tinha recebido toda a documentação necessária à apreciação do pedido - cfr. doc. n.º 15 junto com o requerimento inicial que se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
XII) Posteriormente, em 12.05.2011 a requerida informou a requerente que o seu pedido estava em apreciação - cfr. doc. n.º 16 junto com o requerimento inicial que se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
XIII) Em 24.05.2011 solicitou a requerida à requerente o certificado de habilitações do 2.º ciclo em psicologia - cfr. doc. n.º 17 junto com o requerimento inicial que se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
XIV) Em 14.07.2011, a requerente enviou o email à requerente onde explica o seu percurso académico e profissional - cfr. doc. n.º 18 junto com o requerimento inicial que se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
XV) Por ofício datado de 06.09.2011, a requerente foi informada pela requerida da não aceitação da sua inscrição - cfr. doc. n.º 19 junto com o requerimento inicial que se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
XVI) No ofício referido no ponto anterior a requerida refere, no que a estes autos importa que: “… Uma vez que o procedimento de inscrição não foi instruído com o necessário certificado de habilitações em psicologia, não se encontram reunidos os pressupostos legalmente exigidos para atribuição do título profissional, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 51.º do referido Estatuto … - cfr. citado doc. n.º 19.
XVII) A requerente enviou em 03.10.2011, por email, uma exposição à requerida - cfr. doc. n.º 20 junto com o requerimento inicial que se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
XVIII) Por ofício datado de 23.11.2011 a R. informou a A. que rejeitava a sua candidatura por não cumprir o disposto no art. 51.º, n.º 1 a) da Lei n.º 57/2008, de 04.09 (Estatuto da Ordem dos Psicólogos, doravante apenas Estatutos), concretamente por não ter apresentado o certificado de habilitações do 2.º ciclo - cfr. doc. n.º 21 junto com o requerimento inicial que se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
XIX) A ação principal, apensa a estes autos (ação administrativa especial n.º 2035/11.9BEBRG) deu entrada neste Tribunal em 14.12.2011, já foi objeto de sentença, a qual foi objeto de recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, encontrando-se os autos aguardando as contra-alegações da requerida - cfr. fls. 154 e segs. do processo principal.
XX) Foi igualmente intentada, como apenso A, aos autos n.º 2035/11.9BEBRG providência cautelar, instaurada em 21.12.2011 e que foi, igualmente objeto de decisão - cfr. fls. 155 a 167 dos autos.
XXI) Essa decisão foi objeto de recurso e ulteriormente confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 08.06.2012 e constante de fls. 241 a 247 dos autos de providência cautelar n.º 2035/11.9 BEBRG-A;
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do objeto de recurso jurisdicional “sub judice” supra enunciado.

ð

3.2.1. DA DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA
O TAF de Braga em apreciação da pretensão cautelar deduzida pela recorrente contra a «OPP», na qual se peticionava a suspensão de eficácia das decisões proferidas pelo ente recorrido e, bem assim, a admissão/inscrição provisória da mesma naquela Ordem, concluiu no sentido de que “in casu” ocorria a exceção de caso julgado pelo que não estavam reunidos/preenchidos os requisitos enunciados pelo art. 120.º do CPTA, termos em que negou a tutela cautelar peticionada.

ð

3.2.2. DA TESE DA RECORRENTE
Argumenta a mesma que tal decisão judicial enfermaria de nulidade por ausência de pronúncia quanto ao seu pedido de admissão/inscrição provisória na «OPP» errando no julgamento quanto à procedência da aludida exceção visto a mesma não ocorrer, pelo que deveriam os autos prosseguir seus ulteriores termos naquele TAF com apreciação do mérito da pretensão.
ð
3.2.3. DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.3.1. DA NULIDADE DECISÃO

I. Estipula-se no art. 668.º do CPC, sob a epígrafe de “causas de nulidade da sentença” e na parte que ora releva, que é “… nula a sentença quando: … d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento ...” (n.º 1), derivando ainda do mesmo preceito que as “… nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades ...” (n.º 4).

II. As situações de nulidade da decisão encontram-se legalmente tipificadas no art. 668.º, n.º 1 do CPC, cuja enumeração é taxativa, comportando causas de nulidade de dois tipos [de caráter formal - art. 668.º, n.º 1, al. a) CPC - e várias causas respeitantes ao conteúdo da decisão - art. 668.º, n.º 1, als. b) a e) CPC], sendo que a qualificação como nulidade de decisão de ilegalidades integradoras de erro de julgamento não impede o Tribunal “ad quem” de proceder à qualificação jurídica correta e apreciar, nessa base, os fundamentos do recurso.

III. Caraterizando em que se traduz a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. d) do mesmo preceito temos que a mesma se traduz na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art. 660.º, n.º 2 CPC).

IV. Trata-se, nas palavras de M. Teixeira de Sousa, do “... corolário do princípio da disponibilidade objetiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º, 2.ª parte) …” que “… significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com exceção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. (...) Também a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221).

V. Questões para este efeito são “... todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer ato (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …” (cfr. A. Varela in: RLJ, Ano 122.º, pág. 112) e não podem confundir-se “... as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão …” (cfr. J. Alberto dos Reis in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 143).

VI. Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, afirmando ainda neste âmbito M. Teixeira de Sousa que o “... tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. (...) Verifica-se, pelo contrário, uma omissão de pronúncia e a consequente nulidade [art. 668.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte] se na sentença, contrariando o disposto no art. 659.º, n.º 2, o tribunal não discriminar os factos que considera provados (...) ou se abstiver de apreciar a procedência da ação com fundamento numa das causas de pedir invocadas pelo autor (...). … Se o autor alegar vários objetos concorrentes ou o réu invocar vários fundamentos de improcedência da ação, o tribunal não tem de apreciar todos esses objetos ou fundamentos se qualquer deles puder basear uma decisão favorável à parte que os invocou. (...) Em contrapartida, o tribunal não pode proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objetos e fundamentos por ela alegados, dado que a ação ou a exceção só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objetos ou dos fundamentos puder proceder …” (in: ob. cit., págs. 220 a 223).

VII. A sentença ou o acórdão constituem decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, num caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses (públicos e/ou privados) no âmbito das relações jurídicas administrativas (cfr. arts. 01.º e 04.º ambos do ETAF), sendo que os mesmos conhecem do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para aquele caso concreto, pelo que tais decisões podem estar viciadas de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: - Por um lado, podem ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação; - Por outro, como atos jurisdicionais, podem ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretados e, então, tornam-se passíveis de nulidade nos termos do art. 668.º do CPC.

VIII. Cientes dos considerandos caraterizadores da nulidade de decisão em análise e presentes o âmbito de pronúncia do julgador administrativo no quadro duma ação cautelar temos que, no caso, não ocorre nulidade da decisão por infração à al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC já que não se descortina existir omissão de pronúncia.

IX. É que vista a decisão judicial objeto de impugnação com a abrangência e conteúdo nela inserto temos que na mesma o julgador “a quo” não omitiu efetivamente, ao invés do sustentado pela aqui recorrente, os seus deveres de pronúncia quanto aos pedidos/pretensões formulados já que dos seus termos deriva uma tomada de posição quanto àquilo que constitui no seu entendimento/leitura o objeto/natureza do procedimento e os contornos da exceção de caso julgado que havia sido suscitada.

X. O saber e determinar se o juízo/enquadramento que foi feito da pretensão e da exceção se mostra acertado trata-se de argumentação conducente a um eventual erro no julgamento, erro esse que manifestamente não se integra na previsão da al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC e que em sede própria se cuidará porquanto, como referimos, a qualificação como nulidade de decisão de ilegalidade integradora de erro de julgamento não impede o Tribunal “ad quem” de proceder à qualificação jurídica correta e apreciar, nessa base, os fundamentos do recurso.

XI. De harmonia com tudo o atrás exposto, improcede a arguição da nulidade assacada à decisão judicial no segmento em crise.
*
3.2.3.2. DO ERRO DE JULGAMENTO
Sustenta a requerente, aqui ora recorrente, que o decidido pelo TAF de Braga ao julgar procedente a exceção de caso julgado fez errado juízo.
Assistir-lhe-á razão?

XII. Avançando, desde já, o nosso juízo sobre a questão temos que a decisão judicial recorrida enquanto indeferimento da pretensão cautelar terá de ser mantida embora, todavia, com fundamentação diversa.
Motivemos, então, este nosso entendimento.

XIII. Prevêem-se nos n.ºs 1, al. b) e 2 do art. 120.º do CPTA um distinto grupo de condições de procedência que, embora com diferentes cambiantes, se podem reconduzir: a) A duas condições positivas de decretamento [«periculum in mora» - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e «fumus boni iuris» (“aparência do bom direito”) - reportado ao facto de não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal ou de que inexistam circunstâncias que obstem ao conhecimento de mérito]; e, b) A um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados) - proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.

XIV. Face ao dissídio ora objeto de apreciação cumpre, pois, centrar nossa atenção na análise e enquadramento da previsão da parte final da al. b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, mormente, no tipo de juízo ou de pronúncia que tal requisito/condição positiva de decretamento exige ou reclama da parte do julgador cautelar, aferindo se no caso ocorre a invocada exceção dilatória de caso julgado.

XV. No art. 497.º do CPC [aplicável “ex vi” art. 01.º do CPTA] define-se, nomeadamente, o conceito de caso julgado como pressupondo “… a repetição de uma causa; … se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado ...”(n.º 1), sendo que a aludida exceção tem “… por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior ...”(n.º 2).

XVI. E no artigo seguinte concretizam-se os respetivos requisitos referindo-se que se repete “… a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir …” (n.º 1), sendo que há “… identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica …” (n.º 2), há “… identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico …” (n.º 3) e há “… identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico …” (n.º 4).

XVII. Reportando-nos, desde já, ao caso “sub judice” temos que as partes não dissentem que, da tríplice identidade que o instituto do caso julgado postula, apenas está em causa o determinar da verificação da identidade de pedido e causa de pedir entre ambas as ações cautelares, porquanto dúvidas não existem de que se verifica o requisito da identidade de sujeitos.

XVIII. Importa, assim, determinar se no caso existe identidade de pedidos e de causa de pedir.

XIX. Definindo causa de pedir poder-se-á dizer que esta consiste no facto concreto ou composto factual concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido pelo A./requerente, consubstanciando-se numa indicação de factos suficientes para individualizar o facto jurídico gerador da causa de pedir (cfr. art. 498.º, n.º 4 do CPC).

XX. Temos, pois, que a causa de pedir não consiste na categoria legal invocada, no facto jurídico abstrato configurado pela lei, mas, antes, nos concretos factos da vida a que se virá a reconhecer, ou não, força jurídica bastante e adequada para desencadear os efeitos pretendidos pelo A./requerente, ou seja, a causa de pedir traduz-se nos acontecimentos da vida em que aquele apoia a sua pretensão.

XXI. Por sua vez tal “efeito jurídico” que se pretende obter com a ação consistirá no pedido (cfr. art. 498.º, n.º 3 do CPC), devendo entender-se aquele efeito como visando, essencialmente, o efeito prático.

XXII. Na definição de Ana Prata pedido é “… a enunciação do direito que o autor quer fazer valer em juízo e da providência que para essa tutela requer …” (in: “Dicionário Jurídico”, pág. 724).

XXIII. Ora a individualização duma ação, face ao que se mostra previsto no n.º 4 do art. 498.º do CPC e é consensual ao nível da doutrina e jurisprudência, afere-se pela causa (facto genético) do direito, o que a substancia ou fundamenta [teoria da substanciação].

XXIV. A ação identifica-se e individualiza-se, não pela norma abstrata da lei, mas pelos elementos de facto que converteram em concreta a vontade legal.

XXV. Assim e para que o tribunal reconheça ao autor o direito que o mesmo invoca há-de este alegar factos suscetíveis de gerar esse direito, segundo a ordem jurídica constituída.

XXVI. Esses factos, postos em contato com a ordem jurídica, é que constituem a causa de pedir, o fundamento ou fundamentos da ação.

XXVII. Ora na providência cautelar de suspensão de eficácia, que é uma providência por natureza/regra com cariz conservatório, a «causa petendi» é formada pelos requisitos enunciados no art. 120.º do CPTA, ou seja, pela alegação factual na qual se estribe o invocado preenchimento dos vários critérios de decisão ali elencados [no que aqui releva: a) a evidência da procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal; b) Fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito].

XXVIII. Já uma providência cautelar de admissão/inscrição provisória numa determinada atividade/instituição/concurso, que é uma providência de natureza antecipatória, a «causa petendi» é também ela formada pelos requisitos enunciados no art. 120.º do CPTA, ou seja, pela alegação factual na qual se estribe o invocado preenchimento dos vários critérios de decisão ali elencados [no que aqui releva: a) a evidência da procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal; b) Fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e ser provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente].

XXX. Ambas as providências só serão concedidas se o juiz concluir pelo preenchimento dos requisitos legalmente enunciados para cada um dos aludidos critérios.

XXXI. Como vimos ocorre a exceção de caso julgado quando se instaura um processo, estando definitivamente decidido, no mesmo ou em tribunal diferente, outro processo entre os mesmos sujeitos, tendo o mesmo objeto e fundado na mesma causa de pedir.

XXXII. O caso julgado, como exceção dilatória, pressupõe assim a repetição da ação em dois processos diferentes, visando-se como a mesma evitar que o Tribunal se possa debruçar, duplamente, sobre a mesma pretensão correndo o risco desprestigiante, de se contradizer, tornando, dessa forma, precário o valor da segurança e certeza do direito, pelo que a mesma determina que o R./requerido seja absolvido da instância no segundo processo.

XXXIII. Temos, assim, que para sabermos se há ou não risco de repetição da ação, importa atender-se não só ao critério fixado e desenvolvido nos citados arts. 497.º, n.º 1 e 498.º ambos do CPC, mas também à diretriz substancial traçada no n.º 2 do art. 497.º, onde se afirma que aquela exceção visa obstar a que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

XXXIV. É no articulado inicial que o A./requerente deve indicar a causa de pedir [cfr. art. 78.º, n.º 1, al. g) do CPTA - “Expor os factos e as razões de direito que fundam a ação”; art. 114.º, n.º 3, al. g) do CPTA - “Especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência], sendo que esta, como aludimos supra, exerce uma função individualizadora do pedido para o efeito da conformação do objeto do processo.

XXXV. Na situação em discussão nos autos constata-se que a requerente, aqui recorrente, deduz nova pretensão cautelar que corre termos sob o n.º 2035/11.9BEBRG-B, ora sob análise, peticionando agora não apenas a suspensão de eficácia das deliberações atrás referidas mas ainda a admissão/inscrição provisória na «OPP», alegando, agora, factos que no seu entendimento alteram os pressupostos relativos ao requisito do «periculum in mora» [cfr. arts. 03.º/04.º e 59.º/65.º do requerimento inicial, onde se relata a existência de comunicação que a entidade onde prestava serviços – (…) - terá recebido da ora recorrida quanto a pedido de averiguações de utilização de título profissional por parte da requerente e que mercê de tal realidade estaria eminente a resolução da relação contratual de prestação de serviços que a ligava, com consequente eminência de perda de rendimentos e impossibilidade de prover ao seu sustento] e, em sede do requisito do «fumus boni iuris» veio, no essencial, reiterar aquilo que já eram os fundamentos de ilegalidade invocados nos autos cautelares sob o n.º 2035/11.9BEBRG-A [autos em que foi desatendida a pretensão suspendenda por inverificação da al. b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA apenas e só quanto ao requisito do «periculum in mora» - decisão essa que se mostra transitada em julgado], com exceção, da violação do art. 02.º, n.º 4 do Regulamento n.º 422/09, de 27.10.2009, agora substituído pela alegada infração do art. 02.º, n.º 4 do Regulamento n.º 505/09, de 21.12.2009, tendo aditado ainda a ilegalidade consubstanciada na violação do art. 140.º CPA enquanto conjugado com o estatuto profissional detido em conformidade com o regime normativo definido pelo DL n.º 358/84, de 13.11.

XXXVI. Estas últimas ilegalidades não constam dos fundamentos invocados pela A./requerente na ação administrativa especial principal e de que os presentes autos cautelares constituem apenso, nem na mesma ação administrativa principal se mostra deduzido (quer em termos iniciais quer em sede de ulterior mediante ampliação) qualquer pedido de condenação da aqui recorrida na inscrição daquela a título definitivo na «OPP».

XXXVII. Cientes dos considerandos atrás tecidos e presente o ora exposto temos, assim, que, face ao circunstancialismo existente à data da prolação da decisão judicial recorrida, dúvidas não nos parecem existir que quanto à pretensão antecipatória não se verificava a exceção de caso julgado já que nem figurava um tal pedido na providência cautelar apreciada no apenso «A», nem os pressupostos da sua decretação exigidos pela al. c) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA foram objeto de qualquer apreciação por parte do julgador cautelar na providência deduzida [a referência feita na decisão ali prolatada quanto à qualificação da providência como antecipatória foi total e formalmente inconsequente face aos seus termos e fundamentos visto todo o juízo ali demais feito se ter reconduzido à apreciação/verificação dos requisitos insertos na al. b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, em particular, o do «periculum in mora» - cfr. fls. 6, 10 a 12 daquela decisão].

XXXVIII. Nessa medida, a decisão nesse segmento não poderá ser confirmada com tal fundamentação, na certeza, todavia, que, ainda assim, não poderá proceder a pretensão deduzida pela requerente.

XXXIX. Na verdade, como pano de fundo não podemos esquecer, desde logo, que entre o procedimento cautelar e o meio contencioso principal existe uma relação de instrumentalidade e de dependência do primeiro relativamente ao segundo.

XL. É que sendo o direito processual instrumental em relação ao direito material e o direito de ação o meio por intermédio do qual se faz valer o direito material afirmado pelo A./requerente (cfr. art. 20.º da CRP), o procedimento cautelar, enquanto meio no qual se pretende provisoriamente acautelar o direito afirmado, carateriza-se por uma instrumentalidade, a “garantia da garantia” na expressão feliz de Calamandrei ou, como ensinava J. Alberto dos Reis, é um tipo de tutela jurisdicional que visa apontar os meios para que a tutela jurisdicional final realize os seus fins.

XLI. Tal como sustenta Isabel Celeste M. Fonseca é “… a caraterística da instrumentalidade que verdadeiramente identifica a tutela cautelar. … O grau de instrumentalidade perante a efetividade da decisão que põe fim a um processo ordinário pode ser mais ténue, ou menos, consoante o conteúdo da medida cautelar, e, em última instância, consoante o tipo de periculum in mora a remediar. Perante o periculum in mora de retardamento da decisão, a medida cautelar que provenha à satisfação antecipada do direito e que atue ampliando o status quo referente à causa tem perante o processo principal um grau de instrumentalidade, obviamente, menor. Todavia, desde que se verifique que a antecipação é somente provisória, o que exige que o juiz da causa cautelar respeite e não anule o objeto da causa principal, tal medida ainda será instrumental se for pré-ordenada à emanação da decisão definitiva. … ainda que se configure uma variação no grau de instrumentalidade do processo cautelar perante a decisão principal, o conceito de instrumentalidade abrange o de instrumentalidade hipotética. Instrumentalidade, porque a medida é concedida com o fim de assegurar a efetividade da sentença no processo principal; hipotética porque a medida cautelar se funda num juízo de probabilidade quanto à existência do direito que é protegido antecipadamente, e que é o objeto do processo principal. … a finalidade «imediata» da tutela cautelar é a de assegurar a eficácia prática da providência definitiva, na presunção de que esta virá a ser favorável ao requerente …” (in: “Introdução ao estudo sistemático da tutela cautelar no processo administrativo”, págs. 86, 89 e segs.).

XLII. As providências cautelares estão necessariamente dependentes de uma ação já pendente ou a instaurar posteriormente, acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da pronúncia jurisdicional definitiva, na pressuposição de que venha a ser favorável ao requerente a decisão a proferir no processo principal.

XLIII. Se assim é, então, temos que logo à partida, em face daquilo que constitui o pedido e objeto da ação administrativa especial principal e de que os presentes autos são apenso [na qual não foi deduzido qualquer pedido de condenação à admissão/inscrição definitiva da A./requente na «OPP» nem na mesma se mostram invocados, nomeadamente, tais novos fundamentos de ilegalidade], a pretensão cautelar antecipatória sob apreciação nos termos em que se mostra estribada, enquanto “novidade” ou “inovação” naquele segmento, não pode ser considerada porquanto estaríamos para além do que deriva da natureza instrumental, acessória ou dependente de que revestem estes autos cautelares tanto mais que na ação cautelar em presença estar-se-ia a decidir provisoriamente pretensão que não teria correspondência com a pretensão/objeto da ação administrativa principal.

XLIV. Já quanto ao segmento da decisão judicial recorrida que se prende com a análise da pretensão cautelar na vertente do pedido de suspensão de eficácia temos que, no nosso juízo, ocorre a exceção de caso julgado no que tange à pretensão cautelar formulada pela requerente nos autos “sub judice” quanto ao que foi o pedido de suspensão de eficácia e os fundamentos de facto e de direito que foram alegados nos autos cautelares sob o n.º 2035/11.9BEBRG-A e que ora foram “repetidos” nos autos cautelares em presença (apenso B).

XLV. Com efeito, claramente e nesse âmbito valendo o que já atrás se referiu dúvidas não podem existir quanto à verificação da tríplice identidade dos elementos que definem a ação, porquanto ocorre identidade de sujeitos, pedido e de causa de pedir enquanto requisitos enunciados para a exceção caso julgado (arts. 497.º e 498.º do CPC), irrelevando, nesse quadro e para efeitos de dedução de novo processo cautelar, os novos factos/fundamentos aduzidos [cfr. entendimento firmado no Ac. TCAN de 17.06.2010 - Proc. n.º 01933/09.4BEPRT-B in: «www.dgsi.pt/jtcn» que seguiremos de perto na fundamentação].

XLVI. A pretensão cautelar sob apreciação neste segmento conservatório nos termos em que se mostra estribada enquanto “novidade” ou “inovação” naqueles fundamentos de ilegalidade não pode ser considerada já que também aqui estaríamos para além do que deriva da natureza instrumental, acessória ou dependente de que revestem estes autos cautelares, na certeza de que a aferição do requisito da aparência do direito se mostraria desfasado ou em contradição com aquilo que é o efetivo direito invocado na ação principal e cuja defesa ou efeito útil se visaria acautelar com a decisão a proferir na ação cautelar.

XLVII. Mas para além disso importa ainda considerar ou ter em atenção que a natureza instrumental das providências cautelares suscita uma outra questão e que é a de se saber em que medida é que a decisão de decretar ou recusar a adoção de providências cautelares pode ser alterada ou revogada com base na apreciação dos elementos de facto e de direito constantes dos autos cautelares ou do próprio processo principal.

XLVIII. A possibilidade de alteração e de revogação da decisão cautelar mostra-se entre nós consagrada no art. 124.º do CPTA, preceito no qual, sob epígrafe de “alteração e revogação das providências”, se estipula que a “… decisão tomada no sentido de adotar ou recusar a adoção de providências cautelares pode ser revogada, alterada ou substituída na pendência da causa principal, por iniciativa do próprio tribunal ou a requerimento de qualquer dos interessados ou do Ministério Público, quando tenha sido este o requerente, com fundamento na alteração das circunstâncias inicialmente existentes …” (n.º 1), sendo que à “… situação prevista no número anterior é aplicável, com as devidas adaptações, o preceituado nos n.ºs 3 a 5 do artigo anterior …” (n.º 2) e é “… designadamente, relevante, para os efeitos do disposto no n.º 1, a eventual improcedência da causa principal, decidida por sentença de que tenha sido interposto recurso com efeito suspensivo …” (n.º 3).

XLIX. A decisão cautelar produz caso julgado na medida em que logo que transitada em julgado está dotada de força obrigatória, tornando-se definitiva e imodificável, embora sujeita à regra “rebus sic standibus”.

L. Por outras palavras, o tribunal uma vez apreciada a pretensão cautelar não pode livremente rever e/ou reapreciar a verificação dos requisitos de concessão da providência, mas já pode revogá-la, modificá-la ou substitui-la caso se venha a verificar uma alteração das circunstâncias que estiveram na base da anterior decisão, alteração essa que, todavia, obedece e exige a verificação/preenchimento de pressupostos que se mostram legalmente fixados e que decorrem do citado art. 124.º do CPTA.

LI. Com a referência às “circunstâncias inicialmente existentes” exige-se que se mostre alegado e demonstrado algo novo que impeça o tribunal de se ver confrontado ou colocado perante uma reapreciação livre e arbitrária da anterior decisão cautelar, a ponto de vir a emitir uma nova decisão com e de sentido oposto à anterior assente numa diversa ponderação dos elementos preexistentes nos autos.

LII. Impõe-se, por conseguinte, que seja invocada e comprovada uma nova situação que venha efetivamente alterar as circunstâncias e os fundamentos nos quais se estribou e assentou a anterior decisão cautelar.

LIII. Temos, pois, que a alteração, a revogação ou a substituição da decisão cautelar ocorrerá quando os novos dados trazidos ao processo gerem no julgador uma convicção diferente quanto ao preenchimento ou não naquelas novas circunstâncias concretas dos critérios de decisão legalmente impostos e enunciados pelo art. 120.º do CPTA.

LIV. E dúvidas não parecem existir de que é sobre o interessado na alteração, na revogação ou na substituição/modificação da anterior decisão cautelar que impende o ónus de alegação e de prova do novo ou do superveniente circunstancialismo factual que fundamentam e justificam a necessidade de revisão daquela decisão, pelo que falhando o requerente aquele ónus é sobre o mesmo que impendem as consequências de tal insucesso.

LV. Sendo esse o adequado entendimento do regime normativo a considerar então temos que não pode proceder a pretensão cautelar da recorrente, reiterada no presente recurso jurisdicional, enquanto se estriba numa pretensa alegação de novos fundamentos de ilegalidade para verificação do requisito da “aparência do direito” [art. 120.º do CPTA] e, assim, lograr afastar o operar dos pressupostos de preenchimento da exceção do caso julgado.

LVI. É que um tal argumento não pode proceder porquanto não existe efetivamente uma nova causa de pedir na ação cautelar em presença.

LVII. Com efeito, não é verdade que estejamos em face de nova causa de pedir, pois, a causa de pedir do tipo de providência cautelar conservatória, como é aquela que também foi solicitada, é a mesma que foi alegada ou deveria ter sido alegada na primeira ação, na certeza de que, frise-se, na ação principal, à luz dos termos que se nos mostram documentados, não se cuidará de tal fundamento de ilegalidade ou de ilegitimidade jurídica dos atos administrativos ali impugnados.

LVIII. Em face daquilo que nos autos “sub judice” se mostra alegado pela requerente, aqui ora recorrente, temos que quer os factos integradores do requisito do “periculum in mora”, quer ainda os relativos ao requisito do “fumus boni iuris”, podiam e deviam ter sido alegados desde o início em sede do requerimento inicial e, por conseguinte, necessariamente fazem parte da causa de pedir que sustentou a primeira providência, sendo que só seria legítimo um pedido de alteração da decisão cautelar num quadro de alegação factual de circunstâncias diversas das inicialmente existentes e que haja resultado duma alteração de verificação posterior que importe ou permita fundar uma efetiva reapreciação.

LIX. Importa assegurar que, como referimos supra, o tribunal não seja confrontado ou colocado perante uma reapreciação livre e arbitrária da anterior decisão cautelar à luz do mesmo quadro circunstancial a ponto de se correr o risco, que se pretende acautelar com o caso julgado, de emitir uma nova decisão com e de sentido oposto à anterior.

LX. Havendo decisão judicial prolatada à luz dos critérios enunciados no art. 120.º do CPTA a negar a tutela cautelar que havia sido peticionada também pela aqui requerente com vista a acautelar o efeito útil do que se vier a decidir na ação principal, de que os presentes autos também são apenso e possuem a mesma finalidade, não poderá a requerente, confrontada com aquele indeferimento ou rejeição, vir deduzir, sem qualquer limite e assim obstando à execução dos atos administrativos em crise, novos procedimentos cautelares com o mesmo objetivo último, “numa segunda volta” ou “numa terceira volta” e por aí adiante invocando, nomeadamente, sucessivos fundamentos de ilegalidade que, inclusive, não haviam sido sustentados na ação administrativa principal.

LXI. Derivando de tal decisão judicial que não estavam reunidos os requisitos legalmente exigidos para a decretação da suspensão de eficácia dos atos administrativos em crise tem-se como precludida a possibilidade de se instaurar nova providência cautelar pois vale aqui a máxima segundo a qual o caso julgado “cobre o deduzido e o dedutível” ou “tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat” (cfr. Manuel de Andrade, in: “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 323).

LXII. Concluiu-se, assim, que após a decisão judicial que negou a pretensão conservatória de suspensão de eficácia estava e está precludida a possibilidade de, em nova providência, virem a ser invocados outros factos ou outras razões que justificassem a mesma pretensão, sendo que a mutabilidade do caso julgado neste tipo de providência, que entretanto se formou, só ocorre por “… alteração das circunstâncias inicialmente existentes …” e através de um pedido de alteração da decisão que recusou a providência cautelar (cfr. art. 124.º do CPTA).

Improcede, pois, pelos fundamentos aduzidos o recurso jurisdicional “sub judice”.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela requerente e, com a fundamentação antecedente, manter a rejeição da pretensão cautelar.
Custas nesta instância a cargo da requerente cautelar, aqui recorrente, sendo que na mesma a taxa de justiça, não revelando os autos especial complexidade, se atenderá ao valor resultante da secção B) da tabela I anexa ao Regulamento Custas Processuais (doravante RCP) [cfr. arts. 446.º, 447.º, 447.º-A, 447.º-D, do CPC, 04.º “a contrario”, 06.º, 12.º, n.º 2, 25.º e 26.º todos do referido Regulamento - tendo em consideração a redação decorrente da Lei n.º 7/012 e o disposto no seu art. 08.º quanto às alterações introduzidas ao mesmo RCP -, e 189.º do CPTA].
Valor para efeitos tributários: 30.001,00€ [cfr. art. 12.º, n.º 2 do RCP].
Notifique-se. D.N..
Restituam-se, oportunamente, os suportes informáticos que hajam sido gentilmente disponibilizados.
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA).
Porto, 08 de fevereiro de 2013
Ass.: Carlos Carvalho
Ass.: Ana Paula Portela
Ass.: Maria do Céu Neves