Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00628/12.6BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/02/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE PRETENSÃO CONEXA COM ATOS ADMINISTRATIVOS;
MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL/EXÉRCITO PORTUGUÊS/MILITAR; CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO; JUNTAS MÉDICAS;
PROVA PERICIAL; DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA; AUSÊNCIA DE ERRO GROSSEIRO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:

RELATÓRIO
«AA», com residência no ..., nº 27, ..., ..., ..., instaurou Ação Administrativa Especial de pretensão conexa com atos administrativos, contra o MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, com sede na Av. ..., ... ..., com vista à impugnação da decisão que determinou a cessação do seu contrato de trabalho, com efeitos a 26.12.2012.
Interveniente principal:
Exército Português, melhor identificado nos autos supra referenciados.
Para tanto, alegou em síntese que:
a. Celebrou com o Ministério da Defesa Nacional, em 09.11.2009, um “Contrato para prestação de serviço em regime de contrato”, ao abrigo do qual exerceu funções de socorrista na Escola Prática de Transmissões no Porto;
b. No dia 30.11.2011, foi ordenado que se apresentasse a uma junta médica no Hospital Militar Regional, nº 1, que a declarou incapaz para todo o serviço militar, em virtude de padecer de uma luxação do ombro direito;
c. Em 26.12.2011, o Ministério de Defesa Nacional fez cessar o contrato por caducidade, com fundamento em “falta de aptidão física ou psíquica comprovada por competente junta médica”;
d. No entanto, não padecia de qualquer doença que a impossibilitasse de exercer as suas funções, conforme exames médicos a que se submeteu;
e. A causa invocada para fazer cessar o contrato por caducidade foi falsa e inexistente, sendo que a existir a Entidade Demandada dispunha de outras tarefas ou funções compatíveis com a doença que lhe poderiam ter atribuídas;
f. A declaração de caducidade do contrato de trabalho é nula e ilícito o despedimento.
Peticionou a procedência da ação e em consequência, “ser declarado ilícito o despedimento promovido pelo Réu e em consequência condenado o Réu a reintegrar a A. nas suas funções de socorrista sem prejuízo da sua antiguidade, e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal.”
Regularmente citado, o Ministério da Defesa Nacional apresentou contestação, pugnando pela absolvição da instância por procedência de exceção dilatória de ilegitimidade passiva. (cf. fls. 1 e seguintes da paginação eletrónica)
Em sede de réplica veio a Autora requerer a intervenção principal do Exército Português. (cf. fls. 61 da paginação eletrónica)
Por despacho datado de 15.02.2013, foi admitida a intervenção principal provocada do Exército Português. (cf. fls. 114 da paginação eletrónica)
Citado, o Exército Português apresentou contestação, pugnando pela improcedência da ação. (cf. fls. 185 da paginação eletrónica)
Defendeu-se por exceção, suscitando o erro na forma do processo. No restante, impugnou a versão dos factos e do direito apresentada pela Autora, porquanto que sustenta que esta não dispunha de condições físicas para o serviço militar, o que embora não constitua incapacidade para o trabalho, consubstancia incapacidade para a prestação de serviço militar, situação que foi verificada pela competente junta médica. Tendo a Autora sido avaliada incapaz para o serviço militar, ocorreu a cessação do contrato de trabalho e a transição para a situação de disponibilidade.
A Autora respondeu à matéria de exceção. (cf. fls. 135 da paginação eletrónica)
Por sentença proferida em 23.01.2014, foi julgada verificada a exceção dilatória de erro na forma do processo, e convolados os autos para a forma de Ação Administrativa Especial. (cf. fls. 207 da paginação eletrónica)
Foi proferido Despacho Saneador, que conhecendo da exceção dilatória de ilegitimidade passiva, absolveu da instância o Ministério, assim como fixou o objeto do litígio e os temas da prova. (cf. fls. 282 da paginação eletrónica)
Por decisão proferida pelo TAF de Penafiel foi julgada a acção improcedente e absolvido o Exército Português do pedido.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:

1- Embora a JHI seja um órgão competente para emitir pareceres de apreciação sobre “a aptidão física e psíquica para o exercício das funções militares.”, tal não significa que essa apreciação seja judicialmente insindicável, mormente através de prova pericial. Ora,

2- Do quadro factual, dado por provado nos autos, resulta que:
-Em dezembro de 2011, a A./Recorrente padecia de um quadro patológico compatível com diagnóstico de instabilidade do ombro direito, o qual a impedia temporariamente mas de forma total, de exercer as funções para que foi contratada (Socorrista/Especialidade 19- Saúde), isto de é prestar os cuidados de saúde em caso de acidente ou doença súbita, executando as técnicas e procedimentos relacionados com a avaliação, prestação de assistência e transporte, de vítimas ou doentes, em tempo de paz ou em situação de campanha;
-Em 19.04.2012, a A./Recorrente submeteu-se a ressonância magnética do ombro direito, na clínica Dr. «BB», não se observando no mesmo qualquer instabilidade do ombro direito;
-A inaptidão, terá cessado em 25.10.2012 e atualmente a A./Recorrente não apresenta o quadro patológico de instabilidade do ombro direito.

3- Em suma dos factos provados resulta que a ineptidão da A./Recorrente, decorrente da instabilidade do ombro, foi meramente temporária.

4- Quando na alínea d), do nº 3 do art.º 300º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFA), aprovado pelo Decreto-lei nº 236/99, de 25 de junho, se refere que o vínculo contratual correspondente à prestação de serviço efetivo em RC e RV pode ser rescindido pelo ramo onde o militar preste serviço “ por falta de aptidão física ou psíquica, comprovada por competente junta médica,” alude-se a ineptidões totais e definitivas e não a ineptidões temporárias. Acresce que

5-A sentença recorrida faz ainda um errada interpretação do dever de disponibilidade do militar do exército previsto no artigo 14.º nº 1 (Dever de disponibilidade) do EMFA.

6- O dever de disponibilidade não pressupõe estar o militar a todo tempo e a toda a hora com saúde.

7- As obrigações decorrentes do dever de disponibilidade, previstas no artigo 14.º nº 2 do Regulamento de Disciplina Militar aprovado pela Lei Orgânica n.º 2/2009, tem a ver com atos voluntários que o militar deve adotar ou de que se deve abster enquanto na condição de militar. Não tem a ver com situações completamente alheias à sua vontade como o caso de estar doente.

8- Pelo que, a cessação do contrato com a A./Recorrente está viciada por erro sobre os pressupostos de facto em que se fundamentou.
*
9- Sem prescindir, mesmo que se entenda não ter havido erro sobre os pressupostos de facto, sempre teria ocorrido erro manifesto ou grosseiro na decisão da JHI. Vejamos:

10- O decisão da JHI diz (conclusivamente) que a A./Recorrente apresenta ao exame objetivo e nos exames de imagem (Rx e RM) instabilidade anterior do ombro, com dores com os esforços, acrescentando que a A./Recorrente deve ser considerada inapta para o serviço militar ao abrigo do artigo 100 da TGIFA(Portaria nº 790/99 de 7 de Setembro).

11- Acontece que, compulsado o artigo 100 da Portaria nº 790/99 de 7 de Setembro (correspondente aos Códigos OMS M-20-M21), este refere-se a “Deformidades adquiridas dos membros que causem perturbações que diminuam a capacidade para o serviço”

12- Porém quer a JHI quer a prova pericial identificaram na A./Recorrente uma instabilidade do ombro, não uma deformidade, que obviamente não são a mesma coisa.

13- Ou seja a JHI embora tenha identificado uma instabilidade enquadrou-a na TGIFA (Portaria nº 790/99 de 7 de Setembro como deformidade, situação que se traduz em erro manifesto e grosseiro. Por outro lado

14- A Portaria nº 790/99 de 7 de Setembro (TGIFA) comporta 4 Tabelas designadas pelas letras A, B, C e D, as quais, no anexo A da referida Portaria, surgem em colunas assinaladas com estas letras, sendo que o artigo 100º pode referir-se a qualquer uma das Tabelas assinaladas por aquelas letras.

15- A decisão da JHI não alude a qual das Tabelas (A, 6, C ou D) se reporta a ineptidão da A./Recorrente por aplicação do artigo 100. Apesar disso,

16- A sentença recorrida (fls 19) refere que é aplicável à A./Recorrente o art. 2º, al. b), nº 2) b) da Tabela geral 6 anexa à Portaria

17- Acontece porém que, a tabela Geral 6 da Portaria nº 790/99 de 7 de Setembro (art. 2º al. b) refere-se a causas de ineptidão física e psíquica relativas a admissões. Só que, a A./Recorrente já há muito tinha sido admitida, não se tratava por isso de um caso de admissão no exército.

18- Ou seja a decisão JHI (corroborada pela sentença) aplicou à A/Recorrente uma tabela referente a causas de ineptidão para admissão a serviço do exército quando o que estava em questão era uma eventual causa de ineptidão para a prestação de serviço na efetividade, o que se traduz num erro manifesto e grosseiro. Acresce ainda que,

19- Conforme resulta do Ponto 9 dos factos provados a A. Recorrente em 28.12.2011 passou à reserva de disponibilidade.

20- Nos termos dos nºs 1 e 2 do Artigo 5.º( Reserva de disponibilidade) da Lei do Serviço Militar(Lei n.º 174/99, de 21 de setembro) “A reserva de disponibilidade é constituída pelos cidadãos portugueses que cessaram a prestação de serviço militar até à idade limite dos deveres militares(nº 1) sendo que ”A reserva de disponibilidade destina-se a permitir o aumento dos efectivos das Forças Armadas até aos quantitativos tidos por adequados (nº2)

21- Por seu turno o Artigo 55.º (Condições de passagem à reserva de disponibilidade) alínea c) da mesma Lei refere que ”Transitam para a situação de reserva de disponibilidade, onde se mantêm até atingirem os 35 anos de idade, os cidadãos que sejam abatidos aos Quadros de Pessoal dos ramos das Forças Armadas e mantenham condições para a prestação de serviço efectivo decorrente de convocação ou mobilização.(o sublinhado é nosso)

22- Resulta destas disposições legais que os incapazes para todo o serviço militar não passam à reserva de disponibilidade, obviamente por não manterem condições para prestação de serviço efetivo como refere o artigo 55 da Lei do Serviço Militar em vigor à data dos factos.

23- Assim o Réu, ao considerar por um lado a A./Recorrente totalmente incapaz para a prestação de serviço efetivo e por outro, capaz para a qualquer momento regressar às fileiras como reservista (na disponibilidade) incorreu contradição insanável e logo em erro manifesto e grosseiro.

24- Revogando-se a sentença recorrida e proferindo-se Acórdão que acolha as conclusões precedentes e julgue a acção procedente por provada condenando o Réu nos pedidos.
SE FARÁ
JUSTIÇA
O Réu juntou contra-alegações, concluindo:

1.ª – Conforme resulta da matéria de facto que a douta Sentença recorrida considerou assente, a Recorrente, quando prestava serviço militar em regime de contrato no Exército Português, após ter sido dispensada em diversos períodos da prática de exercício físico, foi consultada no Serviço de Ortopedia do Hospital Militar Principal, onde foi diagnosticada com instabilidade do ombro direito e, tendo sido por esse serviço remetida para avaliação clínico-militar por uma junta hospitalar de inspeção, esta concluiu pela incapacidade da mesma para o serviço militar.

2.ª – Compete à junta médica militar, nos termos da lei, pronunciar-se sobre a falta de aptidão física e a existência de incapacidade física e psíquica dos militares para a prestação de serviço militar, o que constitui matéria de perícia médica, inserida na denominada discricionariedade técnica.

3.ª – Como se concluiu na douta Sentença, não resulta dos autos que a junta hospitalar de inspeção tenha incorrido em erro, muito menos grosseiro, ou numa contradição insanável, verificando-se, pelo contrário, que a conclusão apresentada por esta junta foi reiterada pela perícia elaborada nos presentes autos, que concluiu, que na data da realização da junta hospitalar de inspeção, a Recorrente padecia de instabilidade do ombro direito, o que se traduzia numa situação de inaptidão total.

4.ª - Contrariamente ao que alega a Recorrente, não ficou demonstrado, como também se concluiu na douta Sentença, que a incapacidade de que a mesma padecia fosse temporária, mas antes que a patologia verificada – instabilidade do ombro direito – configurava uma situação de inaptidão temporária total, tendo, aliás, sido expressamente referido pelo perito em sede de esclarecimentos prestados na audiência de julgamento, que, quando da rescisão do contrato, a Recorrente estava incapaz, desconhecendo se, para efeitos do serviço militar, a incapacidade era temporária ou definitiva.

5.ª – Assim, e como foi decidido na Sentença recorrida, a cessação do vínculo contratual da Recorrente, que ocorreu nos termos da alínea d) do n.° 3 do artigo 300.° do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 236/99, de 25 de Junho, então em vigor, ou seja, «por falta de aptidão física ou psíquica, comprovada por competente junta médica, desde que não resulte de acidente em serviço ou doença adquirida por motivo do mesmo», não padeceu de qualquer ilegalidade, mormente de erro sobre os pressupostos de facto, como a Recorrente alegou.

6.ª - Nenhuma razão assiste à Recorrente quando alega que lhe foi aplicada uma tabela referente a causas de ineptidão para admissão ao serviço quando estava em questão uma eventual causa de ineptidão para a prestação de serviço na efectividade, pois, e desde logo, o que verdadeiramente está em causa é a aptidão física para a prestação de serviço militar.

7.ª - Acresce que o n.° 100 das Tabelas Gerais de Inaptidão e de Incapacidade para o Serviço nas Forças Armadas, anexas à Portaria n.° 790/99, de 7 de Setembro, estabelece que constituem ineptidão e incapacidade para o serviço militar as «deformidades adquiridas dos membros, causando perturbações que diminuam a capacidade para o serviço», onde se inclui a diagnosticada instabilidade do ombro, pois as lesões previstas nesse número constituem causa de ineptidão, designadamente para os militares em regime de contrato, como a Recorrente, e também causa de incapacidade para a prestação do serviço por quaisquer militares na efectividade.

8.ª - Pelo que deverão improceder, na sua totalidade, as conclusões da alegação da Recorrente, e, por não ter sido violada qualquer norma jurídica nem merecer qualquer censura a douta Sentença recorrida, deverá a mesma manter-se integralmente.

NESTES TERMOS, e nos demais de Direito aplicáveis que suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta Sentença recorrida,
Por ser a decisão Justa.

A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1. Em 09.11.2009, a Autora celebrou com o Exército Português, um “Contrato para prestação de serviço em regime de contrato”, com o clausulado que se transcreve:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. doc. nº ... junto com a petição inicial – PI)

2. A Autora exercia funções de socorrista, na Escola Prática de Transmissões no Porto, e auferia de remuneração base mensal €731,34. (cf. docs. nºs ... e ... juntos com a petição inicial)

3. Por proposta médica, em 29.09.2011, a Autora foi dispensada da realização de exercícios físicos durante 60 dias. (cf. fls. 7 do processo administrativo apenso – PA)

4. Em 22.11.2011, a Autora foi vista em consulta de ortopedia no Hospital Militar Regional nº 1, no Porto, constando do registo no feito no boletim clínico o seguinte:
“Antecedentes de traumatismo do ombro direito (luxação/subluxação?) há mais de 2 anos, coim redução imediata. Ainda não era militar.
Ao exame objetivo e nos exames de imagem (RX e RM), conclui-se que apresenta instabilidade anterior do ombro, com dores com os esforços.
Pelo exposto, proponho que seja presente à Exma. JHI para que seja considerada inapta para o Serviço Militar ao abrigo do nº 100 da TGII”.
(cf. documento junto ao processo clínico com data de 11.11.2022, “Diário de Doença”)

5. O Diretor Clínico do Serviço de Ortopedia do Hospital Militar Regional nº 1, exarou despacho de concordância com a proposta constante do ponto anterior. (cf. documento junto ao processo clínico com data de 11.11.2022, “Diário de Doença”)

6. Em 30.11.2011, a Autora foi presente a Junta Hospitalar de Inspeção (JHI), no Hospital Militar Regional nº 1, que diagnosticou “instabilidade do ombro direito”, devida a causas “traumáticas”, e exarou o seguinte parecer: “incapaz de todo o serviço militar, apto para o trabalho e para angariar meios de subsistência”. (cf. doc. nº ... junto com a PI; fls. 9 do PA)

7. O parecer da Junta Hospitalar de Inspeção referido no ponto anterior, foi homologado por despacho do Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército, datado de 27.12.2011. (cf. fls. 12 verso do PA)

8. Desde a data da Junta Hospitalar de Inspeção, até à data da homologação do parecer daquela junta, a Autora ficou na situação de licença, nos termos da al. b), do nº 1, do artigo 44º do Regulamento Geral do Serviço nas Unidades do Exército. (cf. fls. 7 do PA)

9. Em 28.12.2011, a Autora passou à situação de reserva de disponibilidade, cessando a prestação de serviço militar. (cf. fls. 7 do PA)

10. Em 06.12.2012, a Comandante da Escola Prática de Transmissões, preencheu a Declaração de Situação de Desemprego da Autora. (cf. fls. 18 do PA)

11. Junto com a declaração referida no ponto anterior, a Comandante da Escola Prática de Transmissões, anexou documento com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. doc. nº ... junto com a PI; fls. 19 do PA)

12. O traumatismo do ombro direito, que originou a instabilidade daquele membro, ocorreu anos antes da Autora ter firmado o contrato constante do ponto 1. supra. (cf. relatório pericial)

13. Em 02.07.2010, a Autora realizou junto do Institutocuf, ressonância magnética com artrografia (arto-RM) do ombro direito, tendo sido elaborado relatório com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. doc. nº ... junto com a PI)

14. Em 19.04.2012, a Autora submeteu-se a ressonância magnética do ombro direito, na clinica Dr. «BB», constando do relatório do exame o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. doc. nº ... junto com a PI)

15. Em dezembro de 2011, a Autora padecia de um quadro patológico compatível com diagnóstico de instabilidade do ombro direito. (cf. relatório pericial e esclarecimento do perito)

16. A patologia referida no ponto anterior, configura uma situação de inaptidão temporária total. (cf. relatório pericial e esclarecimento do perito)

17. A inaptidão a que se refere o ponto anterior, terá cessado em 25.10.2012. (cf. esclarecimentos ao relatório pericial)

18. Atualmente a Autora não apresenta o quadro patológico de instabilidade do ombro direito. (cf. relatório pericial)

19. A instabilidade do membro pode ser despoletada por fadiga. (cf. esclarecimentos do perito)

20. A presente Ação Administrativa Especial deu entrada em juízo neste Tribunal Administrativo em 18.09.2012. (cf. Consulta SITAF).

Em sede de factualidade não provada o Tribunal fez constar:
Não resultam provados quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa, tendo em conta as várias soluções de direito plausíveis.

DE DIREITO
É pelas conclusões do recurso que se delimita o conhecimento do mesmo.
Assim,
Veio a Autora, agora recorrente, interpor recurso da sentença proferida nos autos acima indicados, que julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada, ora recorrida, do pedido.
Esse pedido, nos termos em que foi delimitado na P.I., traduz-se em «ser declarado ilícito o despedimento promovido pelo Réu e em consequência condenado o Réu a reintegrar a A. nas suas funções de socorrista sem prejuízo da sua antiguidade, e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal».
Julgou-se na sentença recorrida «que os elementos presentes nos autos não são suficientes para concluir pelo erro grosseiro da junta hospitalar médica, ao considerar que a Autora estava incapaz para todo e qualquer serviço militar», e, «consequentemente, nos termos al. d), do n.° 3 do art.° 300.° do EMFA, a falta de aptidão física comprovada por junta médica, que não resulte de acidente em serviço ou doença adquirida em virtude do mesmo, determina a rescisão do vinculo contratual, correspondente à prestação de serviço efetivo em regime de contrato, sendo o militar colocado em reserva de disponibilidade», pelo que «a decisão de rescisão do vínculo contratual da Autora não padece de qualquer ilegalidade, mormente de erro sobre os pressupostos de facto, conforme alegado».
Como fundamento do recurso, alega a Recorrente, nas conclusões que formulou, em síntese, que «embora a JHI seja um órgão competente para emitir pareceres de apreciação sobre “a aptidão física e psíquica para o exercício das funções militares”, tal não significa que essa apreciação seja judicialmente insindicável, mormente através de prova pericial». Bem como que «a ineptidão da A./Recorrente, decorrente da instabilidade do ombro, foi meramente temporária», pois, «em 19.04.2012, a A./Recorrente submeteu-se a ressonância magnética do ombro direito, na clínica Dr. «BB», não se observando no mesmo qualquer instabilidade do ombro direito», e «a inaptidão terá cessado em 25.10.2012, e atualmente a A./Recorrente não apresenta o quadro patológico de instabilidade do ombro direito».
Mais alega que, «quer a JHI quer a prova pericial identificaram na A./Recorrente uma instabilidade do ombro, não uma deformidade», e que «a decisão da JHI (corroborada pela sentença) aplicou à A/Recorrente uma tabela referente a causas de ineptidão para admissão a serviço no exército quando o que estava em questão era uma eventual causa de ineptidão para a prestação de serviço na efetividade, o que se traduz num erro manifesto e grosseiro».
Porém, sem razão.
A sentença fez a devida apreciação da prova e correcta interpretação e aplicação do Direito, pelo que não padece de qualquer erro.
Senão, vejamos:
Como resulta do probatório:
«1. Em 09.11.2009, a Autora celebrou com o Exército Português, um “Contrato para prestação de serviço em regime de contrato”.
(...)
3. Por proposta médica, em 29.09.2011, a Autora foi dispensada da realização de exercícios físicos durante 60 dias.
4. Em 22.11.2011, a Autora foi vista em consulta de ortopedia no Hospital Militar Regional n.° 1, no Porto, constando do registo no feito no boletim clínico o seguinte:
“Antecedentes de traumatismo do ombro direito (luxação/subluxação?) há mais de 2 anos, com redução imediata. Ainda não era militar.
Ao exame objetivo e nos exames de imagem (RX e RM), conclui-se que apresenta instabilidade anterior do ombro, com dores com os esforços.
Pelo exposto, proponho que seja presente à Exma. JHI para que seja considerada inapta para o Serviço Militar ao abrigo do n.º 100 da TGII”.
(cf. documento junto ao processo clínico com data de 11.11.2022, “Diário de Doença”)
5. O Diretor Clínico do Serviço de Ortopedia do Hospital Militar Regional n.° 1, exarou despacho de concordância com a proposta constante do ponto anterior.
(cf. documento junto ao processo clínico com data de 11.11.2022, “Diário de Doença”)
6. Em 30.11.2011, a Autora foi presente a Junta Hospitalar de Inspeção (JHI), no Hospital Militar Regional n.° 1, que diagnosticou “instabilidade do ombro direito”, devida a causas “traumáticas”, e exarou o seguinte parecer: “incapaz de todo o serviço militar, apto para o trabalho e para angariar meios de subsistência”. (cf. doc. n° ... junto com a PI; fls. 9 do PA)
(...)
12. O traumatismo do ombro direito, que originou a instabilidade daquele membro, ocorreu anos antes da Autora ter firmado o contrato constante do ponto 1. supra. (cf. relatório pericial)
15. Em dezembro de 2011, a Autora padecia de um quadro patológico compatível com diagnóstico de instabilidade do ombro direito. (cf. relatório pericial e esclarecimento do perito)
16. A patologia referida no ponto anterior, configura uma situação de inaptidão temporária total. (cf. relatório pericial e esclarecimento do perito)
17. A inaptidão a que se refere o ponto anterior, terá cessado em 25.10.2012. (cf. esclarecimentos ao relatório pericial)»
Como resulta da matéria de facto assente, a Recorrente prestou serviço militar em regime de contrato no Exército Português, nos termos do disposto nos artigos 23.° e 33.° da Lei n.° 174/99, de 21 de setembro, que aprovou a Lei do Serviço Militar, e nos artigos 45.° a 50.° do Regulamento da Lei de Serviço Militar, aprovado por Decreto-Lei n.° 289/2000, de 14 de novembro.
A mesma foi considerada incapaz para o serviço militar por uma junta médica militar, à qual foi presente no dia 30 de novembro de 2011, por «instabilidade do ombro direito». A homologação do parecer dessa junta médica determinou a cessação do vínculo contratual da Recorrente, nos termos da alínea d) do n.° 3 do artigo 300° do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 236/99, de 25 de junho, com as alterações (e renumeração) introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 197-A/2003, de 30 de agosto, então em vigor (esse estatuto foi revogado pelo Decreto-Lei n.° 90/2015, de 29 de maio, que aprovou o estatuto actualmente em vigor).
Nos termos da referida alínea d), a cessação do vínculo contratual do militar em regime de contrato ocorre «por falta de aptidão física ou psíquica, comprovada por competente junta médica, desde que não resulte de acidente em serviço ou doença adquirida por motivo do mesmo.»
Decorre também da matéria de facto assente que, após a Recorrente ter sido observada no Serviço de Ortopedia do Hospital Militar Principal, na qual foi diagnosticada com instabilidade do ombro direito e de, em momento anterior, ter sido dispensada da prática de exercício físico, foi remetida para avaliação numa junta hospitalar de inspeção, que concluiu pela inaptidão da mesma para o serviço militar.
Alega a Recorrente que os pareceres das juntas médicas não são judicialmente insindicáveis, mormente através de prova pericial.
E tem razão. Mas não se entende essa alegação, pois na sentença recorrida nunca foi considerado que o parecer da junta médica à qual a Recorrente foi presente não podia ser sindicada judicialmente. E tanto assim é que foi ordenada no processo a realização da prova pericial que a Recorrente requereu e, na fixação da matéria de facto, a mesma sentença socorreu-se, entre outros elementos probatórios, das conclusões do relatório pericial e das declarações prestadas pelo senhor Perito na Audiência de Julgamento.
O que na sentença se considerou, e bem, foi que «a questão de saber se a doença/condição física de que a Autora padecia condiciona a prestação do serviço militar constitui matéria de perícia médica, inserida no âmbito da designada “discricionariedade técnica”, essencialmente médica, salvo ocorrência de erro manifesto ou grosseiro».
E esse entendimento encontra-se inteiramente escorado na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores. Como foi decidido no Acórdão de 06/10/2011 do Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.° 0502/11, «(...) o estabelecimento do nexo de causalidade entre a lesão e o serviço militar não decorre de regras essencialmente “jurídicas”, mas sim de regras da ciência médica obviamente acolhidas pelo Direito, inseridas no campo da chamada discricionariedade técnica, insindicável pelos Tribunais fora de casos extremos de erro grosseiro ou insanável contradição entre os peritos que pudesse legitimar o Tribunal a assumir a função de “peritus peritorum (...)». (No mesmo sentido, vide, entre outros, os Acórdãos, também do STA, de 30/01/83 in BMJ n.° 323, pág. 262; de 16/01/86, Proc. 20919; de 29/09/88, Proc. 22497; de 07/05/98, Proc. 42076).
E o erro grosseiro ou manifesto «é um erro crasso, palmar, ostensivo, que terá necessariamente de reflectir um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta», como se definiu no Acórdão de 11/05/2005, também do STA, no processo n.° 0330/05.
Assim, como a nossa jurisprudência tem recorrentemente afirmado, os casos denominados de discricionariedade técnica apenas são susceptíveis de controlo jurisdicional em caso de erro palmar, ostensivo ou manifesto de apreciação, entendido como um erro grosseiro ou flagrante que tenha sido cometido na apreciação dos factos que originaram a decisão, revelador de um grave desajustamento desta à situação concreta (cfr. o referido Acórdão do STA de 11/5/2005) e para o que não basta a simples circunstância de existir um relatório médico que afirme diferentemente ou um outro perito médico ter procedido a uma avaliação diferente (cfr. o Acórdão do STA de 7/10/97, no proc. n.° 040019).
Na verdade, as patologias são todas diferentes e são as Juntas Médicas que têm o know how e a diferenciação para aplicarem as várias soluções a submeter ao direito aplicável.
Ademais, as deliberações das comissões são actos médicos, produzidos ao abrigo da discricionariedade técnica, e são relativamente insindicáveis pelo tribunal, que só pode controlar os aspectos externos e formais do acto sob pena de violar as competências próprias dos médicos e assim, o princípio da separação de poderes. Na verdade, o tribunal só pode sindicar um vício de procedimento, por exemplo a falta de algum requisito formal, como um erro na comunicação ou na informação ao beneficiário, a falta ou deficiente fundamentação, ou a existência de erro grosseiro.
A tecnicidade e especialização dos conhecimentos aplicados conduz a que a fiscalização jurisdicional sobre o conteúdo das soluções se restrinja a casos - limite, a situações excepcionais em que se torna patente, mesmo a um leigo, o carácter grosseiramente erróneo dos resultados que a Administração afirma estarem fundados em regras técnicas. Só nestes casos extremos, de erros e desacertos manifestos, critérios ou juízos ostensivamente inconsistentes ou arbitrários, é que o Tribunal se imiscuirá no exercício da discricionariedade técnica da Administração.

Em suma, os pareceres elaborados pelas Comissões Médicas são insindicáveis, situando-se no domínio da “discricionariedade técnica”, não podendo o tribunal substituir-se aos peritos médicos, a não ser que se verifique um erro grosseiro ou manifesto. Além disso, como se refere no Acórdão do STA de 07/03/2002, proc. nº 048335, “os pareceres médicos constituem juízos periciais complexos, expressos em linguagem ultrasintética, precisa e de carácter técnico (...) sendo adequada a fundamentação que para eles remeta, mesmo que o concreto destinatário do acto os não entenda, mas desde que as respectivas conclusões possam ser conferidas por especialistas na matéria”.
Ora, no caso dos autos, os peritos médicos intervenientes no procedimento administrativo, que integraram a junta médica militar, concluíram unanimemente que a Recorrente padecia de incapacidade para o serviço militar, à luz do disposto na tabela de incapacidades aplicável para esse efeito.
E, como ponderado na sentença, «conforme ficou demonstrado nestes autos, a junta médica efetuada não incorreu em qualquer erro manifesto ou grosseiro na análise que fez à patologia da Autora».
E continuou: «Os exames que a Autora juntou aos autos com a petição inicial efetuados em 02.07.2010, ou seja, cerca de um ano antes da junta médica em causa nos autos e em 19.04.2012, isto é, já após a cessação do vínculo contratual, não permitem concluir que a junta hospitalar de inspeção incorreu em erro grosseiro. Com efeito, tratam-se de meios complementares de diagnóstico, realizados em contexto desconhecido. Acresce que, a “instabilidade” do ombro, conforme referido pelo perito médico em esclarecimentos prestados nestes autos, é uma questão clínica que remete para uma sensação de insegurança, não se reconduzindo o diagnóstico a um único exame médico, relevando sobretudo considerar os sintomas descritos pelo paciente.»
E, mais adiante: «Deste modo, não resulta dos autos, que a junta hospitalar de inspeção tenha incorrido em erro grosseiro ou numa contradição insanável. Pelo contrário, a conclusão apresentada por esta junta foi reiterada pela perícia elaborada nos presentes autos, que concluiu, que na data da realização da junta hospitalar de inspeção, a Autora padecia de instabilidade do ombro direito, o que se traduzia numa situação de inaptidão total.»
Na verdade, como resulta da prova gravada, tendo sido questionado o senhor Perito na Audiência Final sobre se considerava que a junta médica lavrou em erro no diagnóstico da doença da Recorrente, o mesmo afirmou expressamente que não. E o mesmo afirmou, ainda, que, na data em que a Recorrente foi presente à junta médica padeceria efectivamente da lesão que então lhe foi diagnosticada.
Ora, essa lesão constitui, como já se viu, incapacidade para o serviço militar, sendo irrelevante, para esse efeito, que, posteriormente, pudesse ter melhorado. Pelo que nenhuma razão assiste à Recorrente quando alega que «a ineptidão, decorrente da instabilidade do ombro, foi meramente temporária», pois, «em 19.04.2012, a A./Recorrente submeteu-se a ressonância magnética do ombro direito, na clínica Dr. «BB», não se observando no mesmo qualquer instabilidade do ombro direito», e «a inaptidão terá cessado em 25.10.2012, e atualmente a A./Recorrente não apresenta o quadro patológico de instabilidade do ombro direito».
Importa enfatizar que a situação relevante para efeitos da definição da sua situação clínico-militar era a que se verificava quando foi avaliada pela junta médica, sendo irrelevante, para esse efeito, a recuperação que possa ter tido posteriormente. A prestação de serviço militar, pela sua natureza e exigência, implica uma aptidão física específica, que também justifica a existência de uma tabela de inaptidões e incapacidades específica, muito mais exigente do que a aptidão física que é exigida a um trabalhador não militar vinculado por um contrato de trabalho. Por isso, a capacidade e aptidão física de um militar é apreciada regularmente por inspecções médicas e, sempre que existam dúvidas, por uma junta médica.
Como, a este propósito, bem se considerou na sentença, a análise da incapacidade verificada para o serviço militar «situa-se no campo já mencionado, da discricionariedade técnica, mais concretamente, da avaliação médica efetuada por aquela junta, num contexto de serviço militar, que exige uma aptidão física distinta, de outro contexto laboral, o que desde logo se verifica por ser critério de condição de acesso ao serviço militar».
Ademais, como está documentado nos autos, a Recorrente tinha antecedentes de traumatismo no ombro direito, havia mais de dois anos, quando ainda não era militar. Assim consta no Boletim Clínico do Serviço de Ortopedia do Hospital Militar Regional n.º 1, onde foi observada antes de ter sido proposta à junta médica. Aliás, já anteriormente, tinha sido assistida nesse serviço em 26 de maio de 2010, por instabilidade no ombro direito.
E também nas conclusões preliminares do Relatório Pericial consta que «a examinanda referiu antecedentes de “traumatismo do ombro direito” (...)». E, no mesmo Relatório Pericial, concluiu-se que, «de acordo com os elementos clínicos documentais presentes a examinanda em dezembro de 2011 padecia de quadro patológico compatível com o diagnóstico de Instabilidade do Ombro Direito».
Mais refere a sentença: «Já no que concerne ao relatório pericial, devidamente completado por esclarecimentos escritos e também esclarecimentos prestados na audiência de julgamento, foi essencial para a prova dos factos constantes dos pontos 12, 15, 16, 17 e 18 da matéria de facto assente. Releva destacar, que nos esclarecimentos prestados em sede de audiência final, o perito explicou que o quadro de instabilidade do ombro, cria uma sensação de insegurança.
Sendo que a instabilidade é essencialmente uma questão clínica. Mais referiu que estes quadros patológicos podem-se perpetuar por meses ou anos e deixarem de existir repentinamente. Mencionou desconhecer o que despoletou no ano de 2011/2012 o quadro de instabilidade da Autora mas poderia ter ocorrido devido a esforço contínuo e prolongado (fadiga). Sublinhou que o diagnóstico feito pela junta hospitalar de inspeção está correto, faltando determinar se a incapacidade para o serviço militar é temporária ou permanente.
O relatório pericial não mereceu quaisquer dúvidas, tendo contribuído para a convicção do julgador quanto à matéria de facto assente, com especial menção para os esclarecimentos prestados em sede de audiência de julgamento, que permitiram melhor compreender a patologia em causa nos autos.»
Por último, nenhuma razão assiste à Recorrente quando alega que lhe foi aplicada uma tabela referente a causas de ineptidão para admissão a serviço no Exército quando o que estava em questão era uma eventual causa de ineptidão para a prestação de serviço na efectividade. Além de não se tratar de realidades distintas, pois o que verdadeiramente sempre está em causa é a aptidão física para a prestação de serviço militar, verifica-se que o n.° 100 das Tabelas Gerais de Inaptidão e de Incapacidade para o Serviço nas Forças Armadas, anexas à Portaria n.° 790/99, de 7 de setembro, estabelece que constituem ineptidão e incapacidade para o serviço militar as «deformidades adquiridas dos membros, causando perturbações que diminuam a capacidade para o serviço».
Como se vê nessas tabelas, as lesões previstas nesse número constituem causa de ineptidão, designadamente para os militares em regime de contrato, como era o caso da Recorrente, e também causa de incapacidade para a prestação do serviço por quaisquer militares na efectividade. E, segundo consta na nota explicativa dos símbolos utilizados nas tabelas, a lesão ali prevista é geradora de «incapacidade dependente do grau de lesão e do critério da junta, podendo ser interpretado, no seu sentido mais lato, como incapacidade total».
Em suma,
Como se concluiu na sentença, «da factualidade apurada nos autos resulta que, à data em que a Autora foi avaliada pela junta hospitalar de inspeção padecia efetivamente de um quadro de instabilidade do ombro direito, instabilidade essa, que em momento anterior justificou que aquela fosse dispensada da atividade física, levada a acabo no contexto do exercício das suas funções». E essa falta de aptidão física para o serviço militar foi atestada por uma junta hospitalar de inspeção, à qual compete, nos termos da lei, pronunciar-se sobre se essa falta de aptidão física condiciona a prestação do serviço militar, o que constitui matéria de perícia médica, inserida na denominada discricionariedade técnica, não tendo resultado da prova produzida a existência de erro, muito menos grosseiro, na deliberação da junta médica militar.
E o que dizer da passagem da Autora à reserva de disponibilidade?
Apenas que está impedida de invocar tal matéria em sede de recurso, já que não foi alegada na p.i. nem enfrentada no aresto proferido.
Como é jurisprudência uniforme, os recursos, nos termos do artigo 627º do CPC (ex vi artº 140º/3 do CPTA), são meios de impugnações judiciais e não meios de julgamento de questões novas. Ou seja, é função do recurso no nosso sistema jurídico, a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Como decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2009, proferido no âmbito do processo nº 09P0308:
“I-É regra geral do regime dos recursos que estes não podem ter como objecto a decisão de questões novas, que não tenham sido especificamente tratadas na decisão de que se recorre, mas apenas a reapreciação, em outro grau, de questões decididas pela instância inferior. A reapreciação constitui um julgamento parcelar sobre a validade dos fundamentos da decisão recorrida, como remédio contra erros de julgamento, e não um julgamento sobre matéria nova que não tenha sido objecto da decisão de que se recorre.
II-O objecto e o conteúdo material da decisão recorrida constituem, por isso, o círculo que define também, como limite maior, o objecto de recurso e, consequentemente, os limites e o âmbito da intervenção e do julgamento (os poderes de cognição) do tribunal de recurso.
III-No recurso não podem, pois, ser suscitadas questões novas que não tenham sido submetidas e constituído objecto específico da decisão do tribunal a quo; pela mesma razão, também o tribunal ad quem não pode assumir competência para se pronunciar ex novo sobre matéria que não tenha sido objecto da decisão recorrida.”
Dito de outro modo, os recursos são instrumentais ao reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não servem para proferir decisões sobre matéria nova, isto é, que não tenha sido submetida à apreciação do tribunal de que se recorre.
Os recursos jurisdicionais visam a reapreciação de decisões de tribunais de grau hierárquico inferior, tendo em vista a sua alteração ou anulação por erro de facto ou de direito das mesmas, não sendo admissível no recurso o conhecimento de questões que não foram colocadas nem apreciadas na decisão recorrida e que não são de conhecimento oficioso - Acórdão do STA, de 26/09/2012, proc. 0708/12.
Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado - Acórdão do STA, de 13/11/2013, proc. 01460/13.
Em sede de recurso jurisdicional não pode ser conhecida questão nova, que o recorrente não tenha oportunamente alegado nos seus articulados, designadamente a invocação de um novo vício do ato impugnado, por essa matéria integrar matéria extemporaneamente invocada sobre a qual a sentença impugnada não se pronunciou, nem podia pronunciar-se - Acórdão do TCA Sul, proc.° 5786/09, de 3 de fevereiro.
O objectivo do recurso jurisdicional é a modificação da decisão impugnada, pelo que, não tendo esta conhecido de determinada questão por não ter sido oportunamente suscitada, não pode a Recorrente vir agora invocá-la perante o tribunal ad quem, porque o objecto do recurso são, repete-se, os vícios da decisão recorrida.
Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Notifique e DN.

Porto, 02/02/2024

Fernanda Brandão
Rogério Martins
Isabel Jovita