Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00456/20.5BEPRT-S1
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/20/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:RECURSOS DE CONTRAORDENAÇÃO;
APENSAÇÃO DE PROCESSOS;
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO

«AA», devidamente identificada nos autos, vem recorrer do Despacho proferido no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 24.05.2023, que pelo qual foi indeferida a apensação aos autos principais do processo que corre termos naquele Tribunal sob o nº 244/22.4BEPRT.

1.2. A Recorrente findou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto do despacho que indeferiu o pedido de apensação a estes autos do Proc. 244/22.4BEPRT, por se afigurar manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência e ainda por condicionar a decisão final a proferir, sob pena de se consumar uma situação de facto lesiva e que o recurso da sentença poderia nunca ser suficiente para reparar, de acordo com o Acórdão do STA de 06.20.2019, Proc. 26/18.8BEPRT-S1, acórdão esse aliás invocado pelo Mº juiz a quo para proceder à apensação de todos os outros processos.
2. Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 25.º do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente por força do art. 41º nº 1 do RGCO e art. 3º, alínea b) do RGIT, é indubitável que existe neste caso uma conexão subjetiva suficiente para se proceder à apensação dos referidos processos.
3. Por outro lado, também existe uma conexão objetiva, já que o Proc. 244/22.4BEPRT, apesar de ter dado entrada em tribunal em 2022, se refere à coima por falta de apresentação da declaração de IRS do ano 2018 que resulta dos mesmos factos que deram origem às coimas por falta de apresentação das declarações de IVA no mesmo ano de 2018 e seguintes, isto é, a liquidação oficiosa de IRS levada a cabo pela AT em 2017 e o seu consequente enquadramento oficioso no regime de contabilidade organizada em 2018, que a Recorrente desconhecia.
4. Pelo que, jamais a Recorrente poderia ter cumprido as obrigações correspondentes a tal enquadramento que desconhecia, designadamente a declaração anual contabilística e fiscal referente ao ano de 2018 e as declarações periódicas de IVA do ano de 2018 e seguintes.
5. Portanto, estamos perante vários processos de contraordenação, com o mesmo infrator, referente a fatos ocorridos no mesmo ano e decorrentes da mesma situação, não existindo mais nenhum processo da mesma natureza contra a aqui Recorrente, conforme decorre de informação da própria AT.
6. Pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião, se afigura que a apensação requerida não vem retardar a realização da justiça nem a pretensão punitiva do Estado, antes representa uma verdadeira economia processual, já que os processos de impugnação se encontram todos na mesma fase, a de prolação da decisão, e abarcam o conhecimento dos mesmos fatos concretos.
7. “Nesta medida, incumbe ao juiz a quem compete o julgamento das impugnações das decisões administrativas, apreciar da aplicabilidade do disposto naquele artigo 25º do CPP, configurando-se, assim, o reconhecimento da conexão de processos e a determinação da apensação dos mesmos como um dever e não como uma faculdade que é concedida ao juiz, tudo em vista da melhor realização da justiça e da economia de meios.» (cfr. Acórdão do STA de 17.06.2015, Proc. 137/15).
8. Pelo que, nos termos da jurisprudência unanime do STA, impunha-se ao Mmº Juiz analisar e decidir o aludido pedido de apensação, pedido que, como tem sido frisado pela jurisprudência do STA, pode e deve ser acolhido caso se mostrem verificados os respetivos pressupostos legais, e que pode e deve ser ordenada (até oficiosamente) no despacho liminar, em qualquer momento antes de ser designada data para julgamento, ou antes da prolação do despacho a que se refere o artigo 64º do RGCO – cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 17/06/2015, no proc. nº 0137/15, de 28/10/2015, no proc. nº 069/15, de 15/11/2017 no proc. nº 01026/17, e de 20/03/2019, no proc. nº 01895/17 (cfr. Acórdão do STA de 29 de Maio de 2019, Proc. 01826/17.1BEBRG 0140/18).
9. Pelo que, face à jurisprudência unanime do STA, deve ser revogado o despacho de indeferimento da apensação por violação dos artigos 25º, 29º nº 2 e 30º do CPP, aqui aplicável subsidiariamente por força do disposto nos artigos 41º nº 1 do RGCO e artigo 3º , alínea b) do RGIT e proferido outro que defira a mesma por se tratar de factualidade referente ao mesmo ano de 2019, nos dois processos, conforme foi reconhecido pelo próprio Mº juiz a quo, e ainda por não se verificar qualquer risco para a realização da justiça, antes representar uma verdadeira economia processual e uniformidade de julgados, com ganhos de eficiência formais e substanciais, atenta a instrução, a discussão e o julgamento conjunto da legalidade dessas duas decisões.

TERMOS EM QUE deve ser julgado procedente por provado o presente recurso, com a consequente revogação do despacho recorrido e a sua substituição por decisão que admita a apensação requerida, fazendo-se assim, inteira e sã
JUSTIÇA.».

1.3. A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

1.4. O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1º O presente recurso judicial foi apresentado na sequência da decisão de não apensação do processo 244/22.4BEPRT, a correr termos neste TAF, contra a mesma arguida, ora recorrente.
2º O juiz que tenha a seu cargo um dos processos de recurso judicial de contra-ordenação relativamente ao qual estejam verificados os pressupostos da conexão com outros processos, pode e deve definir qual deles deve prosseguir como processo conjunto e tomar as providências necessárias para a apensação, cfr. arts. 28º e 29º do CPP, aplicável subsidiariamente nos termos referidos.
3º Na esteira dos princípios da legalidade, da justiça e da proporcionalidade, de modo a que se atinja, em última ratio, uma decisão equilibrada e justa do ponto de vista material, é sabido que a apensação dos processos tributários devem seguir uma lógica economicista, isto é, devem ser apenas praticados os atos estritamente necessários para o bom andamento dos processos, devendo, por isso, reunir-se num único todos os processos em que seja previsível que sejam praticados no mesmo espaço temporal os mesmos actos processuais relativamente ao mesmo sujeito, e por outro, seguindo uma lógica de eficácia do julgamento. (cfr. Acórdão do STA de 27.02.2019, Processo nº 0252/18.0 BEPNF in www.dgsi.pt.).
4º Na fase judicial (que se inicia com o recurso da decisão de aplicação de coima – artigo 80.º do RGIT), o Tribunal deve ordenar a apensação dos processos de contraordenação, verificados os pressupostos da competência por conexão, como se afigura ser o caso.
5º Ora, estando pendente neste Tribunal, relativamente à mesma arguida e na mesma fase, o supra citado recurso de contraordenação (244/22.4BEPRT), e, sendo o recurso judicial de contraordenação um misto de recurso e de julgamento de facto em primeira instância impõe-se ordenar apensação (artigos 25º, 28º, alínea c) e 29º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal, aplicáveis subsidiariamente, por remissão sucessiva do art.º 3º alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias e do art.º 41º n.º 1 do Regime Geral das Contra Ordenações).
6º A apensação destes recursos de contraordenação impõe-se pela aplicação da regra da economia e da boa gestão processual prevista no art.º 130 do CPC, aplicável subsidiariamente ao CPP por força do seu art.º 4º e ao RGCO e ao RGIT, de modo a impedir que se pratiquem repetidos actos de prolação de sentenças e notificações absolutamente iguais, para os mesmos intervenientes, com evidentes prejuízos para uma boa e célere administração da justiça, para além, dos inerente e consequentes prejuízos orçamentais e financeiros que daí resultam.
7º Por conseguinte, entendemos que o processo 244/22.4BEPRT deve ser apensado aos presentes autos, porquanto o sujeito e o pedido é o mesmo, tendo a sua origem na mesma factualidade de 2019, sob pena de contradição de julgados.
8º Face ao circunstancialismo fático alegado e, concretamente o disposto no artigo 25.º do CPP, aplicável por força das normas do artigo 3.º al. b) do RGIT e artigo 32.º do RGCO, mostra-se eficaz apensar o processo em que tal conexão se verifica.
Neste sentido tem-se pronunciado o Supremo Tribunal Administrativo de modo uniforme, indicando-se a título meramente indicativo os Acórdãos de 04.03.2015, Proc. N.º 1396/14 e de 08.04.2015, Proc. N.º 07515, in http://www.dgsi.pt e de 06.02.2019, proferido no processo 026.18.8BEPRT

Nestes termos, deverá ser julgado o recurso procedente, revogando-se o despacho recorrido, para que seja substituído por outro que decida que é este o processo para julgamento conjunto da arguida pelas impugnações das coimas aplicadas, ordenando-se a respectiva apensação, e assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.».

1.5. Subidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, o DMMP junto daquele Tribunal emitiu parecer considerando, em suma, o seguinte:
«(…)
Quanto ao objecto do recurso, é entendimento reiterado e pacífico do Supremo Tribunal Administrativo, o seguinte:
“II - Ao contrário do sustentado pela decisão recorrida, o pedido de apensação de processos pode e deve ser acolhido pelo tribunal, verificados os respectivos pressupostos legais, devendo a apensação ser ordenada, mesmo oficiosamente, no despacho liminar ou em qualquer momento antes de ser designada data para julgamento ou antes da prolação do despacho a que se refere o artigo 64.º do RGCO”, Ac. do STA de 28/4/2021, proc. nº 0443/19.
Os pressupostos legais que determinam a conexão de processos encontram-se estatuídos nos arts. 24º e 25º do CPP, por remissão do art. 41º, nº 1, do RGCO ex vi al. b), do art. 3º, do RGIT.
Preenchidos os pressupostos da conexão, é organizado um só processo e se tiverem sido instaurados processos distintos procede-se à respectiva apensação (art. 29º, do CPP).
O único limite à conexão de processos é aquele que se encontra referido no art. 26º, do CPP.
Se bem vislumbramos a questão e sem quebra do muito devido respeito por posição contrária, afigura-se-nos que o disposto no art. 30º, do CPP, invocado como fundamento do despacho recorrido, não impede a apensação de processos.
O art. 30º do CPP regula a matéria atinente à separação de processos.
Só será possível a separação de processos quando os mesmos estejam apensados entre si.
Do despacho recorrido resulta que o processo cuja apensação foi requerida encontra-se pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Ambos os processos encontram-se pendentes no mesmo Tribunal e na mesma fase processual.
Assim, impõe-se a requerida apensação de processos.
3.Conclusão: Nestes termos, emite-se parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.».
1.6. O Supremo Tribunal Administrativo julgou-se hierarquicamente incompetente para apreciar o presente recurso e competente para esse efeito este TCAN.
1.7. O DMMP junto deste Tribunal teve vista dos autos e emitiu parecer louvando-se no Parecer do DMMP junto do STA.
*
Dispensados os vistos legais, obtida a concordância dos Exmºs. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Nos termos do artigo 75º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, aplicável por força do artigo 3º, alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72º-A do mesmo diploma.
Não obstante, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal (CPP), ex vi artigo 74º, nº 4 do RGCO), excepto quanto a questões de conhecimento oficioso.
Assim, cumpre apreciar se o Despacho recorrido enferma de erro de julgamento de direito ao indeferir a requerida apensação a estes autos do processo nº 244/22.4BEPRT.


3. FUNDAMENTAÇÃO
No Despacho recorrido não foi autonomizada qualquer factualidade e, por entendermos que aqui tal também não é necessário, passamos a transcrever a decisão sob escrutínio:
«A Recorrente requereu a apensação aos presentes autos do processo que corre termos sob o nº 244/22.4BEPRT, no qual está em causa a falta de apresentação da declaração anual de informação contabilística e fiscal, ilícito previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 113º CIRS, 29º, nº 1, alíneas d), e) e f) do CIVA e 52º do CIS, 116º, nº 1, e 24º, nº 2, do RGIT, perpetrado em Julho de 2019.
Nos presentes autos, instaurados por ilícitos similares, ao Processo nº 456/20.5BEPRT foram apensados os Processos nº 1613/20.0BEPRT, nº 1614/20.8 BEPRT, nº 1615/20.6 BEPRT, nº 1616/20.4BEPRT, nº 1617/20.2 BEPRT, nº 1618/20.0BEPRT, nº 1626/20.1BEPRT, nº 1650/20.4 BEPRT e nº 1651/20.2BEPRT, por factualidade referente ao ano de 2019.
Estabelece o artigo 30º do Código de Processo Penal, aqui aplicável subsidiariamente por força do disposto nos artigos 41º, nº 1, do RGCO, e artigo 3º, alínea b), do RGIT, que a conexão dos processos não deve operar caso a mesma represente um risco para a realização da justiça em tempo útil e para a pretensão punitiva do Estado, retardando a decisão final com sucessivas apensações, o que conduz à acrescida dificuldade na tramitação processual dos autos.
Assim, materializando-se a requerida apensação de um processo que deu entrada em tribunal em 2022 a um processo de 2020, aumentar-se-á aquele risco, que se entende dever ser prevenido.
Consequentemente, indefere-se a requerida apensação.».
Ora, como o Ministério Público, em todas as instâncias, defendeu, assiste razão à Recorrente porquanto constitui jurisprudência uniforme e constante do STA que o pedido de apensação de processos – seja requerido pela parte, seja requerido ou promovido pelo Ministério Público – pode e deve ser acolhido pelo Tribunal, se verificar que os pressupostos para o efeito estão verificados. E que, mesmo na ausência desse pedido, desde que verificados os exigíveis pressupostos, cumpre ao tribunal, oficiosamente, determinar essa apensação, no despacho liminar ou em qualquer momento antes de ser designada data para julgamento ou antes da prolação do despacho a que se refere o artigo 64º do RGCO.
A apensação depende da verificação de qualquer das situações de que depende a competência por conexão.
Dispõe o artigo 24º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Casos de conexão”, que:
«1 - Há conexão de processos quando:
a) O mesmo agente tiver cometido vários crimes através da mesma acção ou omissão;
b) O mesmo agente tiver cometido vários crimes, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros;
c) O mesmo crime tiver sido cometido por vários agentes em comparticipação;
d) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes em comparticipação, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros; ou
e) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes reciprocamente na mesma ocasião ou lugar.
2 - A conexão só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento.»

Por sua vez, dispõe o artigo 25º do mesmo CPP, sob a epígrafe “Conexão de processos da competência de tribunais com sede na mesma comarca”, que, para além dos casos previstos no artigo anterior, há ainda conexão de processos quando o mesmo agente tiver cometido vários crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca, nos termos dos artigos 19º e seguintes.

Releva, ainda, o artigo 29º do mesmo código que, sob a epígrafe “Unidade e apensação dos processos”, estatui que:
«1 - Para todos os crimes determinantes de uma conexão, nos termos das disposições anteriores, organiza-se um só processo.
2 - Se tiverem já sido instaurados processos distintos, logo que a conexão for reconhecida procede-se à apensação de todos àquele que respeitar ao crime determinante da competência por conexão.».

A competência por conexão encontra a sua razão justificativa, “…antes de tudo, (na) economia processual. Mas não só, pois a ela acrescem - quando não mesmo se sobrepõem - razões de boa administração da justiça penal (juntando processos conexos será provavelmente mais esgotante a produção probatória e respectiva cognição) e mesmo de prestígio das decisões judiciais (pois desaparecerá o perigo de uma pluralidade de decisões sobre infracções conexas se contradizerem materialmente).”, cfr. Jorge Figueiredo Dias, Direito processual Penal, primeiro volume, pág. 347.
Também, no mesmo sentido, esclarece Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, págs. 193 e 194 que: “O princípio geral de que parte o CPP é o de que a cada crime corresponde um processo para o qual é competente o tribunal definido em função das regras da competência material, funcional e territorial.
A lei admite, porém, que a regra básica de que a cada crime corresponde um processo seja alterada, organizando-se um só processo para uma pluralidade de crimes, desde que entre eles exista uma ligação que torne conveniente para a melhor realização da justiça que todos sejam apreciados conjuntamente. A esta ligação entre os crimes, que determina excepções à regra de que a cada crime corresponde um processo e às regras de competência material, funcional e territorial, definidas em função de um só crime, chama a lei conexão e consequentemente a denominada competência por conexão (epígrafe da secção III, cap. II, livro I) representa um desvio às regras normais da competência em razão da organização de um único processo para uma pluralidade de crimes ou da apensação de vários processos que hão-de ser apreciados e decididos conjuntamente.
A conexão de processos é determinada por conveniência da Justiça. Ou porque há entre os crimes uma tal ligação que se presume que o esclarecimento de todos será mais fácil ou mais completo quando processados juntamente, evitando-se possíveis contradições de julgados e realizando-se consequentemente melhor justiça ou porque o mesmo agente responde por vários crimes e é conveniente julgá-los a todos no mesmo processo até para mais fácil e melhor aplicação da punição do concurso de crimes (art. 77.º do CP)”.
No mesmo sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, entre outros, no acórdão nº 21/2012, datado de 12/01/2012: “A regra geral é a de que a cada crime corresponde um processo, para o qual é competente determinado tribunal, em resultado da aplicação das regras de competência material, funcional e territorial. Contudo, tendo em vista objetivos de harmonia, unidade e coerência de processamento, celeridade e economia processual, bem como para prevenir a contradição de julgados, em certas situações previstas nos artigos 24.º e 25.º do Código de Processo Penal, a lei admite alterações a esta regra, permitindo a organização de um único processo para uma pluralidade de crimes, exigindo-se, no entanto, que entre eles exista uma ligação (conexão) que torne conveniente para a melhor realização da justiça que todos sejam apreciados conjuntamente”.
Portanto, concluímos como o STA, no seu acórdão de 04.03.2015, proferido no processo nº 01396/14, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/126e971243d3c65280257e04003b5dcf?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 e que aqui vimos acompanhando, que a competência por conexão tem a sua razão de ser, essencialmente, na melhor realização da justiça, na conveniência da justiça e na economia processual.

No caso concreto, afigura-se-nos que decorre do próprio despacho recorrido que se verifica a conexão subjetiva acolhida pelo disposto no artigo 25º, por haver a identidade do infrator, que é o mesmo, e se encontra sujeito a ser julgado uma pluralidade de vezes por várias infrações, cujo conhecimento é da competência de tribunais com sede na mesma comarca.
E esta conexão pode e deve operar nas diversas fases procedimentais e processuais tendentes à apreciação e punição (ou absolvição) da infração cometida pelo mesmo infrator. Seja na fase administrativa, o que incumbe ao órgão da administração determinar, seja na fase judicial, o que incumbe ao juiz competente, o que, desde logo, é imposto pelo disposto no nº 2 do artigo 24º, pois a conexão só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento.
Portanto, encontrando-se o juiz, a quem compete o julgamento da impugnação da decisão administrativa que aplicou a sanção, perante uma multiplicidade de processos, em que o infrator é o mesmo, que lhe foram distribuídos a si, ou aos outros juízes do mesmo Tribunal, deve averiguar da possibilidade de ordenar a apensação de todos os processos àquele que for o determinante da competência por conexão, de modo a que realize um só julgamento.
Nesta medida, incumbe ao juiz a quem compete o julgamento das impugnações das decisões administrativas, apreciar da aplicabilidade do disposto naquele artigo 25º do CPP, configurando-se, assim, o reconhecimento da conexão de processos e a determinação da apensação dos mesmos como um dever e não como uma faculdade que é concedida ao juiz, tudo em vista da melhor realização da justiça e da economia de meios.
Acresce que o óbice apontado pelo Tribunal a quo à conexão dos processos e consequente apensação - «risco para a realização da justiça em tempo útil e para a pretensão punitiva do Estado, retardando a decisão final com sucessivas apensações, o que conduz à acrescida dificuldade na tramitação processual dos autos» - não está suficientemente demonstrado, desde logo porque, embora autuado dois anos após os autos principais, estes ainda não tiveram decisão final, nem há informação de que, nestes, já tenha ocorrido a audiência de julgamento.
Em suma, verificando-se uma conexão entre os processos em causa e não sendo de acolher qualquer impedimento à organização de um único processo para conhecer de todas as infrações imputadas à Recorrente, há que revogar o despacho recorrido, ordenando-se a apensação requerida.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e ordenar a apensação requerida pela Recorrente.

Sem custas.


Porto, 20 de dezembro de 2023

Maria do Rosário Pais
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio
Vítor Salazar Unas