Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00008/07.5BEPRT |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 07/06/2023 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Margarida Reis |
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Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IRC; ART. 18.º CIRC; PRINCÍPIO DA PERIODIZAÇÃO; PRINCÍPIO DA JUSTIÇA; ÓNUS DA PROVA; |
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Sumário: | I. O princípio da periodização reflete a prevalência da abordagem financeira sobre a abordagem monetária ou de caixa que caracteriza a contabilidade e é acolhida no CIRC, ditando que, na terminologia então adotada, proveitos e custos (atualmente, rendimentos e gastos) são relevados no exercício em que são assumidos os respetivos direitos e obrigações, independentemente dos correspondentes recebimentos e pagamentos, ou seja, da concretização dos respetivos fluxos monetários. II. Este princípio tem sido interpretado pela jurisprudência no sentido de que, e não obstante o reconhecimento de que em causa no art. 18.º do CIRC está uma vinculação para a Administração, que, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua atividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes, ainda assim, a sua rigidez deve ser colmatada ou temperada com a invocação do princípio da justiça, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do ato tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado. III. O princípio da justiça apenas encontra aplicação em situações de injustiça grave e notória em que não cabe o “erro” ou “lapso” invocado nos autos pela Recorrida. IV. O ónus da prova dos factos que sustentam a conclusão de que no caso se verifica uma injustiça grave e notória que sustenta a aplicação do princípio da justiça cabe ao contribuinte que a invoca, e não à Administração fiscal.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RElatório A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida em 2021-02-01 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial interposta por «X, S.A.» tendo por objeto as liquidações adicionais de IRC e correspondentes juros compensatórios, relativas aos exercícios de 2002, 2003 e 2004 no valor total de EUR 181.777,98, vem dela interpor o presente recurso. A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: CONCLUSÕES A. Entende a Fazenda Pública, com todo o devido respeito, que a douta sentença errou ao ter considerada ilegal a correção meramente aritmética, apurada pelos SIT, que desconsiderou como custo do exercício de 2002 a contribuição autárquica do ano de 1995, no valor de € 5.357,98. Senão vejamos B. Os SIT procederam a correções nos exercícios de 2002 e 2003, uma vez que nesses exercícios estavam duplamente lançados os custos com contribuição autárquica, apurados em de 1995, o que não é permitido face à aplicação do princípio da especialização previsto no art.º 18.º do CIRC. C. Alegava a Impugnante que não houve omissão intencional tendo em vista qualquer aproveitamento fiscal, nem resultou, do incumprimento do princípio da especialização, qualquer prejuízo para a administração fiscal. D. Seguindo a fundamentação da Impugnante, considerou o Tribunal a quo que a correção é ilegal, por violação do princípio da justiça, que se deve sobrepor ao princípio da especialização, designadamente quando se está perante situações de não omissão voluntária. E. Pelo que impendia, no entender do Tribunal a quo, à Autoridade Tributária e Aduaneira “o dever de solicitar a prova de que não se tratou de uma omissão intencional”. F. Ora, com o assim doutamente decidido, não pode a Fazenda Pública conformar-se. G. Refere a esse propósito o art, 18º n.º 1 que os proveitos e os custos do exercício, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que respeitam, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios. H. Essa norma prevê, no seu n.º 1, exceções, nomeadamente quando na data de encerramento das contas daquele em que deveriam ter sido imputados, os custos eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos. I. Considera assim a Fazenda Pública que a douta sentença erra ao fazer recair sobre a AT o dever de indagar junto do sujeito passivo, se se tratou de um lapso intencional ou não. J. É certo que, em defesa do princípio da justiça, constitucionalmente consagrado, alguma jurisprudência tem introduzido alguma flexibilidade no princípio da especialização dos exercícios. K. Contudo, como expressou muito recentemente o Tribunal Central Administrativo Sul, no seu recente acórdão de 30/09/2020 (proferido no processo 1011/09.6BESNT), o princípio da justiça não pode colmatar toda e qualquer omissão dos contribuintes – caso contrário tudo seria permitido. L. Ora, no caso sub judice, a contribuição autárquica do ano de 1995 foi deduzida duplamente nos exercícios de 2002 e 2003, o que demonstra, só por si, um “lapso” (intencional ou não) grosseiro. M. Pelo que, salvo melhor opinião não se descortina haver uma situação “flagrantemente injusta”, que justifique, à luz do princípio da justiça, o afastamento do princípio da especialização. N. Pelo que, entende a Fazenda Pública que a sentença do Tribunal a quo, erra na interpretação e aplicação do art. 18 n.º 1 do CIRC, que prevê que não possam ser lançados custos, em determinado exercício, respeitantes a outros exercícios (com as exceções previstas no n.º 2), e isso independentemente da intenção subjacente a essa atuação. Ainda que assim não se entenda, mas sem prescindir, O. A sentença do Tribunal a quo deu como assente o seguinte facto: W) O custo no valor de € 5.357,98 referente a contribuição autárquica do ano de 1995 não foi levado a custo por lapso no ano de 1995, apenas veio a ser reconhecido como tal em 2002, não tendo havido uma omissão intencional tendo em vista qualquer aproveitamento fiscal, da qual não resultou qualquer prejuízo para a AF. P. Ora, com todo o imenso respeito que o Tribunal a quo no merece, este não poderia ter dado como assente este facto, na parte em que considerou não ter havido “qualquer prejuízo para a AF”. Q. Para aferir tal facto, não basta comparar as taxas de IRC aplicadas em cada um dos exercícios, como argumenta a impugnante. R. Obrigando, outrossim ao apuramento do rendimento coletável e da coleta do ano de 1995 - o que, salvo melhor opinião, não foi realizado no âmbito do presente processo. S. Pelo que, entende a Fazenda Pública que, concatenando a prova produzida, não podia o Tribunal a quo ter dado como provado no ponto W do probatório “da qual não resultou qualquer prejuízo para a AF.” POR TODO O EXPOSTO T. Com a ressalva do sempre devido respeito, que é sempre muito, com o doutamente decidido não pode a Fazenda Pública conformar-se integralmente, porquanto considera que a douta sentença, no que respeita à correção referente a contribuição autárquica do ano de 2002, padece de erro de julgamento de facto, decorrente da errada valoração da prova produzida, e de erro de julgamento da matéria de direito, por errada aplicação do disposto nos art. 18º n.º 1 e 2 do CIRC. Termina pedindo: Deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, na parte em que considerou ilegal a correção meramente aritmética, no exercício de 2002, referente a contribuição autárquica, com as legais consequências. Com o que se fará, como sempre, inteira e sã justiça! *** A Recorrida não apresentou contra-alegações. *** O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso. *** Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT. *** Questões a decidir no recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT. Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença padece dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são imputados, respetivamente, por ter dado como provado facto (identificado no probatório pela letra “w”) que não tem qualquer sustento na prova produzida, e por ter feito uma errada interpretação e aplicação ao caso concreto do princípio da especialização regulado no art. 18.º do CIRC e do princípio da justiça, anulando a correção feita pela Administração fiscal que não aceitou o registo contabilístico no exercício de 2002 de custos com contribuição autárquica apurados no ano de 1995. II. Fundamentação II.1. Fundamentação de facto Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz: IV – Matéria de facto Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: A) A Impugnante foi alvo de uma ação de inspeção levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ..., iniciada em 17/11/2005, credenciada pela OI..........25, abrangendo os exercícios de 2002 e 2003 e para o ano de 2004, iniciada em 20/02/2006, credenciada pela OI00600201 – cf. fls. 47 e ss dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. B) No âmbito da aludida ação de inspeção foi elaborado relatório de inspeção de 09/05/2006 no qual se fixou matéria tributável de IRC por correções técnicas e métodos indiretos, para os anos de 2002 a 2004, nos seguintes termos e valores: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] cf. fls. 54 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. C) Do referido RIT, os SIT exararam sob a epígrafe “descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria colectável” os seguintes considerandos: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] cf. fls. 57 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. D) Do referido RIT, os SIT exararam sob a epígrafe “motivos e exposição dos factos que implicaram o recurso a métodos indiretos” os seguintes considerandos: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] cf. fls. 62 e ss do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. E) Do referido RIT, os SIT exararam sob a epígrafe “critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos” os seguintes considerandos: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] cf. fls. 70 e ss do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. F) A Impugnante foi notificada do RIT a que se alude na alínea antecedente em 12/05/2006 - cf. fls. 85 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. G) Em 09/06/2006, a Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria colectável nos termos dos arts. 91 e ss da LGT - cf. fls. 86 e ss dos PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. H) Em 29/09/2006 reuniram os peritos da FP e do contribuinte não tendo sido obtido acordo tendo cada um elaborado o seu parecer- cf. fls. 165 e ss do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. I) Do parecer do perito do contribuinte extrai-se o seguinte: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] cf. fls. 168 e ss do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. J) Do parecer do perito da FP extrai-se o seguinte: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] - cf. fls. 179 e ss do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. K) Em 18/10/2006, o Diretor de Finanças ... proferiu decisão de indeferimento do pedido de revisão, nos seguintes termos, no que ao caso releva: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] - cf. fls. 182 e ss dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. L) A Impugnante foi notificada do despacho mencionado na alínea antecedente em 20/10/2006 - cf. fls. 186 e ss dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. M) Na sequência da fixação da matéria coletável nos moldes enunciados, a AT emitiu as liquidações adicionais de IRC n.º ...71, relativa ao exercício de 2002, no valor de € 116.653,50 e JC no valor de € 13.704,39, num total de € 130.357,89, com data limite de pagamento em 29/11/2006; n.º ...60, relativa ao exercício de 2003, no valor de € 22.839,59 e JC no valor de € 1.772,10, num total de € 24.611,69, com data limite de pagamento em 04/12/2006; n.º ...99, relativa ao exercício de 2004, no valor de € 26.026,89 e JC no valor de € 781,51, num total de € 26.808,40, com data limite de pagamento em 04/12/2006- cf. fls. 188 e ss dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. N) A Impugnante apresentou a presente impugnação em 19/12/2006 - cfr. Fls. 3 e ss do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. O) O cheque n.º ...69 foi emitido por «AA» no valor de € 500,00 que foi depositado na conta da empresa. P) Acontece que na data da escritura o Banco que financiou a operação pela sua totalidade emitiu um cheque, a favor da empresa, no valor de € 86.790,84. Q) Sendo o valor da escritura de € 86.791,00 havia um diferencial de 0,16 € decorrendo daqui que a empresa processou um cheque a título de devolução de sinal no valor apenas de € 499,84 que seria o valor efetivo a devolver à compradora, ou seja descontou os 0,16 € aos € 500,00 entregues a título de sinal pela compradora. R) Tendo a compradora questionado no ato da escritura que só estaria a receber uma devolução de sinal de apenas € 499,84 quando tinha entregue a importância de € 500,00 e não dispondo no momento de cheque da empresa, o administrador «BB» decidiu restituir-lhe em dinheiro o valor de € 500,00 tendo assim por este motivo depositado na sua conta particular o cheque n.º ...10,, no valor de € 499,84, cheque este que a empresa tinha processado inicialmente e que se destinava à compradora. S) Faz parte da tradição comercial da empresa realizar vendas apenas com as frações totalmente concluídas, razão pela qual os sinais recebidos são insignificantes. T) A Impugnante jamais teve no local qualquer stand de vendas e muito menos algum elemento ligado à empresa a fornecer-lhos. U) Qualquer pessoa em representação da empresa só se deslocava ao local das frações quando contactado previamente por telefone. V) A atividade da Reclamante enquadra-se na promoção imobiliária, sendo perfeitamente determináveis os custos e proveitos desta atividade, dado que não tem pessoal assalariado a trabalhar diretamente nas obras, estando a totalidade dos seus custos refletida através da faturação dos subempreiteiros. W) O custo no valor de € 5.357,98 referente a contribuição autárquica do ano de 1995 não foi levado a custo por lapso no ano de 1995, apenas veio a ser reconhecido como tal em 2002, não tendo havido uma omissão intencional tendo em vista qualquer aproveitamento fiscal, da qual não resultou qualquer prejuízo para a AF. X) O valor do mútuo adicional contraído pelo comprador «CC» não teve qualquer relação com o preço da compra da habitação (fração B do art.º 1218). Factos não provados 1) O valor de € 27.456,00 não teve como destino o pagamento da fração CM, mas para outros fins que a compradora entendeu se coadunarem com as suas necessidades. 2) Dentro dos usos comerciais da empresa, todos os anos a mesma oferece medalhas comemorativas de acontecimentos nacionais, a alguns dos seus fornecedores de serviços mais representativos. 3) Com este procedimento de natureza simbólica, a impugnante sempre teve presente o facto de manter com os seus fornecedores as melhores relações tendo em vista a obtenção das melhores condições e consequentemente rentabilizar da melhor forma o seu negócio. 4) A margem entre o preço de custo por m2 e o preço de venda por m2 está situada bastante acima das margens que na generalidade estão consagradas para o setor de atividade onde se insere. * Não existem quaisquer outros factos provados ou não provados relevantes para a boa decisão da causa. Motivação A convicção do Tribunal na consideração dos factos provados alicerçou-se no teor dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que não foram impugnados. A convicção do Tribunal resultou, ainda, da prova testemunhal produzida nos autos da seguinte forma (o Tribunal expurgou a matéria conclusiva e de direito que relega para a subsunção jurídica da causa): Factos provados Alíneas o) a r): A convicção do Tribunal resultou da consideração do depoimento de «AA» que demonstrou conhecimento dos factos por ter adquirido a fração em causa no quesito (fração BS) e que de forma assertiva, coerente e sem lapsos demonstrou esta factualidade, referindo que no seu entender os valores teriam que coincidir, daí que insistiu com o vendedor pela devolução dos 0,16€, não se antevendo razões para duvidar do seu depoimento. Alínea s): A convicção do Tribunal resultou da consideração do depoimento de «DD», revisor oficial de contas da Impugnante desde 1989, que demonstrou conhecimento dos factos em virtude das funções que desempenha. Esta testemunha de forma clara e concludente afirmou que a prática da empresa não era vender as frações durante a fase de construção, pelo que o período que mediava entre a data de celebração do contrato-promessa e a data da celebração escritura era reduzido, daí que os sinais eram, por norma, de reduzido valor. Alíneas T) e U): A convicção do Tribunal resultou da consideração do depoimento de «EE», técnico de construção civil, funcionário da sociedade «W», cujos administradores são os mesmos da aqui Impugnante, que demonstrou conhecimento dos factos por os representantes da Impugnante o incumbirem diversas vezes para mostrar frações a possíveis compradores. Esta testemunha declarou que inexistia uma stand de vendas aberto ao público (não estava ninguém naquele local) e que no local existia um placard com um número de telefone para as pessoas contactarem a empresa e agendarem uma visita às frações. Este depoimento está em sintonia com o depoimento da Sr.ª Inspetora «FF») que declarou no mesmo sentido, ou seja existira uma loja fechada e um contacto telefónico para venda. A Sr.ª Inspetora declarou que telefonou para esse número e que lhe terão nessa altura facultado valores de venda. Alínea v): A convicção do Tribunal resultou da consideração do depoimento de «EE», técnico de construção civil, funcionário da sociedade «W» que depôs no sentido que a Impugnante não tinha funcionários, não tinha apoio técnico e que a Impugnante recorria à subcontratação (a execução ficava a cargo da «W»). Por sua vez, a convicção do Tribunal resultou da consideração do depoimento de «DD», revisor oficial de contas também demonstrou conhecimento desta factualidade, por conhecer a contabilidade da sociedade e confirmar esta factualidade. Alínea w): A convicção do Tribunal resultou da consideração do depoimento de «DD», revisor oficial de contas que demonstrou conhecimento desta factualidade e confirmou esta factualidade sem lapsos, atribuindo a um lapso a não contabilização do custo no ano a que se reportava sem intenção de aproveitamento fiscal como explanou. Alínea X): A convicção do Tribunal resultou da consideração do depoimento de «CC», comprador da respetiva fração que depôs de forma assertiva, coerente e credível no sentido que o mútuo visou fazer face a compromissos relacionados com umas dívidas pessoais sem correlação com o preço da fração. Factos não provados Ponto 1): A convicção do Tribunal resultou do facto de as testemunhas inquiridas não terem demonstrado conhecimento sobre esta factualidade. Ponto 2), 3): A convicção do Tribunal resultou do facto de as testemunhas «EE» e «DD» não terem demonstrado um conhecimento concreto e individualizado das ofertas em causa nos presentes autos (tipo, valores e respetivos destinatários), pelo que foram depoimentos genéricos e imprecisos que não lograram convencer o Tribunal sobre esta factualidade. Ponto 4): A convicção do Tribunal resultou do facto de as testemunhas inquiridas não terem demonstrado conhecimento sobre esta factualidade. II.4. Fundamentação de Direito Alega a Recorrente que a sentença padece de erros de julgamento de facto e de direito, em síntese, e respetivamente, por ter dado como provado sob a alínea w da fundamentação um facto que não tem sustento na prova produzida nos autos, e por ter feito uma incorreta interpretação e aplicação ao caso do princípio da especialização dos exercícios previsto no art. 18.º do CIRC, na interpretação que do mesmo fez à luz do princípio da justiça. Vejamos. Atenta a sua precedência lógica, há que começar por apreciar o erro de julgamento de facto alegado, para quanto ao mesmo dar razão à Recorrente. Assim, na sentença dá-se como provado sob a alínea w da fundamentação de facto, o seguinte: W) O custo no valor de € 5.357,98 referente a contribuição autárquica do ano de 1995 não foi levado a custo por lapso no ano de 1995, apenas veio a ser reconhecido como tal em 2002, não tendo havido uma omissão intencional tendo em vista qualquer aproveitamento fiscal, da qual não resultou qualquer prejuízo para a AF. Recordando a propósito a definição de questão de facto propugnada por Alberto dos Reis, deve entender-se como tal “tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior”, sendo exterior à mesma o que respeite à interpretação e aplicação da lei (cf. REIS, José Alberto dos – Código de processo civil anotado. Vol. III. 4.ª edição. Coimbra: Coimbra Editora, 185, p. 206-207). Ou seja, o objeto da prova são os factos e não argumentos, razões, pontos ou questões de direito [cf. MENDES, João de Castro – Direito Processual Civil. II Volume (revisto e actualizado). Lisboa: AAFDL, 1987, p. 663]. Ora, é manifesto que o que assim se dá por “provado” na sentença mais não é do que uma afirmação conclusiva, pejada de conceitos – “lapso”, “omissão intencional”, “aproveitamento fiscal” – e não um qualquer facto simples, como deveria ter sucedido. Com efeito, o Tribunal a quo apenas poderia chegar à conclusão de que o registo contabilístico do custo não ocorreu em 1995 “por lapso”, que não existiu qualquer “omissão intencional” e que do correspondente registo em 2002 não resultou qualquer prejuízo para a Administração fiscal se tivessem sido alegados e provados factos simples que permitissem alcançar a mesma. Padece assim a sentença sob recurso, neste ponto, de um erro de julgamento de direito na interpretação que faz do regime processual aplicável, não interpretando corretamente o conceito de facto constante no arts. 123.º do CPPT e 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, aplicável supletivamente ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT Ora, não estando este Tribunal sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, e sendo manifesta a desadequação desta afirmação conclusiva levada ao probatório, tanto basta para que se conclua que a mesma deve ser expurgada, pelo que se determina a eliminação da alínea w constante da fundamentação de facto. Mais alega a Recorrente que a sentença padece de erro de julgamento de direito ao fazer uma incorreta interpretação e aplicação ao caso do princípio da especialização dos exercícios constante no art. 18.º do CIRC, que interpreta à luz do princípio da justiça, não se conformando ainda com o entendimento sustentado pelo Tribunal a quo de que era à Administração fiscal que cabia “o dever de solicitar a prova de que não se tratou de uma omissão intencional”. Contextualizando, em causa está a correção em sede de IRC efetuada pela Administração fiscal relativamente ao exercício de 2002 da aqui Recorrida, sendo a seguinte a fundamentação do ato de liquidação adicional (cf. fls. 15 e 16 do relatório de inspeção tributária, anexo à PI como documento n.º 2): (…) A.2.2 -· Contribuição Autárquica A.2.2.1 - Ano de 2002 Encontra-se contabilizado a débito da conta 6324 - Contribuição Autárquica, por crédito da conta 2461 - EOEP - Contribuição Autárquica, o valor de 5.357,98€ (lote 5678), cujo documento de suporte é o Documento de Cobrança Coerciva de Contribuição Autárquica do ano de 1995, trata-se pois de um custo do exercício de 1995 e não do exercício de 2002, pelo que de acordo com o ar\º. 18º do Código do IRC (princípio de especialização) não é considerado custo fiscal do ano de 2002. A.2.2.2 - Ano de 2003 No ano de 2003, o documento de suporte acima mencionado, foi lançado no mês de Janeiro, novamente a débito da conta 6324 - Contribuição Autárquica, por contrapartida a crédito da conta 122 - Depósitos à Ordem, pelo que se conclui por uma duplicação de contabilização do mesmo documento, procedendo-se à respectiva correcção. Do exposto resulta uma redução de custos na rubrica 63 - Impostos nos seguintes valores: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) Na PI a Recorrida alegou a este respeito, e em síntese, que em causa esteve um “erro” que não se reconduziu a uma omissão intencional tendo em vista qualquer aproveitamento fiscal e ainda que “(…) tendo apurado IRC a pagar a partir do exercício de 1998, acabou por ser penalizada na medida em que, pagou um valor de IRC calculado à taxa de 34%; sempre superior ao que pagou ao contabilizar o custo no exercício de 2002, em que a taxa de IRC foi de 30%, não resultando daqui qualquer prejuízo para a Administração Fiscal.” (cf. art. 107.º da PI). Por sua vez, na sentença recorrida decidiu-se ser de dar razão à Recorrida, anulando-se o ato de liquidação adicional nesta parte, com sustento no entendimento de que o princípio da especialização “não é absoluto e deve ser conformado, nomeadamente, com o princípio da justiça, designadamente quando se está perante situações de não omissão voluntária, que implique não se tratar de manobra de transferência de resultados de um exercício para o outro”, e ainda de que era sobre a ATA que “impendia o dever de solicitar a prova de que não se tratou de uma omissão intencional, pelo que não podia, sem mais, concluir pela desconsideração dos custos (sem indagar pela existência de erro involuntário)”. Apreciando. Recorde-se, antes de mais, a redação do art. 18.º do CIRC, que no extrato pertinente se mantém inalterada: Art. 18.º Periodização do lucro tributável 1 - Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios. 2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas. (…) O princípio da periodização reflete a prevalência da abordagem financeira sobre a abordagem monetária ou de caixa que caracteriza a contabilidade e é acolhida no CIRC, ditando que, na terminologia então adotada, proveitos e custos (atualmente, rendimentos e gastos) são relevados no exercício em que são assumidos os respetivos direitos e obrigações, independentemente dos correspondentes recebimentos e pagamentos, ou seja, da concretização dos respetivos fluxos monetários. Este princípio tem sido interpretado pela jurisprudência no sentido de que, e não obstante o reconhecimento de que em causa no art. 18.º do CIRC está “uma vinculação para a Administração, que, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes”, ainda assim, a sua rigidez “(…) tem de ser colmatada ou temperada com a invocação do princípio da justiça, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do acto tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado” (cf. Acórdão do STA proferido em 2018-03-14 no proc. 0716/13, disponível para consulta em www.dgsi.pt, e no mesmo sentido, a vasta jurisprudência nele citada). Nestes casos, o custo, ainda que indevidamente contabilizado, deve ser aceite, desde que “a respectiva imputação não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios.” (cf. o já citado Acórdão do STA, proferido em 2018-03-14 no proc. 0716). Sucede, no entanto, que nem no caso em apreço se provou a inexistência de “omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios” – não tendo, aliás, sido alegados quaisquer factos concretos que permitissem alcançar uma tal conclusão – como é errada a interpretação feita na sentença sobre o dever de respeito pela ATA pelo princípio do inquisitório nesta matéria, pois, manifestamente, não é à Administração fiscal que cabe “solicitar a prova de que não se tratou de uma omissão intencional”. Refira-se ainda que a sentença propugna um errado entendimento do sentido e extensão do princípio da justiça. Se não, vejamos. Tal como resulta do enquadramento que se fez da situação em apreço, a aqui Recorrida não alegou ou provou qualquer facto do qual se possa retirar a inexistência de “omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios.” Com efeito, tal asserção não se pode retirar da variação da taxa de tributação, que nada nos diz sobre se o custo foi deslocado do exercício em que deveria ter sido registado para um exercício posterior com o objetivo de deste modo obter um resultado fiscal indevido, ou seja, de pagar menos imposto. Para tanto deveria ter ficado claro, através da alegação e prova de factos concretos - que cabia à Recorrida -, que a mesma não obteve qualquer vantagem fiscal indevida, designadamente, desviando o custo de um exercício com mais prejuízos para um exercício em que tenha obtido maiores proveitos, assim alterando artificiosamente o resultado fiscal. Por outro lado, e como, de resto, é equacionado com meridiana clareza na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo nesta matéria, o teor do art. 18.º CIRC é claro quanto à obrigação que impende sobre os contribuintes de efetuarem os respetivos registos contabilísticos no respeito pelo princípio da especialização, e quanto à única exceção legalmente admitida ao mesmo, consagrada no supracitado n.º 2 desta disposição. Donde em causa está uma conduta vinculada por parte da ATA, pelo que a existência de uma qualquer situação, aliás, excecional, em que o cumprimento da norma contenda com o princípio da justiça sempre teria de ser invocada pelo contribuinte – no procedimento administrativo de inspeção tributária, ou perante o Tribunal a que caiba apreciar a legalidade da liquidação -, e não investigada pela Administração fiscal, como se de um requisito de aplicação da norma se tratasse, o que, manifestamente, não encontra qualquer sustento na respetiva redação. Por último, há aqui que recordar o sentido particular do princípio da justiça, que apenas encontra aplicação em situações de injustiça grave e notória em que não cabe o “erro” ou “lapso” que parece ser invocado pela Recorrida. De facto, “sob pena de anulação constante de condutas administrativas com base em conceitos emocionais e subjectivos de justiça, o princípio da justiça enquanto tal só pode considerar-se violado nas situações cuja qualificação como injustas é susceptível de alcançar um consenso intersubjectivo” (cf. SOUSA, Marcelo Rebelo de, e MATOS, André Salgado de - Direito Administrativo Geral - Tomo I Introdução e princípios fundamentais. 3.ª edição. Lisboa: D. Quixote, 2008, págs 228-229), devendo por isso reservar-se a sua aplicação para o “controlo de injustiças graves e notórias” [cf. SILVA, Suzana Tavares da – O Princípio da Razoabilidade. In GOMES, Carla Amado Gomes; NEVES, Ana; SERRÃO, Tiago (Coord.) - Comentários ao Código do Procedimento Administrativo. Vol. I. 5.ª edição. Lisboa: AAFDL, pág. 368] A este propósito é pertinente recordar que as situações concretas de aplicação do princípio da justiça nesta matéria ilustradas na jurisprudência citada na sentença em crise não têm qualquer similitude com a aqui se verifica, como, aliás, bem assinala a Recorrente. Donde há qua concluir que a sentença também erra na interpretação e aplicação ao caso que faz deste princípio. Assim sendo, e em face do exposto, há que julgar o presente recurso procedente. *** O valor tributário do presente recurso é fixado em EUR 5.357,98, quantia correspondente ao valor do decaimento da Recorrente em 1.ª instância, em discussão no presente recurso (cf. art. 12.º, n.º 2 do RCP). Atento o decaimento da Recorrida, é sua a responsabilidade pelas custas, pelo presente recurso e na 1.ª instância, acrescendo ali a mesma em 1%, passando o seu decaimento em 1.ª instância de 7% para 8% - e o da Recorrente, simetricamente, de 93% para 92% -, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo presente recurso, visto que nele não contra-alegou (cf. art. 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais – RCP). *** Conclusão: Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva: I. O princípio da periodização reflete a prevalência da abordagem financeira sobre a abordagem monetária ou de caixa que caracteriza a contabilidade e é acolhida no CIRC, ditando que, na terminologia então adotada, proveitos e custos (atualmente, rendimentos e gastos) são relevados no exercício em que são assumidos os respetivos direitos e obrigações, independentemente dos correspondentes recebimentos e pagamentos, ou seja, da concretização dos respetivos fluxos monetários. II. Este princípio tem sido interpretado pela jurisprudência no sentido de que, e não obstante o reconhecimento de que em causa no art. 18.º do CIRC está uma vinculação para a Administração, que, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua atividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes, ainda assim, a sua rigidez deve ser colmatada ou temperada com a invocação do princípio da justiça, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do ato tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado. III. O princípio da justiça apenas encontra aplicação em situações de injustiça grave e notória em que não cabe o “erro” ou “lapso” invocado nos autos pela Recorrida. IV. O ónus da prova dos factos que sustentam a conclusão de que no caso se verifica uma injustiça grave e notória que sustenta a aplicação do princípio da justiça cabe ao contribuinte que a invoca, e não à Administração fiscal. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, na parte em que anulou a correção fiscal em causa. Custa pela Recorrida, pelo presente recurso, ainda que não lhe sendo aqui devida taxa de justiça, acrescendo a sua responsabilidade pelas custas em 1.ª instância em 1%, passando o seu decaimento em 1.ª instância de 7% para 8%, e o da Recorrente de 93% para 92%. Porto, 6 de julho de 2023 - Margarida Reis (relatora) – Cláudia Almeida – Paulo Moura. |