Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01339/23.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/15/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL;
LEVANTAMENTO DO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO;
MODELO DE AVALIAÇÃO DAS PROPOSTAS;
Sumário:
1.Os erros ou omissões no julgamento da matéria de facto não constituem nulidade – ou só muito excecionalmente é que podem constituir- para efeitos do disposto na alínea d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC.

2.O artigo 103.º-A do CPTA prevê, para as situações nele contempladas, um regime jurídico próprio consubstanciado na atribuição de efeito suspensivo automático à impugnação do ato de adjudicação, com o propósito de paralisar os efeitos do ato de adjudicação impugnado, impedindo a celebração do contrato, situação que só pode ser invertida quando, ponderados todos os interesses envolvidos, se verifique que os prejuízos que resultariam da sua manutenção se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.

2. As apelantes são sociedades comercias cujo escopo é a obtenção de lucro, pelo que, quando concorrem a um concurso público e decidem suportar os custos e os contratempos da instauração de uma ação nos tribunais para a impugnação do ato de adjudicação a uma proposta que não a sua, fazem-no obviamente tendo em vista reverter a adjudicação a seu favor, e não com o objetivo de protegerem o interesse público prosseguido com a abertura desse procedimento concursal.

3. A prossecução do interesse público por certa entidade decorre da lei e das atribuições e competências que são cometidas por esta a certa entidade (pública ou privada), e não, de um qualquer ato de voluntarismo de uma entidade privada, visando a reposição da legalidade numa qualquer situação jurídica.

4. Só perante a alegação e prova de interesses privados que são prejudicados pelo levantamento do efeito suspensivo é que o Tribunal poderá fazer a ponderação prevista no n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA e, se se provar que daí decorrem prejuízos para os interesses privados em presença superiores aos prejuízos para o interesse público, é que o Tribunal deverá manter a suspensão.

5. O modelo de avaliação é o elemento que consta do programa do procedimento, quando for adotado o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, que explicita o modo de concretização desse critério na operação de avaliação das propostas. O modelo de avaliação deve abranger todos, e apenas, os aspetos de execução do contrato submetidos à concorrência – vide artigos 42º, 70º, nº 1, 75º, nº 1, do CCP.

6.No que concerne a cada um dos fatores ou subfatores elementares, o modelo de avaliação deve definir a respetiva escala de pontuação das pontuações parciais, existindo duas espécies de escalas de pontuação: expressão matemática ou o conjunto ordenado de atributos, comummente designado por descritor- vide artigo 139º, nºs 2 e 3, do CCP.

7. Tendo sido adotado como critério de adjudicação o da proposta economicamente mais vantajosa e, constando do programa do concurso um modelo de avaliação assente no fator “Preço”, com um coeficiente de ponderação de 60%, e no fator “Valia técnica”, com um coeficiente de ponderação de 40%, e, bem assim, que as propostas não possam divergir do preço base mais do que 20% ( acima ou abaixo), o modelo de avaliação adotado pela entidade adjudicante pretendeu garantir que as propostas a apresentar pelos concorrentes não se distanciassem significativamente do preço base, de modo a evitar, quer propostas de preço demasiado baixas, quer propostas de preço demasiado elevado.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso Eleitoral (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO
1.1. [SCom01...], S.A. e [SCom02...], S.A. moveram a presente ação de contencioso pré-contratual, contra o Município ..., peticionando: a) a declaração de ilegalidade da disposição procedimental respeitante ao modelo de avaliação no que respeita ao fator preço, designadamente, a fórmula matemática; b) a declaração de ilegalidade da disposição procedimental respeitante ao modelo de avaliação no que respeita ao fator valia técnica; c) a anulação do procedimento concursal em causa; d) a anulação do ato de adjudicação da empreitada ao Agrupamento contrainteressado [SCom03...]/NVE; e d) a anulação do contrato de empreitada que tenha sido celebrado ao abrigo do procedimento concursal em causa.
Indicaram como Contrainteressadas («CI») o Agrupamento concorrente composto por [SCom03...], S.A. – [SCom04...], S.A, e, ainda, a concorrente [SCom05...], S.A., conforme identificadas na petição inicial.
Como fundamento das pretensões deduzidas, alegaram, em síntese, que a proposta que apresentaram incorpora um preço inferior à proposta da 1.ª graduada, a CI [SCom03...]/NVE, em € 673.693,98, mas que não obstante ficou graduada em 3.º lugar;
Apesar da diferença significativa de preço apresentada, a pontuação do fator preço que foi atribuída à sua proposta apresenta apenas uma diferença de 0,300 em 20 pontos do concorrente graduado em 1.º lugar, quanto ao fator preço; e a diferença de pontuação atribuída no fator preço entre a proposta das Autoras e do concorrente graduado em 2.º lugar, foi apenas de 0,561 em 20 pontos;
Na sua ótica, esta situação deve-se ao modelo de avaliação, que pese embora, aparentemente, atribua um peso mais preponderante para o fator preço, torna a diferença de preço insignificante após valoração pela fórmula matemática escolhida;
Ou seja, na prática, a fórmula pontua com 20 pontos uma proposta que estiver 20% acima da base e com 10 pontos uma proposta com valor 20% abaixo da base, atribuindo dentro deste intervalo de valores, ainda maior insensibilidade ao conjunto de propostas enquadradas nos valores abaixo do preço base;
É totalmente desprovido de sentido acomodar esta possibilidade (excecional) na fórmula [de aplicação do mecanismo previsto no artigo 70.º, n.º 6 do CCP], uma vez que a mesma terá impacto na pontuação a atribuir às propostas que sejam apresentadas – como, de resto, se espera – abaixo do preço base.
O modelo de avaliação das propostas, em particular, do fator “Qualidade”, no presente procedimento concursal não apresenta, em toda a sua extensão, o grau de pormenorização e detalhe legalmente exigido, bem como, é bastante questionável a pertinência dos critérios utilizados na sua densificação.
1.2. A fls. 206 dos autos foi proferido despacho de admissão liminar desta ação, com a advertência para o efeito suspensivo automático do ato de adjudicação derivado da aplicação do artigo 103.º-A do CPTA.
1.3. A fls. 221 e seguintes dos autos, a ED apresentou o PA (via plataforma Sitaf e através da junção aos autos de 2 pen drive) e apresentou contestação, defendendo-se por impugnação, pedindo a absolvição do pedido.
Para tanto alega, em síntese, que as autoras não têm nenhuma razão nas criticas que dirigem ao modelo de avaliação, quer do fator preço, quer relativamente ao fator valia técnica, que cumprem escrupulosamente as normas do CCP e os princípios da contratação pública;
Refere que a fórmula apresentada teve em vista desincentivar a apresentação de propostas de preço que se situem acima 20% do preço base, ou abaixo 20% do preço base, dada a incerteza que afeta o setor da construção civil, sendo certo que, ainda assim, a preços diferentes correspondem pontuações diferentes;
A fórmula em causa foi determinada por razões de interesse público relacionadas com as condições atuais do mercado de construção civil e com razões de qualidade da despesa pública, incentivando a apresentação de propostas com qualidade técnica;
A classificação da autora em relação às demais tem unicamente a ver com a proximidade do preço das propostas, pelo que a diferenciação das mesmas tem de ser feita pela qua qualidade, sendo que o critério de adjudicação não é o mais baixo preço, mas uma ponderação entre o preço proposto e a valia técnica da proposta;
O método de avaliação do fator preço não viola o princípio da proporcionalidade, e revela-se adequado a incentivar a apresentação de propostas de preço mais baixo, e a desincentivar a apresentação de propostas de muito baixo preço ou muito alto preço;
Trata-se de um modelo de avaliação que tem subjacente um princípio de boa administração e que não viola os princípios da igualdade e da concorrência;
A ED deduziu ainda o incidente de levantamento de efeito suspensivo, alegando, em suma que no âmbito da sua atividade e dos seus Estatutos, o Conselho Geral do IPCA aprovou a criação da Escola Superior de Hotelaria e Turismo (ESHT), que é uma unidade orgânica de ensino e investigação do IPCA;
Após ter obtido a autorização para a criação da ESHT em ... por parte do Ministro da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, o IPCA e o Município ... criaram um Grupo de Trabalho para escolher a melhor localização para a instalação da referida Escola, o qual indicou a Quinta ... como a melhor opção para a sua instalação, e a mesma foi adquirida pelo Réu, por escritura lavrada em 4 de maio de 2018;
O IPCA e o Município ... (Réu) acordaram que este último procederia à execução das obras de requalificação da Casa do ..., bem como a construção do novo edifício pedagógico no terreno anexo, estando prevista a assinatura do protocolo de cedência das instalações logo que se inicie da empreitada de construção;
O IPCA fica com o encargo de instalar o mobiliário e equipamento necessário para o funcionamento da Escola;
A situação de emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19, impediu o Réu e o IPCA de avançar com o projeto, entre 2020 e 2021;
Com o levantamento das restrições, a 29 de julho de 2021 foi deliberado pela Câmara Municipal ... aprovar o procedimento de concurso limitado por prévia qualificação para adjudicar a empreitada de construção da Escola-Hotel na Quinta ..., cujo anúncio foi publicado no Diário da República II Série, n.º 153, de 9 de agosto de 2021, mas que ficou deserto por não terem sido apresentadas propostas abaixo do preço base;
Uma vez encerrado esse procedimento, o Réu publicou novo concurso, o dos presentes autos, com o mesmo objeto;
O contrato de empreitada a que respeita este procedimento, tem por objeto a instalação da Escola Superior de Hotelaria e Turismo na Quinta ..., através da conjugação da reabilitação do conjunto edificado da Quinta ..., a Casa do ..., designado como edifício A, as cavalarias/celeiro designado como edifício B, e a construção a Norte anexa ao conjunto, designada como edifício C, com a construção de um novo edifício que responda a todas as necessidades funcionais;
Esta operação urbanística visa uma intervenção sobre dois edifícios distintos, convertendo o edificado existente num hotel (edifício ...), que funcionará essencialmente num âmbito académico em complementaridade com um edifício a construir de novo (edifício F) destinado a instalação da referida Escola; este edifício designado de F, destina-se à instalação do edifício escolar da EHST;
A execução desta empreitada é muito urgente e deve estar concluída no prazo de dois anos, sob pena de a comunidade, o Réu e o IPCA sofrerem danos elevados e irreparáveis;
Desde a sua criação, a ESHT ficou incubada no Campus do IPCA, em ..., até ser possível a sua deslocação para a Escola-Hotel em ...; local para onde foi autorizada a sua criação pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, pelo que é nesta cidade que esta Escola deve instalar-se o mais brevemente possível; a ESHT conta com cerca 480 estudantes distribuídos pelos diferentes cursos da sua oferta formativa, e o seu crescimento tem sido fortemente condicionado pela limitação das instalações, sobretudo porque a oferta formativa que se pretende implementar é toda ela desenhada para funcionar numa Escola-Hotel, com todas as valências e equipamentos deste espaço, sendo este um vetor determinante do sucesso e da diferenciação da Escola;
A acreditação do curso de Gestão Hoteleira, que entrou em funcionamento no ano letivo 2023/2024, por parte da A3ES – Agência de avaliação e acreditação dos cursos do ensino superior, foi aprovada pelo prazo de 2 anos, condicionada à mudança do funcionamento do curso para as novas instalações a construir em ...;
Se a empreitada não estiver concluída no referido prazo de dois anos, será forçoso encerrar um curso já aprovado, em funcionamento, com turmas preenchidas;
No âmbito do financiamento aprovado PPR para o IPCA está alocado à ESHT, um financiamento total de cerca de 2.437.500€, distribuído pelas rubricas equipamento, software e mobiliário, contratação de RH e apoio aos estudantes (bolsas)e se o projeto não se iniciar imediatamente, o contrato de financiamento pode ser resolvido; e sem o financiamento, o IPCA não dispõe de meios financeiros para executar esta empreitada, que não se concretizará;
A impossibilidade de iniciar a construção da Escola-Hotel imediatamente e de concluir a obra em 2 anos, impedirá estes estudantes de se formarem nos cursos a ministrar pela ESTH, causando-lhes um prejuízo irreparável; ou irá obrigá-los a procurarem cursos noutros concelhos, suportando maiores despesas em transporte, alojamento e alimentação, além do sacrifício pessoal inerente a essa deslocação;
A Quinta ... é um edifício senhorial do século XVII, onde se podem encontrar árvores centenárias e um jardim histórico, que terá sido concebido pelo maior horticultor português do século XIX, «AA», enquanto a obra não se iniciar, aquele local continuará ao abandono e a degradar-se, havendo o risco de derrocada das construções existentes no local e de alguém se magoar. É, também por isso, urgente, o início da obra, ou seja, para proteção do património histórico da cidade e da integridade das pessoas que por ali passam.
1.4. As Autoras, notificadas, pugnaram pela improcedência do pedido de levantamento do efeito suspensivo, alegando, em suma, que a ED em momento algum fez prova de que os prejuízos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo da presente ação são superiores aos que podem resultar do seu levantamento;
A cadeia de acontecimentos verificada, designadamente, a morosidade antecedente à instauração da presente ação, não se compagina com a urgência que alegadamente se verifica na conclusão da obra, e que na perspetiva do R., acarreta danos elevados e irreparáveis para a comunidade, Réu e IPCA, uma vez que esta é uma obra cujo arranque se vem arrastando no tempo, por responsabilidade, em parte, do Réu, que no primeiro procedimento não logrou prepará-lo de modo que o mesmo fosse viável;
No que concerne à oferta educativa e formativa do IPCA, refira-se que, em boa verdade, a ESHT já se encontra a funcionar, não estando a sua abertura dependente da conclusão da obra em causa nos presentes autos, mas tão-só a sua expansão;
Vale por isto dizer que, tendo presente que a ESHT está integrada no campus do IPCA, situado em ..., continuará, até à conclusão da obra em causa nos presentes autos, a operar naquele local; no ano letivo de 2017/2018, entrou em funcionamento, em ..., um curso ministrado pelo Instituto Politécnico ... com o conteúdo académico e profissional idêntico ao que será ministrado na Escola ...;
Não é a empreitada posta a concurso e que está em causa nos presentes autos que é financiada pelo PRR; em bom rigor, o financiamento obtido pelo IPCA foi para equipamento, software, mobiliário, contratação de Recursos Humanos e apoio a estudantes, através de bolsas; a não execução imediata da empreitada em causa não contende, em nada, com o financiamento obtido pelo IPCA, já que aquele pode ser usado, desde já, para os efeitos que lhe são adstritos; inexiste cláusula contratual naquele contrato de financiamento em que se especifique prazos para a conclusão desta empreitada, bem como inexiste cláusula que estipule consequências, tais como a rescisão contratual ou perda de financiamento, no caso de não serem observados os prazos “fixados” para a conclusão desta obra.
Sendo o R. o proprietário da Quinta ..., é sua obrigação manter e conservar o local, evitando a sua degradação e não pode vir escudar-se na propositura da presente ação com efeito suspensivo automático do ato de adjudicação e, consequentemente, no diferimento da execução da obra, para justificar o abandono e degradação do local a intervencionar ao abrigo do procedimento concursal em causa.
1.5.Em 15/09/2023 foi proferida decisão que determinou o levantamento do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação, constando da mesma o seguinte dispositivo:
«Nestes termos e nos das disposições legais citadas:
a) Determino o levantamento do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação impugnado;
b) Fixo o valor do incidente no valor da ação (artigo 307.º do CPC ex vi dos artigos 1.º e 31.º, n.º 4 do CPTA);
c) Condeno as Autoras nas custas do incidente.
Registe. Notifique.»

1.6. Na mesma data, o Tribunal a quo proferiu o saneador-sentença recorrido, no qual julgou a presente ação de contencioso pré-contratual improcedente, constando da mesma o seguinte segmento decisório:
«Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a presente ação de contencioso pré-contratual totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se a ED e as CI do pedido.
Condena-se as Autoras no pagamento das custas do processo.
Registe.
Notifique».
1.7. Inconformadas com a decisão que levantou o efeito suspensivo automático, as Autoras interpuseram o presente recurso de apelação, que culminam com a formulação das seguintes CONCLUSÕES:
« A. Vêm as Recorrentes interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, Unidade Orgânica 2, proferida no âmbito do processo identificado supra, no qual se decretou o levantamento do efeito suspensivo automático.
B. Não obstante, e salvo o devido e merecido respeito, não podem as Recorrentes concordar com tal decisão, sendo, no seu entendimento, de manter o efeito suspensivo automático nos presentes autos.
C. O efeito suspensivo automático operou no âmbito de ação de contencioso pré-contratual, intentada pelas aqui Recorrentes, com vista à anulação do ato de adjudicação praticado no âmbito de procedimento concursal lançado para a execução da Empreitada Escola ... – Quinta ..., e bem assim, anulação do procedimento, por conta de várias ilegalidades nas disposições procedimentais, mormente, no modelo de avaliação fixado para os fatores que densificam o critério de adjudicação. Isto posto,
D. A sentença que ora se sindica é nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), e 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, o que, desde já se invoca para os devidos efeitos legais.
E. Neste âmbito, deveria o Tribunal ad quo ter conhecido de duas questões com relevância e extrema pertinência para a decisão de mérito dos presentes autos, a saber: o financiamento aprovado no âmbito do PRR a favor do IPCA e o funcionamento de curso ministrado em ... com conteúdo académico e profissional idêntico ao do IPCA. Vejamos, então.
F. No que concerne ao financiamento aprovado no âmbito do PRR a favor do IPCA, veio a Recorrida alegar que a manutenção do efeito suspensivo automático nos presentes autos punha em causa aquele financiamento, podendo, inclusive, pôr em causa a execução da empreitada.
G. Quanto a isto, o Tribunal ad quo não se pronunciou.
H. No entanto, s.m.o., o Tribunal ad quo deveria ter considerado que o financiamento obtido pelo IPCA em nada respeita à execução da empreitada em causa nos autos, motivo pelo qual, não se encontra ameaçado o financiamento do PRR neste âmbito.
I. Em face disto, deve improceder o argumento de que o atraso na execução da empreitada causará graves e até irreparáveis prejuízos para o IPCA e para a comunidade envolvente, designadamente, por pôr em causa o financiamento obtido pelo IPCA,
J. o que, de per si, enfraquece a alegação da existência de danos e prejuízos irreparáveis para o IPCA e para a comunidade e que, entre o mais, serviu de mote para o levantamento do efeito suspensivo.
K. Ademais, alegou a Recorrida que a impossibilidade de iniciar a construção da Escola-Hotel imediatamente e de a concluir em 2 anos, surtirá o efeito de impedir os estudantes de se formar nos cursos a ministrar pela ESHT, causando-lhes um prejuízo irreparável e, em alternativa, que tal diferimento irá obrigar os alunos a procurar cursos noutros concelhos, e bem assim, que irá prejudicar a comunidade envolvente e o tecido económico na área do Turismo em face da falta de oferta formativa naquela área na Região ... e Ave.
L. Sucede que, o Tribunal ad quo foi omisso quanto à consideração de que já no ano letivo de 2017/2018, entrou em funcionamento, em ..., um curso com conteúdo académico e profissional idêntico ao que será ministrado na Escola ... (e já é no IPCA, ainda que em instalações provisórias) – cfr. documento n.º ... junto com a contestação.
M. Esbate-se, assim, o argumento de que o atraso no início da execução da empreitada causará graves e até irreparáveis prejuízos para a comunidade da Região ... e Ave e para o setor do Turismo, designadamente, por falta de oferta formativa na área do Turismo, e que, entre o mais, também sustentou o levantamento do efeito suspensivo automático nos presentes autos.
N. As referidas omissões são relevantes para o conhecimento do mérito da causa pelo que a sentença enferma de nulidade, o que desde já se invoca.
Sem prescindir,
O. Na hipótese de se concluir pela inexistência de nulidade por omissão de pronúncia, consideram as Recorrentes que deveriam ter sido dados como provados factos que não o foram e que se apresentam de enorme relevância para a decisão do mérito da causa, e bem assim, dar-se como não provados factos alegados pela Entidade Demandada, que contribuiriam para a manutenção do efeito suspensivo automático dos presentes autos.
P. Neste âmbito, deveria o Tribunal ad quo ter conhecido de duas questões com relevância e extrema pertinência para a decisão de mérito dos presentes autos, a saber: o financiamento aprovado no âmbito do PRR a favor do IPCA e o funcionamento de curso ministrado em ... com conteúdo académico e profissional idêntico ao do IPCA. Vejamos, então.
Q. No que concerne ao financiamento aprovado no âmbito do PRR a favor do IPCA, veio a Recorrida alegar que a manutenção do efeito suspensivo automático nos presentes autos punha em causa aquele financiamento, podendo, inclusive, pôr em causa a execução da empreitada através da resolução daquele contrato de financiamento.
R. Sucede que, o financiamento aprovado do PRR para o IPCA está alocado à ESHT, um financiamento de cerca de €2.437.500,00, distribuído pelas rubricas de equipamento, software e mobiliário, contratação de recursos humanos e apoio aos estudantes, nada tendo que ver com a execução da presente empreitada.
S. Sendo que inexiste cláusula contratual no contrato de financiamento que especifique prazos para a conclusão da empreitada em causa, ou que faça depender o financiamento da conclusão daquela.
T. De modo que, o Tribunal ad quo incorreu em erro no julgamento da matéria de facto ao desconsiderar, por completo, que o retardamento no início da execução da empreitada, verificado por conta do efeito suspensivo automático dos presentes autos, em nada contende com o contrato de financiamento.
U. Assim, deve dar-se como facto provado que:
a. No âmbito do financiamento aprovado do PRR, para o IPCA, está alocado à ESHT um financiamento total de cerca de €2.437.500,00, distribuídos pelas rubricas de equipamento, software e mobiliário, contratação de Recursos Humanos e apoio a estudantes.
V. Deve, ainda, dar-se como facto não provado que:
a. Se a execução da empreitada não for feita de imediato, o contrato de financiamento pode ser resolvido;
b. O IPCA não dispõe de meios financeiros para executar esta empreitada, pelo que a mesma não se concretizará.
W. Esbate-se, assim, o argumento de que o atraso no início da execução da empreitada causará graves e até irreparáveis prejuízos para o IPCA e para a comunidade envolvente, e que sustentou o levantamento do efeito suspensivo automático, devendo, portanto, improceder.
X. Ainda, alegou a Recorrida que a impossibilidade de iniciar a construção da Escola-Hotel imediatamente e de a concluir em 2 anos, surtirá o efeito de impedir os estudantes de se formar nos cursos a ministrar pela ESHT, causando-lhes um prejuízo irreparável e, em alternativa, que tal diferimento irá obrigar os alunos a procurar cursos noutros concelhos, e bem assim, que irá prejudicar a comunidade envolvente e o tecido económico na área do Turismo em face da falta de oferta formativa naquela área na Região ... e Ave.
Y. Sucede que, o Tribunal ad quo desconsiderou que já no ano letivo de 2017/2018, entrou em funcionamento, em ..., um curso com conteúdo académico e profissional idêntico ao que será ministrado na Escola ... (e já é no IPCA, ainda que em instalações provisórias) – cfr. documento n.º ... junto com a contestação.
Z. Esbate-se, assim, o argumento de que o atraso no início da execução da empreitada causará graves e até irreparáveis prejuízos para a comunidade da Região ... e Ave e para o setor do Turismo, designadamente, por falta de oferta formativa na área do Turismo, e que, entre o mais, também sustentou o levantamento do efeito suspensivo automático nos presentes autos.
AA. De modo que deve dar-se como facto provado:
a. No ano letivo de 2017/2018, entrou em funcionamento, em ..., um curso ministrado pelo Instituto Politécnico ... com o conteúdo académico e profissional idêntico ao que será ministrado na Escola ... – veja-se, neste sentido, o documento n.º ..., junto com a contestação, referente a Relato da Reunião realizada em 11 de maio de 2017, do grupo de trabalho.
BB. Impõe-se, assim, a alteração da matéria de facto nos moldes suprarreferidos, com a necessária consequência da improcedência do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, o que ora se requer para os devidos efeitos legais, designadamente, a revogação da sentença incidental e substituição daquela por decisão que mantenha o efeito suspensivo automático nos presentes autos.
Sem prescindir,
CC. É entendimento das Recorrentes que o Tribunal ad quo incorreu em erro de julgamento de Direito na sentença proferida, designadamente, por considerar que se encontram preenchidos os requisitos de que depende o levantamento do efeito suspensivo automático nos presentes autos.
DD. O Tribunal ad quo fez uma interpretação demasiado restritiva quanto aos pressupostos de que depende o levantamento do efeito suspensivo automático ao ignorar que também as ora Recorrentes podem agir em defesa do interesse público, como sucede no caso paradigmático de defesa da legalidade e reposição da mesma.
EE. De resto, e salvo melhor entendimento, é opinião da aqui Recorrente que a Recorrida não logrou demonstrar os concretos prejuízos decorrentes da suspensão do ato de adjudicação, nem tampouco que os danos que decorrem para o interesse público são superiores do que os danos que advenham do levantamento do efeito suspensivo automático.
FF. A Recorrida invocou, em suma, a urgência no início da execução da empreitada por diversos motivos.
GG. Não obstante, sucede que a morosidade no arranque da execução da empreitada se deve, em parte, à própria atuação da Recorrida, conforme ficou patente nos presentes autos, pelo que tal não se compagina com a alegada urgência invocada por aquela para o levantamento do efeito suspensivo.
HH. De modo que, deve improceder o argumento de que se verifica uma situação de urgência no início dos trabalhos de empreitada.
II. Ademais, a Recorrida alegou que, sendo a proprietária da Quinta ..., é o urgente o inicio da obra para proteção do património histórico da cidade e da integridade das pessoas que por ali passam.
JJ. Sucede que a obrigação de manter e conservar aquele local é da Entidade Demandada, quer seja através da execução da empreitada em causa, quer seja mediante ações de intervenção de outra natureza.
KK. Vale por isto dizer que não pode lograr o argumento da urgência no início da execução da empreitada para evitar a degradação do local a intervencionar, na medida em que poderão ser levadas a efeito outro tipo de intervenções para além da execução da empreitada projetada e posta a concurso para esse mesmo efeito.
LL. Ainda, veio a Recorrida alegar que existe urgência no início dos trabalhos para que não se ponha em causa a acreditação da licenciatura de Gestão Hoteleira no IPCA, que depende que se observe o prazo de 3 anos para conclusão das instalações definitivas em irá operar a licenciatura – a Escola-Hotel na Quinta ....
MM. Não obstante, tendo presente que a acreditação da licenciatura da Gestão Hoteleira ocorreu no ano de 2021, e que, de acordo com o documento n.º ... junto pela Entidade Demandada aos autos, em 09.08.2023, a acreditação daquela licenciatura está sujeita à condição de que no prazo de 3 anos, a contar da data da acreditação, as instalações definitivas (na Quinta ...) estejam já concluídas, para que aquela se mantenha em vigor é necessário que as obras estejam concluídas em 2024 (2021 – 2024).
NN. Dito isto, e tendo presente a data de lançamento do concurso público – fevereiro de 2023 –, e bem assim, a data de adjudicação – junho de 2023, e o presente momento (outubro de 2023), em que a obra não teve inicio, bem como que o prazo previsto para a execução da empreitada é de 2 anos, nunca aquela condição fixada será observada, já que, em bom rigor, ainda que a obra começasse no presente mês, apenas seria previsível que terminasse em outubro de 2025, e, portanto, muito depois da data fixada para a manutenção da acreditação da licenciatura de Gestão Hoteleira.
OO. Deste modo, deve improceder o argumento de que o levantamento do efeito suspensivo automático deve suceder por a manutenção daquele contender com o cumprimento das condições de que depende a acreditação da licenciatura de Gestão Hoteleira no IPCA.
PP. Ademais, sendo certo que as Recorrentes não alegaram um concreto prejuízo, para si, com o levantamento do efeito suspensivo, é igualmente certo que, atento o objeto da presente ação, que se prende com a anulação do procedimento concursal, tal prejuízo nunca se prenderia diretamente com o ato de adjudicação praticado a seu favor, uma vez que a pretensão das Recorrentes se prende precisamente com a anulação do procedimento concursal e, consequentemente, do ato de adjudicação praticado ao abrigo daquele.
QQ. A pretensão das Recorrentes prende-se com a reposição da legalidade através da expurgação do ordenamento jurídico do presente procedimento concursal e, eventualmente, a abertura de um novo concurso de objeto similar, com regras procedimentais, mormente o modelo de avaliação, que respeitem as regras e princípios mais elementares da contratação pública.
RR. Isto por que é forte convicção das Recorrentes que, in casu, atenta a proposta por si apresentada, se o critério de adjudicação fixado pela Entidade Demandada fosse integralmente observado e respeitado pelo modelo de avaliação fixado, designadamente, e em particular, a fórmula matemática que avalia as propostas no fator preço, bem como, se tivessem sido observados os graus de pormenorização e detalhe, a proposta das Recorrentes seria a proposta vencedora.
SS. De resto, é também do interesse público que a proposta a adjudicar, atenta a ponderação atribuída ao fator preço no âmbito do presente procedimento concursal – que é de 60%, face aos 40% atribuídos ao fator qualidade/valia técnica – seja a proposta que apresente melhor preço, estando cumpridos e observados todos os termos e condições fixados pela Entidade Adjudicante, como sucede com a proposta das ora Recorrentes.
TT. De modo que incorre em erro de julgamento a decisão proferida pelo Tribunal ad quo, devendo ser revogada, e substituída por decisão em que se mantenha o efeito suspensivo automático nos presentes autos, o que se requer.
TERMOS EM QUE, e nos melhores de Direito que V.ªs Ex.ªs certamente suprirão, deverá o presente Recurso ser admitido e julgado totalmente procedente, com a consequente revogação da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sendo que, ao decidir-se assim, farão V.ªs Ex.ªs a tão acostumada
JUSTIÇA!»
1.8. O Apelado contra-alegou, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«A. As Recorrentes impugnam a Sentença proferida pelo Tribunal a quo imputando-lhe: a) vício de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea d), e 608.º, n.º 2, ambos do CPC; b) erro de julgamento quanto à matéria de facto; c) erro de julgamento de Direito – vícios que não se verificam, sendo o recurso improcedente.
B. Com efeito, a nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, prevista nesta norma legal, tem de referir-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.
C. Ora, as Recorrentes não identificam quaisquer questões sobre as quais o Tribunal a quo devia ter-se pronunciado e não se pronunciou. O que verdadeiramente as Recorrentes alegam é que o Tribunal a quo cometeu um erro de julgamento no que diz respeito à matéria de facto.
D. Acresce que, os factos, apelidados pelas Recorrentes de “questões” para encaixar no conceito do artigo 615.º do CPC, não foram, nem deviam ter sido abordados e decididos pelo Tribunal a quo na Sentença proferida.
E. Também não se vislumbra qualquer erro de julgamento quanto à matéria de facto, que justifique dar-se como provado que “No âmbito do financiamento aprovado do PRR, para o IPCA, está alocado à ESHT um financiamento total de cerca de €2.437.500,00, distribuído pelas rubricas de equipamento, software e mobiliário, contratação de Recursos Humanos e apoio a estudantes”, e como não provado que “Se a execução da empreitada não for de imediato, o contrato de financiamento pode ser resolvido”; e “O IPCA não dispõe de meios financeiros para executar esta empreitada, pelo que a mesma não se concretizará.”
F. Com efeito, foi o Recorrido que alegou a existência de um contrato de financiamento obtido pelo IPCA e o prejuízo decorrente da manutenção do efeito suspensivo do início da execução da obra, factualidade que as Recorrentes impugnaram e o Tribunal a quo decidiu não dar como provada e relevante para o julgamento do levantamento do efeito suspensivo.
G. Logo, não poderia dar como provada a factualidade alegada por parte das Recorrentes para impugnar tais factos e prejuízos!
H. Em rigor, as Recorrentes pretendem criar a ideia de que o Tribunal a quo aceitou que se justificava o levantamento da suspensão para evitar a perda de financiamento por parte do IPCA que não é o dono da obra, nem o mesmo se destina ao pagamento da execução da empreitada, o que é pura e simplesmente falso.
I. Alegam igualmente as Recorrentes que o Tribunal a quo decidiu levantar o efeito suspensivo porque a comunidade, o Município e o IPCA sofrem um prejuízo devido à falta de oferta formativa naquela Região, se a empreitada não se iniciar imediatamente, o que não corresponde à verdade.
J. A decisão proferida na Sentença decorre da constatação de que a inexistência das novas instalações do IPCA em ... limita a oferta formativa e as hipóteses de o IPCA cumprir a sua missão e se afirmar no âmbito deste tipo de formação na área do Turismo.
K. Sem prejuízo, o curso ministrado pelo Instituto Politécnico ... em ... não altera minimamente esta realidade nem a correção do sentido da decisão proferida na Sentença, dado que o mesmo é mais destinado para o setor da indústria alimentar e apenas funcionou em ... durante uma edição.
L. Não se verifica, igualmente, erro de julgamento quanto à matéria de Direito, não se concebendo que as Recorrentes prossigam um interesse público com o pedido de declaração e ilegalidade de uma norma do concurso, uma vez que a prossecução do interesse público decorre da lei e das atribuições e competências que são cometidas por esta a certa entidade (pública ou privada) – não decorre, como é princípio do Direito Administrativo, de um qualquer ato de voluntarismo, visando a reposição da legalidade numa qualquer situação jurídica.
M. Nem se concebe, aliás, que pugnar pela reposição da legalidade constituía, em si mesmo, um ato de prossecução ou defesa do interesse público.
N. Mais. O levantamento do efeito suspensivo previsto nessa norma legal não afeta a legalidade do ato impugnado numa ação de contencioso pré-contratual, assim como não produz qualquer efeito na reposição dessa mesma legalidade.
O. Em consequência, o interesse na reposição da legalidade invocada pelas Recorrentes não é afetado pelo levantamento do efeito suspensivo automático, nem assume relevância para a ponderação prevista no n.º 4 do artigo 103-A do CPTA.
P. Ao contrário do que é defendido pelas Recorrentes, o Requerido cumpriu o ónus de alegar e provar danos causados pela manutenção do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103-A do CPTA, tao como o demonstra a Sentença quando identifica os factos, os interesses e os prejuízos alegados pelo Recorrido.
Q. Como se por verificar percorrendo os factos dados como provados na Sentença a quo, o Recorrido não deu causa a qualquer atraso na adjudicação da empreitada, nem se vislumbra que a urgência do início da obra para evitar os prejuízos alegados e provados pelo Recorrido, fique comprometida pelo facto pode ter ocorrido algum atraso no procedimento concursal da responsabilidade deste último (Recorrido).
R. Apesar de o Município ser responsável pela manutenção da Quinta ..., a verdade é que este imóvel está degradado e precisa de obras profundas com vista à sua reabilitação, não se compadecendo essa degradação com simples trabalhos de manutenção, que pudessem afastar a urgência da intervenção objeto do concurso dos presentes autos.
S. Ao contrário do que é alegado no recurso, a acreditação da licenciatura da Gestão Hoteleira ocorreu 2021, mas o prazo de acreditação só termina em 2025, e não em 2024, se, entretanto, não forem construídas essas instalações em ....
T. Por fim, rejeita-se em absoluto que a proposta das Recorrentes possa sair vencedora deste procedimento, uma vez que a qualidade da mesma se revelou muito aquém das propostas de outros concorrentes, registando-se que ficou classificada em 3.º lugar.
U. Não se verifica, assim, qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, louvando-se sim, a capacidade do Tribunal a quo sintetizar as questões em discussão e identificar de forma objetiva os concretos factos que demonstram o interesse público subjacente à necessidade de se iniciar imediatamente esta empreitada, e os prejuízos que o seu deferimento para um tempo indeterminável podem causar ao Requerido, à comunidade e ao IPCA.
V. Na realidade, as Recorrentes não alegaram quaisquer interesses ou prejuízos causados pelo levantamento do efeito suspensivo e quando foram confrontadas com a sua falha, ensaiaram a defesa do interesse público como estando subjacente à sua pretensão de manutenção do efeito suspensivo.
W. O que está em causa nos presentes autos é um procedimento concursal que visa a construção de uma instituição de ensino (Escola-Hotel) que disponibilizará à comunidade dos Municípios ... e do ... (e não só naturalmente) cursos na área da hotelaria e turismo, construção essa que não pode ficar a aguardar pela decisão definitiva, com trânsito em julgado, da ação principal, sob pena de o IPCA perder as autorizações já obtidas (de forma condicionada) para as licenciaturas a ministrar nas novas instalações de ..., e os alunos que frequentam o curso de licenciatura em Gestão Hoteleira acreditado pela A3ES em 2021 e iniciado no ano letivo 2022/2023, em instalações provisórias no Campus do IPCA, em ..., serem forçados a interromper a sua formação.
X. É este interesse público que se visa salvaguardar com o levantamento do efeito suspensivo (a par com a reabilitação de um edifício histórico – Quinta ...), ao qual não surge contraposto qualquer interesse privado suscitado pelas Recorrentes neste Incidente – ou seja, o levantamento da suspensão não causa nenhum prejuízo nem afeta qualquer interesse das Recorrentes.
Y. Sendo assim, não se vislumbra qualquer justificação para manter um efeito que, por lei, visa proteger os concorrentes da efetivação prática da adjudicação e consequente execução do contrato pelo adjudicatário, em detrimento do autor da ação de contencioso pré-contratual.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso interposto pelas Recorrentes ser julgado improcedente e, em consequência, ser mantida integralmente a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, com o que se fará a costumada
JUSTIÇA!»
1.9. Inconformada com o saneador-sentença que julgou a ação de contencioso pré-contratual improcedente a autora interpôs recurso de apelação, que termina com as seguintes CONCLUSÕES:
«A. Vem a Recorrente interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, Unidade Orgânica 2, proferida no âmbito do processo identificado supra, no qual se julgou totalmente improcedente a presente ação e, consequentemente, se absolveu o Réu e a CI do pedido.
B. Sucede que, salvo o devido e merecido respeito, não podem as Recorrentes conformar-se com a douta decisão proferida pelo Tribunal ad quo.
C. Neste conspecto, refira-se que o objeto da presente ação prende-se com a ilegalidade do procedimento concursal destinado à execução da empreitada “Escola ... – Quinta ...”, designadamente, no que concerne ao modelo de avaliação fixado nas peças do procedimento, e que decompõe o critério de adjudicação multifator: o fator “Preço”, em particular, a fórmula utilizada no procedimento, que provocou, na ótica das Recorrentes, uma subversão do critério de adjudicação definido, e bem assim, o fator “Qualidade”, no que concerne ao grau de pormenorização e detalhe legalmente exigido.
D. Pretende-se, nos presentes autos, a anulação do ato de adjudicação, por este se encontrar inquinado pelas ilegalidades das peças do procedimento, e bem assim, a anulação do procedimento.
E. Assim, é entendimento das Recorrentes que o Tribunal ad quo incorreu em vários erros de julgamento de Direito, quer quanto à apreciação da legalidade das disposições relativas ao fator preço, quer quanto à apreciação que fez da legalidade das disposições relativas ao fator qualidade.
F. É entendimento das ora Recorrentes que a metodologia de avaliação do fator preço, designadamente, a fórmula para determinar a pontuação a atribuir ao preço da proposta é violadora do princípio da boa administração, ínsito no artigo 5.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e artigo 1.º-A, n.º 1, do CCP, segundo o qual a Administração Pública deve pautar-se por critérios de eficiência e economicidade, devendo, face ao critério de adjudicação, preferir as propostas com uma efetiva melhor relação custo/benefício.
G. De igual modo, o modelo de avaliação adotado, no que concerne ao fator preço, viola o princípio da igualdade e da concorrência, previsto no n.º 4 do art. 1.º do CCP, ao desincentivar a apresentação de propostas diferenciadas e mais baixas, na medida em que anula, quase que por completo, o efeito concorrencial de diferentes propostas, subvertendo, ainda, o critério de adjudicação fixado pela própria Entidade Adjudicante, aqui Recorrida.
H. Isto por que, apesar de o programa do procedimento atribuir maior relevância ao fator do preço, ao qual é aplicável uma ponderação de 60% face à ponderação de 40% da qualidade, o preço apresentado pelos concorrentes não influencia significativamente a pontuação final, acabando por ser o fator qualidade – com uma ponderação, formalmente, menor, isto é, de apenas 40% - o fator decisivo na escolha da proposta.
I. Da análise do esquema gráfico e da tabela de valores que lhe corresponde decorrem as seguintes ilações: a curva apresentada exprime a aplicação de uma fórmula matemática polinomial, não linear; a fórmula faz a transformação matemática dos valores das propostas (valores de entrada) em pontuações (valores de saída) do critério que lhe corresponde; o seu intervalo de validade tem como universo de valores de entrada, valores de propostas compreendidas entre 0 (zero) euros e 20% acima do Valor Base do Procedimento; embora aparentemente a fórmula escolhida contemple todos os valores possíveis de propostas, não é expectável que ocorram propostas de valores de todo esse universo; quer-se com isto dizer, que pese embora a fórmula aparente pontuar de forma significativamente diferente, propostas também diferentes, na prática, tendo em conta o universo esperado de valores, isso não se verifica; ou seja, num intervalo de valores expectável, que se admite como referencial habitual em procedimento públicos, 20% abaixo do VB, o que de facto veio a verificar-se pelas propostas apresentadas, os valores de pontuação que se obtêm, não são igualmente diferenciadores, e embora a fórmula se desenhe acentuadamente curva em toda a sua extensão de validade, quando observada no intervalo referido (entre VB e (-)20% do VB), a inclinação que apresenta é praticamente nula, ou seja, é praticamente uma reta com declive insignificante, o que evidencia a insensibilidade da fórmula relativamente àqueles; evidência desta condição é facto de propostas distanciadas de milhares de euros, terem diferenças de pontuação irrelevantes, como referido relativamente às propostas das concorrentes; já o mesmo não se verifica no intervalo entre o preço base e +20% do preço base, onde a curva é claramente mais acentuada e faz variar a pontuação proporcionalmente ao do preço concretamente apresentado (veja-se, para uma proposta apresentada com preço de +20% do preço base a pontuação é de 10 pontos, ao passo que uma proposta apresentada com preço de +10% do preço base a pontuação é de 15,777 pontos);
J. De modo que, a curva se comporta de maneira desequilibrada para os diferentes intervalos de valores de propostas, e diga-se, injustificadamente, para o intervalo de preços entre -20% do preço base e o preço base (intervalo esse que seria o mais expectável onde os concorrentes se situariam relativamente ao preço, talqualmente sucedeu), e para o intervalo de preços entre o preço base e +20% do preço base;
K. Isto posto, não se compreende de que forma pôde o Tribunal ad quo considerar que a fórmula matemática em si não encerra um caso em que os preços mais baixos são desvalorizados face a preços mais altos, já que, conforme vimos, a pontuação a atribuir aos preços abaixo do preço base não varia proporcionalmente em relação à diferença, talqualmente sucede com os preços acima do preço base.
L. Vale por isto dizer que a expressão matemática referida se reveste de tal insensibilidade, que permite e promove que propostas com diferenças substanciais de valor em euros, tenham insignificantes diferenças de pontuação no fator que lhe cabe.
M. Dito de outro, estamos perante um caso em que uma proposta de preço mais alto é valorizada em detrimento de uma proposta de preço mais baixo, não diretamente, designadamente, através da atribuição de uma pontuação mais alta no fator preço a uma proposta de preço mais elevado – o que seria gritante – mas acaba por fazê-lo indiretamente, tendo o mesmo resultado, ainda que camuflado.
N. Dito isto, a decisão proferida pelo Tribunal ad quo padece de erro de julgamento de Direito na medida em que considerou, como vimos, erradamente, que a fórmula matemática fixada nas peças do procedimento para avaliar o fator preço não está ferida de ilegalidade.
O. Requer-se, assim, a revogação da douta sentença e substituição daquela por decisão que dê como provado que a fórmula matemática é insensível às variações de preço das propostas, contendendo e subvertendo o critério de adjudicação fixado.
Sem prescindir,
P. O Tribunal ad quo incorreu em erro de julgamento de Direito ao decidir que o mecanismo previsto no artigo 70.º, n.º 6, do CCP, isto é, de adjudicação acima do preço base, deve estar acomodado no critério de adjudicação, talqualmente sucedeu in casu, designadamente, na fórmula/expressão matemática que avalia o fator preço (por referência à parte final daquele preceito normativo, da qual decorre “de acordo com o critério de adjudicação”).
Q. Ora, da leitura daquele preceito normativo se imprime, em momento algum, que esta faculdade tem de estar acomodada no critério de adjudicação ou nos modelos de avaliação fixados.
R. Somente, conclui-se que o uso dessa prerrogativa tem de estar previsto no programa de concurso e, bem assim que, o aresto “de acordo com o critério de adjudicação”, previsto in fine no n.º 6 do artigo 70.º do CCP, tem que ver com o modo como a entidade demandada pode adjudicar a uma proposta acima do preço base.
S. Neste conspecto, explana José Duarte Coimbra o seguinte: “(i) Em sede de relatório final, sempre com o natural respeito pelo direito de audiência prévia dos concorrentes, deve o júri: i) identificar quais as propostas que padecem daquela causa de exclusão “potencial” [acima do preço base]; ii) proceder à sua avaliação e ordenação, de acordo com o critério de adjudicação; e, ainda, iii) controlar se a proposta ordenada em primeiro lugar respeita os limites previstos no artigo 47.º/4 (...) e, se assim for, sujeitar a possibilidade da sua adjudicação ao órgão competente para a decisão de contratar; (...)” – in A revisão do Código dos Contratos Públicos de 2021, AAFDL Editora, 2021, p. 149.
T. Isto posto, a expressão “de acordo com o critério de adjudicação” pressupõe que a Entidade Adjudicante avalie a proposta do concorrente desconsiderando que a mesma desrespeita o preço base fixado no concurso, isto é, que a avalie talqualmente o faria se o preço fosse abaixo da base.
U. Isto é, o artigo 70.º, n.º 6 do CCP enuncia, in fine “de acordo com o critério de adjudicação”, o que não é sinónimo, como parece ser o entendimento do Tribunal ad quo que o próprio critério de adjudicação tenha de contemplar essa possibilidade. Na n/leitura, trata-se, antes de o critério de adjudicação ser estabelecido de modo independente e depois ser aplicado o tal mecanismo.
V. Posto isto, padece de erro de julgamento de Direito o entendimento do Tribunal ad quo de que o critério de adjudicação, e bem assim, a densificação do mesmo no modelo de avaliação, deve contemplar a faculdade prevista no artigo 70.º, n.º 6, do CCP, influenciando, assim, dessa forma, o momento avaliativo, o que, desde já se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente, para revogação da sentença proferida e substituição daquela por decisão que reponha a legalidade.
Ainda,
W. O Tribunal ad quo incorreu em erro de julgamento ao considerar que inexiste uma diferença significativa nos preços apresentados, e bem assim, que a proposta não sairia vencedora caso a fórmula matemática fosse outra.
X. Uma vez mais, cremos que o iter decisório do Tribunal ad quo incorre em erro de julgamento.
Y. Na verdade, o esforço de provar que se a fórmula fosse diferente que a proposta das Recorrentes seria adjudicada é desmedido, porquanto não é da competência das Recorrentes formular as regras concursais, muito menos, de construir fórmulas.
Z. No entanto, é forte convicção das Recorrentes que, in casu, atenta a proposta por si apresentada, se o critério de adjudicação fixado pela Entidade Demandada fosse integralmente observado e respeitado pelo modelo de avaliação fixado, designadamente, e em particular, a fórmula matemática que avalia as propostas no fator preço, bem como, se tivessem sido observados os graus de pormenorização e detalhe, a proposta das Recorrentes seria a proposta vencedora.
AA. Isto por que só assim se explica, isto é, em face da entropia do critério de adjudicação por força do modelo de avaliação fixado, que, apesar de a proposta da adjudicatária ser mais cara €673.693,98 (seiscentos e setenta e três mil seiscentos e noventa e três euros e noventa e oito cêntimos) do que a proposta das Recorrentes, aqueloutra seja a adjudicada. De igual modo, só assim explica como uma proposta mais cara €1.134.831,69 (um milhão cento e trinta e quatro mil oitocentos e trinta e um euros e sessenta e nove cêntimos), fica graduada acima da proposta das oras Recorrentes, não obstante critério de adjudicação definido atribuir a ponderação de 60% ao fator preço.
BB. De facto, não obstante a diferença significativa de preço apresentada, a pontuação do fator preço atribuída à proposta das Recorrentes apresenta apenas uma diferença de 0,300 em 20 pontos do concorrente graduado em 1.º lugar a final, no que a este fator diz respeito.
CC. Ainda, a diferença de pontuação atribuída no fator preço entre a proposta das Recorrentes e do concorrente graduado em 2.º lugar, foi apenas de 0,561 em 20 pontos.
DD. Neste conspecto, explane-se que contrariamente ao raciocínio encetado pelo Tribunal ad quo, a perspetiva a adotar para percecionar se existe a atribuição de pontuação proporcional à diferença de preços, não deverá partir de uma comparação entre o preço base e o concreto preço proposto, mas sim, a diferença de pontuação na escala total de 0 a 20 pontos. Como se disse, o mais expectável é que os preços se situem entre -20% do preço base e o preço base, sendo que uma diferença de pontuação de 0,300 e 0,561 pontos afigura-se diminuta na escala de 0 a 20 pontos.
EE. Deste modo, deve a sentença ser revogada, por erro de julgamento de Direito, e substituída por decisão que julgue totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade das peças do procedimento, e bem assim, anule o procedimento concursal em causa e o ato de adjudicação praticado ao abrigo daquele e igualmente impugnado na presente.
Sem prescindir,
FF. No que respeita ao fator qualidade, considerou o Tribunal ad quo – erradamente, s.m.o. – que a Entidade Demandada cumpriu com o grau de pormenorização e detalhe legalmente exigido
GG. Ora, salvo o devido e merecido respeito, não podem as Recorrentes concordar com o entendimento sufragado pelo Tribunal ad quo, conforme aduziremos infra.
HH. Reitera-se que no procedimento concursal em causa nos presentes autos está em causa a adoção de modalidade multifator para determinar a proposta economicamente mais vantajosa.
II. Isto posto, na linha do disposto nos artigos n.º 74.º, n.º 2, e 139.º, n.º 1, ambos do CCP, deve ser elaborado um modelo de avaliação das propostas que explicite claramente os fatores e os eventuais subfactores relativos aos aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos.
JJ. Acresce que, para cada fator ou subfator elementar, aquele mesmo modelo de avaliação deve, e de acordo com o disposto no artigo 139.º, n.º 2, explicitar a respetiva escala de pontuação.
KK. Sucede que, e salvo melhor entendimento, o modelo de avaliação das propostas, em particular, do fator “Qualidade”, no presente procedimento concursal, não cumpre o disposto naqueles preceitos legais. Vejamos, então.
LL. Neste conspecto, refira-se que o subfator “Memória Descritiva e Justificativa”, que apresenta um peso de ponderação de 20%, é avaliado, entre outros sub-subfatores, pelo “Conhecimento do local onde se irão desenrolar os trabalhos”.
MM. Antes de mais, refira-se que deve existir uma interligação entre os fatores e subfactores adotados no modelo de avaliação que cumpra o desiderato da entidade adjudicante com a escolha do critério da proposta economicamente mais vantajosa.
NN. E, não obstante a margem de discricionariedade administrativa legalmente reconhecida e determinada no que concerne à elaboração do modelo de avaliação e sua densificação, o que é certo é que a elaboração de um concreto modelo de avaliação sempre será matéria sindicável jurisdicionalmente, designadamente, no que concerne à coerência, proporcionalidade e desenvolvimento lógico do critério de adjudicação.
OO. Tendo isto presente, e salvo melhor opinião, é entendimento das Recorrentes que a apresentação de fotografias originais do local e zona envolvente não é garantia de um melhor ou pior conhecimento do local onde se irão desenrolar os trabalhos, porquanto qualquer pessoa poderia ser autora das fotografias e a inspeção do local dos trabalhos cabendo aos interessados, a Entidade adjudicante não valide as competências ou habilitações de quem inspeciona.
PP. De resto, a previsão deste sub-subfator, reitere-se, salvo melhor entendimento, não contribui com relevância técnica para a efetiva observação do critério de adjudicação e, em bom rigor, não se reveste de preponderância que justifique a ponderação atribuída de 10% da memória descritiva, proporção equivalente a outros subfatores, justificada e tecnicamente mais adequados.
QQ. Dito isto, é entendimento das Recorrentes que a definição do sub-subfator da Memória Descritiva e Justificativa (“conhecimento do local onde os trabalhos irão ser realizados”), nos moldes em que se encontra plasmado no modelo de avaliação, é manifestamente desajustada à prossecução do Interesse Público, na medida em que em nada releva ou é pertinente para que a Entidade Adjudicante conheça da concreta qualidade ou valia técnica das propostas avançadas a concurso.
RR. Em bom rigor, crê-se que aquele sub-subfator é, inclusive, arbitrário, por que nos moldes em que foi delineado, é desconectado com o critério de adjudicação.
SS. E, nesta medida, sempre poderá o poder jurisdicional sindicar a arbitrariedade ou o desajuste face ao interesse público daquele concreto sub-subfator, e não negado, desde logo, a pronúncia relativamente a esta matéria, ancorando-se na discricionariedade administrativa sem mais.
TT. De modo que, a sentença proferida padece de erro de julgamento de Direito, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que conheça do invocado, e decrete a ilegalidade das peças procedimentais, anulando o concurso e o ato de adjudicação subsequente, por força da arbitrariedade e/ou desajuste à prossecução do Interesse Público do modelo de avaliação do fator qualidade.
Sem prescindir,
UU. Ainda, perscrutado o fator qualidade, vertido no modelo de avaliação patente no Anexo VI, constata-se que a sua subdivisão é feita mediante a utilização de conceitos indeterminados, de preenchimento tendencialmente subjetivo, que fazem claudicar a pretendida e legalmente determinada clareza do modelo avaliativo.
VV. Isto posto, atenta a subjetividade presente nos diferentes níveis avaliativos fixados, não foi possível aos concorrentes perceber o que poderá, em bom rigor, fazer variar a pontuação a atribuir, dado que a atribuição das diferentes pontuações é feita tendo por base a utilização de conceitos indeterminados cuja densificação e preenchimento pode ocorrer de diversas formas consoante a perspetiva adotada.
WW. Destarte, face ao modo como se encontra elaborado o modelo de avaliação, que, como sobredito, padece de indeterminação e falta de clareza total, não é dado cumprimento ao disposto no artigo 139.º do CCP, bem como aos demais princípios vigentes no âmbito da contratação pública, pelo que se verifica a ilegalidade do modelo de avaliação – fundamento que se invoca e que deve ser conhecido de acordo com a estrita legalidade.
XX. Deste modo, deve a sentença ser revogada, por erro de julgamento de Direito, e substituída por decisão que julgue totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade das peças do procedimento, e bem assim, anule o procedimento concursal em causa e o ato de adjudicação praticado ao abrigo daquele e igualmente impugnado na presente.
TERMOS EM QUE, e nos melhores de Direito que V.ªs Ex.ªs certamente suprirão, deverá o presente Recurso ser admitido e julgado totalmente procedente, com a consequente revogação da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sendo que, ao decidir-se assim, farão V.ªs Ex.ªs a tão acostumada
JUSTIÇA!»
1.10. O Apelado contra-alegou, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«A. Nesta ação as Recorrentes pedem, essencialmente, que seja declarada ilegal a disposição procedimental respeitante ao modelo de avaliação no que respeita ao fator Preço, designadamente a fórmula matemática, bem como a disposição procedimental respeitante ao modelo de avaliação no que respeita ao fator Valia Técnica.
B. Na Sentença a ação foi julgada improcedente e as Recorrentes, não se conformando, impugnam essa decisão alegando que a mesma incorre em erro de julgamento de Direito, quer no que respeita à apreciação feita da legalidade do modo de avaliação do fator preço, quer no que respeita à apreciação feita da legalidade do modelo de avaliação fixado para o fator Valia Técnica.
C. Pese embora o esforço argumentativo das Recorrentes, a verdade é que a sentença proferida não merece qualquer reparo, devendo ser integralmente mantida.
D. Desde logo porque, em rigor, nas alegações apresentadas as Recorrentes apenas manifestam uma opinião sobre os factos diferente da decisão que o Tribunal a quo verteu na Sentença, sem revelar, em bom rigor, qualquer erro de julgamento no que diz respeito à aplicação do Direito aos factos.
E. As Recorrentes reiteram que a fórmula matemática subverte o critério de adjudicação fixado (da proposta economicamente mais vantajosa), violando os princípios da contratação pública, designadamente o da concorrência, mas não identificam qual é o aspeto valorativo de cada um desses princípios, ou regra deles emanada, que foi violado pela decisão contida na Sentença.
F. Limitam-se a afirmar que a pontuação atribuída pela fórmula aos preços que se situam entre o preço base (PB) e – 20% desse PB tem poucas variações, o que se consubstancia no facto de propostas distanciadas de milhares de euros terem diferenças de pontuação irrelevantes.
G. Em consequência, é forçoso concluir que as Recorrentes não cumpriram o ónus de identificar as normas jurídicas violadas pela Sentença, nem o sentido que as mesmas deviam ser interpretadas e aplicadas ao caso concreto, limitando a sua exposição à mera discordância relativamente ao sentido da decisão proferida na Sentença.
H. Sem prejuízo, considera-se que não há erro de julgamento na Sentença, uma vez que está demonstrado que o modelo de avaliação adotado, no que concerne ao fator Preço, não desincentiva a apresentação de propostas diferenciadas e mais baixas, muito menos anula o efeito concorrencial de diferentes propostas, subvertendo o critério de adjudicação fixado no programa de procedimento.
I. Na realidade, estabelecendo o CE que o preço base (PB) é de 15.984.940,32€, a fórmula matemática atribui pontuações diferenciadas consoante o preço proposto, que, no intervalo de preço compreendido entre o PB de 15.984.940,32€, e -20% do PB (12.787.952,26€), corresponde a uma pontuação entre os 18,846 e os 20 pontos – quanto mais baixo o preço, maior a pontuação –, e no intervalo superior, ou seja, no intervalo de preço compreendido entre o PB e +20% do PB (19.181.928,38€), corresponde a uma pontuação entre os referidos 18,846 e os 10 pontos – quanto mais elevado o preço, menor a pontuação.
J. Esta fórmula também atribui mais pontos às propostas de preço inferior ao PB, e dentro do intervalo compreendido entre o PB e -20% do PB, atribui mais pontos às propostas de preço mais baixo, dai resultando que a proposta de preço mais baixo garante sempre e em qualquer circunstância mais pontos que as demais com preço superior.
K. Não se verifica, portanto, violação dos princípios da concorrência ou da proporcionalidade, antes pelo contrário, esta fórmula promove a concorrência, diferenciando propostas de preço diferente e beneficiando com mais pontos as de menor preço.
L. É verdade que no intervalo de preço compreendido entre o PB de 15.984.940,32€, e -20% desse PB (12.787.952,26€), a fórmula atribui uma pontuação entre os 18,846 e os 20 pontos, mas tal conceção não viola os citados princípios, dado que, numa variação de 3.196.988,06€, TODAS as propostas com diferente preço obtêm um número de pontos diferente das outras, e sempre uma pontuação superior àquelas que se situam no intervalo de preços 20% acima do PB.
M. Sendo perfeitamente legitima e licita a opção por atribuir 18,846 pontos a uma proposta no limiar do PB, para evitar que os concorrentes, dadas as circunstâncias do mercado, sejam atraídos por propostas de preço acima do PB.
N. As Recorrentes reclamam que, apesar de o preço por si proposto ser bastante inferior ao preço da 1.ª classificada (673.693,98€), a diferença pontual resultante da aplicação da fórmula é muito pequena, o que é falso, uma vez que a diferença de preços entre as duas propostas é muito pequena relativamente ao PB (15.984.940,32€), representando essa diferença de preço apenas 4,2% do PB.
O. Em consequência, a pequena diferença de pontuação que resulta da aplicação da fórmula de avaliação do fator Preço (19,429 - 19,129 = 0,3), decorre do facto de a diferença de preço entre as duas propostas ser também ela pequena – só 4,2% do PB.
P. Por outro lado, não se concede que esta fórmula matemática possa subverter o critério de adjudicação – proposta economicamente mais vantajosa, determinada em função do Preço e da Valia Técnica –, uma vez que, no cômputo geral da avaliação de uma proposta, a pontuação obtida no fator Preço terá sempre um peso de 60% na avaliação final, e a pontuação atribuída no fator Valia Técnica terá sempre um peso de 40%.
Q. Além disso, reitera-se que a proposta com preço mais baixo obtém sempre mais pontos que a proposta de preço mais alto. Somando essa pontuação do fator Preço, à pontuação do fator Valia Técnica, obtém-se a proposta economicamente mais vantajosa, ou seja, aquela que alia a melhor relação entre o preço e a qualidade técnica.
R. Sendo absolutamente natural e perfeitamente legal que, numa situação em que os preços das propostas estão próximos, como sucede no caso dos presentes autos, a pontuação obtida no fator Valia Técnica, quando somada à pontuação obtida no fator Preço, diferencie as propostas e contribua para determinar o adjudicatário. Mas, reitera-se, não é a pontuação obtida no fator Valia Técnica, isoladamente considerada, que determina o adjudicatário, como as Recorrentes defendem.
S. O método de avaliação do fator Preço não viola o princípio da proporcionalidade em nenhuma das suas vertentes, sendo adequado a incentivar a apresentação de propostas de preço mais baixo (com o incentivo de maior pontuação), e desincentivar a apresentação de propostas de preço muito baixo ou muito alto (acima ou abaixo do limiar de 20% do PB), promovendo o interesse público em obter do mercado propostas com qualidade e preço compatível com a execução da empreitada, cumprindo pontualmente as condições contratuais.
T. O modelo de avaliação do fator Preço também não viola o princípio da boa administração, uma vez que a fórmula de avaliação do fator Preço foi precisamente ditada por razões de interesse público e garantia de qualidade da despesa pública, incentivando propostas de preço que se situem no intervalo entre o preço base e o limiar de 20% abaixo desse preço base.
U. O fator Valia Técnica complementa a avaliação das propostas, contemplando esta outra vertente da proposta, permitindo diferenciar propostas com preço aproximado mediante uma valorização da sua qualidade e aptidão para melhor servir o interesse do Recorrido em receber uma obra corretamente executada do ponto de vista técnico, e com total cumprimento das obrigações contratuais.
V. É este binómio preço / qualidade que assegura a melhor realização do interesse público, a maior eficiência na contratação e o melhor resultado económico possível na seleção do empreiteiro.
W. Os princípios da igualdade e concorrência também não são violados pela fórmula de avaliação do fator Preço, uma vez que, como se alegou, essa fórmula atribui pontuações diferentes a preços diferentes e não permite a desvalorização de propostas com preço mais baixo relativamente a outros mais elevados.
X. Além disso, todos os concorrentes conheciam a fórmula quando elaboraram as suas propostas e sabiam exatamente qual seria o preço mais eficiente na escala de pontuação, ou seja, aquele que permitiria obter a maior pontuação possível, com o menor esforço financeiro.
Y. Todos sabiam que a qualidade da proposta poderia ser determinante na seleção do adjudicatário e sabiam seguramente que o preço mais baixo não seria em nenhuma circunstância suficiente para obter a maior pontuação à luz do modelo de avaliação construído pelo Recorrido.
Z. E a verdade é que há três propostas com preços diferenciados, o que revela que os concorrentes formaram o seu preço em razão da competitividade das suas organizações empresariais, e não por condicionamentos impostos pela fórmula de avaliação do fator Preço.
AA. O facto de o n.º 6 do artigo 70.º prever a possibilidade de a entidade adjudicante adjudicar propostas de preço superior ao preço base (até ao limite de 20%), uma vez cumpridos os pressupostos estabelecidos nessa norma para tal efeito, não impede que se inclua esse quantitativo na fórmula matemática do critério de adjudicação do fator Preço – ou seja, que se avaliem os preços acima do PB até ao referido limite de 20%.
BB. Essa construção é perfeitamente compatível com o normativo dos artigos 75.º e 139.º do CCP, uma vez que diz respeito ao objeto do contrato e corresponde a necessidades da entidade adjudicante, ainda que a sua aplicação efetiva fique dependente da verificação, no momento apropriado (na sequência da análise das propostas), dos pressupostos previstos no n.º 6 do artigo 70.º do CCP.
CC. Por outro lado, também não se vislumbra que essa fórmula possa violar a teleologia de qualquer dessas normas, ou outras invocadas, nomeadamente o n.º 6 do artigo 70.º do CCP, uma vez que esta norma apenas regula os termos e condições em que a Entidade Adjudicante pode adjudicar acima do preço base.
DD. O n.º 6 do artigo 70.º do CCP não define os termos em que se avaliará uma proposta se esses pressupostos se verificarem, tendo o legislador deixado à discricionariedade da Entidade Adjudicante a liberdade de escolher o modelo e critério que melhor satisfaça o interesse por si prosseguido.
EE. E uma vez que o CCP impõe que haja apenas um critério de adjudicação para cada procedimento, torna-se obrigatório que a fórmula prevista para determinar a pontuação a atribuir ao preço acomode preços até 20% do preço base, assim como inferiores a este.
FF. Não se vislumbra, assim, qualquer erro de julgamento na parte em que o Tribunal a quo decidiu julgar improcedente a ilegalidade da fórmula matemática do critério de adjudicação do fator Preço, pelo facto de prever a possibilidade de a entidade adjudicante adjudicar propostas de preço superior ao preço base (até ao limite de 20%).
GG. As Recorrentes censuram erradamente a Sentença quando afirmam que foi devido à fórmula prevista para determinar a pontuação a atribuir ao preço que lhes escapou a adjudicação, uma vez que, na realidade, apresentaram uma proposta com base num critério de adjudicação que conheciam de antemão e que de forma muito clara indicava qual seria a pontuação que obteriam para o preço que quiseram propor – 14.815.168,08€, e não se empenharam em produzir uma proposta com elevada valia técnica.
HH. No que respeita ao fator Valia Técnica, não existe qualquer ilegalidade na definição deste subfactor, ao contrário do que é alegado pelas Recorrentes, que repetem no recurso o que alegaram na PI, como se não tivesse havido, entretanto, uma sentença em 1.ª instância.
II. Na realidade, o modelo de avaliação patente no Anexo VI foi construído mediante a utilização de conceitos perfeitamente determinados e que permitem a uma pessoa com conhecimentos médios, colocada na situação concreta dos interessados/concorrentes, perceber qual será o seu alcance e objeto.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso interposto pelas Recorrentes ser julgado improcedente e, em consequência, ser mantida integralmente a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, com o que se fará a costumada
JUSTIÇA!»
1.11. . O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º1, do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.
1.10. Sem vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se :
A- DO RECURSO RELATIVO À DECISÃO QUE ORDENOU O LEVANTAMENTO DO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO:
b.1. da nulidade por omissão de pronuncia: alínea d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC.
b.2. Erro de julgamento quanto à matéria de facto.
b.3. do erro de julgamento sobre a matéria de direito: interpretação restritiva do artigo 103.º-A do CPTA.
B- DO RECURSO DA DECISÃO FINAL:
b.4. do erro de julgamento decorrente de a fórmula prevista para determinar a pontuação a atribuir ao fator “preço da proposta” violar os princípios da boa administração, da igualdade e da concorrência.
b.5. da violação dos artigos 70.º, n.º6, 75.º e 139.º do CCP.
b.6.do erro de julgamento resultante de o tribunal a quo ter decidido que não existe uma diferença significativa nos preços das propostas.
b.7. Do erro de julgamento quanto ao fator Valia Técnica.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1.Em relação à decisão do levantamento do efeito suspensivo automático, a 1.ª Instância deu os seguintes factos como assentes:
«A) – No âmbito da sua atividade e dos seus Estatutos, o Conselho Geral do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave («IPCA») aprovou a criação da Escola Superior de Hotelaria e Turismo («ESHT»), que é uma unidade orgânica de ensino e investigação do IPCA – cf. documentos n.ºs ... a ... juntos com a contestação da ED;
B) – Através do Despacho de 24 de fevereiro de 2017, do Ministro da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, foi autorizada a criação da ESHT, em ..., para assegurar atividades culturais, humanísticas, científicas, tecnológicas e pedagógicas indispensáveis à prossecução e obtenção dos respetivos objetivos – cf. documentos n.ºs ... a ... juntos com a contestação da ED;
C) – Após o Despacho identificado na alínea antecedente, o IPCA e o Município ... criaram um Grupo de Trabalho para escolher a melhor localização para a instalação da referida Escola, o qual indicou a Quinta ... como a melhor opção para a sua instalação, com os seguintes fundamentos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(...)” – cf. documento n.º ... junto com a contestação da ED;
D) – A Quinta ... foi adquirida pelo Município ..., em 4 de maio de 2018 – cf. documentos n.ºs ... e ... juntos com a contestação da ED;
E) – É da responsabilidade do Município ... a execução as obras de requalificação da Casa do ..., bem como a construção do novo edifício pedagógico no terreno anexo, e o IPCA fica com o encargo de instalar o mobiliário e equipamento necessário para o funcionamento da Escola – cf. documento que consta de fls. 1611 do Sitaf junto com a contestação da ED;
F) – No âmbito do projeto de execução a desenvolver neste contexto e do seu Programa Preliminar, foi elaborada e aprovada a Informação dos serviços da Direção Geral do Ensino Superior, com data de 17-04-2020, que consta de fls. 1611 do Sitaf (identificado como documento n.º ... junto com a contestação), com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(...)

– cf. documento de fls. 1611 e ss. do Sitaf;
G) – Em julho de 2021 foi deliberado pela Câmara Municipal ... aprovar o procedimento de concurso limitado por prévia qualificação para adjudicar a empreitada de construção da Escola-Hotel na Quinta ..., cujo anúncio foi publicado no Diário da República II Série, n.º 153, de 9 de agosto de 2021, mas que ficou deserto por não terem sido apresentadas propostas abaixo do preço base – por acordo; cf. PA;
H) – A ED promoveu o Concurso Público com publicidade internacional (em DR, de 01-02-2023, e no JOUE) destinado à execução da Empreitada “Escola ... – Quinta ...”, com o mesmo objeto do Concurso identificado na alínea antecedente – por acordo; cf. PA;
I) – Está previsto na cláusula 6.ª do Caderno de Encargos que a empreitada deverá ser executada no prazo de 730 dias de calendário (2 anos), a contar da data da sua consignação ou da data em que o dono da obra comunique ao empreiteiro a aprovação do plano de segurança e saúde, caso esta última data seja posterior – por acordo; cf. PA;
J) – O contrato de empreitada a que respeita este procedimento, tem por objeto a instalação da Escola Superior de Hotelaria e Turismo na Quinta ..., confrontante com a Rua ..., Rua ..., ..., através da conjugação da reabilitação do conjunto edificado da Quinta ..., a Casa do ..., designado como edifício A, as cavalarias/celeiro designado como edifício B, e a construção a Norte anexa ao conjunto, designada como edifício C, com a construção de um novo edifício que responda a todas as necessidades funcionais – por acordo; cf. PA;
K) – Esta operação urbanística visa uma intervenção sobre dois edifícios distintos, convertendo o edificado existente num hotel (edifício ...), que funcionará essencialmente num âmbito académico em complementaridade com um edifício a construir de novo (edifício F) destinado a instalação da referida Escola – por acordo; cf. PA;
L) – Foram apresentadas e admitidas a concurso, para além da proposta das ora Autoras, a proposta do Agrupamento concorrente [SCom03...], S.A. – [SCom04...], S.A., e a proposta da [SCom05...], S.A. – cf. PA;
M) – O Júri elaborou o Relatório Final e propôs a seguinte ordenação:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]



– cf. PA;
N) – Em 09-06-2023, a Entidade Demandada autorizou a adjudicação do Concurso nos termos propostos pelo Júri – cf. PA;
O) – Em 23-06-2023, foi instaurada a presente ação de contencioso pré-contratual, na qual é formulado o seguinte pedido:
“ii) Deve ser declarada ilegal a disposição procedimental respeitante ao modelo de avaliação no que respeita ao fator preço, designadamente, a fórmula matemática, nos moldes supra expostos;
iii) Deve ser declarada ilegal a disposição procedimental respeitante ao modelo de avaliação no que respeita ao fator valia técnica, nos moldes supra expostos; Consequentemente,
iv) Deve ser anulado o procedimento concursal em causa; e,
v) Deve ser anulado o ato de adjudicação da empreitada ao Agrupamento contrainteressado [SCom03...]/NVE;
vi) Deve ser anulado o contrato de empreitada que tenha sido celebrado ao abrigo do procedimento concursal em causa”.
– cf. fls. 1 e ss. dos autos;
P) – Está prevista a celebração de um protocolo de cedência das instalações, no momento em que se iniciem as obras da empreitada – cf. documento de fls. 1611 e ss. do Sitaf junto com a contestação;
Q) – A Quinta ... é uma propriedade com cerca de 4,5 ha, constituído por um edifício senhorial do século XVII, constando dos pareceres das entidades públicas emitidos no contexto do anteprojeto, designadamente, do parecer emitido pela Divisão do Centro Histórico da ED, que a Quinta ... está localizado na ZEP da Área Classificada como Património Cultural da Humanidade pela Unesco e na área de Reabilitação Urbana do Centro da Cidade; e da Direção Regional da Cultura do Norte, que o conjunto edificado , integra a quinta situada na área limítrofe da zona de proteção ao bem classificado – Centro Histórico de ... – cf. documento de fls. 1611 e ss. do Sitaf junto com a contestação; e, ainda, cf. pareceres anexos às peças concursais (que constam do PA – Originais – páginas 28/246);
R) – Desde a sua criação, a ESHT ficou incubada no Campus do IPCA, em ... – por acordo; cf., ainda, documento n.º ... junto com o requerimento da ED de 09-08-2023;
S) – A acreditação da licenciatura da Gestão Hoteleira, que ocorreu 2021, e permitiu que o curso se iniciasse no ano letivo 2022/2023 em instalações provisórias, no Campus do IPCA, em ..., está sujeita às seguintes condições:
a) No prazo de 1 ano, demonstração da contratação efetiva do corpo docente proposta na área fundamental principal do CE, Hotelaria e Restauração.
b) No prazo de 1 ano, demonstração de afetação de pessoal não docente aos serviços de apoio essenciais para o regular funcionamento do CE no novo campus.
c) No prazo de 3 anos, demonstração da conclusão das instalações inerentes ao funcionamento do ciclo de estudos, nomeadamente o novo campus e Escola-Hotel tal como projetado, bem como a disponibilização de equipamento, recursos pedagógicos e serviços de apoio para a regular utilização do novo campus e Escola-Hotel por parte dos alunos, docentes e não docentes
– cf. documento n.º ... junto com o requerimento da ED de 09-08-2023.
T) – A acreditação do curso de Gestão Hoteleira, que entrou em funcionamento no ano letivo 2023/2024, por parte da A3ES – Agência de avaliação e acreditação dos cursos do ensino superior, foi aprovada pelo prazo de 2 anos, condicionada à mudança do funcionamento do curso para as novas instalações a construir em ... – cf. documento n.º ... junto com o requerimento da ED de 09-08-2023.
*
Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.»
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3.2. Em relação ao saneador-sentença que julgou a ação improcedente, o Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:
« Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
A) – O Município ..., ora ED, promoveu o Concurso Público, com publicidade internacional (publicação em DR e JOUE), destinado à execução da empreitada “Escola ... – Quinta ...”, com o «preço base» de € 15.984.940,32 – cf. PA;
B) – Do Programa do Procedimento (PP) referente ao Concurso mencionado na alínea A), que aqui se dá por integralmente reproduzido, extrai-se o seguinte:
“(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]



(...)” – cf. PA;
C) – Consta do Anexo VI ao PP, para o qual o artigo 18.º do PP remete, o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]



(...)” – cf. PA;
D) – As Autoras [SCom01...], S.A. e [SCom02...], S.A., e as ora CI, AGRUPAMENTO composto por [SCom03...], S.A. – [SCom04...], S.A, a [SCom05...], S.A., apresentaram proposta ao Concurso mencionado na alínea A), cujos teores se dão por integralmente reproduzidos, que foram admitidas – cf. propostas que constam do PA;
E) – O Júri elaborou o Relatório Preliminar, cujo teor e fundamentação se dá aqui por integralmente reproduzida, no qual propôs a ordenação e graduação das propostas admitidas do seguinte modo:
“(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]



– cf. relatório preliminar que consta do PA;
F) – As Autoras e as ora CI nesta ação apresentaram pronúncia em sede de audiência prévia, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos – cf. pronúncias que constam do PA;
G) – O Júri elaborou o Relatório Final, cujo teor e fundamentação se dá por integralmente reproduzida, no qual apreciou as pronúncias apresentadas em sede de audiência prévia, e deliberou manter as conclusões do Relatório Preliminar do seguinte modo: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(...)


(...)” – cf. relatório final que consta do PA;
H) – Em 09-06-2023, foi comunicada aos concorrentes a decisão de adjudicação, nos termos propostos pelo júri – cf. PA.
*
3.1. B) DOS FACTOS NÃO PROVADOS:
Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para esta decisão.»
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III.B.DE DIREITO
B.i- Do recurso relativamente à decisão de levantamento do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação.
Conforme se extrai do relatório supra elaborado e dos factos assentes, no âmbito do procedimento de concurso público para adjudicação do contrato de empreitada que tem por objeto a obra de reabilitação de um edifício existente e a execução de um edifício novo- “Quinta ...”, em ...- onde irá ser instalada a Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Instituto Politécnico do Cávado e Ave, a proposta graduada em 1.º lugar foi a apresentada pelo agrupamento formado pelas sociedades [SCom03...], S.A. e [SCom04...], S.A. (CI).
Sucede que, as autoras, ora apelantes, não se conformando com essa adjudicação, moveram a competente ação de contencioso pré-contratual na qual peticionaram que fosse: (i) Declarada ilegal a disposição procedimental respeitante ao modelo de avaliação no que respeita ao fator Preço, designadamente a fórmula matemática; b) Declarada ilegal a disposição procedimental respeitante ao modelo de avaliação no que respeita ao fator Valia Técnica; e consequentemente, c) Anulado o procedimento concursal; d) Anulado o ato de adjudicação da empreitada ao agrupamento das Contrainteressadas [SCom03...]/NVE; e) Anulado o contrato de empreitada que tenha sido celebrado ao abrigo do procedimento concursal.
A instauração da referida ação determinou ope legis a suspensão dos efeitos do ato de adjudicação à proposta das CI COSTEIRA/NVE, bem como da execução do contrato entretanto celebrado, nos termos do artigo 103-A do CPTA.
Citado, o apelado contestou a ação e os pedidos formulados pelas apelantes, e requereu ainda, a titulo incidental, o levantamento do referido efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução da adjudicação e do contrato de empreitada, impossibilita o início imediato da execução da empreitada e a sua conclusão no prazo previsto de 2 anos (730 dias), causando prejuízos graves e irreparáveis à comunidade, ao Município e ao IPCA, sendo os danos resultantes do diferimento do início e conclusão da obra nesses prazos, claramente superiores àqueles que podem eventualmente resultar para as Autoras do levantamento da suspensão.
As apelantes contestaram o Incidente, tendo, porém, a 1.ª Instância decidido o levantamento do efeito suspensivo automático do ato administrativo de adjudicação impugnado pelas apelantes.
As apelantes não se conformam com essa decisão, impetrando-lhe:
(i) o vício de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea d), e 608.º, n.º 2, ambos do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, alegando que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que deveria conhecer em face da sua importância para o conhecimento do mérito da causa;
(ii) Erro de julgamento quanto à matéria de facto, alegando que o Tribunal a quo julgou como provados factos que devem julgar-se como não provados, e não julgou como provados factos que devem ser julgados como provados;
(iii) Erro de julgamento de Direito, alegando que o Tribunal a quo fez uma interpretação muito restritiva da disposição do artigo 103-A do CPTA, e aplicou erradamente essa disposição aos factos provados.
Na procedência dos fundamentos de recurso que invocam, pretendem que este Tribunal ad quem revogue a decisão recorrida e que, em consequência, profira decisão que reconheça a manutenção do efeito suspensivo previsto no artigo 103.º-A do CPTA.
Vejamos.
Antes de analisarmos os fundamentos de recurso supra delineados, consideramos útil tecer algumas considerações técnico-jurídicas de enquadramento sobre o mecanismo processual previsto no artigo 103.º-A do CPTA, como de resto é recorrente fazer-se neste tipo de processos.
Nesse desiderato, importa começar por recordar que o artigo 103.º-A do CPTA, sob a epígrafe “Efeito suspensivo automático”, estabelece no n.º1 que :
«As ações de contencioso pré-contratual que tenham por objeto a impugnação de atos de adjudicação relativos a procedimentos aos quais é aplicável o disposto no nº 3 do artigo 95º ou na alínea a) do nº 1 do artigo 104º do Código dos Contratos Públicos, desde que propostas no prazo de 10 dias úteis contados desde a notificação da adjudicação a todos os concorrentes, fazem suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.”- redação conferida pela Lei n.º 118/2019, de 17/09.
A suspensão ope legis prevista neste preceito apenas opera quando o ato impugnado seja o ato de adjudicação emergente de procedimento pré-contratual ao qual seja aplicável, nos termos do CCP, o período de stand still ou que tenha publicidade internacional. De contrário, o efeito não se dá, restando a possibilidade de requerimento das medidas previstas no art.º 103º-B.
No n.º2 do mesmo preceito prevê-se que «…durante a pendência da ação, a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo previsto no número anterior”. Ou seja, resulta desta norma que o efeito suspensivo automático pode ser levantado por decisão judicial, a requerimento da Entidade Demandada ou dos Contrainteressados.
Por sua vez, o nº 4 do referido preceito estabelece que “O efeito suspensivo é levantado quando, devidamente ponderados todos os interesses públicos e privados em presença, os prejuízos que resultariam da sua manutenção se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.” – na redação conferida pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio. ( negrito nosso)
Analisando a disciplina contida no artigo 103.º-A do CPTA o mesmo prevê, para as situações nele contempladas, um regime jurídico próprio consubstanciado na atribuição de efeito suspensivo automático à impugnação do ato de adjudicação, com o propósito de paralisar os efeitos do ato de adjudicação impugnado, impedindo a celebração do contrato, facultando aos interessados algum tempo para ponderarem sobre a legalidade do ato de adjudicação e, bem assim, na previsão de um incidente motivado pelo requerimento para o seu levantamento. Com o efeito suspensivo do ato de adjudicação visa-se, assim, tornar efetiva a via contenciosa, garantindo ao respetivo impugnante o poder de fazer paralisar a contratação em curso, obstando à celebração e execução do contrato e, dessa forma, à eventual lesão do interesse que se quis acautelar por via da interposição da correspondente ação. Trata-se de impedir a ocorrência de situações de facto consumado, decorrentes da celebração e execução do contrato, e assegurar, caso a ação venha a ser ganha, que o impugnante tem uma real hipótese de vir a executar o contrato em questão. Pressupõe-se, portanto, que quem impugna o ato de adjudicação, nas situações contempladas pela norma, tem à partida o direito a ver o procedimento concursal imediatamente suspenso, até que a correspondente ação seja definitivamente dirimida, situação que só pode ser invertida quando, ponderados todos os interesses envolvidos, se verifique que os prejuízos que resultariam da sua manutenção se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.
Para o efeito, como notam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha – cfr. in Comentário ao CPTA, 5.ª edição, p. 892- “o juiz deve formular um juízo de valor relativo entre a situação do impugnante e os interesses públicos e privados que se lhe contrapõem: o juiz só pode, pois, levantar o efeito suspensivo quando, na comparação do peso relativo dos interesses em presença, conclua que os danos que dele decorrem para o interesse público ou para os interesses dos contrainteressados seriam superiores àqueles que podem advir, para o impugnante, da celebração e execução do contrato. […] a eventual alegação da existência de um grave prejuízo para o interesse público não deve ser avaliada por si só, em valor absoluto, mas, pelo contrário, deve ser cotejada, em termos relativos ou comparativos, com a gravidade dos prejuízos que para o impugnante poderão advir do levantamento do efeito suspensivo, para o efeito de só dever ser considerada suficiente para determinar o levantamento do efeito suspensivo quando, devidamente ponderados os interesses em presença, seja de concluir que os danos que para o interesse público resultariam da manutenção do efeito suspensivo, por graves que sejam, se mostram superiores àqueles que poderiam resultar do seu levantamento. Para que possa ser determinado o levantamento do efeito suspensivo com fundamento na existência de grave prejuízo para o interesse público, é, pois, necessário que, uma vez “ponderados todos os interesses suscetíveis de serem lesados”, o juiz possa concluir que o prejuízo para o interesse público é grave, não só porque é grave, em si mesmo, mas também porque é superior aos danos que, para o impugnante, resultariam do levantamento do efeito suspensivo. Mesmo quando da manutenção do efeito suspensivo resultem danos graves para o interesse público, o juiz, num contexto de “ponderação equilibrada dos eventuais danos, contrabalançando os riscos que a concessão da providência pode envolver com a amplitude dos danos que a sua recusa possa trazer”, deve, pois, ponderar se, apesar disso, os danos que para o impugnante resultariam do levantamento do efeito suspensivo ainda seriam superiores àqueles – comparativamente menos importantes – que para o interesse público resultariam da manutenção desse efeito.”
Note-se que, como refere Duarte Rodrigues Silva- in O Levantamento do Efeito Suspensivo Automático no Contencioso Pré-Contratual, Cadernos Sérvulo de Contencioso Administrativo e Arbitragem, n.º 1, 2016, págs. 11 e 12 – pese embora ao abrigo da antiga redação do n.º 4 do art. 103.º-A, mas ainda com pertinência - estando a atuação administrativa votada à prossecução de um concreto interesse público que lhe subjaz, a automática suspensão dos efeitos de um ato (ou de um contrato) em virtude da sua impugnação não tem como não prejudicar, em determinada medida, esse interesse. Tal prejuízo podendo ser grave, terá, no entanto que ser ponderado à luz dos interesses em presença, de tal forma que só quando os prejuízos da manutenção do efeito suspensivo forem superiores aos que resultam do seu levantamento, haverá lugar ao levantamento do efeito suspensivo.
Como se escreveu na decisão recorrida estamos «diante de um novo paradigma para o levantamento do efeito suspensivo automático que nos leva a fazer depender a pretensão material da ED…apenas de um juízo automático de ponderação dos interesses públicos (ED) e privados (Autora e CI) em presença, bastando que os danos que decorrem para o interesse público ou para os interesses da CI ( a adjudicatária) sejam superiores àqueles que podem advir, para Autora, da celebração e execução do contrato, para o efeito suspensivo ser levantado».
Claro está que, para esse desiderato, à ED não bastará a invocação abstrata de prejuízos genéricos para o interesse público, impondo-se-lhe a demonstração da superioridade dos danos que a manutenção do efeito suspensivo automático acarreta para o interesse público ou os interesses privados na adjudicação.
Daí que, como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha- in ob. cit., 4.ª Ed. pág.643 e ss - haverá que «atender à natureza do contrato que é objeto do procedimento pré-contratual, à sua efetiva importância para a satisfação de necessidades coletivas, ao período de tempo que previsivelmente decorrerá até ao julgamento da ação e, se for caso disso, à situação em que se encontra a execução do contrato e as prestações e investimentos já realizados”.
Feito este enquadramento técnico-jurídico do mecanismo previsto no artigo 103.º-A do CPTA, vejamos se assiste razão às Apelantes no recurso que moveram contra a decisão proferida pela 1.ª Instância de levantamento do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação da empreitada objeto do procedimento concursal em causa na ação de contencioso pré-contratual de que este incidente é apenso.
Avançando.
b.1. da nulidade por omissão de pronuncia: alínea d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC.
As apelantes assacam à decisão recorrida o vício de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea d), e 608.º, n.º 2, ambos do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, alegando que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que deveria conhecer em face da sua importância para o conhecimento do mérito da causa, a saber: o financiamento aprovado no âmbito do PRR a favor do IPCA e o funcionamento de curso ministrado em ... com conteúdo académico e profissional idêntico ao do IPCA.
No que concerne ao financiamento aprovado no âmbito do PRR a favor do IPCA, afirmam que veio o apelado alegar que a manutenção do efeito suspensivo automático nos presentes autos punha em causa aquele financiamento, podendo, inclusive, pôr em causa a execução da empreitada e que, quanto a essa questão, o Tribunal a quo não se pronunciou, quando, devia ter considerado que o financiamento obtido pelo IPCA em nada respeita à execução da empreitada em causa nos autos, motivo pelo qual, não se encontra ameaçado o financiamento do PRR neste âmbito.
Assim, entendem que em face do exposto, deve improceder o argumento de que o atraso na execução da empreitada causará graves e até irreparáveis prejuízos para o IPCA e para a comunidade envolvente, designadamente, por pôr em causa o financiamento obtido pelo IPCA.
Outrossim, afirmam que o apelado alegou que a impossibilidade de iniciar a construção da Escola-Hotel imediatamente e de a concluir em 2 anos, surtirá o efeito de impedir os estudantes de se formarem nos cursos a ministrar pela ESHT, causando-lhes um prejuízo irreparável e, em alternativa, que tal diferimento irá obrigar os alunos a procurar cursos noutros concelhos, e bem assim, que irá prejudicar a comunidade envolvente e o tecido económico na área do Turismo em face da falta de oferta formativa naquela área na Região ... e Ave.
Porém, concluem, que o Tribunal a quo foi omisso quanto à consideração de que já no ano letivo de 2017/2018, entrou em funcionamento, em ..., um curso com conteúdo académico e profissional idêntico ao que será ministrado na Escola ... (e já é no IPCA, ainda que em instalações provisórias, que determinaria diferente decisão, concluindo que as referidas omissões são relevantes para o conhecimento do mérito da causa, pelo que a decisão enferma de nulidade.
Sem razão, como desde já antecipamos.
As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente enunciadas no n.º 1 do art.º 615º do CPC, e conforme decorre das diversas alíneas desse preceito, reportam-se a vícios formais da sentença, acórdão (art.º 666º, n.º 1 do CPC) ou despacho (art.º 613º, n.º 3 do CPC) em si mesmos considerados, decorrentes de na sua elaboração e/ou estruturação o tribunal não ter respeitado as normas processuais que regulam essa sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão neles proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição, em termos de fundamentos - causa de pedir -, o que se reconduz à nulidade por omissão e excesso de pronúncia, respetivamente - e/ou de pretensão – pedido -, o que se traduz na nulidade por condenação ultra petitum, tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados, ou seja, reafirma-se, vícios formais que afetam essas decisões de per se e/ou os limites à sombra dos quais são proferidas.
Entre as causas determinativas de nulidade da sentença, acórdão ou despacho, conta-se a nulidade por omissão ou excesso de pronúncia, a que alude a al. d), do n.º 1 do art. 615º.
Trata-se de nulidades que se relacionam com o preceituado no art. 608º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença (despacho ou acórdão) todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Note-se que a nulidade da decisão judicial por omissão ou excesso de pronúncia é uma decorrência do princípio do dispositivo, segundo o qual, na sua dimensão tradicional, “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que, entre outras consequências, decorre que cabe às partes instaurar a ação e, através do pedido, causa de pedir e da defesa, circunscreverem o thema decidendum, mas também do princípio do contraditório, o qual, na sua atual dimensão positiva, proíbe a prolação de decisões surpresa (art. 3º, n.º 3 do CPC), ao postergar a indefesa e, consequentemente, ao reconhecer-se às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e de influírem para a decisão a ser nele proferida- cfr. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374.
Porém, como já alertava Alberto dos Rei, impõe-se distinguir entre “questões” e “razões ou argumentos”. “(…) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”- cfr. Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143.
Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões- cfr. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374..
Os argumentos convocáveis pelas partes para decidir certa questão nos termos em que por elas são propugnados, não se identificam, por isso, com a questão a decidir. Daí que o não conhecimento desses argumentos ou o deficiente conhecimento dos mesmos, embora possam afetar a correção jurídica ou a conveniência doutrinária da decisão e certamente que põem em crise o valor persuasivo desta, dado que nela o julgador não cuidou em rebater toda a argumentação que lhe foi apresentada pelas partes, principalmente, a argumentação contra a solução jurídica que acabou por dar à questão decidenda, não inquina essa decisão de nulidade, nomeadamente, por omissão de pronúncia.
Do mesmo modo, apenas o conhecimento pelo tribunal de questões não suscitadas pelas partes nos seus articulados e de que não possa conhecer oficiosamente, determina a invalidade da sentença por excesso de pronúncia.
“Questões”, não se confundem com os “argumentos” que as partes invocam em defesa dos seus pontos de vista ou para afastar o ponto de vista da parte contrária.
Na esteira da doutrina e da jurisprudência, dir-se-á que “questões” são os núcleo fáctico-jurídico essenciais, centrais, nucleares, relevantes ou importantes submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia entre elas existentes e cuja resolução lhe submetem, atentos os sujeitos, pedidos, causas de pedir e exceções por elas deduzidas ou que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir das teses em confronto- cfr. Acs. STJ. 30/10/2003, Proc. 03B3024; 04/03/2004, Proc. 04B522; 31/05/2005, Proc. 05B1730; 11/10/2005, Proc. 05B2666; 15/12/2005, Proc. 05B3974, todos in base de dados da DGSI. .
Revertendo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, “…assim como a ação se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir (…), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”- cfr. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 5º vol., pág. 54.
Precise-se que muito embora atualmente, na sequência da revisão ao CPC operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, o julgamento da matéria de facto se contenha na sentença final, os erros de julgamento da matéria de facto não constituem, em regra, causa de nulidade da sentença, nomeadamente, por omissão ou excesso de pronúncia ou por falta de fundamentação, porquanto o julgamento da matéria de facto encontra-se sujeito a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição da decisão ou a falta da sua motivação/fundamentação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, por conseguinte, em regra, causa de nulidade da sentença, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pela 2.ª Instância dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º do CPC.
Não falta, aliás, quem advogue que os erros de julgamento da matéria de facto nunca por nunca constituem causa de nulidade da sentença, continuando válida a distinção que na versão anterior à revisão do CPC se impunha operar entre erros de julgamento da matéria de facto e sentença propriamente dita, a qual versava apenas quanto ao julgamento da matéria de direito (mérito).
No entanto, perante as alterações introduzidas ao CPC pela Lei n.º 41/2003, em que a decisão sobre a matéria de facto passou a integrar a própria sentença, na senda da doutrina sufragada por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, entendemos que se é certo que a deslocação da decisão da matéria de facto e da sua fundamentação/motivação para a própria sentença não afasta a distinção que se impõe operar entre decisão sobre a matéria de facto e decisão sobre a matéria de direito, nem o regime específico do art. 662º, n.ºs 1 e 2 do CPC a que se encontram subordinados os vícios que afetam o julgamento da matéria de facto, não se pode concluir que os erros de julgamento da matéria de facto, em caso algum, constituam causa de invalidade da sentença, nos termos do art. 615º, uma vez que esses erros poderão ser de tal modo graves que acabem por se reconduzir a um dos tipos de nulidade da própria sentença enunciados no n.º 1 do art. 615º do CPC, que levem à invalidação desta, como é o caso de uma sentença em que o juiz omite totalmente a declaração e a discriminação dos factos que julgou provados e/ou omite totalmente a discriminação dos factos que julgou não provados e/ou omite totalmente a motivação/fundamentação do julgamento de facto que realizou – cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, págs. 707 a 708 e 733 a 734..
Também não ocorre o vício determinativo da nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando determinada questão não passou despercebida ao tribunal, mas este decide erroneamente que apreciação dessa questão se encontra prejudicada face à decisão de uma anterior questão de que conheceu, posto que, nesse caso, o que existe é erro de julgamento, mais concretamente, erro de julgamento da matéria de direito.
Regressando ao caso dos autos, e como bem nota o apelado, em bom rigor, as apelantes não procederam à identificação de quaisquer questões sobre as quais o Tribunal a quo devia ter-se pronunciado e não se pronunciou, pretendendo que ocorre uma situação de nulidade por omissão de pronúncia por alegadamente o tribunal recorrido ter : (i) julgado como provados factos que, no seu entender, devia ter julgado como não provados; b) julgado como não provados factos que, no seu entender, devia ter julgado como provados.
Prima facie, recorde-se que os erros ou omissões no julgamento da matéria de facto não constituem nulidade – ou só muito excecionalmente é que podem constituir- para efeitos do disposto na alínea d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC, como supra já tivemos ensejo de explanar.
No caso, a verificaram-se as apontadas situações, claramente que não estaremos perante uma nulidade de sentença mas quanto muito, perante erros de julgamento sobre a matéria de facto se concluirmos que essa matéria era essencial à decisão a proferir, se atendendo às várias soluções possíveis, pudesse influir no sentido da decisão a proferir.
Como tal, a apreciação das situações sinalizadas pelas apelantes serão ponderadas em sede de erro de julgamento sobre a matéria de facto, momento em que se cuidará de aferir e decidir se assiste ou não razão às apelantes quando pretendem que a decisão recorrida enferma desse error in judicando , ao não dar como provada matéria que devia julgar assente e ao dar como como assente matéria que devia ter julgado como não provada.
Deste modo, sem necessidade de outras considerações, impõe-se julgar improcedente o invocado vício de nulidade por omissão de pronúncia.
b.2. Erro de julgamento quanto à matéria de facto.
As apelantes impetram à decisão recorrida erro de julgamento sobre a matéria de facto, sustentando, para tanto, que o Tribunal a quo julgou como provados factos que devem julgar-se como não provados, e não julgou como provados factos que devem ser julgados como provados.
Na ótica das apelantes, o Tribunal a quo devia ter conhecido de duas questões com relevância e extrema pertinência para a decisão de mérito dos presentes autos, a saber: o financiamento aprovado no âmbito do PRR a favor do IPCA e o funcionamento de curso ministrado em ... com conteúdo académico e profissional idêntico ao do IPCA.
Como tal, advogam que o Tribunal a quo devia ter dado como provada a seguinte matéria:
« No âmbito do financiamento aprovado do PRR, para o IPCA, está alocado à ESHT um financiamento total de cerca de €2.437.500,00, distribuídos pelas rubricas de equipamento, software e mobiliário, contratação de Recursos Humanos e apoio a estudantes»;
«No ano letivo de 2017/2018, entrou em funcionamento, em ..., um curso ministrado pelo Instituto Politécnico ... com o conteúdo académico e profissional idêntico ao que será ministrado na Escola ... – veja-se, neste sentido, o documento n.º ..., junto com a contestação, referente a Relato da Reunião realizada em 11 de maio de 2017, do grupo de trabalho».
E como não provado, o seguinte:
-«Se a execução da empreitada não for feita de imediato, o contrato de financiamento pode ser resolvido»;
-« O IPCA não dispõe de meios financeiros para executar esta empreitada, pelo que a mesma não se concretizará».
Também sem razão.
As apelantes, tal como sustentaram na oposição que deduziram ao pedido de levantamento do efeito suspensivo automático formulado pelo apelado em 1.ª Instância, insistem que no caso em análise não é a empreitada que é financiada pelo PRR, sendo esse financiamento apenas relativo ao software e equipamentos e pessoal, e, bem assim, que inexiste no contrato de financiamento uma cláusula a fixar prazos para a conclusão desta obra, e que essa matéria não foi atendida pelo Tribunal a quo na decisão que proferiu sobre o levantamento do efeito suspensivo automático, quando devia ter atendida, uma vez que, determinaria que a decisão fosse outra.
Como se sabe, o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático é um incidente da iniciativa processual da entidade demandada ou dos contrainteressados, não dependente de prazo, tratando-se de «um ato que desencadeia um incidente no processo, através da dedução de uma pretensão que pode ser acionada quando se verifiquem os respetivos requisitos materiais e, como tal, só estaria sujeita a prazo se a lei expressamente o determinasse»- cfr. ob.cit. pág.888.- cujo ónus dos requisitos de que depende a sua concessão onera o requerente ( art.º 342.º, n.º1 do CC e 103.º-A, n.º2 do CPTA).
Por outro lado, na decisão a proferir sobre o levantamento do efeito suspensivo automático « o juiz deve formular um juízo de valor relativo entre a situação do impugnante e os interesses públicos e privados que se lhe contrapõem: o juiz só pode, pois, levantar o efeito suspensivo quando, na comparação do peso relativo dos interesses em presença, conclua que os danos que dele decorrem para o interesse público ou para os interesses dos contrainteressados seriam superiores àqueles que podem advir, para o impugnante, da celebração e execução do contrato»- cfr. ob. cit. pág. 892.
Na situação sob escrutínio, a decisão que determinou o levantamento do efeito suspensivo automático assentou em prejuízos que foram obviamente alegados pelo apelado, mas que não se reconduzem aos eventuais prejuízos, também associados a essas situações que as apelantes se referem.
Para melhor compreendermos o que pretendemos demonstrar, importa atentar nos seguintes fundamentos da decisão recorrida, que se passam a transcrever:
«[…]
Agora, o que importa para decidir este incidente é, desde logo, tomar como referência o objeto do contrato que cumpre executar e o seu efetivo impacto para a realização do interesse público.
É que é sabido que os procedimentos concursais são celebrados para a prossecução de interesses públicos, os quais, pela sua própria natureza, se sobrepõem aos interesses particulares.
No caso sob análise e submetido à nossa apreciação, não se pode negar a importância da concretização desta empreitada de execução desta Escola Hotel – IPCA ESHT, em ..., pois permitirá o cumprimento de uma das suas missões, a “qualificação de alto nível dos estudantes nas áreas do turismo, da gestão hoteleira, da gastronomia, tecnologia e inovação alimentar, da gestão da restauração e das atividades turísticas, nas suas dimensões cultural, científica, técnica e profissional”, conforme se extrai dos seus Estatutos (Despacho n.º 6981/2020).
Ora, dúvidas não podem subsistir que é de relevantíssimo interesse público, designadamente no âmbito da concretização da oferta formativa e educativa de ensino superior (e, por isso, foi autorizado por despacho ministerial) que esta ESHT seja construída, em ..., e no local escolhido para o efeito, na Quinta ..., com todas as suas necessárias valências, que, naturalmente, potencia um ensino (mais do que adequado), devidamente qualificado dos estudantes nas áreas do turismo e da gestão hoteleira, reconhecendo-se que “O programa, está estruturado de forma a que estes espaços funcionem, simultaneamente, na componente de ensino e prestação de serviços de unidade hoteleira em contexto real” – cf. alínea F) dos factos indiciariamente provados.
Justamente a valência de que a ED fala na sua contestação, a propósito deste incidente de levantamento de efeito suspensivo automático, quando refere que “a oferta formativa que se pretende implementar é toda ela desenhada para funcionar numa Escola-Hotel, com todas as valências e equipamentos deste espaço, sendo este um vetor determinante do sucesso e da diferenciação da Escola”.
E o que se provou neste incidente é que, desde a sua criação, a ESHT ficou incubada no Campus do IPCA, em ..., onde naturalmente não é possível prestar o mesmo nível de qualidade de ensino e implementar a mesma tipologia de oferta formativa e educativa (de contrário, não faria sentido esta empreitada e com todas estas valências, que a diferencia como instituição de ensino superior), isto desde logo em prejuízo de toda a comunidade de estudantes que já frequenta esta escola (mas também aquela que poderá frequentar), estando, portanto, a aguardar a execução e a concretização desta empreitada.
Por outro lado, também ficou provado que a acreditação da licenciatura da Gestão Hoteleira e que permitiu que o curso se iniciasse no ano letivo 2022/2023, sublinhe-se, em instalações provisórias, no Campus do IPCA, em ..., está sujeita a condicionantes, e uma delas é esta “c) No prazo de 3 anos, demonstração da conclusão das instalações inerentes ao funcionamento do ciclo de estudos, nomeadamente o novo campus e Escola-Hotel tal como projetado, bem como a disponibilização de equipamento, recursos pedagógicos e serviços de apoio para a regular utilização do novo campus e Escola-Hotel por parte dos alunos, docentes e não docentes”.
E que, portanto, a acreditação do curso de Gestão Hoteleira, que entrou em funcionamento no ano letivo 2023/2024, por parte da A3ES – Agência de avaliação e acreditação dos cursos do ensino superior, foi aprovada pelo prazo de 2 anos, condicionada à mudança do funcionamento do curso para as novas instalações a construir em ....
E se o prazo de execução desta empreitada é de 2 anos, a conciliação do exposto com esta circunstância significa que a empreitada tem que iniciar a sua execução o mais rapidamente possível, sob pena de, como diz a ED, se colocar em risco, o que para nós constitui uma possibilidade verosímil, “um curso já aprovado, em funcionamento, com turmas preenchidas”.
E este constitui um fundamento de relevante interesse público para sustentar o levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103.º-A do CPTA, sobretudo se considerarmos que, nesta ação, a Autora, que ficou graduada em 3.º lugar, pretende obter a anulação de todo o Concurso (e não a adjudicação), sopesada com a circunstância de o processo poder percorrer em juízo diversas instâncias de recurso até se alcançar uma decisão do mesmo que, como nos diz o STA “é apta, sem prejuízo dos elementos concretos do caso, a relevar uma desproporcionalidade do âmbito da garantia que o regime da suspensão automática pretende conferir, sobretudo se interpretado à luz da proteção prevista na Diretiva Recursos” (ac.de 06-10-2022, P. n.º 025/21.2BEPRT, consultável em www.dgsi.pt).
A este prejuízo para o interesse público acresce, ainda, a contínua degradação do património histórico do próprio Munícipio constituído, neste caso, pela Quinta ..., que não pode deixar de ser aqui ponderado, em articulação com o acima referido, tendo presente que estamos a falar de um edifício senhorial do século XVII, em que, de acordo com o teor dos pareceres das entidades públicas emitidos no contexto do anteprojeto, designadamente, do parecer emitido pela Divisão do Centro Histórico da ED, está localizada na ZEP da Área Classificada como Património Cultural da Humanidade pela UNESCO e na área de Reabilitação Urbana do Centro da Cidade; e da Direção Regional da Cultura do Norte, em que diz que o conjunto edificado integra a quinta situada na área limítrofe da zona de proteção ao bem classificado – Centro Histórico de ....
Assim, é de configurar que o retardamento da execução do ato de adjudicação faz, efetivamente, perigar a prossecução do interesse público levado a cabo pela entidade adjudicante.
De outra parte, a Autora com o efeito suspensivo do ato de adjudicação, decorrente da instauração desta ação de contencioso pré-contratual, no fundo, pretende obter a anulação de todo o concurso, tendo por base a invocação da ilegalidade do critério de adjudicação, num caso em que, embora tenha obtido a melhor pontuação no fator «preço», ainda assim, em virtude da classificação obtida no fator «valia técnica», ficou classificada em 3.º lugar.
Aliás, no âmbito deste Concurso não se vê e a Autora não alega prejuízos concretos que para si poderão resultar do levantamento do efeito suspensivo.
De resto, não se descortina qualquer razão, nem a mesma foi alegada pela Autora, que permita dar prevalência superior ao interesse desta (em que pretende ver anulado todo o concurso e restaurar, assim, a legalidade) em detrimento do interesse da CI/Adjudicatária, na medida em que é precisamente a legalidade do critério de adjudicação (e, em consequência, da própria adjudicação) que está em discussão nestes autos.
Pelo que a ponderação dos interesses/danos em presença conduz, efetivamente, a que sobrepesem os interesses do lado do interesse público, a cuja satisfação se destina a execução do ato de adjudicação.
Justificando-se, em face destes elementos, que se determine o levantamento do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação, à luz do disposto no n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 30/2021.»
Como é consabido, nos termos do artigo 342.º, n.º1 do C. Civil incumbe a quem alega um direito o ónus de provar os factos constitutivos desse direito. Sendo assim, no caso, conforme também resulta do artigo 103.º. n.º2 do CPTA, incumbia ao apelado (ED) o ónus de alegar e provar a superioridade do interesse público em relação aos interesses das impugnantes, justificativo do levantamento do efeito suspensivo automático.
Coligida a contestação apresentada pelo apelado- ver artigos 220.º a 232.º- verifica-se que o mesmo começou por alegar, como danos “elevados e irreparáveis” a justificar o levantamento do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação, que:
-Desde a sua criação, a ESHT ficou incubada no Campus do IPCA, em ..., até ser possível a sua deslocação para a Escola-Hotel em ..., local para onde foi autorizada a sua criação pelo Ministério Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, pelo que é nesta cidade que esta Escola deve instalar-se o mais brevemente possível;
- O crescimento da ESHT tem sido fortemente condicionado pela limitação das instalações, sobretudo porque a oferta formativa que se pretende implementar é toda ela desenhada para funcionar numa Escola-Hotel, com todas as valências e equipamentos deste espaço, sendo este um vetor determinante do sucesso e da diferenciação da Escola.
-A acreditação do curso de Gestão Hoteleira, que entrou em funcionamento no ano letivo 2023/2024, por parte da A3ES - Agência de avaliação e acreditação dos cursos do ensino superior, foi aprovada pelo prazo de 2 anos, condicionada à mudança do funcionamento do curso para as novas instalações a construir em ...;
- Tendo já decorrido um ano letivo, a mudança da ESHT para as novas instalações no arranque do letivo 2025/2026 é condição sin qua non para que este curso possa continuar a funcionar, bem como para que a Escola possa apresentar propostas de criação de novos cursos junto da A3ES;
- Por esse motivo, está previsto na cláusula 6.ª do Caderno de Encargos que a empreitada deverá ser executada no prazo de 730 dias de calendário (2 anos), a contar da data da sua consignação ou da data em que o dono da obra comunique ao empreiteiro a aprovação do plano de segurança e saúde, caso esta última data seja posterior;
- Se a empreitada não estiver concluída no referido prazo de dois anos, será forçoso encerrar um curso já aprovado, em funcionamento, com turmas preenchidas, o que constitui um prejuízo irreparável para o IPCA e a população de ... e concelhos adjacentes.
Nos artigos 233.º e seguintes da contestação invocou também a questão do financiamento aprovado pelo PRR para o IPCA, alegando que a não concretização da empreitada coloca em causa a execução do financiamento atribuído.
E nos artigos 256.º e seguintes, invocou, ademais, que enquanto a obra não se iniciar , a Quinta ... continuará a degradar-se, com prejuízo para o património histórico e perigo para a segurança das pessoas, sendo o início da obra também urgente para proteção do património da cidade e da integridade das pessoas que por ali passam.
Porém, conforme resulta da decisão recorrida o Tribunal a quo não considerou como fundamento para o levantamento do efeito suspensivo automático a questão da empreitada ser ou não financiada pelo PRR, antes considerou que o prejuízo para o interesse público que justifica o levantamento do efeito suspensivo reside no facto de haver cursos aprovados pelo Ministério da Educação que o IPCA deverá iniciar no prazo de 2 anos (licenciatura em Gestão Hoteleira), na condição de haver mudança das instalações para o Município .... E daí que, tenha considerado que caso o apelado ficasse impedido de iniciar a execução da empreitada por um período de tempo indeterminado, correspondente ao tempo da presente ação em Tribunal, não haveria instalações em ... para se efetuar a mudança e para se lecionarem os cursos neste concelho, o que teria como consequência a caducidade da autorização ministerial.
Ora, o Tribunal a quo considerou esses prejuízos, de per si, bastantes para justificar o levantamento da providência requerida, independentemente de outros prejuízos que tenham sido invocados. E bem.
Daí que, como observa o apelado, a matéria que as apelantes querem que seja dada como provada e não provada, a saber, a existência de financiamento, não para a empreitada, mas para o software e equipamentos, ante os demais prejuízos que foram invocados e considerados, é irrelevante para o julgamento do pedido de levantamento do efeito suspensivo, já justificado por referência a esses outros prejuízos considerados graves.
A acrescer a esse prejuízo para o interesse público, o Tribunal a quo considerou outro, qual seja, o da degradação de um imóvel que é património histórico da cidade, como é o caso da Quinta ..., que ocorrerá caso a execução da empreitada fique suspensa por tempo indeterminado devido ao efeito suspensivo automático do artigo 103-A do CPTA.
Ora, uma vez mais, é de concluir que os factos que as apelantes querem que sejam dados como provados e não provados- a existência de financiamento, não para a empreitada, mas para o software e equipamentos- são irrelevantes para o julgamento do pedido de levantamento do efeito suspensivo, dada a existência de outros prejuízos, graves para o interesse público, que são alheios a essa questão do financiamento invocado se destinar, alegadamente, a financiar a aquisição de software e não a execução da empreitada, e daí que o Tribunal a quo não tenha considerado essa matéria.
Em suma, o Tribunal a quo identificou os danos causados ao interesse público em virtude da manutenção do efeito suspensivo automático, como sendo, designadamente a caducidade da acreditação da licenciatura da Gestão Hoteleira, que ocorreu em 2021, e que permite que o curso se inicie no ano letivo 2022/2023 em instalações provisórias, no Campus do IPCA, em ..., e no prazo de 3 anos no novo campus e Escola-Hotel (facto provado alínea S) do elenco dos factos provados). E bem assim, a degradação da Quinta ..., localizada na ZEP da Área Classificada como Património Cultural da Humanidade pela Unesco e na área de Reabilitação Urbana do Centro da Cidade; e da Direção Regional da Cultura do Norte, e na área limítrofe da zona de proteção ao bem classificado - Centro Histórico de ... (facto provado alínea Q) do elenco dos factos provados.
Sendo estes os prejuízos para o interesse público que o Tribunal a quo identificou como sendo a consequência direta do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103-A do CPTA, e sendo os mesmos bastantes para a demonstração da existência de prejuízos graves, não há nenhuma justificação para incluir o tema do contrato de financiamento obtido pelo IPCA nas “questões” em discussão.
Em rigor, e ao contrário do que é alegado, o Tribunal a quo não sustentou o levantamento do efeito suspensivo no facto de a manutenção do efeito suspensivo e a impossibilidade de iniciar a execução da obra poder colocar em perigo o contrato de financiamento. Isso é o que as Apelantes alegam no seu recurso.
Determinar se o financiamento foi contratado pelo IPCA e não pelo Município ..., e que o seu objeto é o software e mobiliário, e não a execução da empreitada, será absolutamente irrelevante para abalar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, segundo as várias soluções plausíveis da questão de Direito.
Como vimos, a decisão recorrida assenta em fatos e em prejuízos para o interesse público, que por si, justificam o levantamento do efeito suspensivo automático, não sendo necessária a realização de qualquer atividade instrutória relativamente a outros alegados prejuízos.
Termos em que improcede o invocado fundamento de recurso.
b.3. do erro de julgamento sobre a matéria de direito: interpretação restritiva do artigo 103.º-A do CPTA.
Por fim, as apelantes impetram à decisão recorrida erro de julgamento de direito, alegando que o Tribunal a quo fez uma interpretação muito restritiva da disposição do artigo 103.º-A do CPTA, e aplicou erradamente essa disposição aos factos provados.
Começam por sustentar que o Tribunal a quo errou ao dar como verificados os requisitos de que depende o levantamento do efeito suspensivo automático nos presentes autos, ignorando que também as apelantes podem agir em defesa do interesse público, como sucede no caso paradigmático de defesa da legalidade e reposição da mesma.
Este argumento invocado pelas apelantes de que a defesa dos seus interesses é uma atuação em defesa do interesse público, esquece que as mesmas são sociedades comercias cujo escopo é a obtenção de lucro, pelo que, quando concorrem a um concurso público e decidem suportar os custos e os contratempos da instauração de uma ação nos tribunais para a impugnação do ato de adjudicação a uma proposta que não a sua, fazem-no obviamente tendo em vista reverter a adjudicação a seu favor, e não com o objetivo de protegerem o interesse público prosseguido com a abertura desse procedimento concursal. Por outro lado, a prossecução do interesse público por certa entidade decorre da lei e das atribuições e competências que são cometidas por esta a certa entidade (pública ou privada), e não, como observa o apelado, de um qualquer ato de voluntarismo, visando a reposição da legalidade numa qualquer situação jurídica.
Acresce que, como observa o apelado « se fosse concebível qualificar o ato de impugnação de uma decisão da Administração como um ato de interesse público ou de prossecução do interesse público, para os efeitos da previsão da norma do artigo 103-A do CPTA, os concorrentes que interpusessem uma ação de contencioso pré-contratual estariam automaticamente dispensados de invocar qualquer prejuízo para contrapor ao que foi invocado pela entidade adjudicante para fundamentar o levantamento do efeito suspensivo. …Bastaria invocar a ilegalidade do ato de adjudicação para garantir a prossecução do interesse público do seu lado, dispensando-se da alegação e prova de qualquer outro dano que o levantamento do efeito suspensivo lhe pudesse causar.».
Os interesses e danos que são relevantes para os efeitos do n.º 4 do artigo 103-A do CPTA, são aqueles que são causados pela manutenção da suspensão do procedimento até que seja proferida uma sentença com trânsito em julgado na ação principal (do lado da entidade adjudicante/entidade demandada), ou pelo seu levantamento imediato, anterior, portanto, a qualquer decisão definitiva por parte do Tribunal (do lado do concorrente/autor).
O levantamento do efeito suspensivo previsto nessa norma legal não afeta a legalidade do ato impugnado numa ação de contencioso pré-contratual, sendo uma realidade jurídica anterior. Assim como não produz qualquer efeito na reposição dessa mesma legalidade. A existir uma violação da lei que afete a validade do ato impugnado, a mesma só será sanada no final da ação de contencioso pré-contratual, com o trânsito em julgado da decisão que anule tal ato, não decorrendo do levantamento do efeito suspensivo qualquer afetação dessa mesma legalidade. Em consequência, o interesse na reposição da legalidade invocada pelas apelantes não é afetado pelo levantamento do efeito suspensivo automático, nem assume relevância para a ponderação prevista no n.º 4 do artigo 103-A do CPTA.
Não se concebe, portanto, qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, no que toca à interpretação e aplicação da citada disposição legal ao caso dos presentes autos.
Ademais, as apelantes alegam que o apelado não logrou demonstrar os concretos prejuízos decorrentes da suspensão do ato de adjudicação, nem tampouco que os danos que decorrem para o interesse público são superiores aos danos que advenham do levantamento do efeito suspensivo automático.
Sem razão.
Como supra tivemos ensejo de explanar, o Tribunal a quo identificou claramente os danos causados ao interesse público em virtude da manutenção do efeito suspensivo automático, designadamente a caducidade da acreditação da licenciatura da Gestão Hoteleira, que ocorreu 2021, e que permite que o curso se inicie no ano letivo 2022/2023 em instalações provisórias, no Campus do IPCA, em ..., e no prazo de 3 anos no novo campus e Escola-Hotel (facto provado alínea S) da Sentença). 82. Mas também a degradação da Quinta ..., localizada na ZEP da Área Classificada como Património Cultural da Humanidade pela Unesco e na área de Reabilitação Urbana do Centro da Cidade; e da Direção Regional da Cultura do Norte, e na área limítrofe da zona de proteção ao bem classificado - Centro Histórico de ... (facto provado alínea Q) da Sentença).
Trata-se de factos que foram alegados e provados pelo apelado, que as apelantes não impugnaram neste recurso.
As apelantes afirmam que o apelado invocou a urgência no início da execução da empreitada por diversos motivos, mas sustentam que a morosidade no arranque da execução da empreitada se deve, em parte, à própria atuação do apelado, o que não se compagina com a alegada urgência invocada para o levantamento do efeito suspensivo, pelo que deve improceder o argumento de que se verifica uma situação de urgência no início dos trabalhos de empreitada.
Sem razão, mais uma vez.
Coligida a fundamentação de facto da decisão recorrida, provou-se que:
«B) – Através do Despacho de 24 de fevereiro de 2017, do Ministro da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, foi autorizada a criação da ESHT, em ..., para assegurar atividades culturais, humanísticas, científicas, tecnológicas e pedagógicas indispensáveis à prossecução e obtenção dos respetivos objetivos - cf. documentos n.ºs ... a ... juntos com a contestação da ED; 86.
C) – Após o Despacho identificado na alínea antecedente, o IPCA e o Município ... criaram um Grupo de Trabalho para escolher a melhor localização para a instalação da referida Escola, o qual indicou a Quinta ... como a melhor opção para a sua instalação, com os seguintes fundamentos: (…)”
D) – A Quinta ... foi adquirida pelo Município ..., em 4 de maio de 2018 - cf. documentos n.ºs ... e ... juntos com a contestação da ED;”
S) – A acreditação da licenciatura da Gestão Hoteleira, que ocorreu 2021, e permitiu que o curso se iniciasse no ano letivo 2022/2023 em instalações provisórias, no Campus do IPCA, em ..., está sujeita às seguintes condições:
a) No prazo de 1 ano, demonstração da contratação efetiva do corpo docente proposta na área fundamental principal do CE, Hotelaria e Restauração.
b) No prazo de 1 ano, demonstração de afetação de pessoal não docente aos serviços de apoio essenciais para o regular funcionamento do CE no novo campus.
c) No prazo de 3 anos, demonstração da conclusão das instalações inerentes ao funcionamento do ciclo de estudos, nomeadamente o novo campus e Escola-Hotel tal como projetado, bem como a disponibilização de equipamento, recursos pedagógicos e serviços de apoio para a regular utilização do novo campus e Escola-Hotel por parte dos alunos, docentes e não docentes - cf. documento n.º ... junto com o requerimento da ED de 09-08-2023.»
Subsequentemente:
«G) – Em julho de 2021 foi deliberado pela Câmara Municipal ... aprovar o procedimento de concurso limitado por prévia qualificação para adjudicar a empreitada de construção da Escola-Hotel na Quinta ..., cujo anúncio foi publicado no Diário da República II Série, n.º 153, de 9 de agosto de 2021, mas que ficou deserto por não terem sido apresentadas propostas abaixo do preço base - por acordo; cf. PA.»
Decorre destes factos, e da sua descrição circunstanciada e cronológica, que o apelado acordou com o IPCA a instalação da Escola-Hotel em ..., em 2017, tendo diligenciado pela compra e adquirido a Quinta ... no ano seguinte, e logo após a acreditação da licenciatura da Gestão Hoteleira, em 2021, que permitiu que o curso se iniciasse no ano letivo 2022/2023 em instalações provisórias, no Campus do IPCA, em ..., sujeita à condição de em 3 anos passar para .... Nesse desiderato, lançou o primeiro procedimento concursal para a obra em causa, tendo o mesmo ficado deserto porque as empresas do setor não foram capazes de encaixar a execução da empreitada no preço base determinado pela autarquia. Este procedimento desenvolveu-se entre 2021 e 2022 e logo após a sua extinção, conforme decorre dos factos provados : 2H) – A ED promoveu o Concurso Público com publicidade internacional (em DR, de 01-02-2023, e no JOUE) destinado à execução da Empreitada “Escola ... – Quinta ...”, com o mesmo objeto do Concurso identificado na alínea antecedente - por acordo; cf. PA;».
Como o Tribunal a quo salientou na decisão recorrida: “No decurso desse tempo, verificou-se uma situação de pandemia por infeção Covid 19 à escala global, que, como é do conhecimento público e constitui um facto notório, teve as necessárias implicações em muitos projetos de manifesto interesse público, sendo também de domínio público, constituindo um facto público e notório, a situação de crise que entretanto se instalou na Europa, decorrente, designadamente, dos efeitos dessa mesma pandemia por COVID-19 e da guerra que aqui se vive na europa, exacerbada pelos efeitos da inflação e aumento dos preços dos bens e serviços, com impacto na situação económico-financeira do setor público e privado.”
Finalmente, deu-se como provado em N) que: “ Em 09-06-2023, a Entidade Demandada autorizou a adjudicação do Concurso nos termos propostos pelo Júri - cf. PA;”
Perante estes factos, não se vislumbra que responsabilidade possa ser assacada ao Município pelo facto de a adjudicação do contrato de empreitada só ter ocorrido em junho de 2023.
De igual modo, não se vislumbra que a urgência do início da obra para evitar os prejuízos alegados e provados pelo apelado, fique comprometida pelo facto de poder ter ocorrido algum atraso no procedimento concursal da responsabilidade deste último. O que é facto é que se perspetiva que a execução da empreitada decorra num prazo de 2 anos e se esse prazo não for cumprido a autorização ministerial para o curso de Gestão-Hoteleira caduca, pois ela foi proferida sob essa condição. Esse prejuízo seria causado pela manutenção do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103.º-A do CPTA, e foi precisamente para o evitar que o Tribunal a quo deferiu o pedido do apelado de levantamento do efeito suspensivo.
Logo, a eventual responsabilidade do apelado no atraso do procedimento é, assim, irrelevante, para aferir do cumprimento dos pressupostos previstos na lei para o levantamento do efeito suspensivo.
Por outro prisma, note-se que as apelantes não fundamentam a imputação da responsabilidade do apelado no invocado atraso no procedimento, não indicando/identificando quais os concretos atos de onde resulta essa alegada responsabilidade do apelado.
Ademais, sustentam ter o apelado alegado que, sendo o proprietário da Quinta ..., é urgente o inicio da obra para proteção do património histórico da cidade e da integridade das pessoas que por ali passam, mas que, a obrigação de manter e conservar aquele local é do apelado, quer seja através da execução da empreitada em causa, quer seja mediante ações de intervenção de outra natureza, o que significa que não pode lograr o argumento da urgência no início da execução da empreitada para evitar a degradação do local a intervencionar, na medida em que poderão ser levadas a efeito outro tipo de intervenções para além da execução da empreitada projetada e posta a concurso para esse mesmo efeito.
Este argumento não é procedente. É inabalável que a Quinta ... é um imóvel degradado a necessitar de obras profundas com vista à sua reabilitação, como se provou nos autos, não se compadecendo essa degradação com simples trabalhos de manutenção. Por outro lado, se o imóvel está degradado e precisa de obras profundas, esse facto é motivo suficiente para fundamentar a urgência na realização da empreitada e, consequentemente, o levantamento do efeito suspensivo, não sendo o facto de essa responsabilidade pertencer ao apelado em qualquer circunstância, fator que minimize a urgência na realização da empreitada em causa. A empreitada em causa, para além da sua finalidade primeira, permite também evitar a degradação desse património, o que, nas circunstâncias em causa nos autos, não é de pouco relevo para o interesse público.
Mais alegam ainda que o apelado sustenta que existe urgência no início dos trabalhos para que não se ponha em causa a acreditação da licenciatura de Gestão Hoteleira no IPCA, o que depende que se observe o prazo de 3 anos para conclusão das instalações definitivas em que irá operar a licenciatura – a Escola-Hotel na Quinta .... Porém, tendo presente que a acreditação da licenciatura da Gestão Hoteleira ocorreu no ano de 2021, e que, de acordo com o documento n.º ... junto pela Entidade Demandada aos autos, em 09.08.2023, a acreditação daquela licenciatura está sujeita à condição de que no prazo de 3 anos, a contar da data da acreditação, as instalações definitivas (na Quinta ...) estejam já concluídas, para que aquela se mantenha em vigor é necessário que as obras estejam concluídas em 2024 (2021 – 2024).
Acontece que, e tendo presente a data de lançamento do concurso público – fevereiro de 2023 –, e bem assim, a data de adjudicação – junho de 2023, bem como que o prazo previsto para a execução da empreitada que é de 2 anos, nunca aquela condição fixada será observada, já que, em bom rigor, ainda que a obra começasse no presente mês, apenas seria previsível que terminasse em outubro de 2025, e, portanto, muito depois da data fixada para a manutenção da acreditação da licenciatura de Gestão Hoteleira, razão pela qual deve improceder o argumento de que o levantamento do efeito suspensivo automático deve suceder por a manutenção daquele contender com o cumprimento das condições de que depende a acreditação da licenciatura de Gestão Hoteleira no IPCA.
As apelantes não têm razão.
Na verdade, a acreditação da licenciatura da Gestão Hoteleira ocorreu em 2021, mas o prazo de acreditação só termina em 2025, e não em 2024, se, entretanto, não forem construídas essas instalações em ....
Esse prazo diz respeito a anos letivos e não a 12 meses contados da data da acreditação, como as apelantes erradamente alegam no recurso.
Desta forma, verifica-se que a licenciatura em Gestão Hoteleira precisa que as instalações da ESHT, em ..., sejam construídas e finalizadas até 2025, sob pena de não se poder continuar com este curso de licenciatura e a não formarem profissionais para a hotelaria e para o turismo na região e, em especial, para os Municípios ... e do ....
Mas mesmo que o prazo terminasse em 2024, não haveria motivos para alterar a decisão proferida na decisão recorrida, pois seguramente que haveria uma extensão desse prazo se a obra estivesse em curso, o que seguramente não ocorrerá se a obra não se iniciar entretanto, nem se souber quando poderá iniciar-se, porque se aguarda uma sentença com trânsito em julgado na ação principal.
Por fim, as apelantes criticam a decisão sob escrutínio, invocando que, sendo certo que não alegaram um concreto prejuízo, para si, com o levantamento do efeito suspensivo, é igualmente certo que, atento o objeto da presente ação, que se prende com a anulação do procedimento concursal, tal prejuízo nunca se prenderia diretamente com o ato de adjudicação praticado a seu favor, uma vez que a sua pretensão se prende precisamente com a anulação do procedimento concursal e, consequentemente, do ato de adjudicação praticado ao abrigo daquele. De facto, seria até contraditório arguir que o prejuízo se prende com a perda de chance da adjudicação da obra neste concreto procedimento.
Acontece que, logo de seguida, e contrariando esta mesma posição, defendem que a proposta por si apresentada seria vencedora se o critério de adjudicação fixado pela Entidade Demandada fosse integralmente observado e respeitado pelo modelo de avaliação fixado, designadamente, e em particular, a fórmula matemática que avalia as propostas no fator preço, bem como, se tivessem sido observados os graus de pormenorização e detalhe.
Quid iuris?
Se as apelantes têm por garantida a adjudicação caso o modelo seja respeitado, é por demais evidente que têm por garantido um prejuízo decorrente do levantamento da suspensão e impossibilidade de executar a obra. No entanto, não o alegaram.
Recorda-se que, à luz do n.º 4 do artigo 103-A do CPTA, o que é relevante para efeitos de decisão sobre o levantamento do efeito suspensivo, é a relação entre os prejuízos causados ao interesse público e aos interesses privados em presença, caso a suspensão se mantenha ou seja determinado o seu levantamento.
Em consequência, só perante a alegação e prova de interesses privados que são prejudicados pelo levantamento do efeito suspensivo é que o Tribunal poderá fazer a ponderação prevista no n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA e, se se provar que dai decorrem prejuízos para os interesses privados em presença superiores aos prejuízos para o interesse público, é que o Tribunal deverá manter a suspensão.
No entanto, e apesar disso, a verdade é que as apelantes nada alegaram sobre aos seus interesses e eventuais prejuízos na eventualidade de levantamento da suspensão, deixando a decisão do Tribunal circunscrita aos factos, interesses e prejuízos alegados pelo apelado, que não só alegou, como demonstrou factualidade suficiente para justificar o levantamento do efeito suspensivo imposto por força do artigo 103.º-A do CPTA.
Com efeito, o que está em causa nos presentes autos é um procedimento concursal que foi antecedido por outro que ficou deserto por falta de propostas abaixo do preço base, que visa a construção de uma instituição de ensino (Escola-Hotel) que disponibilizará à comunidade dos Municípios ... e do ... (e não só naturalmente) cursos na área da hotelaria e turismo, construção essa que não pode ficar a aguardar pela decisão definitiva, com trânsito em julgado, da ação principal, sob pena de o IPCA perder as autorizações já obtidas (de forma condicionada) para as licenciaturas a ministrar nas novas instalações de ..., e os alunos que frequentam o curso de licenciatura em Gestão Hoteleira acreditado pela A3ES em 2021 e iniciado no ano letivo 2022/2023, em instalações provisórias no Campus do IPCA, em ..., serem forçados a interromper a sua formação.
É este interesse público que se visa salvaguardar com o levantamento do efeito suspensivo (a par com a reabilitação de um edifício histórico – Quinta ...), ao qual não surge contraposto qualquer interesse privado suscitado pelas apelantes.
Sendo assim, não se vislumbra qualquer justificação para manter um efeito que, por lei, visa proteger os concorrentes da efetivação prática da adjudicação e consequente execução do contrato pelo adjudicatário, em detrimento do autor da ação de contencioso pré-contratual.
Não se duvida da essencialidade desta empreitada para os interesses do apelado, uma vez que está em causa a construção de um espaço destinado à instalação, em ..., da ESHT ( Escola Superior de Hotelaria e Turismo), na Quinta ..., que foi adquirida pelo Município ... para essa finalidade.
A instalação de uma instituição de formação superior, com competências formativas nas áreas do Turismo e da Gestão Hoteleira, que vai garantir uma formação graduada e pós-graduada nessas áreas, assim como mais investigação, ademais, a funcionar em cooperação com a sociedade, uma vez que “ O programa está estruturado de forma a que estes espaço funcionem, simultaneamente, na componente de ensino e prestação de serviços de unidade hoteleira em contexto real” ( vide alínea F) do elenco dos factos assentes), é indiscutivelmente um empreendimento de valor público muito relevante, de inegável interesse para a comunidade.
Termos em que improcedem todos os fundamentos de recurso, impondo-se confirmar a decisão recorrida.
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B- DO RECURSO INTERPOSTO CONTRA A DECISÃO FINAL PROFERIDA NA AÇÃO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
O presente recurso de apelação vem interposto do saneador-sentença recorrido que julgou a ação de contencioso pré-contratual movida pelas ora apelantes contra o apelado, totalmente improcedente.
As apelantes discordam da adjudicação do contrato às CI, tendo peticionado na ação que moveram que fosse: a) Declarada ilegal a disposição procedimental respeitante ao modelo de avaliação no que respeita ao fator Preço, designadamente a fórmula matemática; b) Declarada ilegal a disposição procedimental respeitante ao modelo de avaliação no que respeita ao fator Valia Técnica; c) Anulado o procedimento concursal; d) Anulado o ato de adjudicação da empreitada ao agrupamento das Contrainteressadas [SCom03...]/NVE; e) Anulado o contrato de empreitada que tenha sido celebrado ao abrigo do procedimento concursal.
Para sustentar esses pedidos, alegaram que o modelo de avaliação do fator Preço é ilegal, por violação do princípio da boa administração e dos princípios da igualdade e concorrência (artigos 25.º e 26.º da PI), porque, defendem, apesar da ponderação de 60%, o preço das propostas não influencia significativamente a pontuação final, acabando por ser o fator Valia Técnica, com uma ponderação de 40%, o fator decisivo na escolha da proposta, o que anula quase por completo o efeito concorrencial de diferentes propostas. Alegaram, ainda, que o modelo de avaliação do fator Valia Técnica também é ilegal, pelo facto de não apresentar, em toda a sua extensão, o grau de pormenorização e detalhe exigido no artigo 139.º do CCP, recorrendo a conceitos indeterminados cuja densificação e preenchimento pode ocorrer de diversas formas consoante a perspetiva adotada, sendo, por isso subjetivo (artigos 76.º e 80.º da PI).
O Tribunal a quo julgou a ação improcedente in totum, não merecendo essa decisão a concordância das apelantes que lhe assacam diversos erros de julgamento em matéria de direito, quer no que respeita à apreciação feita da legalidade do modo de avaliação do fator preço, quer no que respeita à apreciação feita da legalidade do modelo de avaliação fixado para o fator Valia Técnica.
Vejamos se lhes assiste razão
Previamente, vejamos o quadro legal à luz do qual as questões suscitadas têm de ser analisadas.
Estamos no domínio da contratação pública, razão pela qual se tem necessariamente de atender à disciplina legal inserta no CCP, na versão aplicável.
Começando pelo artigo 70.º do CCP, que versa sobre a “análise das propostas”, aí se dispõe que:
“1 – As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições”;
“2 – São excluídas as propostas cuja análise revele:
(...)
d) Que o preço contratual seria superior ao preço base, sem prejuízo do disposto no n.º 6”.
(…)
6 – No caso de concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação em que todas as propostas tenham sido excluídas, o órgão competente para a decisão de contratar pode, excecionalmente e por motivos de interesse público devidamente fundamentados, adjudicar aquela que, de entre as propostas que apenas tenham sido excluídas com fundamento na alínea d) do n.º 2 e cujo preço não exceda em mais de 20 /prct. o montante do preço base, seja ordenada em primeiro lugar, de acordo com o critério de adjudicação, desde que:
a) Essa possibilidade se encontre prevista no programa do procedimento e a modalidade do critério de adjudicação seja a referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º;
b) O preço da proposta a adjudicar respeite os limites previstos no n.º 4 do artigo 47.º;
c) A decisão de autorização da despesa já habilite ou seja revista no sentido de habilitar a adjudicação por esse preço”.
Por outro lado, o artigo 74.º, n.º 1 do CCP, que regula o critério de adjudicação estabelece que “A adjudicação é feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa, determinada através de uma das seguintes modalidades:
a) Multifator, de acordo com a qual o critério de adjudicação é densificado por um conjunto de fatores, e eventuais subfatores, correspondentes a diversos aspetos da execução do contrato a celebrar;
b) Monofator, de acordo com a qual o critério de adjudicação é densificado por um fator correspondente a um único aspeto da execução do contrato a celebrar, designadamente o preço”, sendo que, no n.º 2 estabelece que “Quando seja adotada a modalidade multifator deve ser elaborado um modelo de avaliação das propostas nos termos do artigo 139.º, sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 115.º”.
Por sua vez, o artigo 139.º do CCP, para o qual o citado artigo 74.º, n.º 2 remete, prevê as regras quanto ao modelo de avaliação das propostas, quando seja adotada a modalidade multifator, no qual, entre o mais, deve ser explicitado, de forma clara, os fatores e os eventuais subfatores relativos aos aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo CE; em que para cada fator ou subfator elementar deve ser definida uma escala de pontuação através de uma expressão matemática ou em função de um conjunto ordenado de diferentes atributos suscetíveis de serem propostos para o aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo CE; e em que se proíbe a utilização de quaisquer dados que dependam, direta ou indiretamente, dos atributos das propostas a apresentar, com exceção dos da proposta a avaliar.
Por seu lado, o artigo 75.º do CCP, quanto aos fatores e subfatores de avaliação, determina que:
“1-Os fatores e eventuais subfatores que densificam o critério de adjudicação e o critério de desempate devem estar ligados ao objeto do contrato a celebrar” (n.º 1);
2-Os fatores e os eventuais subfatores podem ser, em função dos objetivos e das necessidades da entidade adjudicante, designadamente os seguintes:
a) Qualidade, designadamente, valor técnico, características estéticas e funcionais, acessibilidade, conceção para todos os utilizadores, características sociais, ambientais e inovadoras e condições de fornecimento;
b) Organização, qualificações e experiência do pessoal encarregado da execução do contrato em questão, caso a qualidade do pessoal empregue tenha um impacto significativo no nível de execução do contrato, designadamente, em contratos de serviços de natureza intelectual, tais como a consultoria ou os serviços de projeto de obras;
c) Serviço e assistência técnica pós-venda e condições de entrega, designadamente a data de entrega, o processo de entrega, o prazo de entrega ou de execução e o tempo de prestação de assistência;
d) Sustentabilidade ambiental ou social do modo de execução do contrato, designadamente no que respeita ao tempo de transporte e de disponibilização do produto ou serviço, em especial no caso de produtos perecíveis, à denominação de origem ou indicação geográfica, no caso de produtos certificados, à eficiência energética, em especial no fornecimento de energia, e à utilização de produtos de origem local ou regional, de produção biológica, bem como de produtos provenientes de detentores do Estatuto de Agricultura Familiar;
e) Circularidade, designadamente a utilização de produtos e serviços circulares, a opção por circuitos curtos de distribuição, a eficiência no uso de materiais e a redução de impactos ambientais;
f) Grau de inovação de processos, produtos ou materiais utilizados na execução do contrato;
g) Promoção da inovação ou de emprego científico ou qualificado na execução do contrato;
h) Promoção de atividades culturais e dinamização de património cultural;
i) Promoção do cumprimento do disposto no Código do Trabalho e convenções coletivas de trabalho, quando aplicáveis;
3 - Sem prejuízo do disposto na alínea b) do número anterior, os fatores e subfatores não podem dizer respeito, direta ou indiretamente, a situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes”.
No procedimento pré-contratual em causa nos presentes autos, foi adotado pela Entidade Adjudicante o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa -vide artigos 74º, nº 1, alínea a), e 75º do CCP- e, daí que o apelado tenha feito constar do programa do concurso um modelo de avaliação- vide artigos 41º, 132º, nº 1, alínea n), e 139º do CCP.
Conforme resulta das disposições legais supra transcritas, o modelo de avaliação é o elemento que consta do programa do procedimento, quando for adotado o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, que explicita o modo de concretização desse critério na operação de avaliação das propostas.
Daí que possa dizer-se que o modelo de avaliação constitui um mecanismo do procedimento destinado a avaliar a qualidade técnica e económica das propostas, considerando separadamente cada fator ou subfator elementar e, seguidamente, todos eles de forma global.
Percebe-se que o fundamento do modelo da avaliação reside nos princípios da igualdade, objetividade e transparência.
O modelo de avaliação deve abranger todos, e apenas, os aspetos de execução do contrato submetidos à concorrência – vide artigos 42º, 70º, nº 1, 75º, nº 1, do CCP.
A pontuação global de cada proposta, expressa numericamente, corresponde ao resultado da soma das pontuações parciais obtidas em cada fator ou subfator elementar, multiplicadas pelos valores dos respetivos coeficientes de ponderação- vide artigo 139º, nº 2, do CCP.
No que concerne a cada um dos fatores ou subfatores elementares, o modelo de avaliação deve definir a respetiva escala de pontuação das pontuações parciais, existindo duas espécies de escalas de pontuação: expressão matemática ou o conjunto ordenado de atributos, comummente designado por descritor- vide artigo 139º, nºs 2 e 3, do CCP.
No presente procedimento, o apelado adotou o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa e, por essa razão, fez constar do programa do concurso um modelo de avaliação assente no fator “Preço”, com um coeficiente de ponderação de 60%, e no fator “Valia técnica”, com um coeficiente de ponderação de 40%.
Como é consabido, pertence à Administração a competência exclusiva para escolher qual o procedimento pré-contratual a adotar e para estabelecer o critério de adjudicação, tratando-se de um poder que se insere na margem de livre apreciação ou das prerrogativas de avaliação de que dispõe.
Tal não significa que se esse poder possa ser atuado de forma arbitraria, tanto quanto é certo que a liberdade de que a Administração dispõe para esse efeito apenas lhe ter sido concedida para melhor defender o interesse público e não para, injustificadamente, afastar do procedimento uma parte dos potenciais interessados.
Como se afirma no preâmbulo do CCP, o estabelecimento das regras essenciais atinentes à metodologia de avaliação das propostas, constitui « uma vertente crucial no domínio da formação dos contratos públicos. Na verdade, os fatores que densificam o critério de adjudicação constituem a pedra angular de qualquer programa de concurso, pelo que a sua enunciação e publicitação reveste-se de inegável importância, tanto para os concorrentes (que com base em tais fatores delinearão, de uma forma ou de outra, a respetiva estratégia e apresentarão, de um modo ou de outro, os seus argumentos concursais) quanto para a entidade adjudicante (posto que é à luz desses fatores que se há- de evidenciar a proposta economicamente mais vantajosa na ótica do interesse prosseguido).
Daí que: « (i) por um lado, é imperioso garantir que a enunciação e publicitação dos fatores e eventuais subfactores que densificam o critério de adjudicação, bem como dos respetivos coeficientes de ponderação, se faça em moldes conformes com os princípios da igualdade, da concorrência, da imparcialidade, da proporcionalidade, da transparência, da publicidade e da boa fé, parâmetros que reconhecidamente dominam as tramitações procedimentais pré-contratuais; (ii) por outro lado, é fundamental assegurar a observância daqueles mesmos princípios ao longo da fase de avaliação das propostas, assim como durante as diligências que a preparam ou que se lhe seguem.
Nesta linha, a metodologia de avaliação deve, desde logo, constar do programa do procedimento, nomeadamente com a enumeração dos fatores e subfactores que densificam o critério de adjudicação, acompanhados das respetivas ponderações, no sentido de garantir os apontados princípios gerais.»
Avançando.
b.4. do erro de julgamento decorrente de a fórmula prevista para determinar a pontuação a atribuir ao fator “preço da proposta” violar os princípios da boa administração, da igualdade e da concorrência.
Nas conclusões de recurso formuladas sob as alíneas A) a O), as apelantes assacam ao saneador-sentença erro de julgamento em matéria de direito, decorrente de não ter decidido que a metodologia de avaliação para o fator preço era ilegal, por violação dos princípios da boa administração, da igualdade e da concorrência.
Concretizam que a fórmula para determinar a pontuação a atribuir ao preço da proposta é violadora do princípio da boa administração, ínsito no artigo 5.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e artigo 1.º-A, n.º 1, do CCP, segundo o qual a Administração Pública deve pautar-se por critérios de eficiência e economicidade, devendo, face ao critério de adjudicação, preferir as propostas com uma efetiva melhor relação custo/benefício, o que não sucede no caso. Mais alegam que a fórmula em causa viola o princípio da igualdade e da concorrência, previsto no n.º 4 do art. 1.º do CCP, ao desincentivar a apresentação de propostas diferenciadas e mais baixas, na medida em que anula, quase que por completo, o efeito concorrencial de diferentes propostas, subvertendo, ainda, o critério de adjudicação fixado pela própria Entidade Adjudicante.
É que, apesar de o programa do procedimento atribuir maior relevância ao fator do preço, ao qual é aplicável uma ponderação de 60% face à ponderação de 40% da qualidade, na verdade o preço apresentado pelos concorrentes não influencia significativamente a pontuação final, acabando por ser o fator qualidade o decisivo na escolha da proposta, não compreendendo de que forma pôde o Tribunal a quo considerar que a fórmula matemática em si não encerra um caso em que os preços mais baixos são desvalorizados face a preços mais altos, já que, a pontuação a atribuir aos preços abaixo do preço base não varia proporcionalmente em relação à diferença, talqualmente sucede com os preços acima do preço base.
A seu ver, a expressão matemática referida reveste-se de tal insensibilidade, que permite e promove que propostas com diferenças substanciais de valor em euros, tenham insignificantes diferenças de pontuação no fator que lhe cabe, pelo que deverá considerar-se ilegal.
Para as apelantes, a fórmula matemática subverte o critério de adjudicação fixado (da proposta economicamente mais vantajosa), violando os princípios da contratação pública, máxime, o da concorrência, limitando-se a afirmar que a pontuação atribuída pela fórmula aos preços que se situam entre o preço base (PB) e – 20% desse PB tem poucas variações, o que se consubstancia no facto de propostas distanciadas de milhares de euros terem diferenças de pontuação irrelevantes.
Quid iuris?
No n.º1 do artigo 1.º-A do CCP estabelece-se que “ Na formação e na execução dos contratos públicos devem ser respeitados os princípios gerais decorrentes da Constituição, dos Tratados da União Europeia e do Código do Procedimento Administrativo, em especial os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da imparcialidade, da proporcionalidade, da boa-fé, da tutela da confiança, da sustentabilidade e da responsabilidade, bem como os princípios da concorrência, da publicidade e da transparência, da igualdade de tratamento e da não-discriminação”.
É consabido que a Contratação Pública está submetida a princípios gerais de direito, estando uns legalmente consagrados no CCP, resultando outros do ordenamento jurídico como um todo. Entre estes princípios, encontramos princípios gerais de direito interno e comunitário (como é o caso dos princípios da igualdade, imparcialidade e concorrência), princípios específicos da realidade comunitária ( como seja o da proibição da descriminação em razão da nacionalidade e reconhecimento mútuo) e, ainda, princípios específicos da realidade da contratação pública ( como sejam o da estabilidade das propostas, objetividade, publicidade, concorrência, transparência e igualdade).
Além destes princípios, são aplicáveis aos procedimentos de adjudicação, designadamente os previstos no Código dos Contratos Públicos, e, bem assim, como atividade administrativa que é, também os princípios gerais da atividade administrativa previstos quer na Constituição (arts. 13º, 266º nº2, entre outros) quer no Código de Procedimento Administrativo (artigos 3º e ss.)

O princípio da boa administração invocado pelas apelantes, encontra-se previsto no artigo 5.º do CPA, onde se consigna que “a administração pública deve pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade” (n. º1), acrescentando, para o efeito, o n.º 2 que “Administração Pública deve ser organizada de modo a aproximar os serviços das populações e de forma burocratizada”. Integram-se neste princípio, os princípios constitucionais da eficiência, da aproximação dos serviços das populações e da desburocratização.
De acordo com a definição legal, o princípio da boa administração traduz-se na obrigação da administração pública de prosseguir o interesse público, apontando, em cada caso concreto, as soluções mais eficientes, expeditas e racionais, quer de um ponto de vista técnico, quer de uma perspetiva financeira.
Por sua vez, o princípio da igualdade, vem consagrado, em termos gerais, no artigo 13.º da Constituição, como um parâmetro estruturante do Estado de Direito, e, em particular, no artigo 266.º da Constituição, como um princípio conformador da atuação das entidades administrativas. Por conseguinte, mesmo que não existisse a União Europeia, nem Portugal estivesse nela integrado, o princípio da igualdade sempre teria de constituir, do estrito ponto de vista do Direito de fonte interna português, um princípio conformador do Direito da contratação pública, que, como tal, se encontra explicitado no artigo 1.º-A, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos.
O princípio da concorrência constitui um princípio basilar da contratação pública, impondo designadamente, que as entidades adjudicantes se abstenham de adotar procedimentos ou aplicar regras se os mesmos limitarem ou distorcerem a concorrência. Trata-se de um princípio norteador da contratação pública. Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 7/10/2011, processo n.º 225/11:
“o princípio da concorrência é um princípio basilar da contratação pública. A par do princípio da legalidade que preside a toda a atuação da Administração. Todos os demais devem ser compaginados com estes princípios. O procedimento pode ser transparente, imparcial e igualitário. Se não respeitar normas imperativas e as regras da livre concorrência, é ilegal. A transparência, a imparcialidade e a igualdade apenas se podem realizar num quadro de legalidade e livre concorrência”.
Como escreveu Rodrigo Esteves de Oliveira- cfr. “Os princípios gerais da contratação pública”, in “Estudos da Contratação Pública”, I, 2008, páginas 66 e 67-, se muitas das potencialidades jurídicas que são assacadas ao princípio da concorrência podem igualmente imputar-se ao princípio da igualdade e a outros (como os imparcialidade, da transparência e da publicidade), com maior lastro histórico e dogmático, o princípio da concorrência é atualmente a verdadeira trave-mestra da contratação pública, uma espécie de “umbrela principle”, tornando aqueles corolários ou instrumentos seus ou, se se quiser, “contaminando-os”, exigindo ao intérprete que proceda à densificação de tais princípios numa perspetiva concorrencial ou segundo a lógica e objetivos da contratação pública.
Conforme se escreveu em Acórdão do STA, de 12/3/2015, proferido no processo n.º 01469, “…o princípio da concorrência implica, por um lado, a participação do maior número possível de candidatos e concorrentes nos procedimentos concursais e, por outro, a garantia de efetiva e sã concorrência entre eles”, sendo perante as circunstâncias concretas do caso que se deve avaliar se a concorrência foi falseada, para o que não basta a demonstração da existência de uma posição de vantagem de um dos concorrentes, tendo ainda de se provar que os restantes opositores só com esforços desproporcionados ou exagerados se poderiam colocar no mesmo patamar de conhecimento que conferia essa posição de vantagem.
Feita esta explicitação sobre o conteúdo de cada um dos princípios que as apelantes sustentam terem sido violados pelo apelado no modelo de avaliação que o apelado estabeleceu no âmbito do procedimento contratual em análise, desde já adiantamos que não lhe assiste razão.
Conforme se retira da alínea B) do elenco dos factos assentes, no ponto 18.2. do programa de procedimento (PP) estabeleceu-se que a adjudicação será efetuada, de acordo com o critério “Da proposta economicamente mais vantajosa, expressa na modalidade multifator, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º do CCP, em função dos fatores seguintes, e com o seguinte modelo de avaliação:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Por sua vez, conforme se estabeleceu no ponto 2.2 do CE, o preço base é de 15.984.940,32€, não incluindo o Imposto sobre Valor Acrescentado.
Decorre da escala estabelecida para a avaliação do fator Preço que no intervalo de preço compreendido entre o PB( preço base) de 15.984.940,32€, e -20% do PB (12.787.952,26€), a fórmula atribui uma pontuação entre os 18,846 e os 20 pontos, e que no intervalo superior, ou seja, no intervalo de preço compreendido entre o PB e +20% do PB (19.181.928,38€), a fórmula atribui uma pontuação compreendia entre os referidos 18,846 e os 10 pontos – quanto mais elevado o preço, menor a pontuação.
Assim sendo, de acordo com a fórmula de avaliação do fator Preço que foi estabelecida, resulta que as propostas apresentadas serão objeto de pontuações diferenciadas consoante o preço proposto, sendo maior a pontuação quanto menor o preço e menor a pontuação quanto maior for o preço proposto.
É inegável que no intervalo de preço compreendido entre o PB de 15.984.940,32€, e -20% desse PB (12.787.952,26€), a fórmula atribui uma pontuação entre os 18,846 e os 20 pontos, mas daí não advém qualquer violação dos citados princípios, dado que, como bem nota o apelado, numa variação de 3.196.988,06€, todas as propostas com diferente preço obtêm um número de pontos diferente das outras, e sempre uma pontuação superior àquelas que se situam no intervalo de preços 20% acima do PB.
Por outro lado, concordamos com o apelado quando afirma ser perfeitamente legitima e licita a opção por atribuir 18,846 pontos a uma proposta no limiar do PB, para evitar que os concorrentes, dadas as circunstâncias do mercado, sejam atraídos por propostas de preço acima do PB.
A razão pela qual as apelantes sustentam a ilegalidade da fórmula prevista no modelo de avaliação para o fator preço, prende-se com o facto de considerarem que tendo apresentado uma proposta com uma diferença de preço que qualificam de significativa em relação à proposta apresentada pelas CI, deveriam ter ficado graduadas em 1.º lugar, e não como sucedeu, ter sido graduada em 1.º lugar a proposta apresentada pelas CI, entendendo que a fórmula prevista no modelo de avaliação acaba, a final, por desvirtuar a relevância que à partida se pretendia atribuir ao fator preço.
A esta conclusão, o apelado contrapõe que, na verdade, o que se verifica é que, pese embora a proposta das apelantes apresente um preço inferior ao da proposta das CI [SCom03...]/NVE, no montante de 673.693,98€, esse diferencial de preços entre as duas propostas (673.693,98€) acaba por ser muito pequeno relativamente ao PB (15.984.940,32€), representando essa diferença de preço apenas 4,2% do PB. Em consequência, a pequena diferença de pontuação que resulta da aplicação da fórmula de avaliação do fator Preço (19,429 - 19,129 = 0,3), decorre do facto de a diferença de preço entre as duas propostas ser também ela pequena – só 4,2% do PB.
Aqui chegados, aquiescemos com o entendimento perfilhado pela Senhora juiz a quo, e que corresponde à tese sufragada pelo apelado, não se descortinando na fórmula matemática estabelecida para a avaliação do fator Preço nenhuma ilegalidade, a qual não subverte o critério de adjudicação estabelecido, qual seja, o da proposta economicamente mais vantajosa, determinada em função do Preço e da Valia Técnica.
É inegável, que pese embora as propostas cujo preço mais se aproximem de menos 20 % do PB acabem por obter uma pontuação que não é muito distanciada daquelas que se aproximem mais do PB estabelecido, a verdade é que, a referida fórmula atribuiu a cada preço uma determinada pontuação, atribuindo mais pontos às propostas de preço inferior ao PB, e dentro do intervalo compreendido entre o PB e -20% do PB, atribui mais pontos às propostas de preço mais baixo.
Sendo assim, a proposta de preço mais baixo garante sempre e em qualquer circunstância mais pontos que as demais com preço superior, permitindo a diferenciação das propostas de preço diferente, atribuindo mais pontos às de menor preço.
Ademais, no cômputo geral da avaliação de uma proposta, a pontuação obtida no fator Preço terá sempre um peso de 60% na avaliação final, e a pontuação atribuída no fator Valia Técnica terá sempre um peso de 40%, pelo que, o preço terá sempre mais peso na avaliação final do que a valia técnica de cada proposta – essa relação não varia.
No entanto, é inegável, que se os preços das propostas forem próximos, como sucede no caso dos presentes autos, naturalmente que a avaliação do fator Valia Técnica, que tem um peso de 40% da nota final, é passível de diferenciar as propostas, sem que isso desvirtue o critério de adjudicação adotado neste procedimento, ou belisque sequer os princípios da boa administração, concorrência e igualdade.
No presente procedimento, importa não esquecer que o critério de adjudicação adotado não foi o do mais baixo preço, mas sim uma ponderação entre o preço proposto e a valia técnica, e daí que, naturalmente, a avaliação do fator Valia Técnica, conjugada com a avaliação do fator Preço, possa determinar que a proposta vencedora, não seja a que apresentou o preço mais baixo, visto que se soma à pontuação do fator preço a avaliação do fator Valia Técnica.
Perante o exposto, é forçoso concluir que a diferença de pontuação decorrente da aplicação da fórmula de avaliação do fator Preço para preços situados no intervalo compreendido entre 15.984.940,32€ e 12.787.952,26€ (PB e -20 do PB), não é insensível e não anula o efeito concorrencial de diferentes propostas.
Assim sendo, afigura-se-nos que o modelo de avaliação do fator preço indicado pelo apelado não viola o princípio da boa administração, antes pelo contrário, entoa-se que a fórmula de avaliação do fator Preço estabelecida teve subjacente razões de interesse público e garantia de qualidade da despesa pública, incentivando propostas de preço que se situem no intervalo entre o preço base e o limiar de 20% abaixo desse preço base.
Por outro lado, como enfatiza o apelado, o fator Valia Técnica vem complementar a avaliação das propostas, permitindo diferenciar propostas com preço aproximado mediante uma valorização da sua qualidade e aptidão para melhor servir o interesse do apelado em receber uma obra corretamente executada do ponto de vista técnico, e com total cumprimento das obrigações contratuais. “ É este binómio preço / qualidade que assegura a melhor realização do interesse público, a maior eficiência na contratação e o melhor resultado económico possível na seleção do empreiteiro. “.
Também os princípios da igualdade e concorrência não são violados pela fórmula de avaliação do fator Preço, uma vez que, como se disse, essa fórmula atribui pontuações diferentes a preços diferentes e não permite a desvalorização de propostas com preço mais baixo relativamente a propostas com preços mais elevados.
Por outro prisma, não é despiciendo ter presente que todos os concorrentes, logo, também as apelantes, conheciam a fórmula prevista quando elaboraram as suas propostas, não podendo ignorar qual seria o preço que na escala de pontuação permitiria obter a maior pontuação possível, com o menor esforço financeiro. E bem assim, também sabiam que a qualidade da proposta poderia ser determinante na seleção do adjudicatário, não podendo ignorar que o preço mais baixo não seria em nenhuma circunstância suficiente para obter a maior pontuação à luz do modelo de avaliação previsto no procedimento. E como bem nota o apelado “ a verdade é que há três propostas com preços diferenciados, o que revela que os concorrentes formaram o seu preço em razão da competitividade das suas organizações empresariais, e não por condicionamentos impostos pela fórmula de avaliação do fator Preço”.
Em face do exposto, impõe-se confirmar o decidido no saneador-sentença recorrido sobre a legalidade do modelo de avaliação/fórmula matemática previsto no procedimento, soçobrando o presente fundamento de recurso.
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b.5. da violação dos artigos 70.º, n.º6, 75.º e 139.º do CCP
Nas conclusões P) a V) das respetivas alegações de recurso, as apelantes sustentam que o Tribunal ad quo incorreu em erro de julgamento de direito ao decidir que o mecanismo previsto no artigo 70.º, n.º 6, do CCP, isto é, de adjudicação acima do preço base, deve estar acomodado no critério de adjudicação, talqualmente sucedeu in casu, designadamente, na fórmula/expressão matemática que avalia o fator preço (por referência à parte final daquele preceito normativo, da qual decorre “de acordo com o critério de adjudicação”).
A seu ver, da leitura daquele preceito normativo apenas se pode concluir que o uso dessa prerrogativa tem de estar previsto no programa de concurso, sendo que, a referência a “de acordo com o critério de adjudicação”, previsto in fine no n.º 6 do artigo 70.º do CCP, tem que ver com o modo como a entidade demandada pode adjudicar a uma proposta acima do preço base, pressupondo que a Entidade Adjudicante avalie a proposta do concorrente desconsiderando que a mesma desrespeita o preço base fixado no concurso, isto é, que a avalie talqualmente o faria se o preço fosse abaixo da base. Concluem que tal não é sinónimo, como parece ser o entendimento do Tribunal a quo, que o próprio critério de adjudicação tenha de contemplar essa possibilidade.
O artigo 75.º do CCP, recorde-se, estabelece que:
“1 - Os fatores e eventuais subfatores que densificam o critério de adjudicação e o critério de desempate devem estar ligados ao objeto do contrato a celebrar.
2 - Os fatores e os eventuais subfatores podem ser, em função dos objetivos e das necessidades da entidade adjudicante, designadamente os seguintes: (…)
3 - Sem prejuízo do disposto na alínea b) do número anterior, os fatores e subfatores não podem dizer respeito, direta ou indiretamente, a situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes.
4 - Para os efeitos previstos no n.º 1, os fatores e subfatores consideram-se ligados ao objeto do contrato quando estiverem relacionados com as obras, bens ou serviços a executar ou fornecer ao abrigo desse contrato, sob qualquer aspeto e em qualquer fase do seu ciclo de vida.”
Considerando o disposto neste normativo, afigura-se-nos linear que a inclusão do quantitativo respeitante ao preço até 20% acima do PB na fórmula matemática do critério de adjudicação do fator Preço, é perfeitamente compatível com a disciplina legal prevista no mesmo, tanto quanto se é certo ser relativo ao objeto do contrato e corresponder a necessidades da entidade adjudicante, ainda que a sua aplicação efetiva fique dependente da verificação, no momento apropriado (na sequência da análise das propostas), dos pressupostos previstos no n.º 6 do artigo 70.º do CCP.
Por seu turno, o artigo 139.º do CCP, recorde-se, estabelece que:
“1 - Nos casos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º, deve ser elaborado um modelo de avaliação das propostas que explicite claramente os fatores e os eventuais subfatores relativos aos aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos.
2 - A pontuação global de cada proposta, expressa numericamente, corresponde ao resultado da soma das pontuações parciais obtidas em cada factor ou subfactor elementar, multiplicadas pelos valores dos respectivos coeficientes de ponderação.
3 - Para cada factor ou subfactor elementar deve ser definida uma escala de pontuação através de uma expressão matemática ou em função de um conjunto ordenado de diferentes atributos susceptíveis de serem propostos para o aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos respeitante a esse factor ou subfactor.
4 - Na elaboração do modelo de avaliação das propostas não podem ser utilizados quaisquer dados que dependam, directa ou indirectamente, dos atributos das propostas a apresentar, com excepção dos da proposta a avaliar.
5 - As pontuações parciais de cada proposta são atribuídas pelo júri através da aplicação da expressão matemática referida no n.º 3 ou, quando esta não existir, através de um juízo de comparação do respectivo atributo com o conjunto ordenado referido no mesmo número.”
Ora, o facto de o n.º 6 do artigo 70.º prever a possibilidade de a entidade adjudicante adjudicar propostas de preço superior ao preço base (até ao limite de 20%), uma vez cumpridos os pressupostos estabelecidos nessa norma para tal efeito, não impede que se inclua esse quantitativo na fórmula matemática do critério de adjudicação do fator Preço – ou seja, que se avaliem os preços acima do PB até ao referido limite de 20%. Como sustenta o apelado, essa construção é perfeitamente compatível com o normativo dos artigos 75.º e 139.º do CCP, uma vez que diz respeito ao objeto do contrato e corresponde a necessidades da entidade adjudicante, ainda que a sua aplicação efetiva fique dependente da verificação, no momento apropriado (na sequência da análise das propostas), dos pressupostos previstos no n.º 6 do artigo 70.º do CCP. CC.
Por outro lado, também não se vislumbra que essa fórmula possa violar a teleologia de qualquer dessas normas, ou outras invocadas, nomeadamente o n.º 6 do artigo 70.º do CCP, uma vez que esta norma apenas regula os termos e condições em que a Entidade Adjudicante pode adjudicar acima do preço base.
O n.º 6 do artigo 70.º do CCP não define os termos em que se avaliará uma proposta se esses pressupostos se verificarem, tendo o legislador deixado à discricionariedade da Entidade Adjudicante a liberdade de escolher o modelo e critério que melhor satisfaça o interesse por si prosseguido. E uma vez que o CCP impõe que haja apenas um critério de adjudicação para cada procedimento, torna-se obrigatório que a fórmula prevista para determinar a pontuação a atribuir ao preço acomode preços até 20% do preço base, assim como inferiores a este.
Não se vislumbra, assim, qualquer erro de julgamento na parte em que o Tribunal a quo decidiu julgar improcedente a ilegalidade da fórmula matemática do critério de adjudicação do fator Preço, pelo facto de prever a possibilidade de a entidade adjudicante adjudicar propostas de preço superior ao preço base (até ao limite de 20%).
Soçobra, pois, o invocado fundamento de recurso.
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b.6.do erro de julgamento resultante de o tribunal a quo ter decidido que não existe uma diferença significativa nos preços das propostas.
As apelantes sustentam que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar que inexiste uma diferença significativa nos preços apresentados, e bem assim, que a proposta apresentada pelas CI não sairia vencedora caso a fórmula matemática fosse outra.
Consideram que, atenta a proposta por si apresentada, se o critério de adjudicação fixado pela Entidade Demandada fosse integralmente observado e respeitado pelo modelo de avaliação fixado, designadamente, e em particular, a fórmula matemática que avalia as propostas no fator preço, bem como, se tivessem sido observados os graus de pormenorização e detalhe, a sua proposta seria a proposta vencedora.
Reafirmam que a proposta da adjudicatária ( CI) é mais cara €673.693,98 (seiscentos e setenta e três mil seiscentos e noventa e três euros e noventa e oito cêntimos) do que a proposta das apelantes, só se explicando que tenha ficado em 1.º lugar devido à entropia da fórmula usada.
Argumentam que não obstante a diferença significativa de preço apresentada, a pontuação do fator preço atribuída à sua proposta apresenta, a final, apenas uma diferença de 0,300 em 20 pontos do concorrente graduado em 1.º lugar.
E consideram que a perspetiva a adotar para percecionar se existe a atribuição de pontuação proporcional à diferença de preços, não deverá partir de uma comparação entre o preço base e o concreto preço proposto, mas sim, a diferença de pontuação na escala total de 0 a 20 pontos. Sublinham que o mais expectável é que os preços se situem entre -20% do preço base e o preço base, sendo que uma diferença de pontuação de 0,300 e 0,561 pontos afigura-se diminuta na escala de 0 a 20 pontos, pelo que, deve a sentença ser revogada.
Sem razão.
Em rigor, o que sucede é que as apelantes não se conformam com o facto de não terem ficado graduadas em primeiro lugar na tabela classificativa e, consequentemente, não terem ganho a adjudicação, quando até apresentaram uma proposta de mais baixo preço do que a foi graduada em 1.º lugar e quando o fator Preço tinha um peso no critério de adjudicação de 60%, e o fator Valia Técnica, apenas um peso de 40%.
Acontece que, esta ilação só aparentemente é que pode convencer, não tendo, contudo, malgrado a pretensão das apelantes, pernas para andar se e quando confrontada com a devida análise do modelo de avaliação indicado no procedimento em análise, como, aliás, resulta do que já se disse até ao momento.
Como resulta do que antecede, as apelantes apresentaram uma proposta com base num critério de adjudicação que conheciam de antemão e que de forma muito clara indicava qual seria a pontuação que obteriam para o preço que quiseram propor, que foi de 14.815.168,08€.
Não ignoravam que de acordo com o modelo de avaliação indicado no procedimento a pontuação prevista para os preços abaixo do PB tinha pouca variação e que as pontuações a dar ao fator Preço seriam muito próximas, pelo que, seria por via da ponderação do fator Valia Técnica que a diferenciação se estabeleceria de modo mais relevante na determinação do adjudicatário.
As apelantes apresentaram uma proposta de preço relativamente próximo do PB, tendo obtido a melhor pontuação no fator Preço. Porém, no que tange ao fator Valia Técnica, a proposta que apresentaram obteve uma pontuação de 6,664, já com a aplicação da ponderação de 40%, que é inferior à das Contrainteressadas [SCom03...]/NVE, que obteve para a mesma Valia Técnica uma pontuação de 7,47, resultando, na ponderação dos dois fatores, numa pontuação final global que as deixou em 3.º lugar na tabela classificativa.
Ora, foi em razão deste resultado e não de qualquer subversão do critério de adjudicação que a proposta das apelantes acabou por ficar graduada em 3.º lugar.
As apelantes, com a argumentação que explanam, não conseguem demonstrar a existência de qualquer ilegalidade no modelo de avaliação adotado no procedimento em causa, nem a sua errada aplicação á avaliação da sua proposta.
O modelo de avaliação adotado pela entidade adjudicante pretendeu garantir que as propostas a apresentar pelos concorrentes não se distanciassem significativamente do preço base, de modo a evitar, quer propostas de preço demasiado baixas, quer propostas de preço demasiado elevado, o que não pode merecer qualquer censura, antes pelo contrário, revela que houve da parte da entidade pública uma correta avaliação dos custos que a execução da empreitada em causa acarreta, nas condições de mercado conhecidas, procurando precaver-se contra propostas de preço irrealistas.
Assim sendo, sem necessidade de mais considerações a este respeito, improcede o invocado fundamento de recurso, impondo-se confirmar a decisão recorrida.
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b.7. Do erro de julgamento quanto ao fator Valia Técnica
As apelantes criticam o saneador-sentença recorrido por nele o Tribunal a quo ter ajuizado que a Entidade Adjudicante incumpriu com o grau de pormenorização e detalhe legalmente exigido, na definição do fator Valia Técnica da proposta.
Para tal, adiantam que no procedimento concursal em apreço está em causa a adoção da modalidade multifator para determinar a proposta economicamente mais vantajosa, pelo que, na linha do disposto nos artigos n.º 74.º, n.º 2, e 139.º, n.º 1, ambos do CCP, devia ser elaborado um modelo de avaliação das propostas que explicitasse claramente os fatores e os eventuais subfatores relativos aos aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos.
Assim para cada fator ou subfator elementar, aquele mesmo modelo de avaliação devia, e de acordo com o disposto no artigo 139.º, n.º 2, explicitar a respetiva escala de pontuação.
Sucede que, o modelo de avaliação das propostas, em particular, do fator “Qualidade”, no presente procedimento concursal, não cumpriu com o disposto naqueles preceitos legais.
E isso porque, desde logo, o subfator “Memória Descritiva e Justificativa”, que apresenta um peso de ponderação de 20%, é avaliado, entre outros sub-subfatores, pelo “Conhecimento do local onde se irão desenrolar os trabalhos”.
Alegam que deve existir uma interligação entre os fatores e subfactores adotados no modelo de avaliação que cumpra o desiderato da entidade adjudicante com a escolha do critério da proposta economicamente mais vantajosa; e não obstante a margem de discricionariedade administrativa legalmente reconhecida e determinada no que concerne à elaboração do modelo de avaliação e sua densificação, o que é certo é que a elaboração de um concreto modelo de avaliação sempre será matéria sindicável jurisdicionalmente, designadamente, no que concerne à coerência, proporcionalidade e desenvolvimento lógico do critério de adjudicação.
b.7.1. do conhecimento do local onde se irão desenrolar os trabalhos”.
As apelantes advogam que a apresentação de fotografias originais do local e zona envolvente não é garantia de um melhor ou pior conhecimento do local onde se irão desenrolar os trabalhos, porquanto qualquer pessoa poderia ser autora das; de resto, a previsão deste subsubfator não contribui com relevância técnica para a efetiva observação do critério de adjudicação e, em bom rigor, não se reveste de preponderância que justifique a ponderação atribuída de 10% da memória descritiva, proporção equivalente a outros subfatores, justificada e tecnicamente mais adequados. Por conseguinte, a definição do subsubfator da Memória Descritiva e Justificativa (“conhecimento do local onde os trabalhos irão ser realizados”), nos moldes em que se encontra plasmado no modelo de avaliação, é manifestamente desajustada à prossecução do Interesse Público, na medida em que em nada releva ou é pertinente para que a Entidade Adjudicante conheça da concreta qualidade ou valia técnica das propostas avançadas a concurso, sendo, inclusive, arbitrário, por que nos moldes em que foi delineado, é desconectado com o critério de adjudicação.
Assim, sempre poderá o poder jurisdicional sindicar a arbitrariedade ou o desajuste face ao interesse público daquele concreto subsubfator, e não negado, desde logo, a pronúncia relativamente a esta matéria, ancorando-se na discricionariedade administrativa sem mais.
De modo que, a sentença proferida padece de erro de julgamento de Direito, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que conheça do invocado erro, e decrete a ilegalidade das peças procedimentais, anulando o concurso e o ato de adjudicação subsequente, por força da arbitrariedade e/ou desajuste à prossecução do Interesse Público do modelo de avaliação do fator qualidade.
Sem razão.
A este respeito, o Tribunal a quo decidiu, e bem, que a Administração goza da chamada discricionariedade técnica na tomada das suas decisões, circunscrevendo-se o poder dos Tribunais à deteção e declaração de ilegalidades cometidas no exercício desse poder, designadamente quando são excedidos os seus limites, quando se comentem erros palmares ou violam princípios gerais que devem pautar a conduta da Administração.
Posto isto, o Tribunal a quo decidiu, que não está evidenciado na definição do subfactor “Memória Descritiva e Justificativa”, um erro palmar, desvio de poder ou arbitrária ou manifestamente contrária à prossecução do interesse público.
E, de facto, não existe qualquer ilegalidade na definição deste subfactor, ao contrário do que é alegado pelas apelantes.
O fator Valia Técnica subdivide-se nos seguintes subfactores de avaliação:
-Memoria Descritiva e Justificativa (ponderação de 20%).
-Plano de Trabalhos (ponderação de 14%).
- Sistema de Gestão e Controlo da Qualidade (ponderação de 2%).
- Sistema de Gestão de Segurança (ponderação de 2%).
- Sistema de Acompanhamento Ambiental (ponderação de 2%).
No que diz respeito ao subfactor Memoria Descritiva e Justificativa (MD), segundo consta do Anexo VI do PP, “Pretende-se, pela descrição feita, verificar o efetivo conhecimento que os concorrentes têm da empreitada a realizar, pela descrição da execução das atividades, identificando situações que dificultem a execução da empreitada, assim como o modo como pretendem implantar o estaleiro. Caso o concorrente se contrarie na descrição de algum trabalho na Memória Descritiva, a classificação MD=10, independentemente da classificação que obteria pela aplicação do “quadro de avaliação MD”.”
Esse conhecimento da empreitada é, segundo o Anexo VI do PP, revelado através de vários elementos, entre os quais: «1. Conhecimento do local onde se irão desenrolar os trabalhos (Conh) Pretende-se que o concorrente demonstre conhecer o local e zona envolvente onde se irão desenrolar os trabalhos. Para tal deverá apresentar fotografias originais, que demonstrem esse conhecimento»
Ao contrário do que alegam as apelantes, a apresentação de fotografias originais do local e zona envolvente assegura, ou pelo menos dá maiores garantias ao apelado, que os concorrentes estiveram no local de execução da obra e se inteiraram da realidade concreta onde a obra vai ser executada. E de facto, os interessados podiam visitar o local onde se irão desenrolar os trabalhos para, deste modo, ficarem com um conhecimento “in loco” das condições existentes.
Ora, as fotografias constituem um meio óbvio e, naturalmente, idóneo para demonstrar conhecimento do local.
É verdade que os concorrentes podem “enganar” a entidade adjudicante e munir a proposta de fotografias tiradas por outros, mas se o fizerem incorrem em responsabilidade por esse facto, que pode ser civil e criminal, o que faz presumir à entidade adjudicante que nenhuma falsidade foi cometida e que as fotografias provêm do concorrente que as usou na proposta.
Sempre se dirá que a mesmo que as fotografias não sejam tiradas pela própria entidade concorrente, o facto de elas existirem e de o concorrente ter elaborado a proposta com base nas mesmas, assegura à entidade adjudicante que o concorrente viu através das fotografias o local onde a obra deve ser realizada, o que também revela o conhecimento do local e a consideração da realidade e das circunstâncias onde a mesma vai ser executada.
Em face do exposto, é patente que a argumentação invocada pelas apelantes para sustentar a ilegalidade invocada não tem qualquer fundamento sólido.
Termos em que se impõe julgar improcedente o invocado fundamento de recurso e confirmar a decisão recorrida.
b.7.1. da utilização de conceitos indeterminados
As apelantes sustentam que, perscrutado o fator qualidade, vertido no modelo de avaliação patente no Anexo VI, constata-se que a sua subdivisão é feita mediante a utilização de conceitos indeterminados, de preenchimento tendencialmente subjetivo, que fazem claudicar a pretendida e legalmente determinada clareza do modelo avaliativo.
Adiantam que, atenta a subjetividade presente nos diferentes níveis avaliativos fixados, não foi possível aos concorrentes perceber o que poderia, em bom rigor, fazer variar a pontuação a atribuir, dado que a atribuição das diferentes pontuações é feita tendo por base a utilização de conceitos indeterminados cuja densificação e preenchimento pode ocorrer de diversas formas consoante a perspetiva adotada.
Concluem que face ao modo como se encontra elaborado o modelo de avaliação, que padece de indeterminação e falta de clareza total, não é dado cumprimento ao disposto no artigo 139.º do CCP, bem como aos demais princípios vigentes no âmbito da contratação pública, pelo que se verifica a ilegalidade do modelo de avaliação.
Nas alegações de recurso, as apelantes identificam as situações em que, a seu ver, foram utilizados conceitos indeterminados de preenchimento subjetivo, que afetam a clareza do modelo avaliativo.
Assim, começam por referir, no subfactor Memória Descritiva e Justificativa, o subfactor 1- “Conhecimento do local onde se irão desenrolar os trabalhos (Conh)”, para se insurgir contra a referência a “zona envolvente” pretendendo que a mesma não se encontra objetivamente delimitada, o que afeta a clareza e objetividade do modelo avaliativo.
Dir-se-á, secundando o apelado, que essa referência é normalmente utilizada em projetos de execução e cadernos de encargos relativos a empreitadas de edifícios, vias rodoviárias, infraestruturas, e muitas outras, para designar um perímetro não determinado em redor do local de execução da obra. A não determinação de uma área especifica visa precisamente evitar a criação de um perímetro artificial e dar alguma margem de liberdade aos concorrentes na revelação do conhecimento do local de execução da empreitada. No caso concreto dos presentes autos, o uso da expressão “zona envolvente” permite aos concorrentes, segundo o critério do homem médio colocado na situação concreta dos interessados/concorrentes, perceber qual será a área geográfica que pode estar abrangida naquele conceito, para o efeito de demonstrar o conhecimento do local onde a obra vai ser executada.
Esse tipo de expressões não colide com o bloco de legalidade, sendo pacificamente reconhecida a sua legalidade, desde logo, pela jurisprudência, como se pode retirar do que se escreveu no Acórdão do TCAN, de 28/06/2018, proferido no processo n.º 00879/17.7BEAVR, a saber:
“Defende a Recorrente que o subfactor em causa, ao adotar termos como “elementar, simples, alguns, generalizada, boa maioria” é genérico e imperfeito, dizendo tudo e nada e assim conferindo uma margem inadmissível de atuação ao júri que os princípios da transparência e da concorrência não consentem, padecendo, por conseguinte, a sentença recorrida de erro de julgamento.
Pretende pois a adjudicação de uma obra ao abrigo de um critério avaliativo supostamente ilícito. Acontece que o modelo de avaliação contra o qual a Recorrente se insurge é exatamente o mesmo que existia quando propôs a ação, não tendo sido objeto de qualquer alteração. E, analisada a sentença constata-se que ela escalpelizou as falhas apontadas pela parte, de forma clara e exaustiva, de modo que nos revemos na sua leitura.
Como advogado pelo aqui Recorrido, a Recorrente mobiliza cirurgicamente as menções que cita de forma isolada, certamente procurando descontextualizar, e, nesta medida, sem desde logo ter presente que os parâmetros avaliativos não se reduzem a tal, antes estando densificados, bastando, para o efeito, atentar quer na sobredita tabela transcrita pela Recorrente, quer na fundamentação levada a cabo pelo júri.”
Sobre a questão de saber qual o grau de concretização que se deve exigir na descrição dos critérios que constam do PP, o STA decidiu, em Acórdão proferido em 10/05/2019, Proc. n.º 0687/18.8BEBRG:
4. A questão maior suscitada nesta revista é a de saber se o Programa do Concurso concretizou com suficiente detalhe e clareza os critérios e subcritérios que contribuíram para a graduação das propostas. Questão em que as instâncias divergiram frontalmente com o TAF a entender que “no programa do concurso nada é concretizado quanto aos aspetos a valorar sendo que essa concretização .... é efetuada posteriormente, em sede de análise e avaliação das propostas. .... Portanto, há uma densificação de critérios feita a posteriori, concretizando-se só na fase da avaliação da proposta” e o TCA a decidir que “No caso concreto do uso de uma escala densificada e gradativa com recurso às expressões do tipo “descrição muito detalhada” ou mesmo do tipo “descrição detalhada” dos elementos a considerar pelo júri concursal no domínio avaliativo atinge-se tal compreensão, pois a mesma permite aos destinatários, segundo o critério do homem médio colocado na situação concreta dos candidatos, perceber a diferente pontuação no sentido de diferença de grau de detalhe na descrição da obra e demais elementos enunciados”.
Ora, saber qual o grau de concretização que se deve exigir na descrição dos critérios que constam do Programa do Concurso e que presidem à graduação das propostas é uma questão juridicamente relevante e tem uma enorme capacidade de replicação. Todavia, a dificuldade que essa questão, em abstrato, geralmente suscita foi, no caso, bem resolvida. E isto porque, como se afirmou no Acórdão sob censura com elevado grau de consistência e plausibilidade, a descrição dos critérios e subcritérios constante do Caderno de Encargos “permite aos destinatários, segundo o critério do homem médio colocado na situação concreta dos candidatos, perceber a diferente pontuação no sentido de diferença de grau de detalhe na descrição da obra e demais elementos enunciados”.
Deste modo, não se justifica admitir um recurso destinado a reapreciar uma questão que tudo indica ter sido bem resolvida.”
Assim sendo, não ocorre qualquer ilegalidade neste subfactor.
Quanto ao subfactor 2 – Identificação das situações que dificultem a execução da obra (Sit), referem que a utilização do conceito “ situações plausíveis” impede que qualquer candidato possa discernir o que pode ser considerado plausível na ótica da Entidade Adjudicante.
A este respeito, como contrapõe o apelado, diremos que o discernimento de “situações plausíveis” que dificultem a execução da obra é intrínseco ao próprio conceito. Tal como referido no artigo 81.º da PI, embora a entidade adjudicante não valide as competências ou habilitações de quem elabora a memória descritiva, o concorrente deverá integrar na sua equipa elementos que tenham experiência e conhecimento de execução de obras do mesmo género, de tal forma a poder identificar situações plausíveis que dificultem a sua execução, tendo aqui plena aplicação a doutrina e jurisprudência acima referida.
Quanto ao subfactor 4 – Descrição detalhada de trabalhos previamente especificados (…), o texto do subfactor é bastante claro quanto ao que se pretende, inexistindo qualquer indeterminação ou subjetividade. O que se pede é que os concorrentes detalhem a execução das tarefas, o que, no contexto em que a palavra é usada, quer obviamente dizer que descrevam as tarefas em que cada atividade se decompõe, atribuindo-se 20 pontos à pormenorização de 10 ou mais atividades e 10 pontos entre 0 e 1 tarefa.
No subfactor Plano de Trabalhos:
No subfactor 2.1 – Sequência entre as atividades (SA), ao contrário do que é alegado pelas apelantes, o tempo adequado de uma tarefa é aquele que, pela experiência e conhecimento de obra, é entendimento ser o necessário e suficiente para a realização da tarefa em causa.
No subfactor 2.3 – Compatibilização entre o Plano de Mão-de-Obra com o Plano de Trabalhos (PMPT), ao contrário do que é alegado pelas apelantes, as “deficiências” são as descritas no próprio “quadro de referência PMPT”.
A existência de “recursos humanos inadequados” é como o próprio nome indica: recursos humanos que para a tarefa em causa não têm aplicação. Mas também aqui tem plena aplicação a doutrina e jurisprudência acima referida.
No subfactor 2.4 – Compatibilização entre o Plano de Equipamentos com o Plano de Trabalhos (PMPT), a existência de “equipamentos inadequados” é como o próprio nome indica: equipamentos que para a tarefa em causa não têm aplicação.
Também aqui tem plena aplicação a doutrina e jurisprudência acima referida.
iii) No subfactor Sistema de Gestão de Segurança:
A avaliação do Sistema de Gestão de Segurança dos concorrentes às empreitadas é efetuada, tendo em consideração os requisitos de normas internacionais, que são utilizadas para implementação e certificação de Sistemas de Gestão de SST nas organizações.
São essas normas que melhor definem os Sistemas de Gestão de SST e avaliam o seu grau de maturidade. Também aqui tem plena aplicação a doutrina e jurisprudência acima referida.
Aqui chegados, não pode senão concluir-se que o critério de avaliação do fator Valia Técnica não incorre nos vícios que lhe são assacados pelas apelantes.
Nas palavras de Pedro Costa Gonçalves, “além da conexão com o objeto do contrato, os fatores de densificação do critério de adjudicação devem ser "suficientemente densos", de modo a limitar a liberdade de escolha da entidade adjudicante”cfr. in “Direito dos Contratos Públicos”, Almedina, 2015, pp. 310-31.
Assim tem entendido o Tribunal de Justiça da União Europeia, salientando a necessidade de os fatores serem formulados de forma “clara, precisa e unívoca”, como se retira, por exemplo, do Acórdão Comissão Europeia c. Reino dos Países Baixos, proc. C368/10: “O princípio da transparência implica que todas as condições e regras do processo de adjudicação sejam formuladas de maneira clara, precisa e unívoca, no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, de forma a, por um lado, permitir a todos os proponentes razoavelmente informados e normalmente diligentes compreender o seu alcance exato e interpretá-las da mesma maneira e, por outro, colocar a entidade adjudicante em condições de verificar efetivamente se as propostas dos proponentes correspondem aos critérios que regem o concurso em causa”.
Ademais, atento o princípio do efeito indireto ou da interpretação conforme, cabe sublinhar que a bitola interpretativa que se segue aqui encontra respaldo no artigo 67º, nº 4, da Diretiva 2014/24/EU, segundo o qual “os critérios de adjudicação não podem ter por efeito conferir à autoridade adjudicante uma liberdade de escolha ilimitada”.
No caso, o modo como foram desenhados os descritores dos subfactores do fator “Valia técnica” não conferiu uma liberdade de escolha ilimitada ao apelado.
Os descritores qualitativos utilizados não se traduzem em expressões e formulações vagas e excessivamente elásticas, não se podendo olvidar que existe discricionariedade administrativa na escolha dos fatores do critério de adjudicação e na elaboração dos descritores do modelo de avaliação.
Termos em que improcedem todos os fundamentos de recurso aduzidos pelas apelantes, impondo-se confirmar o saneador-sentença recorrido.
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IV-DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte, subsecção de Contratos Públicos, em julgar improcedente o recurso interposto da decisão que ordenou o levantamento do efeito suspensivo automático, e, bem assim, do recurso interposto contra a decisão final e, em consequência, confirmam ambas as decisões.
Custas pelas apelantes (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 15 de dezembro de 2023

Helena Ribeiro
Antero Pires Salvador
Ricardo de Oliveira e Sousa