Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01900/17.4BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/07/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:COMPETÊNCIA TERRITORIAL; PROCESSO PRINCIPAL; INCIDENTE; NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA; ALÍNEA D) DO N. º1, DO ARTIGO 615º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (DE 2013); ARTIGO 91. °, N. º1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário:
1. Sendo competente para decidir a acção principal o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, nos termos do citado ponto 26.2 do programa do concurso, é também este o competente para conhecer o incidente do levantamento do efeito suspensivo automático dos actos impugnados, face ao disposto no artigo 91. °, n. º1, do Código de Processo Civil.
2. Pelo que padece de nulidade, por excesso de pronúncia, face ao disposto na alínea d) do n. º1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil (de 2013),a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julga este Tribunal incompetente em razão do território para conhecer do mérito do processo principal, face à apontada norma do concurso, e, no mesmo acto, conhece do mérito do incidente, no sentido da sua procedência. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:IFTCA, S.A.
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social, IP
Votação:Maioria
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Julgar competente territorialmente o Tribunal de Círculo de Lisboa
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de proceder o recurso
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

IFTCA, S.A. veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 09.01.2018, que declarou o Tribunal a quo incompetente em razão do território para conhecer do mérito da acção principal, e competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e, em simultâneo, deferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático resultante da interposição da acção principal urgente de contencioso pré-contratual movida pela ora Recorrente contra o Instituto da Segurança Social, I.P. e em que foi indicada como Contrainteressada a SSGANIH, S.A.
Invocou para tanto, em síntese, que o Tribunal a quo errou quanto ao julgamento implícito de ser o tribunal competente para conhecer do incidente em apreço e que a decisão recorrida é, por essa via, nula por excesso de pronúncia, por ter conhecido de questão de que não devia ter conhecido; invoca ainda que a decisão recorrida é nula por omissão total da matéria de facto relevante e, em todo o caso, é desacertada.
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As Recorridas apresentaram ambas contra-alegações, em separado, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
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O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de proceder o recurso.
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Cumpre, pois, decidir.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1. Impõe-se, deste modo, concluir que a sentença ora recorrida é nula por conhecer de questões de que, por força das regras de extensão de competência (territorial) do Tribunal, não podia tomar conhecimento, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
2. Porquanto, o Tribunal a quo declarou-se incompetente, em razão do território, para conhecer da ação de contencioso pré-contratual na qual o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático foi levantado.
3. Sendo que, nos termos do artigo 91.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o tribunal competente para a ação é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem.
4. Donde, a observância das regras de competência do tribunal, em concreto, a regra de extensão de competência prevista no citado artigo 91.º, 1, do Código de Processo Civil, sempre ditará a atribuição de competência para conhecer do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático ao tribunal competente para conhecer da acção na qual o mesmo foi levantado.
5. Razão pela qual, não restam dúvidas de que a sentença recorrida padece, desde logo, de erro de julgamento, por fazer uma incorreta interpretação e aplicação das regras de (extensão) de competência jurisdicional.
6. E mais, ao ter decidido apreciar e julgar o presente incidente de levantamento do efeito suspensivo automático da adjudicação e da execução contratual, conheceu de questões de que, face à declaração de incompetência emitida, não podia tomar conhecimento, o que determina a sua nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
7. Ademais, a sentença recorrida é nula, por não especificar os fundamentos de facto que sustentam a decisão proferida, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
8. Efetivamente, compulsada a sentença em crise, constata-se que a mesma não contém a seleção dos factos dados como provados e não provados, nem tão pouco faz referência aos meios de prova oferecidos por cada uma das partes para demonstração dos reais prejuízos resultantes da manutenção ou levantamento do efeito suspensivo automático que decorre da propositura da acção de contencioso pré-contratual.
9. O que, no caso dos autos, se afigura particularmente gravoso, na medida em que a aplicação do critério de decisão sobre o levantamento do efeito suspensivo resulta, necessariamente, do confronto de danos e prejuízos reais, que devem ser concretamente alegados e demonstrados pelas partes para justificar a necessidade preponderante de manutenção ou levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
10. Assim, a omissão de discriminação dos concretos factos que permitem demonstrar a existência dos danos reais e concretos que a manutenção ou levantamento do efeito legal suspensivo comporta para a esfera de cada uma das partes e para o interesse público, não só impede a inteligibilidade do iter cognoscitivo seguido pelo Tribunal para decidir do modo como decidiu, como esvazia de substrato jurídico a própria sentença proferida.
11. Pelo que, outra não poderá ser a conclusão a extrair senão a de que a sentença recorrida é nula, por ausência absoluta de fundamentação de facto que justifique a decisão proferida, nos termos e para os efeitos previstos na alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
12. Resulta, ainda, manifesta a conclusão de que o Tribunal a quo desprezou, em absoluto, a natureza do incidente sob análise e, em especial, o ónus de prova que o mesmo faz impender sobre os requerentes do levantamento do efeito suspensivo automático consagrado no artigo 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
13. Pois que, é inequívoco que este configura um verdadeiro requerimento processual, sujeito ao ónus de alegação e prova aplicáveis nos termos do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 1. º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, donde resulta que, na falta de alegação de factos concretos (não se bastando a invocação de meros juízos conclusivos) e de prova da sua verificação (não bastando a mera alegação), não pode ser julgado procedente o incidente legalmente previsto.
14. Por esta razão, dúvidas não se colocam quanto ao facto de mal ter andado o Tribunal a quo, ao deferir o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático apresentado pelos Recorridos, sem que tivessem resultado alegados e provados nos autos factos concretos que permitissem demonstrar a grave prejudicialidade que a manutenção do efeito suspensivo da execução do contrato iria provocar no interesse público ou a lesão manifestamente desproporcional de outros interesses envolvidos.
15. A verdade é que, as alegações constantes dos articulados apresentados pelos Recorridos esgotam-se na alegação de generalidades e factos notórios, como o manifesto interesse público da acção prosseguida pelo Recorrido Réu, no fornecimento de bens alimentares a pessoas mais carenciadas.
16. Ora, é por demais evidente que estando em causa a atuação da Administração, aqui representada pelo Réu, ora Recorrido, estaremos sempre a falar da prossecução do interesse público. No entanto, a natureza desse interesse não se revela, por si só, preponderante na ponderação exigida pelo artigo 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sob pena de esvaziar de conteúdo o efeito suspensivo automático resultante da propositura da acção de contencioso pré-contratual.
17. Efetivamente, o que releva nesta sede, é o facto de não ter ficado demonstrado nos autos que existisse, efetivamente, uma privação, absoluta, dos bens ao seu destinatário, nem que existisse, efetivamente, um dano real para o interesse público, resultante da manutenção do efeito suspensivo legal consagrado no artigo 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos até à prolação da decisão final do processo de contencioso pré-contratual (de natureza urgente) pendente.
18. Donde, é imperioso concluir que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por ter realizado uma incorreta interpretação e aplicação do artigo 103.º-A, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, deferindo o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático requerido pelos Recorridos, sem resultar alegado e provado nos autos que o diferimento da execução do ato e contrato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou claramente desproporcional para outros interesses envolvidos.
19. Por outro lado, a fundamentação adoptada pelo Tribunal a quo, no que à aplicação do critério ínsito no artigo 103.ºA do Código de Processo nos Tribunais Administrativos respeita, apresenta-se-nos contraditória, ambígua, obscura e, portanto, ininteligível, em termos que afectam intrinsecamente a validade da sentença proferida, nos termos do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
20. Pois que, não obstante o Tribunal a quo partir do pressuposto correto no que concerne ao objeto da ponderação a realizar na aplicação do critério de decisão do levantamento do efeito suspensivo legal – ponderação de danos e prejuízos reais -, a verdade é que, a decisão final proferida assenta na assunção de um pressuposto totalmente distinto e, refira-se, absolutamente equívoco, correspondente à mera ponderação de interesses (interesse público versus interesse privado).
21. Sendo que, uma decisão de deferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, conforme ao normativo legal aplicável e ao pressuposto inicialmente assumido quanto ao verdadeiro objeto da ponderação a realizar, teria, forçosamente, de concluir pela superioridade dos danos que resultam da manutenção do efeito suspensivo (sejam eles quais forem) face aos danos que resultam do seu levantamento. Mas nunca, em caso algum, se poderia esgotar na determinação da preponderância ou supremacia de meros interesses, como sucede no aresto sob censura.
22. A par da natureza ambígua da fundamentação exposta na sentença recorrida, esta padece, ainda, de um ostensivo erro de julgamento no que toca à interpretação e aplicação do critério legalmente previsto para o levantamento do efeito suspensivo automático do artigo 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e que importa dissipar.
23. É que, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, os danos concretos invocados pela Recorrente e que justificam a manutenção do efeito suspensivo legal não se reconduzem a uma realidade meramente financeira e que, por isso, seja suscetível de total reparação;
24. Nesta sede, impõe-se recordar, na linha do determinado pelo legislador europeu, o verdadeiro objetivo da consagração do efeito suspensivo automático da adjudicação com a propositura da acção de contencioso pré-contratual: evitar a constituição de situações de facto consumado na pendência dos processos judiciais resultante de uma «corrida à assinatura» dos contratos,
25. Com efeito, é entendimento aceite pela doutrina e jurisprudência que a imediata execução dos contratos outorgados provocará na esfera jurídica do autor prejuízos graves e irreparáveis, na medida em que tornará material ou juridicamente irreversível a infração perpetrada pelo Réu, Entidade Adjudicante, ao direito da contratação pública - pelo menos no plano da reparação natural, por via da reconstituição da situação jurídico procedimental existente antes de tais infrações,
26. Termos em que, se revela forçosa a conclusão de que a sentença recorrida padece de flagrante erro de julgamento sobre a interpretação e aplicação dos critérios legalmente estabelecidos para operar o levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e que impõe a revogação da sentença recorrida, o que desde já se requer para os devidos efeitos.
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I.I. – Questão prévia. A taxa de justiça paga pela interposição de recurso.
A Entidade Demandada e a Contrainteressada vieram nas suas contra-alegações de recurso, invocar a falta de pagamento, pela Demandante, da taxa de justiça devida pela interposição do presente recurso, nos termos exigidos pelos artigos 6.º, n.ºs 1 e 2, e 7.º, n.º2, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02, na sua redação actual.
Sustentam, em síntese que face ao disposto no artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais no caso em apreço será aplicável a Tabela I-B e, como tal, atento o valor da causa – fixado no valor indeterminável que se quantifica, para os devidos efeitos legais, em 30.000,01€ -, a taxa de justiça devida deveria ter sido liquidada e paga na quantia de 306,00€ (ou de € 275,40, por aplicação da redução prevista no artigo 6.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais).
Mas sem razão, como defende a Recorrente.
A fixação do valor da taxa de justiça devida terá de atender às regras especiais fixadas no artigo 7.º e não do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais.
Determina o artigo 7.º, nº 4 do Regulamento das Custas Processuais que:
«A taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a tabela II, que faz parte integrante do presente Regulamento».
Pelo que, tendo em conta estabelecido na tabela II-A quanto aos incidentes, verificamos que, no caso de incidentes inominados, o valor da taxa de justiça a liquidar é de 0,5 a 5 unidades de conta e, com a aplicação da redução legalmente prevista, é 45,90 €.
Valor que foi pago pela Recorrente a título de taxa de justiça devida pela interposição do recurso.
Termos em que se conclui improceder a questão prévia suscitada pela Recorridas.
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II – Matéria de facto.
1. O Tribunal a quo proferiu, com a data de 09.01.2018 a seguinte decisão, ora recorrida (que aqui se dá por reproduzida na integra):
“(…)
Nos presentes autos de contencioso pré-contratual, foi proferida em 26/09/2017, decisão judicial declarando este Tribunal territorialmente incompetente para decidir o presente litígio, remetendo-se os autos ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Da decisão proferida, foi arguido pela " IFTCA, SA (doravante Autora), por requerimento de 6/10/2017, a nulidade processual sustentada na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de armas, consagrados nos artigos 3.°, n.º 3 do CPC e 6.° do CPTA, peticionando a anulação de todos os atos processuais subsequentes à apresentação da contestação do "Instituto da Segurança Social, I.P." (doravante Réu).
Por decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa de 18/10/2017, foram os autos devolvidos a este Tribunal.
Por despacho de 30/11/2017, foi deferida a arguida nulidade peticionada pela Autora, anulando-se, em consequência, a decisão proferida em 26/09/2017, mantendo, no entanto, válidos todos os demais atos praticados no processo.
Entretanto, em 4/09/2017 e em 8/09/2017, pelo Réu e pela Contrainteressada "SSGANIH, SP' (doravante Contrainteressada), foram apresentados requerimentos nos quais foi peticionado o levantamento do efeito suspensivo automático a que se refere o n.º 1 do art.º 103.0-A do CPTA.
Pelos requerimentos de 07/09/2017 e de 18/12/2017, a Autora apresentou a sua resposta aos requerimentos apresentados pelos Réu e Contrainteressada, mostrando-se assegurado o contraditório.
Aqui chegados, constata-se que os autos já dispõem de todos os elementos necessários para decidir as questões que prementemente se colocam, quais sejam, a de decidir do levantamento do efeito suspensivo automático previsto no art.º 103.0-A do CPTA e a de decidir da exceção de incompetência territorial do Tribunal, suscitada pelo Réu.
Ora, considerando que o levantamento do efeito suspensivo automático já foi requerido em 4/09/2017 e em 8/09/2017; considerando que os interesses em causa se revelam de especial urgência, atendendo ao facto de se tratar do fornecimento de bens alimentares a pessoas carenciadas e dos bens em causa serem de natureza perecível, urge, nesse sentido, e antes do mais, proferir decisão sobre o levantamento do efeito suspensivo automático requerido por Réu e Contrainteressada, o que desde já se fará.
Por requerimento apresentado em 04/09/2017, o Réu requereu o levantamento do efeito suspensivo automático respeitante ao ato adjudicatório e execução do contrato (atos impugnados na presente ação pré-contratual, tal como melhor resulta da petição inicial proposta pela Autora), nos termos previstos no art.º 103.o-A, n.º 1 do CPTA.
Notificada a Autora deste requerimento, a mesma apresentou, em 07/09/2017, a sua resposta, argumentando que as alegações vertidas no dito requerimento são genéricas, desprovidas de fundamento e carecidas de demonstração probatória, ónus que lhe compete por força do disposto no aludido normativo em referência, concluindo que não subsiste prejuízo para o Réu.
Por requerimento apresentado em 8/09/2017, veio a Contrainteressada requerer o efeito suspensivo do ato adjudicatório e execução do contrato em dissídio nos presentes autos de contencioso pré-contratual, invocando que o diferimento da execução do contrato é gravemente prejudicial para o interesse público envolvido, traduzido em acorrer às pessoas mais carenciadas, providenciando-lhes alimento e, por outro lado, alega que estando em causa um contrato com os montantes envolvidos, não possui capacidade financeira para absorver os milhões de euros com toneladas de produto não entregues, porquanto se trata de produtos alimentares perecíveis.
A Autora foi notificada do requerimento apresentado pela Contrainteressada na sequência do despacho prolatado em 30/11/2017, apresentando a sua resposta por requerimento de 18/12/2017, invocando, essencialmente, os mesmos fundamentos já anteriormente apresentados em resposta ao requerimento formulado pelo Réu, ou seja, que as alegações vertidas no requerimento são genéricas, desprovidas de fundamento e carecidas de demonstração probatória.
Entretanto, em 9/11/2017, o Réu apresentou requerimento clamando pela urgência na decisão do pedido do levantamento suspensivo automático aqui em apreciação, reiterando e aperfeiçoando a posição já plasmada no requerimento de 4/09/2017.
Em face do requerimento apresentado pelo Réu, a Autora, por requerimento de 10/11/2017, alega que a peça apresentada pelo Réu visa o suprimento de "falhas do seu pedido de levantamento suspensivo automático dos atos impugnados, aproveitando para contraditar factos articulados pela Autora na resposta apresentada", peticionando a que seja dado por não escrito, o conteúdo do art.º 6.° do requerimento apresentado.
Atentas as posições das partes, cumpre, por conseguinte, apreciar e decidir do requerido levantamento do efeito suspensivo automático, importando no entanto, e antes de mais, apreciar o requerido no requerimento apresentado pela Autora em 10/11/2017.
Alega a Autora que a peça apresentada pelo Réu visa o suprimento de "falhas do seu pedido de levantamento suspensivo automático dos atos impugnados, aproveitando para contraditar factos articulados pela Autora na resposta apresentada", peticionando que seja dado por não escrito, o conteúdo do art.º 6.° do requerimento apresentado em 9/11/2017.
Ora, desde já se adianta que não assiste razão à Autora.
Com efeito, tal como defende Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in "Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos", 4.a Edição 2017, A1medina, págs. 842 e 843, "a dedução do pedido de levantamento do efeito suspensivo não está dependente de prazo, sendo um ato de iniciativa processual, através do qual é deduzida uma pretensão, não é um ato processual das partes. É aos interessados que cabe determinar o momento em que sentem necessidade de fazer valer a sua pretensão, em função das circunstâncias que podem ser, aliás evolutivas".
Operando automaticamente o efeito suspensivo pela proposição de ação de contencioso pré-contratual, os interesses da Autora estão salvaguardados enquanto o levantamento do efeito suspensivo não for requerido e decidido pelo Tribunal. As eventuais deficiências no requerimento de levantamento do efeito suspensivo, poderão conduzir a uma decisão de improcedência do peticionado, mas nada na lei impede a apresentação de um novo requerimento. Por estas razões, compreende-se que não subsista qualquer prazo de caducidade para a dedução do mencionado incidente, uma vez que na pendência do processo judicial de contencioso pré-contratual, e considerando a sua duração não obstante a natureza urgente, é sempre possível ocorrer alteração das circunstâncias factuais de que resulte a intensificação da necessidade de proteção do interesse público ou mesmo a adoção imediata de medidas por forma a evitar lesões irreparáveis ou gravemente prejudiciais.
Assim, não se vislumbra qualquer impedimento legal que permita ao Réu aperfeiçoar o seu requerimento, conquanto que o mesmo tenha sido efetuado antes da decisão judicial, para dele se aproveitar o juiz na sua apreciação. É esta a interpretação mais consonante com os princípios do contraditório e da igualdade das partes previstos no art.º 3.°, n.º 3 do CPC e art.º 6.° do CPTA. Daí que também o Tribunal tenha dado relevância à resposta apresentada pela Autora ao requerimento apresentado pelo Ré e aqui emita a sua pronúncia.
Destarte, improcede o peticionado pela Autora no requerimento que apresentou em 10/11/2017.
Prosseguindo, o artigo 103°-A do CPT A, sob o título "Efeito suspensivo automático", estatui que “(…) A impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado. (…)" [cfr. nº 1].
Nestes casos, porém, “(…) a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no nº 2 do artigo 120.° (…)" [cfr. n.º 2], sendo “(…) o efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento".
Nesta sede o que está em causa não é ponderar valores ou interesses em si, mas danos ou prejuízos, e, portanto, prejuízos reais, que numa prognose relativa às circunstâncias do caso concreto, resultariam do levantamento ou não do efeito suspensivo dos efeitos do ato impugnado.
Debruçando-nos sobre a situação versada, importa que se comece por referir que o invocado prejuízo financeiro da Contrainteressada não assume qualquer relevância para efeitos da presente ponderação de interesses, porquanto não se subsume ao conceito de interesse público entendido como “(…) manifestação direta ou instrumental das necessidades fundamentais de uma comunidade política e cuja realização é atribuída, ainda que não em exclusivo, a entidades públicas", [cfr. José Carlos Vieira de Andrade, in "Dicionário Jurídico da Administração Pública", Vol V, Lisboa/1993, págs. 275/282].
Com efeito, nesta fase importa, apenas e exclusivamente, fazer um juízo de prognose no tocante às consequências para o interesse público e não para os interesses particulares da Contrainteressada.
Assim, e examinados os requerimentos apresentados pelo Réu e Contrainteressada, verifica-se que o fundamento convocado em sustento da pretensão que agora se aprecia, se reconduz ao fornecimento de produtos alimentares que assegurem uma dieta nutricionalmente adequada às pessoas mais carenciadas, em decorrência de medidas de combate à pobreza a conceder no âmbito do concurso público para "fornecimento de géneros alimentares no âmbito do Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas mais Carenciadas (FEAC)".
Argumentam Réu e Contrainteressada que o efeito suspensivo automático decorrente da proposição da presente ação pré-contratual impossibilita o fornecimento de bens alimentares que asseguram as necessidades nutricionais e energéticas à população alvo, constituída pelas pessoas mais carenciadas que, por meios próprios, não conseguem garantir.
Os produtos alimentares que integram os cabazes a distribuir, são compostos por produtos perecíveis (vegetais, bróculos e espinafres), e caso não se consiga garantir a sua distribuição, a consequência será, inevitavelmente, a perda de qualidade e a consequente impossibilidade de deixarem de ser distribuídos pelos 135 territórios previamente definidos. Acresce referir que no âmbito do Regulamento POAPMC, as operações de fornecimento dos géneros alimentares comportam duas medidas - a medida 1.1 e a 1.2, onde nesta última se insere o fornecimento dos referidos vegetais. Porém, nesse cabaz de distribuição, também fazem parte a "sardinha" e o "atum".
Por outro lado, argumentam os efeitos negativos ao nível dos fornecedores, que não podem deixar ou parar de transformar a matéria-prima em curso, por razões mínimas de segurança alimentar, cujas consequências levariam ao desperdício que é, precisamente, o que se pretende evitar com a implementação dos programas nacionais e comunitários ao abrigo do qual foram abertos os concursos que aqui estão em apreciação.
Defendendo posição antagónica, a Autora alega que não resulta provado e demonstrado nos requerimentos apresentados por Réu e Contrainteressada, a alegada imprescindibilidade do acesso a tais bens alimentares pelos destinatários de tal programa, bem como a alegada privação a que ficarão sujeitas com a manutenção do efeito suspensivo dos atos e contratos impugnados nos autos, desde logo por falta da identificação concreta dos destinatários em causa, com a descrição das suas condições de vida e saúde pública, lembrando que existem programas destinados a apoiar pessoas/famílias mais carenciadas (POAPMC e FEAC, este no contexto europeu) bem como, o sistema de proteção social existente no nosso país.
Mais advoga que os produtos em causa são compostos, unicamente, por bróculos e espinafres ultracongelados, sendo que o programa FEAC é constituído por mais 16 lotes de produtos alimentares que permitem satisfazer as necessidades alimentares dos mais carenciados, os quais já se encontram em execução.
Alega, ainda, que os produtos em causa dizem respeito a vegetais ultracongelados, os quais estão sujeitos a campanhas/sementeiras anuais, donde a quantidade dos produtos a fornecer ainda estão, na sua maioria, por produzir, caindo por terra os argumentos invocados nos requerimentos quanto ao desperdício que resultará da produção já encetada pelos fornecedores.
Ademais, adverte para os prejuízos que resultarão de um eventual levantamento do efeito suspensivo automático em face de uma decisão de procedência da sua pretensão, com a consequente responsabilidade contratual do Estado.
Assim, e tendo em conta os interesses em jogo, alega que não se encontram cumpridos os requisitos propostos no art.° 103.o-A do CPTA, motivo pelo qual devem improceder as pretensões do Ré e Contrainteressada.
Vejamos.
Ponderando a argumentação esgrimida pelas partes, verifica-se que a questão crucial a sopesar consubstancia-se no impacto que a falta de fornecimento dos produtos objeto dos presentes autos, representam na distribuição alimentar junto das populações mais carenciadas e que são o propósito do programa ao abrigo do qual foram celebrados, entre outros, os contratos em dissídio nos presentes autos.
Com efeito, o efeito suspensivo automático decorrente da proposição da presente ação pré-contratual, impossibilitará o fornecimento de bens alimentares que asseguram as necessidades nutricionais e energéticas às pessoas mais carenciadas, sobretudo as que decorrem do fornecimento de vegetais. Na verdade, analisando os 18 lotes que constituíram o Concurso Público n.º 2001/17/0000005, lançado pelo Réu, os lotes respeitantes ao fornecimento de vegetais são aqueles que estão em causa nos presentes autos, quais sejam o fornecimento de embalagens individuais de mistura de vegetais para preparação de sopa, de bróculos e espinafres ultracongelados. Os restantes lotes referem -se a outra tipologia de bens alimentares, nenhum contendo qualquer produto vegetal.
Ora, atendendo aos produtos em causa e à constituição da "roda dos alimentos" (vide, v.g., em:
https://www.google.pt/search?rlz=1C1GGRV_enPT751PT751&tbm=isch&q=roda+dos+alimentos&chips=q:roda+dos+alimentos,online_chips:portugueses&sa=X&ved=0ahUKEwixuaf8crYAhVO6KQKHdz3DRIQ4lYIKygE&biw=1280&bih=604&dpr=1.25), é por demais sabido a importância que os vegetais representam numa dieta alimentar equilibrada. Por outro lado, destinando-se os produtos em referência a pessoas carenciadas, que não dispõem de meios próprios para compensar essas deficiências, o seu fornecimento revela-se de primordial importância para o interesse público em causa, consistente em assegurar meios de subsistência às pessoas mais carenciadas, em lhes permitir uma maior dignidade social.
Por outro lado, e contrariamente ao alegado pela Autora, os contratos ora em crise, visam complementar os programas de apoio à pobreza já existentes na nossa sociedade, e não substituí-los. Daí que não colha o seu argumento de que a suspensão do fornecimento de vegetais serão colmatados por programas alternativos disponíveis na sociedade portuguesa.
Alega, também a Autora que tratando-se de produtos que dizem respeito a vegetais ultracongelados, os quais estão sujeitos a campanhas/sementeiras anuais, a quantidade dos produtos a fornecer ainda estão, na sua maioria, por produzir.
Ora, se é certo e consabido que os vegetais em causa são produzidos anualmente, de forma natural, também é sabido que no nosso país grassam meios de cultivo que permitem assegurar, várias vezes ao ano, os vegetais em causa (falamos das produções em estufas). No entanto, o cerne da questão não reside na produção mas no momento da sua distribuição e colocação à disposição das pessoas. Com efeito, o programa propõe distribuições mensais o que implica que as embalagens devam ser feitas em tempo de permitir ao público alvo, o seu consumo com perdas mínimas de qualidade, da sua riqueza energética.
Assente a verificação da necessidade do fornecimento dos bens alimentares em causa às pessoas carenciadas, pelo notório interesse público da erradicação/atenuação da pobreza e da proteção social que são tarefas do Estado, em ordem a assegurar dignidade social às pessoas envolvidas, resta apurar se subsiste prejuízo grave para o interesse público ou a produção de consequências lesivas que justifique a imediata execução do ato adjudicatório e do contrato impugnados.
Ora, ponderados todos os aspetos do caso posto, especialmente ao nível das potenciais consequências, propendemos claramente no sentido da existência de grave prejuízo para o interesse público.
Na verdade, estamos perante a suspensão de fornecimento de bens alimentares, que se destinam a pessoas carenciadas, dependentes das políticas públicas de proteção social, em contraponto com um interesse meramente financeiro defendido pela Autora.
Assim, será forçoso concluir que a manutenção da situação acarreta grave prejuízo para o interesse público.
Ademais, a respeito do interesse financeiro que a Autora possa deter ou proteger com o efeito suspensivo automático, impõe-se referenciar que o início da execução dos contratos a que se refere a adjudicação agora atacada produzirá efeitos jurídicos que as partes contratuais não poderão ignorar no caso de vir a ser proferida sentença de procedência no presente processo. Referimo-nos, evidentemente, a eventuais efeitos ressarcitórios que venham a decorrer da celebração e execução do contrato em apreciação.
Pelo que, atentando na confrontação da natureza e relevância dos interesses convocados pelo Réu, Contrainteressada e pela Autora, impera concluir pela preponderância que deve ser atribuída aos interesses públicos - urgência na distribuição dos produtos alimentares, das políticas de erradicação/atenuação da pobreza e da proteção social - defendidos pelo Réu, em consonância com os critérios descritos no art.° 120.°, n.º 2 do CPTA.
Ponderando todo o exposto, cumpre concluir, por conseguinte, pela supremacia dos interesses defendidos pelo Réu e Contrainteressada e, consequentemente, pelo deferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, em concordância com o estabelecido no art.° 103.0-A, n.ºs 2 e 4 do CPTA.
Custas a cargo da Autora, nos termos do disposto no art.° 527.° do CPC, que se fixa em conformidade com o estipulado no art.º 7.°, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique as partes.
(…)”
2. Na mesma peça processual (que aqui se dá integralmente por reproduzida) decidiu também:
“(…)
IFTCA, S.A, com o NIPC 5…04 e sede na Avenida M…, em Perafita, em Matosinhos, vem propor a presente ação urgente de contencioso pré-contratual contra o Instituto da Segurança Social, IP, com sede na Rua Rosa Araújo, 43, em Lisboa, indicando como contrainteressado SSGANIH, S.A, com o NIPC 5…18 e sede na Rua G…, em Carnaxide, pedindo a este Tribunal que anule as deliberações do Conselho de Administração do RÉU, datadas de 27/07/2017, que adjudicaram o fornecimento dos lotes 14 e 15, respeitantes ao concurso para fornecimento de géneros alimentares no âmbito do Fundo Europeu de Auxílio às Pessoas Mais Carenciadas, à contrainteressada, bem como a condenação do mesmo Réu a adjudicar à Autora o fornecimento nos referidos lotes 14 e 15.
Subsidiariamente, peticiona ainda a Autora a este Tribunal que declare a caducidade da adjudicação à referida Contrainteressada no que concerne aos lotes 13, 14 e 15, e que anule os contratos administrativos de fornecimento no caso de os mesmos terem já sido celebrados.
Citado, o Réu contestou, invocando, além do mais, que este Tribunal é territorialmente incompetente para apreciar e decidir a presente ação, uma vez que o clausulado no ponto 26.2 do Programa do Concurso estabelece como foro obrigatório o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro.
Em 26/09/2017, foi proferida decisão judicial declarando este Tribunal territorialmente incompetente para decidir o presente litígio, remetendo-se os autos ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Da decisão proferida, foi arguida pela Autora, por requerimento de 6/10/2017, a nulidade processual sustentada na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de armas, consagrados nos artigos 3.°, n.º 3 do CPC e 6.° do CPTA, peticionando a anulação de todos os atos processuais subsequentes à apresentação da contestação da Ré.
Por decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa de 18/10/2017, foram os autos devolvidos a este Tribunal.
Por despacho de 30/11/2017, foi deferida a arguida nulidade peticionada pela Autora, anulando-se, em consequência, a decisão proferida em 26/09/2017, mantendo, no entanto, válidos todos os demais atos praticados no processo. No mesmo despacho foi determinado a notificação à Autora, das contestações apresentadas e da apensação do processo administrativo para, querendo, emitir pronúncia sobre a matéria excetiva.
Por requerimento de 12/12/2017, a Autora apresentou a sua pronúncia quanto à matéria excetiva arguida pelo Réu.
No articulado apresentado, defende que a interpretação legal a fazer ao estipulado na Cláusula 26.2 do Programa de Concurso - «Legislação e Foro Aplicáveis», e na cláusula 18 do Caderno de Encargos - «Resolução de Litígios» é a de que apenas serão aplicáveis para a resolução de litígios decorrentes do contrato celebrado entre as partes. E neste caso, está-se no domínio da aplicação do art.° 19.° do CPTA - competência em matéria relativa a contratos. Porém, advoga que, não se tratando nos presentes autos de um litígio relativo à interpretação, validade ou execução de um contrato, mas sim à validade dos atos que o precedem e conduzem à sua formação, a competência territorial do tribunal é definida pela norma geral do art.º 16.° do CPTA, norma essa que não pode ser derrogada por convenção das partes.
Conclui, alegando que atento o pedido e a causa de pedir, este Tribunal é o competente para apreciar e decidir a ação, por referência ao disposto no art. ° 16.° do CPT A.
Cumpre apreciar e decidir.
Compulsados os autos, mormente os pedidos e a correspetiva causa de pedir, inexiste qualquer dúvida de que os presentes autos respeitam a litígio pré-contratual, ou seja, a um dissídio referente a um procedimento concursal público, regido pelo disposto no Código dos Contratos Públicos.
Assim,
Realçando que a competência dos Tribunais Administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública, precedendo o seu conhecimento o de qualquer outra questão (cfr. art.° 130 do CPTA) , e atenta a simplicidade da questão a apreciar e a urgência em causa, importa averiguar se este Tribunal é competente em razão do território.
Ora,
Analisado o pedido e a correspondente causa de pedir da Autora, verifica-se que este Tribunal não é competente para decidir da presente ação.
Vejamos porquê:
O CPTA dispõe de um conjunto de regras de determinação da competência territorial dos tribunais.
Desde logo, no art.° 16.0 estabelece, como regra geral, que os processos em primeira instância são intentados no tribunal da residência habitual ou da sede do autor ou maioria dos autores.
Porém, tal como decorre da natureza da norma e da letra e espírito da mesma, o critério geral de determinação da competência territorial do tribunal só tem aplicação quando nenhum outro critério especial se revelar apto ou adequado.
Por conseguinte, releva indagar se ao caso vertente não é aplicável critério especial de determinação da competência.
No caso em apreço, como já se referiu supra, é peticionado, a título principal, a anulação das deliberações do Conselho de Administração do Réu, datadas de 27/07/2017, que adjudicaram o fornecimento dos lotes 14 e 15, respeitantes ao concurso para fornecimento de géneros alimentares no âmbito do Fundo Europeu de Auxílio às Pessoas Mais Carenciadas, à Contrainteressada, bem como a condenação do mesmo Réu a adjudicar à Autora o fornecimento nos referidos lotes 14 e 15. A título subsidiário, peticiona ainda a Autora a este Tribunal que declare a caducidade da adjudicação à referida Contrainteressada no que concerne aos lotes 13, 14 e 15, e que anule os contratos administrativos de fornecimento no caso dos mesmos terem já sido celebrados.
Com efeito, o aludido concurso para fornecimento de géneros alimentares no âmbito do Fundo Europeu de Auxílio às Pessoas Mais Carenciadas rege-se pelo respetivo Programa do Concurso, sendo certo que o clausulado do futuro contrato a celebrar consta do Caderno de Encargos, consonantemente com o disposto nos art.ºs5656 40.°, n.º 1, al. b), 41.° e 42.° do Código dos Contratos Públicos.
No caso versado, em atenção aos pedidos e à causa de pedir, resulta evidente que o litígio agora em discussão refere-se ao procedimento concursal prévio à celebração do contrato, pelo que, importa atentar no teor do Programa do Concurso, uma vez que esta é a peça que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração, assumindo a natureza de regulamento.
Ora, perscrutado o dito programa do concurso, pelo qual se rege e disciplina o procedimento concursal que culminou com a emissão dos atos adjudicatórios impugnados nestes autos, verifica-se que o mesmo estipula, no seu ponto 26.2, que na ocorrência de eventuais litígios, estes serão dirimidos com recurso à Lei Portuguesa, escolhendo-se o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa com expressa renúncia a qualquer outro.
Sendo assim, considerando que o programa do concurso constitui o regulamento por onde se rege toda a disciplina procedimental, bem como a circunstância de, por essa razão, o disposto no ponto 26.2 do mencionado programa do concurso assumir caráter impositivo, impera concluir que os litígios advenientes e concernentes a atos procedimentais, enxertados no procedimento pré-contratual, devem ser julgados no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e não neste Tribunal Administrativo de Círculo do Porto.
É que, não obstante o ponto 26.2 do programa do concurso constituir uma cláusula da autoria unilateral do ora Ré, a verdade é que não resta outra alternativa que não a de assumir que a A. aceitou plenamente e conformou-se com a mencionada cláusula, visto que, não só se apresentou como concorrente no referido concurso, como nunca impugnou, por qualquer modo, tal cláusula.
Destarte, e sem margem para dúvidas, não pode deixar de se entender que as partes estipularam foro para a dissolução dos litígios cujo objeto se reconduzisse à impugnação das decisões proferidas no procedimento concursal, especialmente, no que concerne à adjudicação. Sendo assim, é inevitável concluir que o Tribunal competente para apreciar e julgar estes autos é o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por ser esse o Tribunal especificamente escolhido pelas partes para dissolver o presente litígio.
Por conseguinte, declaro incompetente, em razão do território, este Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Custas pelo incidente a cargo da Autora, de acordo com o art.º 527.° do CPC, cuja taxa de justiça se fixa nos termos do art.° 7.°, n.º 4 do RCP.
Registe e notifique.
Após trânsito, remeta os autos para o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.”
*
III - Enquadramento jurídico.
1. A questão da competência em razão do território.
Tem claramente razão a Recorrente na questão que suscita.
Como se refere na própria decisão recorrida, resulta do programa do concurso que culminou com a emissão dos actos adjudicatórios impugnados nos autos principais, no seu ponto 26.2, que os litígios ocorridos no âmbito deste concurso, estes serão dirimidos com recurso à lei portuguesa, escolhendo-se o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa com expressa renúncia a qualquer outro.
Por outro lado, determina o artigo 91.°, n.º 1, do Código de Processo Civil que:
"O tribunal competente para a ação é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa".
O que implica que o Tribunal competente para conhecer o incidente do levantamento do efeito suspensivo automático dos actos impugnados é, também, nos termos do citado ponto 26.2 do programa do concurso, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Pelo que a decisão, implícita no conhecimento do incidente, de ser territorialmente competente o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, padece do apontado erro de violação da norma de competência territorial.
2. A nulidade da decisão por excesso de pronúncia.
Determina a alínea d) do n.º1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil (de 2013), aplicável por força do disposto no artigo 1º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que a sentença é nula quando:
“O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
No caso concreto o Tribunal a quo não podia conhecer do mérito do incidente por essa competência caber ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Pelo que, tal como invoca a Recorrente, a decisão é nula, por excesso de pronúncia, o que se impõe declarar.
3. Restantes questões suscitadas.
Na procedência dos fundamentos acabados de apreciar, fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso.
***
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:
A) Revogam a decisão recorrida na parte em que julgou (implicitamente) o Tribunal a quo territorialmente competente para a conhecer do incidente do levantamento do efeito suspensivo automático da propositura da acção principal.
B) Julgam territorialmente competente para conhecer deste incidente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
C) Julgam nula a sentença na parte em que conheceu do mérito do incidente.
D) Determinam a oportuna remessa dos autos ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Custas pelos Recorridos.
Porto, 07.12.2018
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Alexandra Alendouro
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Voto vencido quanto ao julgamento de nulidade por excesso de pronúncia.
A revogação por incompetência tornaria inútil o tratamento da questão, na qual, se vista autonomamente, também não reconheço vício lógico de construção da sentença.
Porto, 07/12/2018
Ass. Luís Migueis Garcia