Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00090/23.8BEAVR-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/14/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DE ACTO;
TÍTULO ÚNICO AMBIENTAL;
PERICULUM IN MORA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Relatório
[SCom01...] LDA., titular do NIPC ... instaurou processo cautelar contra o Ministério da Coesão Territorial, ambos melhor identificados nos autos, peticionando o decretamento da providência cautelar de suspensão da eficácia do ato datado de 24 .11. 2022 e a autorização da Requerente a prosseguir com a atividade de gestão de resíduos ao abrigo do Título Único Ambiental (“TUA”) ...64.
Por sentença proferida pelo TAF de Aveiro foi julgado improcedente o processo cautelar e, em consequência, indeferido o decretamento das providências requeridas.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Requerente formulou as seguintes conclusões:

I. Os documentos juntos pela Recorrente não foram impugnados pelo que dos mesmos resultam evidentes factos relevantes que podiam, e deviam, ter sido dados como provados, o que manifestamente não aconteceu por evidente erro de julgamento por parte do tribunal a quo, pelo que o presente recurso tem por base quer a aditamento, quer a alteração da matéria de facto, por via da reapreciação de todos os elementos probatórios constantes dos autos.

II. Resulta do documento ...1 junto pela Recorrente no Requerimento Inicial, relativo à Informação Empresarial Simplificada do ano de 2021 que aquela teve um volume de vendas de 1.478.914,54€, apresentando gastos com pessoal na ordem dos 183.447,01€ como resulta da pág. 4/63, e ainda que a Recorrente apresenta um passivo total de 1.378.806,25€, sendo que desse valor, 531.100,36€ diz respeito a financiamentos obtidos no âmbito do passivo não corrente, e 847.705,89€ refere-se a passivo corrente, dos quais 466.070,69€ diz respeito a financiamentos obtidos, conforme resulta das páginas 5 e 27/63 da IES de 2021.
III. Desta forma, deverão aditar-se os seguintes factos à matéria de facto provada:
13. “No ano de 2021 a Requerente teve um volume de vendas de 1.478.914,54€, apresentando gastos com pessoal na ordem dos 183.447,01€.” (cf. doc. ...1 junto com o RI, cujo teor se dá por reproduzido)
14. “No ano de 2021 a Requerente apresenta um passivo total de 1.378.806,25€, sendo que desse valor, 531.100,36€ diz respeito a financiamentos obtidos no âmbito do passivo não corrente, e 847.705,89€ refere-se a passivo corrente, dos quais 466.070,69€ diz respeito a financiamentos obtidos.” (cf. doc. ...1 junto com o RI, cujo teor se dá por reproduzido)
IV. Por sua vez, do documento ...2 junto aos autos com o Requerimento Inicial, referente à demostração individual de resultados por naturezas à data de 30.11.2022, resulta que a Recorrente teve até essa data um volume de vendas e serviços prestados na ordem do 1.565.152,51€, compras de 816.105,12€ e de gastos com pessoal na ordem dos 177.249,27€.
V. Desta forma, deverá aditar-se o seguinte facto à matéria de facto provada:
15. “A Requerente teve até 30.11.2022 um volume de vendas e serviços prestados na ordem do 1.565.152,51€, compras de 816.105,12€ e gastos com pessoal na ordem dos 177.249,27€.” (cf. doc. ...2 junto com o RI, cujo teor se dá por reproduzido)
VI. De igual forma, resulta do documento ...3 junto com o Requerimento Inicial referente ao resumo de responsabilidades de crédito da Recorrente relativas a 31.10.2022, comunicadas ao Banco de Portugal pelas instituições de crédito, do qual resulta um montante em dívida total de 1.197.588,30€, dos quais 213.199,38€ refere-se a dívida potencial.
VII. Desta forma, deverá aditar-se o seguinte facto à matéria de facto provada:
16. “A Requerente na data de 31.10.2022 apresentava um montante em dívida total de 1.197.588,30€, dos quais 213.199,38€ refere-se a dívida potencial.” (cf. doc. ...3 junto com o RI, cujo teor se dá por reproduzido)
VIII. A Recorrente para o desenvolvimento da atividade de gestão de resíduos conta com 12 trabalhadores conforme resulta dos vínculos de inscrição na Segurança Social e extrato de remunerações da Segurança Social de novembro de 2022, conforme documentos ...4 e ...5 juntos com o Requerimento Inicial, sendo que no mês de novembro de 2022 a Recorrente teve um encargo de 7.573,72€ por conta das remunerações pagas aos seus trabalhadores e a título de contribuições entregou aos cofres da Segurança Social a quantia total de 2.631,87€.
IX. Desta forma, deverá aditar-se o seguinte facto à matéria de facto provada:
17. “A Requerente para o desenvolvimento da atividade de gestão de resíduos conta com 12 trabalhadores sendo que no mês de novembro de 2022 teve um encargo de 7.573,72€ por conta das remunerações pagas aos seus trabalhadores e a título de contribuições entregou aos cofres da Segurança Social a quantia total de 2.631,87€.” (cf. doc. ...4 e ...5 junto com o RI, cujo teor se dá por reproduzido)
X. A Recorrente considera que o ponto 12 da matéria de facto encontra-se incorretamente julgado, pelo que a sua redação deverá ser alterada.
XI. Para esse efeito é fundamental atentar ao Requerimento da Recorrente do dia 03.04.2023, onde refere: “(...) informar que não solicitou a alteração ao TUA, porquanto a CCDRC praticou o ato por ora suspendendo, não dando à Requerente sequer a possibilidade de proceder a esse pedido de alteração, face à impossibilidade de o fazer via Plataforma LUA que é de utilização obrigatória.”
XII. Esta impossibilidade de submissão de um pedido de alteração ao TUA foi confirmada pela própria Recorrida no ponto 4 do seu Requerimento de 11.04.2023, onde confessa judicialmente que: “(...) cumpre esclarecer que efetivamente não pode submeter pedido de alteração dado que se procedeu à revogação parcial do título em causa.” (negrito e sublinhado nosso)
XIII. Para além disso, em sede de audiência de interessados, e conforme resulta do ponto 8 da matéria de facto da sentença recorrida, a Recorrente expressou a sua intenção de “Solicitar a alteração do nosso TUA para que passem a ser cumpridas todas as exigências legais aplicáveis à atividade.” (negrito e sublinhado nosso)
XIV. Do exposto resulta manifestamente que a Recorrente não formulou um pedido de alteração ao TUA por manifesta impossibilidade de o fazer face à revogação parcial do TUA, já que a plataforma LUA não o permite fazer conforme foi expressamente confirmado pela Recorrida.
XV. Desta forma, impõe-se alterar o ponto 12 da matéria de facto, em resultado da conjugação dos Requerimentos de 03.04.2023 da Recorrente, do Requerimento de 11.04.2023 da Recorrida e da audiência de interessados junto como documento ... do Requerimento Inicial, devendo alterar-se a sua redação para a seguinte formulação:
12. A Requerente não solicitou a alteração do seu Título Único Ambiental uma vez que não pode submeter esse pedido na Plataforma LUA que é de utilização obrigatória, nem formulou novo pedido – cf. requerimentos de 03.04.2023 e de 11.04.2023.”
XVI. Todos os prejuízos alegados e provados resultam de forma objetiva da prática do ato suspendendo e não em resultado da inércia ou inatividade da Recorrente que se mais não fez foi devido à atuação única e exclusiva da Recorrida já que o pedido formulado em sede de audiência de interessados – concessão de um prazo de 90 dias úteis para proceder à alteração do TUA – não foi atendido pela Recorrida, e nem sequer respondido.
XVII. Como podia a Recorrente proceder a um pedido de alteração ao TUA – pedido esse formulado em sede de audiência de interessados conforme resulta do ponto 8 da matéria de facto provada – se a Recorrida procedeu de imediato à revogação parcial do TUA da Recorrente através da prática do ato ora suspendendo?
XVIII. Se a Recorrente formula um pedido de concessão do prazo de 90 dias úteis para que possa solicitar a alteração ao TUA, e nessa sequência, a única resposta que tem por parte da Recorrida é a prática do ato ora suspendendo, que mais podia a Recorrente fazer? Se o pedido nem sequer foi concedido e a Recorrida praticou de imediato o ato ora suspendendo?
XIX. A Recorrente podia sim ser acusada de ter contribuído para a produção dos prejuízos devidamente alegados e provados em documentos oficiais, em resultado da sua inatividade e inércia apenas no caso de no prazo que solicitou – 90 dias úteis para proceder ao pedido de alteração ao TUA – nada fazer ou formular, o que manifestamente não aconteceu, pois, nenhum prazo lhe foi concedido.
XX. Perante o pedido formulado em sede de audiência de interessados a Recorrida de imediato praticou o ato ora suspendendo, pelo que nenhum comportamento de inatividade ou inércia podem ser imputados à Recorrente.
XXI. Questionamos como é que a Recorrente podia solicitar uma alteração ao TUA se isso mesmo é impossível de fazer? E mais ainda, quando essa impossibilidade é ela mesma confirmada pela Recorrida?
XXII. A questão da contribuição para os prejuízos e danos de difícil reparação que já se verificam na esfera jurídica da Recorrente são o resultado exclusivo da prática do ato ora suspendendo visto que com a revogação parcial do TUA a Recorrente não pode formular qualquer pedido de alteração ao mesmo, aliás, isso mesmo é confirmado de forma expressa e perentória pela Recorrida no ponto 4 do seu Requerimento do dia 11.04.2023.
XXIII. A Recorrente é titular do TUA20180416000364, para o exercício da atividade de gestão de resíduos, tendo sido emitido no dia 04.02.2021 e é válido até ao dia 03.02.2026, conforme resulta do ponto 1 da matéria de facto provada, pelo que a sua revogação implica necessariamente a impossibilidade de exercer a atividade de gestão de resíduos o que constitui por si só um prejuízo manifesto e claro nos termos alegados e provados em sede de Requerimento Inicial e supramencionados.
XXIV. A cessação da atividade decorrente da revogação parcial do TUA implicará que a Recorrente deixe de poder cumprir com as suas obrigações junto das Instituições Bancárias, fornecedores, credores e trabalhadores, com todas as consequências que daí decorrem e são facilmente percetíveis.
XXV. Significa isto portanto que estamos perante uma situação de facto consumado, cuja verificação, em bom rigor, já se verifica, mas a cujo prolongamento urge obstar, na medida em que se afigura como não passível de reconstituição natural a lesão dos direitos da Recorrente que se verificarão até à decisão da ação principal, em virtude de se ver inelutavelmente impedida de exercer aquela atividade de gestão de resíduos - constituindo a cessação desta atividade, por si só e como se disse, uma situação de facto consumado, geradora de prejuízos que se prolongarão até à decisão da ação principal, por à mesma corresponder, naturalmente, a perda dos correspondentes rendimentos por parte da Recorrente, com todas as consequências daí advenientes.
XXVI. Para a Recorrente é evidente que com o decretamento da providência cautelar requerida a mesma pode continuar a exercer a atividade de gestão de resíduos que por ora vê ser proibida em função da circunstância de não dispor de título legítimo para o efeito – um TUA válido.
XXVII. Em função da revogação do TUA da Recorrente esta deixa de dispor de título habilitante para o exercício da atividade de gestão de resíduos, pelo que apenas com o decretamento da providência cautelar requerida de suspensão da eficácia do ato suspendendo é que a Recorrente voltaria a dispor de título habilitante para o exercício da atividade de gestão de resíduos.
XXVIII. Ao contrário do entendimento sufragado pelo tribunal a quo, naturalmente que a suspensão do ato suspendendo tem como necessária e consequência direta e objetiva a possibilidade e autorização da Recorrente continuar a desenvolver a atividade de gestão de resíduos, sem mais, porquanto a Recorrente dispõe de uma TUA válido até 03.02.2026.
XXIX. Acrescente-se ainda que é errada a conclusão a que o tribunal a quo chega quando considera que o facto de terem sido ou não cumpridas as condições impostas no TUA, isso por si só determina que a Recorrente deixe de ter título legítimo para exercer a atividade de gestão de resíduos.
XXX. O facto de as condições impostas no TUA serem ou não cumpridas pela Recorrente não determina por si só, de forma automática e ope legis que o TUA da Recorrente seja revogado ou suspenso, tanto mais que o mesmo é válido até 02.02.2026 e nada resulta do mesmo que o simples alegado incumprimento das condições que são impostas à Recorrente determine de forma inexorável a suspensão ou revogação do TUA.
XXXI. Apenas perante a existência de um ato de suspensão ou revogação do TUA, é que tal facto impede a Recorrente de continuar a exercer a atividade de gestão de resíduos visto que o mesmo mantém-se válido até 03.02.2026.
XXXII. Assim, apenas ao abrigo do procedimento específico do artigo 81º do RGGR é que pode o TUA da Recorrente ser suspenso ou revogado, impedindo-se com isso o exercício da atividade de gestão de resíduos, pelo que o simples alegado incumprimento das condições impostas no TUA, não tem como consequência direta e necessária que o título da Recorrente deixe de ser válido para o exercício da atividade de gestão de resíduos.
XXXIII. O facto de alguma das condições impostas no TUA ser ou não cumprida não acarreta automaticamente a suspensão ou revogação do TUA, e menos ainda, que a Recorrente deixe de ter título bastante para a atividade que se encontra abrangida por um título válido até 03.02.2026.
XXXIV. Desta forma, a prática do ato suspendendo é a única e exclusiva causa dos prejuízos resultantes para a Recorrente nos exatos termos alegados e provados em sede de Requerimento Inicial e incontestáveis pela Recorrida, sendo que nada lhe pode ser imputado a título de omissão ou inércia, uma vez que não lhe foi permitido fazer aquilo a que se tinha proposto – formular um pedido de alteração ao TUA que se mantém válido até 03.02.206.
XXXV. A sentença recorrida padece de erro de julgamento na apreciação do requisito do periculum in mora imposto pelo artigo 120º, nº 1 do CPTA, por se verificarem já prejuízos de difícil reparação e mesmo uma situação de facto consumado em resultado do ato suspendendo e não de qualquer atuação ou omissão da Recorrente, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.
XXXVI. Desta forma, a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que considere verificado o requisito do periculum in mora, bem como os demais requisitos necessários para o decretamento da providência nos exatos termos requerida.
Nestes termos e nos melhores de Direito que suprirá, deverá o presente recurso ser julgado procedente, devendo revogar-se a Sentença recorrida e, em consequência, ser deferida a providência cautelar requerida.

O Requerido juntou contra-alegações e concluiu:
I. A decisão recorrida não merece qualquer reparo, seja quanto à apreciação da matéria de facto, seja da matéria de direito.


II. A decisão recorrida não apresenta qualquer omissão de apreciação de facto, tendo ponderado que “nada mais se provou com relevo para a solução jurídica da causa.”

III. Os cinco novos factos pretendidos aditar à matéria de facto, pelo recorrente, não relevavam para a decisão que foi adotada pelo Tribunal, pelo que não têm interesse para o concreto julgamento da causa, nem o recorrente alega ou demonstra em que medida conduziriam a decisão distinta.

IV. O ponto 12 da matéria de facto não se encontra incorretamente julgado, na medida em que corresponde à verdade que “a requerente não solicitou a alteração do seu Título Único Ambiental nem formulou novo pedido”, quando o podia ter feito.

V. Antes de revogado o TUA a recorrente podia ter solicitado a sua alteração e antes e depois de revogado o TUA podia a todo o tempo formular novo pedido que se adequasse à atividade que exercia, exerce e pretende exercer.

VI. Não releva para a decisão da causa que a recorrente não pudesse requerer a alteração de um TUA depois de parcialmente revogado, posto que sempre podia, a todo o tempo, apresentar um novo pedido de título habilitante do exercício da atividade que pretende exercer.

VII. A recorrente não identifica nas alegações ou conclusões quais as normas jurídicas que entende violadas ou qual o sentido em que as normas aplicáveis deveriam ter sido interpretadas para o resultado que pretende, como exigido pelo art.º 639.º/2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 140.º/3 do CPTA.

VIII. A decisão recorrida não apresenta qualquer erro de direito tendo o Tribunal ponderado corretamente que não ocorre periculum in mora ou situação de facto consumado, decorrentes do ato de revogação cuja suspensão se requer.

IX. Os perigos alegados pela recorrente não decorrem da produção de efeitos do ato impugnado, “mas da própria inércia da requerente, nesta dupla vertente: quer sob o ponto de vista procedimental, no que toca às omissões relativas à alteração do título ou formulação de novo pedido; quer sob o ponto de vista material, no que toca à implementação das medidas ou satisfação das condições a que estava vinculada, no devido prazo.”

X. A adoção da providência requerida não habilitaria a requerente a desenvolver a atividade de gestão de resíduos porquanto a suspensão dos efeitos do ato de revogação não teria como consequência a autorização de desenvolvimento da atividade de gestão de resíduos, autorização de que a recorrente já não dispunha.

XI. O TUA ...64 foi emitido condicionado à verificação prévia e sucessiva de diversas condições, gerais e específicas.

XII. A recorrente invoca o direito de exercer a sua atividade ao abrigo do TUA ...64, mas não prova que se verificaram, em tempo, as condições suspensivas a que estava sujeito (cf. art.º 343.º/3 do Código Civil).

XIII. A invoca o direito de exercer a sua atividade ao abrigo do TUA ...64 mas confessa que não se verificaram, no prazo previsto, as condições suspensivas a que estava sujeito.

XIV. A invoca o direito de exercer a sua atividade ao abrigo do TUA ...64 mas confessa que se verificaram as condições resolutivas a que estava sujeito.

XV. Não merece reparo o entendimento do tribunal a quo de que “mesmo que não houvesse sido praticado o ato revogatório – ou ainda que os seus efeitos fossem suspensos, por via da adoção da providência requerida – ainda assim, decorridos os prazos para implementação das medidas ou satisfação das condições impostas, a requerente não deteria título bastante para operar.”

XVI. A não verificação de condições suspensivas apostas no Título Único Ambiental, no prazo nele estipulado, comporta a sua caducidade (cf. art.º 298.º e 331.º do Código Civil).

XVII. A caducidade do Título Único Ambiental por não verificação atempada de condições suspensivas, conduz à falta de título para o exercício da atividade.

XVIII. O exercício de atividade sem TUA válido ou seja, caducado por não verificação atempada das condições nele previstas, determina a ilegalidade da atividade sob licenciamento.

XIX. É responsável pelos danos em que incorra a entidade que, tendo obtido TUA condicionado, não proveja pela verificação das condições da sua eficácia, no prazo estipulado, deixando-o caducar.

XX. Não existe nexo de causalidade entre o ato de revogação parcial de TUA e eventuais prejuízos decorrentes da impossibilidade de exercício de atividade sujeita a licenciamento industrial, quando o titular tenha deixado caducar o TUA condicionado, obtido ao abrigo do regime simplificado previsto no artigo 32.º do Regime Geral de Gestão de Resíduos aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro.

XXI. Não incorreu em erro de julgamento o Tribunal a quo quando decidiu que “da revogação do TUA emitido a favor da requerente não resulta, como consequência necessária, o encerramento da sua actividade, não se verificando, assim, os hipotéticos prejuízos invocados.”

XXII. O Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de apreciação da matéria de facto ou na aplicação e interpretação do direito, devendo a sentença manter-se nos seus precisos termos.

NESTES TERMOS
Deve ser rejeitado o recurso por não provado e improcedente.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.

Fundamentos
De Facto -
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1.Em 04.02.2021 foi emitido, a favor da requerente, o “Título Único Ambiental” (TUA) ...64-EA, para os CAE 38322 – “Valorização de resíduos não metálicos”; 38321 – “Valorização de resíduos metálicos”; 38112 – “Recolha de outros resíduos não perigosos”; 46762 – “Comércio por grosso de outros bens intermédios, n.e.”, válido até 03.02.2026 – cf. doc. ... junto com o RI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. Do TUA referido no ponto anterior consta, quanto ao “Sentido da decisão”, “Deferido condicionado” – cf. doc. ... junto com o RI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. Do TUA referido nos pontos anteriores constam ainda, designadamente sob os títulos “Construção”, “Exploração”, “Obrigações de comunicação”, diversas “medidas/condições a cumprir”, com prazos de implementação a variar entre os 5 meses, 1 ano ou por todo o período de vida da instalação
– cf. doc. ... junto com o RI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Em 10.08.2022 foi realizada vistoria ao estabelecimento de gestão de resíduos da requerente, nela intervindo representantes da requerente e representantes de várias entidades públicas, entre as quais a ACT Centro Local do Baixo Vouga, a ADRA – Águas da Região de Aveiro, S.A., a ARSC – Autoridade Regional de Saúde do Centro, a APA, IP/ARH Centro, a Câmara Municipal ... e a CCDRC – cf. doc. ... junto com o RI, cujo teor se dá por reproduzido.
5. Da vistoria referida no ponto precedente foi lavrado auto, no qual se fez constar, além do mais, o seguinte:
«(...) 6. Parecer Técnico e Proposta de Decisão
Face aos aspetos verificados no ponto 4 concluiu-se o seguinte:
· a desconformidade da instalação e ou equipamento com o projeto que mereceu uma apreciação favorável, nos seguintes aspetos:
No interior
· a zona destinada ao equipamento “Destruidor Arquivo”, identificada na peça desenhada, estava a ser utilizada para armazenagem de resíduos de papel e plástico e material novo (cf. Fig. 1- seta azul e Imagem 1 - seta azul). De referir que o equipamento estava fora de serviço e noutro local;
· as zonas de armazenagem, definidas em peça desenhada para a armazenagem, de resíduos têxteis (C1) e outros resíduos (C2), estavam a ser utilizadas para armazenagem de resíduos de papel e plástico e de material novo respetivamente (cf. Fig. 1 e Imagem 1 - quadrado azul). Na zona destinada aos resíduos produzidos PARprod-4 (LER 19 12 04 Plástico e Borracha), estavam armazenados os referidos resíduos e também incluía material novo;
· a zona de armazenagem de PARprod-1 (LER 19 12 01 Papel e Cartão), representada em peça desenhada, estava a ser utilizada para a armazenagem de material novo e paletes de madeira (cf. Fig. 2 - quadrado vermelho);
· a zona destinada a “estacionamento de empilhadores”, representada em peça desenhada, estava identificada no local como “Carpintaria” onde estava a ser exercida a atividade de reparação de paletes não prevista no projeto (cf. Fig. 2 e 3, Imagem 1 – seta amarela);
· na zona destinada ao “Compactador EPS “, representada em peça desenhada, estava um Moinho não previsto no projeto (cf. Fig. 4, Imagem 1 – seta verde);
· as zonas de armazenagem de Plástico (A1 - PLÁSTICO E BORRACHA, A2 - PLÁSTICO), representada em peça desenhada, estavam a ser utilizadas para armazenagem de material novo (cf. Fig. 5);
· existência de uma escada não prevista em peça desenhada (cf. Fig. 6 e Imagem 1 - seta rosa), em local definido, em peça desenhada, para a Prensa vertical e estacionamento de empilhadores;
· existência de equipamentos não previstos em projeto e do “Destruidor de Arquivo” desativado, em local definido para a Prensa vertical e estacionamento de empilhadores (cf. Fig. 7);
· compactador EPS estava na zona prevista em projeto para o parque A4 (cf. Fig. 8 e Imagem 1 - seta roxa);
· armazenagem de resíduos de esferovite e plástico em zona não prevista no projeto (cf. Fig. 9 e Imagem 1 - seta vermelha);
· zona de manutenção e reparação não prevista em projeto (cf. Fig. 10 e Imagem 1 - seta preta);
· triturador não previsto em projeto (cf. Fig. 11 e Imagem 1 - seta laranja);
· zona de armazenagem do granulado de plástico resultante do processo de trituração, não previsto em projeto (cf. Fig. 12). Em projeto estava previsto a armazenagem dos seguintes resíduos: zona D6 (PLÁSTICO E BORRACHA LER 19 12 04 - Plástico e Borracha), Zona D7 (LER 04 02 09 - Resíduos de materiais compósitos (têxteis impregnados, elastómeros, plastómeros); Zona D8 (OUTROS RESÍDUOS; LER 07 02 99 - Resíduos sem outras especificações (do FFDU e Plásticos, Borracha e Fibras sintéticas - processos químicos orgânicos);
· inexistência de “Lomba de Retenção” nos portões que dão acesso às traseiras do edifício (cf. Fig.13 e Imagem 2).
No exterior
· armazenagem de resíduos de paletes de madeira em zona não prevista em peça desenhada (cf. Fig. 14 e Imagem 1, setas cinza);
· armazenagem resíduos de plástico em zona definida, na peça desenhada, como D3, para a armazenagem de resíduos com código LER 16 03 04 Resíduos Inorgânicos;
· armazenagem de resíduos e material em área não definida em peça desenhada (cf. Fig.15, Imagem 1- setas castanhas);
· o piso exterior, da zona de armazenagem de resíduos, não estava impermeabilizado (cf. Fig. 16) em incoerência com a peça desenhada e com o projeto apresentado;
· junto à zona da báscula verificou-se:
- a armazenagem de material e de um compactador não previstos em peça desenhada (cf. Fig. 17 e Imagem 1 - seta azul claro);

· - existência de uma zona verde (canteiro) não prevista em peça desenha (cf. Fig. 17 e Imagem 1 – verde claro).
· o incumprimento das condições impostas em sede de aprovação de projeto no TUA emitido, nos seguintes aspetos:
a) “O titular do presente Título obriga-se a cumprir o disposto no mesmo, bem como todas as leis e regulamentos vigentes e os que venham a ser publicados.”
Verificando-se o incumprimento das condições impostas no titulo, face aos motivos infra, considera-se a condição não cumprida.
b) “Deverá ser construído um murete (no mínimo com 15 cm de altura) na zona de fronteira entre a área descoberta impermeabilizada (na traseira do edifício) e não impermeabilizada, que assegure a não contaminação das zonas permeáveis por águas pluviais potencialmente contaminadas produzidas na área impermeabilizada traseira (na qual ocorre armazenagem de resíduos e de contentores) e que impeça a circulação entre estas duas áreas.”
Em vistoria, verificou-se que não estava construído o murete, como imposto no Titulo. Acresce que a zona exterior (traseira do edifício) não estava impermeabilizada, como previsto no projeto, pelo que se considera a condição não cumprida.
c) “As zonas de armazenagem e recipientes de resíduos (recebidos e produzidos) devem possuir a identificação dos respetivos LER e a respetiva designação, de acordo com a Decisão 2014/955/EU, de 18 de dezembro. As zonas de armazenagem de resíduos a granel devem ser demarcadas no pavimento, de acordo com a planta de layout aprovada.”
No local, verificou-se a existência, nomeadamente no interior, de zonas que não estavam demarcadas no pavimento, pelo que se considera a condição não cumprida.
d) “A realização da operação só poderá ser iniciada após obtenção da Licença de Utilização para "Operações de Gestão de Resíduos", a emitir pelo Município.”
O estabelecimento não dispõe de Licença de Utilização (LU) para a "Operações de Gestão de Resíduos” (cf. Ponto 4.3.2.4).
Faz notar que, para além da falta da LU, o estabelecimento já se encontra em laboração,
contrariando o imposto, pelo que a condição se considera não cumprida.
e) “Todos os funcionários devem possuir formação sobre a política da empresa em termos de ambiente, saúde e segurança, a qual deve estar devidamente documentada em arquivo. A formação deve incluir planos de resposta em caso de emergência, medidas de saúde, segurança e higiene no trabalho, bem como relativas às operações relevantes que se realizem na instalação.”
Previamente à vistoria foi apresentado o recibo de uma formação a frequentar por «AA», para um curso e-learning, emitido pela Pro e-Learning Institute, a 29.07.2022. Atendendo a que, o estabelecimento dispõe de 12 trabalhadores e que não foi feita prova da existência de formação no âmbito da condição imposta, considera-se a condição não cumprida.
f) “A operação de gestão de resíduos apenas poderá ser realizada enquanto for dado cumprimento ao disposto no DL n.° 147/2008, de 29 de julho, na sua atual redação, no que respeita à cobertura de riscos ambientais.”
Do processo consta a declaração que se reproduz, assinada pela gerência do estabelecimento [SCom01...], Lda., e pelo TOC, a declarar em como o mesmo dispõe de uma reserva nos seus capitais próprios no valor de €2 000,00 (dois mil euros), datada de 01.08.2014,
Assim, atendendo à data do documento (7 anos) e o facto de a mesma não estar carimbada, previamente à realização da vistoria, solicitou-se o envio de uma declaração atualizada à data, não tendo sido, a mesma apresentada. Na vistoria, questionado o requerente sobre este aspeto, não foram prestados esclarecimentos adicionais. Nestes termos, atendendo a que não foi demonstrado que o estabelecimento disponha de garantia financeira atualizada à data, no que respeita à cobertura de riscos ambientais para cumprimento ao disposto no DL n.º 147/2008, de 29 de julho, na sua atual redação, considera-se a condição não cumprida.
g) “Estabelecer e manter um registo devidamente documentado de identificação dos requisitos legais, normativos e regulamentares aplicáveis.”
O requerente não apresentou evidencia do registo, pelo que se considera a condição não cumprida.
h) Deverá celebrar contrato com empresa de limpeza, que assegure o encaminhamento de eventuais águas residuais geradas, no sentido de assegurar a salubridade das instalações, atendendo ao Princípio da Saúde e do Ambiente (art.° 6° do DL n.° 178/2006, de 5 de setembro, na sua atual redação).
Previamente à realização da vistoria foi solicitado o contrato (ponto 18 do “Documentos para a vistoria”), tendo o requerente alegado que “Não está a ser usado o espaço exterior não coberto para armazenagem de resíduos”. Assim, atendendo a que não foi feita prova da existência do contrato e que a informação prestada nada tem haver como solicitado, considera a condição não cumprida.
“Seja dado cumprimento às disposições do Lei n.° 54 /2012, de 6 de setembro, relativo à prevenção e combate ao furto e de recetação de metais não preciosos com valor comercial.”
O requerente não apresentou evidencias do cumprimento da lei em referência, pelo que se considera a condição não cumprida.
j) “Nos termos do art.° 3° da Lei n.° 54/2012, de 6 de setembro, terá de ser mantido um registo, atualizado diariamente do qual conste, nomeadamente: identificação do produtor/detentor dos resíduos (documento de identificação e cartão de contribuinte), respetiva morada, data e hora da receção, descrição do material (quantidade, tipologia, caraterísticas e valor), destino dos resíduos (identificação do transportador e comprador), bem como os meios de pagamento utilizados (incluindo o n.° do cheque ou o n.° da transferência bancária). As transações em numerário só podem ocorrer para valores inferiores a 50€, nos termos do n.° 2 do art.° 4° do diploma referido.”
Questionado o requerente acerca do modelo de registo para cumprimento do art.º 3' da Lei n.º 54/2012, de 6 de setembro, relativamente aos metais que pretende gerir, apresentado previamente à realização da vistoria, o mesmo informou que desconhecia o modelo enviado. Assim, verificando-se que não foram apresentadas evidencias do cumprimento da lei em referência, considera-se a condição não cumprida.
k) Manter registo que comprove, que os produtores dos resíduos urbanos (RU) e equiparados classificados de acordo com a Lista Europeia de Resíduos, publicada pela decisão 2014/955/UE, da Comissão, de 18 de dezembro, no Capítulo 20 cuja gestão é efetuada na instalação, têm uma produção diária superior a 1100 l, uma vez que a gestão deste tipo de resíduos está concessionada às entidades gestoras de RU, conforme disposto no art.° 1° do DL n.° 92/2013, de 11 de julho, conjugado com o art.° 5° do RGGR. (Note-se que as e-GAR dos resíduos rececionados de cada produtor não comprovam o exigido na presente condição, salvo se o somatório dos dados constantes das mesmas no ano seja superior ao valor resultante do produto de 1100 litros x 365 dias/ano).
Em sede de audiência do interessado, previamente à emissão titulo, o requerente alegou que seria solicitada ao produtor do resíduo a confirmação por escrito da produção superior a 1100 litros,
dos resíduos do capitulo 20, de origem equiparados a urbanos, no entanto em vistoria não apresentou evidencias do registo, pelo que se considera a condição não cumprida.
l) Possuir autorização de descarga das águas potencialmente contaminadas das zonas de circulação e de armazenagem no exterior no coletor municipal de águas residuais ou, em alternativa, obter Título de Utilização dos Recursos Hídricos, a emitir pela Agência Portuguesa do Ambiente/Administração da Região Hidrográfica, nos termos do DL n.° 226-A/2007, de 31 de maio, para a rejeição na água ou no solo (ou na rede coletora de águas pluviais, com prévia autorização a emitir pelo Município).
Não foi apresentada a autorização de descarga nem TURH, pelo que se considera a condição não cumprida.
· a desconformidade da operação de gestão com os princípios referidos no Título I do RGGR e com os planos de gestão de resíduos aplicáveis, nomeadamente:
· Com o Princípio da Regulação da Gestão de Resíduos (art.° 9° do RGGR e 4° do NRGGR) nos seguintes aspetos:
· No local verificou-se que era desenvolvida a atividade de reparação de paletes, a qual é uma atividade sujeita ao licenciamento industrial, sendo o seu enquadramento legal o Sistema de Industria Responsável (SIR) nos termos do Decreto-Lei n.° 73/2015, de 11 de maio. Note-se que, para além de a atividade não estar licenciada, a mesma não foi descrita no processo de licenciamento que deu origem ao Titulo emitido. Deste modo, o pedido de licenciamento industrial (e da OTR) teria de ter sido formulado através da plataforma SIR, sendo que o Titulo a emitir no âmbito do RGGR seria aditado ao Titulo de Exploração Industrial, tal como estava definido no artigo 42° do antigo RGGR, que era aplicável à data de emissão do TUA, sendo que o mesmo está definido no artigo 86° do novo RGGR - incumprimento com o artigo 86° do novo RGGR.
· O estabelecimento não dispõe de autorização de descarga, das águas pluviais contaminadas das zonas de circulação e de armazenagem de resíduos no exterior no, coletor publico municipal de águas residuais, em incumprimento com o n.° 3 do artigo 4° e com os n.° 1 a 3 do artigo 69' do DL n.º 194/2009, de 20.08, nem o requerente fez prova de possuir Título de Utilização dos Recursos Hídricos, a emitir pela Agência Portuguesa do Ambiente/Administração da Região Hidrográfica, nos termos do DL n.º 226 -A/2007, de 31 de maio, para a rejeição na água ou no solo, pelo que a descarga/rejeição das águas contaminadas está a ser realizada sem a devida autorização – incumprimento com o DL n.º 226-A/2007, de 31 de maio.
· De acordo com o projeto apresentado a esta CCDR e, que deu origem ao Titulo emitido,
verificou-se que o estabelecimento dispunha de Alvará de Utilização n.º ...9, emitido pela Câmara Municipal ..., a 13.11.2003, para a utilização de três armazéns e escritório a que se destinam as Frações A, B e C.

· A 31.07.2012, a pedido do requerente, foi emitida a certidão para a aprovação da localização quando à compatibilidade da operação de gestão de resíduos com o respetivo PDM. Nesta sequência foi emitido, co “(...) parecer favorável. No entanto, deverá alerta-se o requerente que a exploração está condicionada a que previamente seja alterado o uso do edifício armazém para unidade industrial e dispor de parecer favorável da entidade licenciadora”. No entanto, verifica-se, face ao contributo da CM de ... (cf. ponto 5.5 do presente Auto de vistoria), alterações ao projeto apresentado aquela entidade e que, por esse motivo é necessário o requerente proceder à legalização das alterações efetuadas. Neste âmbito, a CM manifestou-se nos seguintes aspetos, que se reproduzem:
o requerente,

· “submeteu um requerimento com vista à legalização da ampliação do andar na fração “A” e de obras de alteração nas frações “A”, “B” e “C” de um armazém construído no Lote n.° ... do loteamento titulado pelo Alvará n.° ...01, que foi alterado por Despacho de 18/11/2002”, assim como a “alteração de uso, atualmente de armazém e respetivos escritórios, conforme Alvará de Licença de Utilização n.° ...02, emitido em .../.../2003, para estabelecimento industrial do tipo III.”;
· “há necessidade de promover nova alteração ao Alvará, uma vez que a área de construção admitida no mesmo é excedida, devido à ampliação efetuada. Verificou-se que foram, ainda, introduzidas alterações nos espaços exteriores – área pavimentada, número e disposição dos lugares de estacionamento – que deverão ser regularizadas.”
· “Terá, ainda, que ser verificada a adequação da constituição da propriedade horizontal – que, devido às alterações ocorridas, poderá carecer de retificação.”
· “a apresentação de processo com vista à alteração do Alvará de loteamento” “Só após a referida alteração será possível a legalização das alterações efetuadas.”
Assim, atendendo a que, até à data da realização da vistoria não foi apresentada a LU para OGR, emitida pelo Município, e que o requerente iniciou a atividade sem ter obtido a referida licença, verifica-se o incumprimento do Princípio da Regulação da Gestão de Resíduos (art.° 9° do RGGR e 4° do NRGGR), em particular de que a gestão de resíduos não é realizada de acordo com os princípios gerais fixados nos termos RGGR e demais legislações aplicáveis e em respeito dos critérios qualitativos e quantitativos fixados nos instrumentos regulamentares e de planeamento- incumprimento com o artigo 83° do novo RGGR e incumprimento do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro Regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE).
· Com o Princípio da Proteção da Saúde Humana e do Ambiente (art.º 6º do RGGR e do NRGGR), nos seguintes aspetos;
Verificando-se que:
- a área exterior, localizado nas traseiras do edifício, para a circulação e armazenamento de resíduos, não está impermeabilizada, estando em incoerência com o projeto apresentado;
- o estabelecimento não dispõe de um sistema de tratamento de águas pluviais contaminada nem de autorização de descarga no coletor municipal ou TURH para descarga/rejeição das águas no solo;
- o pavimento da zona da báscula está fissurado;
situações que resultam na infiltração de águas pluviais contaminadas no solo, colocando em risco a saúde humana e o ambiente, não estando, por este motivo assegurado que a gestão de resíduos seja realizada recorrendo a processos ou métodos que não sejam suscetíveis de gerar efeitos adversos sobre o ambiente, a qual coloca em causa o cumprimento do Principio em referência.
Propondo-se:
· a intenção da revogação parcial do TUA20180416000364, por não estarem cumpridas as condições constantes do Título emitido, verificando-se o enquadramento nas situações previstas nas alíneas a), c) e d) do n.° 4 do art.° 81° do RGGR, que se transcrevem:
a) Seja inviável a minimização ou compensação de efeitos negativos significativos não previstos para o ambiente ou para a saúde pública que ocorram durante o tratamento de resíduos;
c) Não sejam adotadas as medidas adequadas à prevenção de danos para a saúde humana ou para o ambiente através do recurso às melhores técnicas disponíveis ou outras normas técnicas aplicáveis, sempre que desta omissão resultar a produção de efeitos negativos que de outra forma seriam evitáveis;
d) O operador realize operações proibidas, nos termos do artigo 4.º; face ao incumprimento do:
· Princípio da Proteção da Saúde Humana e do Ambiente (art.° 6° do RGGR e do NRGGR), na medida em que a área exterior não estava impermeabilizada, apresentava fissuras, e o estabelecimento não dispõe de sistema de tratamento para tratamento das águas pluviais contaminadas;
· n.° 3 do artigo 4° e com os n.° 1 a 3 do artigo 69° do DL n.° 194/2009, de 20.08, por falta de autorização de descarga, das águas pluviais contaminadas das zonas de circulação e de armazenagem de resíduos no exterior no coletor publico municipal de águas residuais e/ou incumprimento do DL n.° 226 -A/2007, de 31 de maio, por
· falta de Título de Utilização dos Recursos Hídricos, a emitir pela Agência Portuguesa do Ambiente/Administração da Região Hidrográfica, para a rejeição na água ou no solo.
· artigo 86° do Novo RGGR, por se verificar no local o desenvolvimento de uma atividade não licenciada de reparação de paletes, sujeita ao licenciamento industrial, enquadrada no Sistema de Industria Responsável (SIR), nos termos do Decreto-Lei n.° 73/2015, de 11 de maio;
· n.° 5 do art.° 4° e alínea d) do n.° 1 do art.° 98° do DL n.° 555/99, de 16.12, na sua atual redação do RJUE e do n.° 1 do art.º 4° do NRRGR e art.º 9° do RGGR (Princípios da Regulação da Gestão de Resíduos) na medida em que o estabelecimento não dispõe de Licença de Utilização para a OGR.
Salienta-se que as situações acima identificadas configuram:
a. contraordenações ambientais graves (nos termos da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais), dado que se consubstanciam no exercício de atividades de tratamento de resíduos em desconformidade com as condições impostas na licença (artigo 117.°, do n.° 2, da alínea ppp) do RGGR),
ppp) O exercício das atividades de tratamento de resíduos em violação das condições impostas na licença de exploração.
para além de violarem normas legais e regulamentares, em desrespeito pelo Princípio da Regulação de Gestão de Resíduos (artigo 4.° do RGGR);
· deverá notificar-se o requerente a proceder à desativação do estabelecimento, no prazo de 60 dias seguidos, cumprindo as seguintes condições:
I. Estudo do estado de contaminação do solo. Este estudo deverá ser elaborado, tendo em conta o definido pela APA, IP, na sua qualidade de Autoridade Nacional de Resíduos, nomeadamente nos seguintes documentos (...)
II. Proceder ao encaminhamento de todos os resíduos existentes no estabelecimento para destino final autorizado.
III. Proceder à limpeza de toda a instalação, incluindo toda a rede de drenagem e sistema de tratamento.
IV. Informar do destino a dar aos equipamentos e máquinas existentes no estabelecimento. Findo o prazo estabelecido, será agendada a vistoria de conformidade, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 64.º do RGGR, para verificação do cumprimento de medidas impostas aquando da desativação definitiva do estabelecimento.
Deverá proceder-se à audiência prévia do interessado, nos termos do Código do Procedimento Administrativo. (...)» - cf. doc. ... junto com o RI, cujo teor se dá por reproduzido.
6. O auto de vistoria referido no ponto anterior mostra-se documentado com fotografias ilustrativas das situações detectadas – cf. doc. ... junto com o RI, cujo teor se dá por reproduzido.
7. Por ofício de 08.11.2022, subscrito pelo Vice-Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, a autora foi informada da intenção de revogação parcial do TUA20180416000364, com fundamento na falta de cumprimento das condições constantes do título emitido, para que se pronunciasse no prazo de 10 dias úteis – cf. doc. ... junto com o RI, cujo teor se dá por reproduzido.
8. Por missiva de 15.11.2022, a autora respondeu ao ofício referido no ponto precedente, nos seguintes termos:
(...) Vimos por este meio, face à decisão de encerramento exarada no ofício supre-referenciado, solicitar que nos seja concedido o prazo de 90 dias úteis para que possamos:
1- Solicitar a alteração do nosso TUA para que passem a ser cumpridas todas as exigências legais aplicáveis à atividade;
2- Manter a atividade de operações de gestão de resíduos não perigosos por forma a fazer face aos compromissos financeiros assumidos no âmbito da atividade e os 14 postos de trabalho gerados no âmbito da mesma. (...)” – cf. doc. ... junto com o RI, cujo teor se dá por reproduzido.
9. Por ofício de 24.11.2022, subscrito pelo Vice-Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, a autora foi informada, em suma, do seguinte:
Na sequência da vistoria realizada, em 10.08.2022, informamos, após apreciação das alegações apresentadas por V. Ex.as em sede de audiência prévia (Informação em anexo), que se verificaram as desconformidades graves da instalação e/ou equipamento com o pedido formulado e com o Título Único Ambiental n.º TUA20180416000364, de 04.02.2021, identificadas no Auto de Vistoria (em anexo). Desse modo, é decisão desta CCDR notificar V. Ex.a nos seguintes termos:
- A revogação parcial do TUA20180416000364, por não estarem cumpridas as condições constantes do título emitido (...).
Nestes termos, deverá proceder V. Exa à desactivação do estabelecimento, no prazo de 60 dias seguidos, cumprindo as seguintes condições:
(...).
Findo o prazo concedido, será agendada vistoria de conformidade (...) para verificação do cumprimento das medidas impostas aquando da desactivação definitiva do estabelecimento.” – cf. doc. ... junto com o RI, cujo teor se dá por reproduzido.
10. Por mensagem de correio electrónico de 24.07.2020, a requerente dirigiu à ADRA requerimento destinado à obtenção de autorização para a descarga de águas tratadas pelo separador de hidrocarbonetos a instalar no estabelecimento da requerente – cf. doc. ...0 junto com o RI.
11. A requerente não obteve a autorização a que se dirigia o requerimento anterior – acordo [cf. 91.° e 93.° do RI, implicitamente, e 126.°-128.° da oposição].
12. A requerente não solicitou a alteração do seu Título Único Ambiental nem formulou novo pedido – cf. requerimentos de 03.04.2023 e de 11.04.2023.

De Direito -
É objecto de recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou o processo cautelar improcedente e indeferiu o decretamento das providências solicitadas.
Nos presentes autos cautelares, a Requerente formulou o pedido de suspensão de eficácia da decisão do Sr. Vice-Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), datada de 24.11.2022, pela qual, na sequência de vistoria, se revogou parcialmente o Título Único Ambiental (TUA) ...64 de que foi beneficiária a Requerente.
Com efeito, tal título fora emitido em 04.01.2021, sujeito a condições e a Requerente vinha laborando sem que tais condições se tivessem verificado.
Da análise da sentença recorrida destaca-se o seguinte conteúdo da fundamentação:
“Perscrutada a alegação da requerente, transparece que os prejuízos que a mesma invoca sofrer com a execução do acto suspendendo se relacionam com a sua inactividade. Isto é, de acordo com a requerente, a revogação do TUA ao abrigo do qual exerce a actividade de gestão de resíduos originará, como consequência, o encerramento da empresa e, portanto, a impossibilidade de cumprir as suas obrigações junto de instituições bancárias, fornecedores e outros credores e a necessidade de despedimento dos seus trabalhadores.
Todavia, como se verificou nos autos, logo em sede de audiência prévia, no âmbito do procedimento administrativo de controlo, a requerente anunciou a intenção de alteração do TUA, “para que passem a ser cumpridas todas as exigências legais aplicáveis à actividade” – cf. “8” do elenco.
Por seu turno, também na fase judicial a requerente manifestou essa intenção, informando, todavia, não ter solicitado a alteração ou formulado um novo pedido – cf. “12” do elenco (por alegada impossibilidade, que, contudo, não ficou comprovada).
Ora, a circunstância de a requerente ter solicitado e obtido um título autorizativo desajustado à concreta actividade que pretende desenvolver é, manifestamente, alheia ao mérito da presente acção.
Os perigos que invoca, associados ao encerramento da sua actividade, não decorrem, portanto, da revogação do título que detém – e que pretende alterar; antes da própria inércia, não tendo cuidado de, em devido tempo, proceder à sua alteração. Nem tendo ainda – como aparentemente, à data actual poderá e, em todo o caso, teria podido em momento prévio à revogação – formulado um novo pedido, adequado à regulação da realidade e da concreta actividade a desenvolver.
Mais decorre da factualidade apurada que a adopção da providência requerida não habilitaria a requerente a desenvolver a actividade de gestão de resíduos. Dizendo por outras palavras, a suspensão dos efeitos do acto de revogação não teria como consequência a autorização de desenvolvimento da actividade de gestão de resíduos.
Explica-se:
Como se evidenciou nos autos, o título único ambiental emitido a favor da requerente foi subordinado à adopção das medidas e cumprimento das condições nele fixadas, com prazos de implementação a variar entre os 5 meses, 1 ano ou durante o período de vida da instalação – cf. “2.” e “3.” da matéria indiciariamente provada.
Para além de a requerente não contestar todas as falhas ou anomalias detectadas, indicadas no auto de vistoria e reveladoras do incumprimento das condições apostas no título – nelas assentindo, portanto, – há ainda a referir, para efeitos meramente exemplificativos, a falta de autorização para a descarga de águas residuais – tal como se deixou transposto para "10." e "11." do probatório.
Vale isto por dizer que ficou inequivocamente demonstrado nos autos que a requerente não cumpre com as condições apostas no título autorizativo. E, nessa justa medida, mesmo que não houvesse sido praticado o acto revogatório – ou ainda que os seus efeitos fossem suspensos, por via da adopção da providência requerida – ainda assim, decorridos os prazos para implementação das medidas ou satisfação das condições impostas, a requerente não deteria título bastante para operar.
Na verdade, o que se constata, então, é que os perigos alegados não decorrem da produção de efeitos do acto impugnado, mas da própria inércia da requerente, nesta dupla vertente: quer sob o ponto de vista procedimental, no que toca às omissões relativas à alteração do título ou formulação de novo pedido; quer sob o ponto de vista material, no que toca à implementação das medidas ou satisfação das condições a que estava vinculada, no devido prazo.
Assim, da concreta actuação administrativa, cuja suspensão de eficácia se peticiona, não derivam os prejuízos invocados, mostrando-se viável, sob novo título, adaptado à realidade da requerente, o desenvolvimento da sua actividade.
Deste ponto de vista, e em conclusão, da revogação do TUA emitido a favor da requerente não resulta, como consequência necessária, o encerramento da sua actividade, não se verificando, assim, os hipotéticos prejuízos invocados.
Por todo o exposto, conclui-se, forçosamente, ser insusceptível de verificação a alegada situação de perigo que possa resultar para a requerente da demora associada à tramitação do processo principal.
Soçobra, por conseguinte, desde logo, um dos requisitos, cumulativos, de que depende a concessão de tutela cautelar, ficando, pois, prejudicada a apreciação dos demais requisitos legais e devendo ser recusado o decretamento das providências requeridas.”
Avança-se, já, que esta fundamentação da decisão não merece reparo.
Contudo, inconformada, a Recorrente dela veio recorrer apontando-lhe: (i) erro de julgamento sobre a matéria de facto; (ii) erros de julgamento sobre a matéria de direito.
Todavia, sem razão.
Do alegado erro de julgamento de facto -
Da pretensão de aditar 5 novos factos -
Vem a Recorrente requerer o aditamento de cinco novos factos, com o fundamento de que os mesmos se encontram devidamente provados por documentos que não foram impugnados.
Na sentença recorrida, em sede de Fundamentação, foram elencados em “A\ Factos (fixados perfunctoriamente e com interesse para a decisão a proferir)”, concluindo-se, a final que “os factos elencados foram dados como provados com base no acordo das partes, apurado mediante a posição por si assumida nos respectivos articulados, bem como com base no teor dos documentos juntos aos autos, indicados por referência a cada concreto ponto da matéria. Nada mais se provou com relevo para a solução jurídica da causa.”
Nestes termos, o Tribunal a quo entendeu, e bem, que os cinco factos a que se reporta a Recorrente não tinham interesse para a decisão, ou seja, não tinham relevo para a solução jurídica do pleito.
Com efeito, como vimos acima, na parte citada da decisão, o Tribunal apreciou os factos a que se reporta a Recorrente, entendendo que “perscrutada a alegação da requerente, transparece que os prejuízos que a mesma invoca sofrer com a execução do acto suspendendo se relacionam com a sua inactividade. Isto é, de acordo com a requerente, a revogação do TUA ao abrigo do qual exerce a actividade de gestão de resíduos originará, como consequência, o encerramento da empresa e, portanto, a impossibilidade de cumprir as suas obrigações junto de instituições bancárias, fornecedores e outros credores e a necessidade de despedimento dos seus trabalhadores.”
Contudo, mais entendeu o Tribunal que tais prejuízos não apresentam qualquer causalidade com a revogação do ato suspendendo, tendo ali concluído que “os perigos que invoca, associados ao encerramento da sua actividade, não decorrem, portanto, da revogação do título que detém – e que pretende alterar; antes da própria inércia, não tendo cuidado de, em devido tempo, proceder à sua alteração. Nem tendo ainda – como aparentemente, à data actual poderá e, em todo o caso, teria podido em momento prévio à revogação – formulado um novo pedido, adequado à regulação da realidade e da concreta actividade a desenvolver.”
E continuou: “deste ponto de vista, e em conclusão, da revogação do TUA emitido a favor da requerente não resulta, como consequência necessária, o encerramento da sua actividade, não se verificando, assim, os hipotéticos prejuízos invocados.”
Do exposto se conclui que, para a decisão a adotar não relevavam assim os cinco factos apontados pelo recorrido.
De resto, a Recorrente também não alegou em que sentido tais factos conduziriam a decisão distinta daquela adotada pelo Tribunal.
Sucumbe assim a pretensão da Recorrente quanto ao aditamento de cinco factos, que se mostram irrelevantes para a decisão da causa.
Da pretensão de alterar o Ponto 12 da Matéria de Facto -
A Recorrente vem alegar que se encontra incorretamente julgado o ponto 12 do probatório por não considerar a impossibilidade de requerer a alteração de um TUA revogado.
Porém, não tem razão.
No ponto 12 da matéria de facto o Tribunal fixou, e bem, que “a requerente não solicitou a alteração do seu Título Único Ambiental nem formulou novo pedido”.
Recorde-se que o TUA em causa foi deferido, condicionado, em 04.02.2021 e foi revogado em 24.11.2022.
Tendo presente que a Recorrente não contesta o incumprimento das condições apostas no TUA e assumindo que pretendia alterar “o nosso TUA para que passem a ser cumpridas todas as exigências aplicáveis à entidade”, resulta evidente que a Recorrente dispôs do intervalo de tempo compreendido entre 04.02.2021 e 24.11.2022 para promover esse ajustamento ou alteração ao TUA, o que não fez. Sendo irrelevante que o não possa ter feito depois de revogado o TUA, posto que sempre e a todo o tempo pôde(ria) apresentar um novo pedido, com o mesmo intuito.
Neste sentido, não se deteta qualquer erro de julgamento na matéria de facto fixada em 12.
De todo o modo sempre se dirá que, na sua alegação, a Recorrente não demonstra de que forma a alteração do facto vertido em 12 poderia alterar o sentido da decisão recorrida.
Ora, como bem entendeu o Tribunal a quo, “a circunstância de a requerente ter solicitado e obtido um título autorizativo desajustado à concreta actividade que pretende desenvolver é, manifestamente, alheia ao mérito da presente acção.
Os perigos que invoca, associados ao encerramento da sua actividade, não decorrem, portanto, da revogação do título que detém – e que pretende alterar; antes da própria inércia, não tendo cuidado de, em devido tempo, proceder à sua alteração. Nem tendo ainda – como aparentemente, à data actual poderá e, em todo o caso, teria podido em momento prévio à revogação – formulado um novo pedido, adequado à regulação da realidade e da concreta actividade a desenvolver.”
Falece assim a alegação da Recorrente quanto à alteração do ponto 12 da matéria de facto, que se mostra irrelevante para a decisão adotada.
Do alegado erro de julgamento de Direito -
Da não verificação do periculum in mora, por inércia da Recorrente -
A Recorrente não identifica nas alegações ou conclusões quais as normas jurídicas que entende violadas ou qual o sentido em que as normas aplicáveis deveriam ter sido interpretadas para o resultado que pretende.
A Recorrente simplesmente não se conforma com a posição do Tribunal “quando o mesmo considera que os prejuízos alegados e sofridos pela Recorrente resultam da sua inatividade e/ou inércia.”
Com efeito, a este respeito, o Tribunal entendeu: “Os perigos que invoca, associados ao encerramento da sua actividade, não
decorrem, portanto, da revogação do título que detém – e que pretende alterar;

antes da própria inércia, não tendo cuidado de, em devido tempo, proceder à sua alteração. Nem tendo ainda – como aparentemente, à data actual poderá e, em todo o caso, teria podido em momento prévio à revogação – formulado um novo pedido, adequado à regulação da realidade e da concreta actividade a desenvolver. (...)
Na verdade, o que se constata, então, é que os perigos alegados não decorrem da produção de efeitos do acto impugnado, mas da própria inércia da Requerente, nesta dupla vertente: quer sob o ponto de vista procedimental, no que toca às omissões relativas à alteração do título ou formulação de novo pedido; quer sob o ponto de vista material, no que toca à implementação das medidas ou satisfação das condições a que estava vinculada, no devido prazo.
Nos artigos 20.º a 40.º das alegações a Recorrente insurge-se contra este entendimento, alegando que o Tribunal devia considerar que esteve impossibilitada de pedir a alteração do TUA depois da sua revogação e que, por essa razão, não lhe pode ser apontada qualquer inércia ou inatividade que tenha provocado os danos que invoca no processo cautelar.
Em particular, alega que “a sentença recorrida padece de erro de julgamento na apreciação do requisito do periculum in mora imposto pelo artigo 120º, nº 1 do CPTA, por se verificarem já prejuízos de difícil reparação e mesmo uma situação de facto consumado em resultado do ato suspendendo e não de qualquer atuação ou omissão da Recorrente, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.”
Contudo, sem razão.
Como bem entendeu o Tribunal a quo, desde logo, a Requerente solicitou e obteve um título autorizativo desajustado à concreta atividade que pretende desenvolver.
Adicionalmente, entendeu o Tribunal que a ora recorrente não teve o cuidado de, em devido tempo, proceder à alteração do TUA, o que poderia ter feito desde a sua emissão, até à sua revogação, como vimos acima a respeito da matéria de facto.
Por fim, a Recorrente poderia sempre e a qualquer momento apresentar um novo pedido, adequado à regulação da realidade e da concreta actividade que pretende desenvolver.
Neste contexto, é forçoso concluir que os danos que a Recorrente invoca, associados ao encerramento da sua atividade, resultam apenas de, confrontada com um TUA desajustado da sua atividade, não haver promovido pela sua alteração (antes de revogado) ou por um novo pedido (antes ou depois da revogação do TUA).
Não se vislumbra assim, qualquer erro de apreciação de facto ou de direito a respeito do periculum in mora, nem a verificação de uma situação de facto consumado, porquanto não será a revogação do TUA que conduz ao encerramento da atividade da Recorrente, mas antes a inadequação do TUA obtido para a atividade a desenvolver (como reconhece a Recorrente) e, por outro lado, a sua decisão de não ultrapassar essa situação irregular, promovendo a sua alteração antes de revogado ou requerendo um novo TUA, a todo o tempo.
Falece assim a alegação da Recorrente a este respeito, vertida nas conclusões XVI a XXII.
Da não verificação do periculum in mora, por caducidade do TUA -
A Recorrente não identifica nas alegações ou conclusões quais as normas jurídicas que entende violadas ou qual o sentido em que as normas aplicáveis deveriam ter sido interpretadas para o resultado que pretende.
Nos artigos 41.º a 53º das alegações, a Recorrente invoca que a decisão recorrida enferma de erro de direito quando o Tribunal a quo afirma que “decorre da factualidade apurada que a adopção da providência requerida não habilitaria a requerente a desenvolver a actividade de gestão de resíduos. Dizendo por outras palavras, a suspensão dos efeitos do acto de revogação não teria como consequência a autorização de desenvolvimento da actividade de gestão de resíduos.”
No mesmo sentido, a Recorrente alega que “é errada a conclusão a que o tribunal a quo chega quando considera que o facto de terem sido ou não cumpridas as condições impostas no TUA, isso por si só determine que a Recorrente deixe de ter título legítimo para exercer a atividade de gestão de resíduos.”
Insistindo ainda que “o facto de as condições impostas no TUA serem ou não cumpridas pela Recorrente não determina por si só, de forma automática e ope legis que o TUA da Recorrente seja revogado ou suspenso, tanto mais que o mesmo é válido até 02.02.2026 e nada resulta do mesmo que o simples alegado incumprimento das condições que são impostas à Recorrente determine de forma inexorável a suspensão ou revogação do TUA, bem pelo contrário.”
Mas não tem razão a Recorrente, atento o seu objeto social e a área de atividade a que se dedica.
Com efeito, a Requerente desenvolve atividade sujeita ao licenciamento industrial, sendo o seu enquadramento legal o Sistema de Indústria Responsável (SIR) nos termos do Decreto-Lei n.º 73/2015, de 11 de maio.
Em 07.08.2020 a Requerente apresentou um pedido de licenciamento ao abrigo do regime simplificado previsto no artigo 32.º do Regime Geral de Gestão de Resíduos aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro.
O pedido foi deferido condicionado em 04.02.2021 e, em conformidade, foi emitido Título Único Ambiental (TUA) ...64, igualmente condicionado, com validade até 03.02.2026.
A Recorrente não nega as condições a que foi sujeito o TUA ...64, nem que não providenciou pela sua verificação.
A Recorrente esquece tais condições, com exceção de uma, que foi termo final: o prazo de validade a 03.02.2026.
Importa assim recordar que, nos termos previstos no art.º 149.º do Código do Procedimento Administrativo (Cláusulas acessórias) “os atos administrativos podem ser sujeitos, pelo seu autor, mediante decisão fundamentada, a condição, termo, modo ou reserva, desde que estes não sejam contrários à lei ou ao fim a que ato se destina, tenham relação direta com o conteúdo principal do ato e respeitem os princípios jurídicos aplicáveis, designadamente o princípio da proporcionalidade.”
No mesmo sentido estatui o art.º 157.º do mesmo código (Eficácia diferida ou condicionada) o seguinte:
“O ato administrativo tem eficácia diferida ou condicionada:
Quando estiver sujeito a aprovação ou a referendo;
Quando os seus efeitos ficarem dependentes de condição ou termo suspensivos;
Quando os seus efeitos, pela natureza do ato ou por disposição legal, dependam de trâmite procedimental ou da verificação de qualquer requisito que não respeite à validade do próprio ato.
No âmbito do Regime Geral de Gestão de Resíduos, aplicável à data (Decreto-Lei n.º 178/2006), eram diversos os normativos que previam a aposição de condição aos títulos, vg art.º 29.º/2; 30.º/2; 31.º/3; 33.º/1; d), l); 35.º/6; 44.º/2 e 8; 44.º-A, entre outros.
Em concreto, o TUA ...64 foi emitido condicionado à verificação prévia e sucessiva de diversas condições, gerais e específicas, conforme resulta das suas páginas 5 a 7 e 16.
Nos termos gerais de direito, refere o Código Civil no seu artigo 270.º (Noção de condição) o seguinte:
“As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção
dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva.
A este respeito, Manuel Andrade, ao dar a noção de condição, definiu-a como "a clausula por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que ou só verificado tal acontecimento é que o negocio produzirá os seus efeitos(condição suspensiva), ou então só nessa eventualidade é que o negocio deixará de os produzir (condição resolutiva)", esclarecendo que também costuma designar-se por condição o próprio evento condicionante. (em Teoria Geral da Rel. Jur., II, página 356).
Nos termos do artigo 343.º/3 também do Código Civil, (Ónus da prova em casos especiais) “se o direito invocado pelo autor estiver sujeito a condição suspensiva ou a termo inicial, cabe-lhe a prova de que a condição se verificou ou o termo se venceu; se o direito estiver sujeito a condição resolutiva ou a termo final, cabe ao réu provar a verificação da condição ou o vencimento do prazo.”
Ora, no caso em apreço o TUA ...64 apresentava condições suspensivas e condições resolutivas e não há qualquer reserva nos autos de que a Recorrente assume que as condições suspensivas não se verificaram, e as resolutivas se verificaram, tal como resultou observado na vistoria.
Nos termos previstos no art.º 30.º/2 (Vistoria) do RGGR “quando tiverem sido impostas condições nos termos do n.º 2 do artigo anterior, o pedido de vistoria é acompanhado de elementos comprovativos do respectivo cumprimento”.
No caso posto, não só a Recorrente não requereu a vistoria em tempo como, aquando da vistoria, se constatou que as condições suspensivas impostas no TUA ...64 não estavam verificadas.
A título exemplificativo, o TUA ...64, apresentava como condição suspensiva, designadamente a T000031: “a realização da operação só poderá ser iniciada após obtenção da Licença de Utilização para “operações de Gestão de Resíduos”, a emitir pelo Município.”
Com efeito, por força do disposto no n.º 5 do artigo 4º e alínea d) do n.º 1 do artigo 98º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, que aprovou o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), está proibida a ocupação de edifícios sem a prévia autorização de utilização válida para o fim a que se destina o mesmo, a emitir pela respetiva câmara municipal.
Assim, como salienta o Tribunal a quo “para além de a requerente não contestar todas as falhas ou anomalias detectadas, indicadas no auto de vistoria e reveladoras do incumprimento das condições apostas no título – nelas assentindo, portanto, – há ainda a referir, para efeitos meramente exemplificativos, a falta de autorização para a descarga de águas residuais – tal como se deixou transposto para "10." e "11." do probatório.”
Nestes precisos termos condicionados, o TUA ...64 não produzia efeitos (e a operação de gestão de resíduos ao seu abrigo não podia ser iniciada) antes da obtenção de tal Licença de Utilização para “operações de Gestão de Resíduos”, a emitir pelo Município ou da autorização para a descarga de águas residuais a emitir pela ADRA.
Por outro lado, encontrando-se a obrigação de obter a licença de utilização sujeita a termo de 5 meses, então, não verificada a condição nesse prazo (resolutivo), o TUA ...64 cessou os seus demais efeitos, caducando.
Com efeito, quando um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade (cf. art.º 298.º do Código Civil).
Ora, só impede a caducidade a prática, dentro do prazo estipulado, do ato a que tenha sido atribuído efeito impeditivo (cf. art.º 331.º do Código Civil).
Não tendo designadamente obtido licença de utilização para “operações de Gestão de Resíduos”, a emitir pelo Município nem autorização para a descarga de águas residuais a emitir pela ADRA, a Recorrente deixou caducar o título único ambiental para o exercício da sua atividade.
Assim o impedimento à atividade da Recorrente, como bem entendeu o Tribunal, não resulta da revogação parcial do TUA ...64, mas da sua caducidade, resultante da não verificação das condições com termo, nele apostas, que só à Recorrente se pode imputar.
Por conseguinte, a suspensão do ato de revogação parcial do TUA ...64 não teria o condão de habilitar a Recorrente ao exercício da atividade, quando já não o podia fazer à data em que foi revogado.
Bem andou, pois, o Tribunal recorrido ao entender que “mesmo que não houvesse sido praticado o acto revogatório – ou ainda que os seus efeitos fossem suspensos, por via da adopção da providência requerida – ainda assim, decorridos os prazos para implementação das medidas ou satisfação das condições impostas, a requerente não deteria título bastante para operar.
Não resulta assim qualquer erro de julgamento do juízo formulado quanto a “da concreta actuação administrativa, cuja suspensão de eficácia se peticiona, não derivam os prejuízos invocados, mostrando-se viável, sob novo título, adaptado à realidade da requerente, o desenvolvimento da sua actividade.
Deste ponto de vista, e em conclusão, da revogação do TUA emitido a favor da requerente não resulta, como consequência necessária, o encerramento da sua actividade, não se verificando, assim, os hipotéticos prejuízos invocados.
Claudica assim a alegação da Recorrente a este respeito, vertida nas conclusões XXIII a XXXVI.
Tal equivale a dizer que o Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de apreciação da matéria de facto ou de interpretação e aplicação do direito, tendo a sentença de ser mantida na ordem jurídica.
Em suma:
São características próprias do processo cautelar a sua instrumentalidade - dependência em face de um processo principal, a provisoriedade - por não visarem a resolução do litígio, estando vedado ao tribunal conceder, através de uma providência cautelar, aquilo que só a sentença final pode proporcionar, e a sumariedade - cognição necessariamente sumária e perfunctória da situação de facto e de direito, visto que a finalidade própria do processo cautelar é assegurar que a demora na tomada da decisão final não acarrete a criação de uma situação de facto consumado com ela incompatível, ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses de quem dela deveria beneficiar (art.º 112º, n.º 1, do CPTA).
Para o efeito, impende sobre o requerente o ónus de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida, oferecendo prova sumária da respetiva existência [cfr. art.º 114º, n.º 3, al. g)].
Os requisitos necessários à adoção de providências cautelares encontram-se plasmados nos n.ºs 1 e 2 do art.º 120º do CPTA, de cuja verificação cumulativa está dependente o respetivo decretamento.
O primeiro desses requisitos é o denominado periculum in mora. Nos termos do n.º 1 do referido art.º 120º, as providências cautelares são adotadas, “(…) quando haja fundado receio da constituição de uma situação de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (…)”.
Assim, o requisito do periculum in mora consiste na verificação do risco de a eventual decisão favorável que vier a ser proferida na ação principal não permitir assegurar, na sua plenitude, a pretensão que o autor aí pretende fazer valer, porque existe o fundado receio de que, pela demora normal do processo, a) se constitua uma situação de facto consumado ou b) se produzam prejuízos de difícil reparação (cf. art.º 120º, n.º 1, do CPTA).
Está-se perante a constituição de uma situação de facto consumado quando não é possível proceder à restauração natural da esfera jurídica do autor, no caso do processo principal vir a ser julgado procedente. Ou seja, ainda que os danos produzidos pela alteração da situação de facto do requerente sejam avaliáveis pecuniariamente, tem-se por verificado o requisito do periculum in mora quando não seja possível a reconstituição, no plano dos factos, da situação conforme a legalidade, obviando, desse modo, a que a decisão judicial não se torne numa decisão “puramente platónica”.
Por outro lado, ainda que não se vislumbre a impossibilidade de reconstituição, no plano dos factos, da situação conforme a legalidade, tem-se por verificado o requisito do periculum in mora quando exista o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação durante a pendência do processo principal.
São prejuízos de difícil reparação aqueles, ainda que suscetíveis de quantificação pecuniária, cuja compensação se mostre sempre insuficiente para devolver ao lesado a situação em que ele se encontraria sem eles (Acórdão do TCA Sul de 2.10.2008, processo 00239/08), seja porque a reconstituição natural, no plano dos factos, se preveja difícil, seja porque não serão reparáveis integralmente com a reintegração da legalidade. Isto é, para se aferir da possibilidade de se produzirem prejuízos de difícil reparação deve atender-se à “(…) maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, já que o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença (…)” (Acórdão deste TCA Norte de 14.03.2014, processo n.º 01334/12.7BEPRT-A).
Em conclusão, quanto ao requisito do periculum in mora, (…) o juiz deve fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por, entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica.
De todo o modo, cumpre notar que o juízo sobre o fundado receio deve ser “(…) apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja ainda face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões (...)” (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 3.ª ed., pág. 103).
Voltando ao caso dos autos, considerou a sentença e, quanto a nós, bem, que não se verifica o periculum in mora.
Reitera-se que o periculum in mora, a que alude a 1.ª parte do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA, se traduz no fundado receio de que, quando o processo principal seja decidido e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja, pelo menos, porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis (….).
Impõe-se, assim, um juízo sobre o risco da ocorrência de prejuízos de difícil reparação, fundado na apreciação das circunstâncias específicas do caso concreto e segundo a factualidade trazida pelo requerente, que permitam aferir se a situação de risco é efectiva e não uma mera conjuntura de verificação eventual, recaindo sobre o impetrante o ónus de alegar e provar, ainda que sumariamente, factos conducentes ao juízo de periculum in mora.
Não é, todavia, um qualquer perigo que justifica ou pode fundar a decretação de uma providência cautelar porquanto se terá de exigir um perigo qualificado de dano, isto é, um perigo de dano que derive ou decorra da demora processual.
Não estamos, pois, perante um perigo genérico de dano, mas sim confrontados com um perigo qualificado e aferido numa perspetiva funcional, o que significa que só têm - ou devem ter - relevância os prejuízos que coloquem em risco a efetividade da sentença proferida no processo principal.
Como decidido no Acórdão do TCA Sul, de 14.7.2016, Proc. nº 13412/16: “(..) a prova do fundado receio a que a lei faz referência deveria ter sido feita pela aqui Recorrente, a qual teria que invocar e provar factos que levassem a concluir que seria provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, o que in casu não sucedeu na medida em que não basta um mero juízo de probabilidade, antes se exigindo a existência de um fundado receio”.
Assim, bem andou o Tribunal a quo quando considerou arredado este pressuposto.
Como ensinam Mário Aroso e Carlos Cadilha, “deve considerar-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que os factos concretos alegados pelo requerente permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente” [in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2017, pp. 970-972 (anotação 2 ao art.º 120º)];
Importa, pois, ter presente que o fundado receio a que a lei se refere é o receio apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade, a atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade.
Daí que se quanto ao juízo de probabilidade da existência do direito invocado (fumus boni iuris) se admite que o mesmo possa ser de mera verosimilhança, já quanto aos critérios a atender na apreciação do periculum in mora os mesmos devem obedecer a um maior rigor na apreciação dos factos integradores de tal requisito visto que a qualificação legal do receio como fundado visa restringir as medidas cautelares, evitando a concessão indiscriminada de protecção meramente cautelar com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos com a segurança e ponderação garantidas pelas acções principais - Acórdão deste TCAN de 14.03.2014, Proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A;
Por conseguinte, à semelhança da petição inicial numa acção administrativa, o requerente de uma providência cautelar deve expor as razões de facto e de direito em que fundamenta a sua pretensão, derivando do disposto no art.º 114.º, n.º 3, alínea g) do CPTA, que “No requerimento, deve o requerente: (...) Especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência”, em particular no que aqui interessa deve o requerente concretizar em que medida o não decretamento da providência resultará num facto consumado ou em prejuízos de difícil reparação, não se afigurando bastante a mera alegação genérica de que os mesmos vão ocorrer.
O requerente terá de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência já que, não se mostra consagrada uma presunção iuris tantum da existência dos aludidos requisitos como simples decorrência da execução dum acto, nem é idónea uma alegação de forma meramente conclusiva e de direito ou com utilização de expressões vagas e genéricas - cfr., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14/07/2008, Proc. n.º 0381/08, de 19/11/2008, Proc. n.º 0717/08 e de 22/01/2009 no Proc. n.º 06/09;
Incumbe, assim, ao requerente da providência o ónus de alegar e provar a matéria de facto integradora do periculum in mora, através de factos ou circunstâncias suficientemente determinadas que, segundo um juízo de normalidade e pelas regras de experiência comum, abarquem a situação de perigo justificativa da concessão da medida pretendida - artº 5.º, do CPC, o que, repete-se, não ocorreu no caso posto.
Com efeito, como sentenciado, os perigos que a Requerente invoca, associados ao encerramento da sua actividade, não decorrem da revogação do título que detém – e que pretende alterar; antes da própria inércia, não tendo cuidado de, em devido tempo, proceder à sua alteração.
Mais decorre da factualidade apurada que a adopção da providência requerida não habilitaria a Requerente a desenvolver a actividade de gestão de resíduos. Por outras palavras, a suspensão dos efeitos do acto de revogação não teria como consequência a autorização de desenvolvimento da actividade de gestão de resíduos. Vale isto por dizer que ficou demonstrado nos autos que a Requerente não cumpre com as condições apostas no título autorizativo. E, nessa medida, mesmo que não houvesse sido praticado o acto revogatório – ou ainda que os seus efeitos fossem suspensos, por via da adopção da providência requerida – ainda assim, decorridos os prazos para implementação das medidas ou satisfação das condições impostas, a Requerente não deteria título bastante para operar.
Na verdade, o que se constata é que os perigos alegados não decorrem da produção de efeitos do acto impugnado, mas da própria inércia da Requerente, nesta dupla vertente: quer sob o ponto de vista procedimental, no que toca às omissões relativas à alteração do título ou formulação de novo pedido; quer sob o ponto de vista material, no que toca à implementação das medidas ou satisfação das condições a que estava vinculada, no devido prazo.
Assim, da concreta actuação administrativa, cuja suspensão de eficácia se peticiona, não derivam os prejuízos invocados, mostrando-se viável, sob novo título, adaptado à realidade da Requerente, o desenvolvimento da sua actividade.
Deste ponto de vista, da revogação do TUA emitido a favor da Requerente não resulta, como consequência necessária, o encerramento da sua actividade, não se verificando, assim, os hipotéticos prejuízos invocados.
Por todo o exposto, conclui-se, forçosamente, ser insusceptível de verificação a alegada situação de perigo que possa resultar para a Requerente da demora associada à tramitação do processo principal.
Soçobrando, desde logo, um dos requisitos, cumulativos, de que depende a concessão de tutela cautelar, fica prejudicada a apreciação dos demais pressupostos legais.
Improcedem as Conclusões das alegações.
Decisão
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 14/7/2023

Fernanda Brandão
Alexandra Alendouro
Nuno Coutinho