Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00316/21.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/20/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:OPOSIÇÃO; OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
CADUCIDADE DO DIREITO À ACÇÃO; ERRO DE JULGAMENTO;
CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO.
Sumário:I. Nos termos do preceituado no artº.615, nº.1, al. d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento.
II. A nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
III. A caducidade do direito à acção configura uma excepção de resolução prévia às demais, e de conhecimento oficioso, a omissão da sua concreta apreciação configura erro de julgamento.
IV. A revogação da sentença não obsta a que o Tribunal de recurso conheça em substituição do objecto dos autos, mas esse conhecimento só lhe é permitido no caso de os mesmos fornecerem todos os elementos para o efeito.
Recorrente:Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.
Recorrido 1:AA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução Fiscal - Oposição - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Desp. 11/2016]
Decisão:conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

1.1. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (Recorrente), notificado da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi julgada totalmente procedente a oposição à execução fiscal deduzida por AA (Recorrida), na qual é devedora originária “C..., Lda.”, por dívidas resultantes de contribuições e cotizações relativas ao período de abril de 2014 a julho de 2017, dívida exequenda no valor de € 13.244,40, inconformado vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A. Incide o presente recurso sobre a sentença que determinou a oposição procedente com a consequente extinção do PEF nº 16...316 e apensos contra a Executada por reversão/Oponente, AA, NIF 2...718.

B. A Oponente, na qualidade de responsável subsidiário da devedora originária C..., Lda., NIPC 50...569, em 09/11/2020, via CTT, deduziu oposição judicial da decisão de reversão no âmbito do PEF n.º 16...316 e aps, resultante de contribuições e cotizações relativas aos periodos situados entre 2014/04 a 2017/07, perfazendo a dívida exequenta no montante de 13.244,40€.

C. Decorre dos termos da lei que o prazo previsto no art.º 203.º, n.º 1, al. a), do CPPT, que a oposição deve ser deduzida no prazo de 30 dias a contar da citação pessoal ou, não a tendo havido, da primeira penhora, ora in casu, aconteceu a 2020/09/09. (doc. 1)

D. Conforme informação do art 208º do CPPT remetida pelo Órgão de Execução Fiscal ao Tribunal a quo, há referência à intempestividade da Oposição, face à data da citação da oponente, a saber 09/09/2020, e a data da apresentação da Oposição, via correio, em 09/11/2020. (doc. 2)

E. O requerimento de Oposição, deu entra no IGFSS – secção de processos de ... e a mesma foi remetida, fisicamente, por correio, pela aqui Recorrente, para o Tribunal a quo, onde consta como doc. 4 o referido despacho de reversão datado de 2020/08/04, bem também a emissão do DUC de pagamento da taxa de justiça (7...051), e respetivo talão de pagamento datado de 08/11/2020.

F. Desse modo, face ao supra referido o direito da Executada/Oponente, exercer a sua defesa por Oposição já havia caducado, porém não foi tido em conta pelo Tribunal a quo, quando o devia, por se tartar de uma excepção peremptória, que é de conhecimento oficioso, logo, uma causa extintiva do direito invocado.

G. Nessa senda, deveria o Tribunal a quo, nos termos da al. a) do n.º 1 do art 209º CPPT, rejeitar liminarmente a oposição, pelo que andou mal (o Tribunal a quo) ao não julgar “procedente” a referida exceção, influenciando a decisão do caso sub judice, pelo que estamos perante uma nulidade processual que determina a anulação da sentença, o que desde já se invoca e requerer. (cfr. art. 576º, 1 e 3, 579.º, 615, n. 1 al. d) CPC).

H. Logo, a sentença colocada em crise incorreu no erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica, devendo julgar-se procedente a exceção de caducidade do direito de oposição judicial, conforme o supra exposto.

Caso assim não se entenda, e por mera de cautela,

I. Quanto às questões decidendas

Relativamente à questão A) Da ilegalidade/inexistência do imposto, taxa ou contribuição ou não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação, não merece qualquer reparo a douta fundamentação.

Todavia, no discorrer da douta sentença, certamente por lapso de escrita, o Tribunal a quo, enuncia a questão B) Da falta de verificação dos pressupostos de reversão; e olvida a referência ao ponto C) Da falta de fundamentação do despacho de reversão, na fundamentação da sentença

J. O Tribunal a quo refere que (sic):

“Para o efeito, deixou-se plasmado o seguinte (alínea B) do probatório) no despacho de reversão:

[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]

Do supra exposto resulta desde logo que não se vislumbram quais as diligências levadas a cabo pelo OEF que o levaram a concluir pela inexistência/insuficiência de bens da sociedade devedora originária, o que se impunha.”

K. O Tribunal a quo refere ainda que : “Acresce que o OEF fundamentou a reversão, no que respeita à gerência de facto, apenas numa alegada informação constante de base de dados da Segurança Social, e que da mesma verifica-se que é responsável subsidiário pelo pagamento da dívida, sendo certo que não resulta que base de dados da Segurança Social foi consultada e que permitiu à entidade exequente concluir pela gerência do aqui Oponente.”

L. Ora, face ao invocado na douta sentença, importa referir que a jurisprudência do nosso Tribunal Superior vem recorrentemente firmando o entendimento de que o ato administrativo tributário – despacho de reversão deve incluir, “além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação»

M. Assim, e porque «são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).», «a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).», não se «impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.». (negrito nosso)

N. Quanto aos pressupostos da responsabilidade subsidiária, expressos na decisão de reversão, estes estão indubitavelmente preenchidos, na medida em que dá a conhecer ao interessado os pressupostos e extensão da decisão de reverter, desde logo a sua qualidade de gerente no período da dívida, tipo de tributo e períodos em causa.

O. As características enunciadas são exigência da fundamentação formal do ato tributário, sendo distintas da chamada fundamentação substancial a qual deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico, assim conclui que a sentença recorrida que julgou não fundamentado o despacho de reversão, não se pode manter.

P. E se, hipoteticamente, o que desde já não se admite e só o faz por mera cautela de patrocínio, a Executada/Oponente considerasse, aquando do recebimento da citação, existir insuficiência de fundamentação, poderia, na defesa dos seus interesses, (sempre) requerer ao Órgão de Execução Fiscal, nos termos do art. 37.º do CPPT, notificação dos requisitos que (no seu entendimento) tivessem sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenham.

Q. No mais, o Oponente no seu petitório é claro ao afirmar que pretende “a nulidade do ato de reversão por falta de fundamentação”. Contudo o Tribunal a quo julga a oposição procedente, com fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão e consequentemente extingue o PEF n.º 16...359 contra a Oponente, logo, s.m.o, está-se perante uma nulidade nos termos da al. e) in fine do n.º 1 do art. 615 CPC ex vi 281.º CPPT.

R. Ora, analisando a sentença em crise com os fundamentos invocados pelo Tribunal a quo, a nosso ver, há uma incorrecta interpretação de facto e de direito das normas legais e da ratio legis que a fundamentam. Pois caso fosse corretamente efetuada, a decisão a proferir pelo tribunal a quo deveria ter sido de anulação daquele ato e consequente absolvição do oponente da instância executiva por falta de legitimidade processual e nunca a extinção da execução quanto ao oponente.

S. Face ao supra exposto no presente Recurso, a sentença colocada em crise incorreu no erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica, sendo de conceder provimento ao recurso, devendo julgar-se procedente a exceção de caducidade do direito de oposição judicial, por violação dos art. º 203.º, n.º 1, al. a), do art.º 138.º CPPT, 139.º, n.ºs 5 e 6, do CPC) ex vi at 2º e), do CPPT e art. 576º, 1 e 3, 579.º, 615, n. 1 al. d) CPC.

Caso assim não se entenda

T. A sentença que ora se coloca em crise ao julgar procedente a oposição com a consequente extinção do PEF n.º 16...359 e apensos, padece de erro de julgamento, por errada valoração da prova e por erro no enquadramento jurídico, de aplicação do art. 204.º, n.º 1, al. b)CPPT, 18.º, 22.º 1 e 2 e 23.º, 24.º, n.º 1, 77.º da LGT e art 159.º e 160.º CPPT, não existindo falta de verificação dos pressupostos de reversão nem falta de fundamentação do despacho de reversão, que deve o presente recurso ser julgada totalmente procedente por provado, e consequentemente ser anulada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, com as devidas e legais consequências, nos termos supra expostos.

PEDIDO

Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Ex.ª doutamente suprirá, deverá o presente recurso ser julgado procedente, fazendo assim V.Exas. a HABITUAL E ACOSTUMADA JUSTIÇA!!!!!»

1.2. A Recorrida (AA), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 210 SITAF, com o seguinte teor:
«Face à documentação constante dos autos, entendemos assistir razão ao recorrente IGFSS, que o direito de oposição da revertida já tinha caducado à data da apresentação da oposição.
Tal caducidade deveria ter sido reconhecida e declarada.
Desta forma entendemos que o recurso deve proceder.»

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:
Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao não ter declarado a caducidade do direito à acção;
Subsidiariamente, se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por errada valoração da prova e por erro no enquadramento jurídico, de aplicação do art. 204.º, n.º 1, al. b) do CPPT, 18.º, 22.º 1 e 2 e 23.º, 24.º, n.º 1, 77.º da LGT e art 159.º e 160.º CPPT, não existindo falta de verificação dos pressupostos de reversão nem falta de fundamentação do despacho de reversão.

1.5. Questão prévia - Da admissibilidade da junção de documento em sede recursória
In casu, o Recorrente acompanha o recurso de dois documentos, que correspondem a cópias da 2ª via da Citação por reversão, respectiva cópia do A/R e cópia das informações prestadas ao abrigo do artigo 208º do CPPT (as quais já constam dos autos, pelo que aferição de admissibilidade dos mesmos cingir-se-á ao doc. n.º 1), aludindo aos mesmos nas suas alegações e conclusões sem que requeira a sua junção e fundamente o tardio da mesma.
Este tribunal ad quem, subentende que a apresentação dos mesmos ocorra em função da decisão proferida em 1ª instância e da omissão apontada à mesma quanto a questão suscitada em sede de informações oficiais prestadas sobre a intempestividade da acção.
Vejamos.
Determina o artigo 651.º, n.º 1, do CPC que “[a]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Por sua vez, dispõe-se na norma remetida – o artigo 425.º do CPC – que “[d]epois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Da leitura articulada destas normas decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.
Relativamente à primeira hipótese, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou – acrescentar-se-ia – ao seu acesso posterior pelo sujeito. Explica Rui Pinto (Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra, Almedina, 2018, p. 314.) que “[a] superveniência objectiva é facilmente determinável: se o documento foi produzido depois do encerramento da discussão em 1.ª instância, ele é necessariamente superveniente. Portanto, só a superveniência subjectiva pode justificar a admissibilidade da junção”, dos quais constituem exemplos, o documento que se encontra em poder da parte ou de terceiro, que, apesar de lhe ser feita a notificação, nos termos do artigo 429.º ou 432.º do CPC só posteriormente o disponibiliza, o caso em que a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente é emitida e o caso de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento (neste sentido cfr. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º - Artigos 362.º a 626.º, Coimbra, Almedina, 2018 (3.ª edição), p. 243).
Em qualquer caso cabe à parte que pretende oferecer o documento demonstrar a referida superveniência, objectiva ou subjectiva.
Mas, não é este seguramente o caso dos autos, pois que o Recorrente nada referiu ou demonstrou, sendo ainda manifesto pelo teor do doc. 1 que o mesmo estava na posse do Recorrente pelo menos na data da apresentação da oposição.
Quanto a junção por necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância, a que alude o n.º 1 do artigo 651º do CPC, 2ª parte, estão relacionados com a novidade ou a imprevisibilidade da decisão, com a eventualidade de a decisão ser “de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo” (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), p. 242).
Sobre esta hipótese alertam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, comentando a norma do artigo 651.º, n.º 1, do CPC, in Código de processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de declaração – Artigos 1º a 702º, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 786, que “a jurisprudência tem entendido que a junção de documentos às alegações de recurso, de um documento potencialmente útil á causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”. E prosseguindo: “no que tange à parte final do n.º 1, tem-se entendido que a junção de documentos às alegações só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam”.
Em suma, não é admissível a junção de documentos quando tal junção se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas. É, justamente, este o caso da necessidade de comprovação da data em que ocorreu a citação por reversão, para efeitos do conhecimento da tempestividade da apresentação da oposição.
Como decorre dos autos, se bem que o Recorrente não tenha contestado a oposição, certo é que no teor das informações prestadas ao abrigo do artigo 208º do CPPT, havia aquela mencionado expressamente que a oposição era intempestiva, indicando a data da citação e data da apresentação da acção.
Sabia, portanto, o Recorrente, desde do momento em que afirmou que a oposição seria intempestiva, que a apreciação da caducidade da acção, aliás de conhecimento oficioso, seria objecto de decisão, o não ter sido é que de todo supressa. Não se compreendendo como pode pretender a sua junção nesta sede de recurso.
Neste sentido o acórdão do TCA – Sul, proferido em 21.05.2020, no processo 997/07.0BESNT, onde se refere que “Os casos em que a junção de documentos se torna necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instancia são apenas aqueles em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ter sido proferida”.
Por outras palavras e sinteticamente: o documento n.º 1 relaciona-se com factos que já antes da decisão da 1.ª instância o Recorrente tinha consciência de que estavam sujeitos a prova, mais se diga que deveriam constar dos elementos que acompanharam a remessa do processo ao Tribunal de 1ª instância, pelo que não pode agora pretender por via da omissão da pronúncia, por isso pela não decisão sobre o assunto, fomentar a sua junção.
Termos em que se impõe concluir não ser de admitir a junção aos autos do referido documento.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Com relevo para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Em data não concretamente apurada foi instaurado pelo IGFSS, IP o PEF n.º 16...359, contra a sociedade C..., Lda. para cobrança de dívidas referentes a contribuições e cotizações dos períodos de 2014/04 a 2107/07, perfazendo a dívida exequenda o montante de € 13.244,40 (cfr. documento nº4 junto à PI e página 3 da informação junta a fls.24/29 do SITAF e cujo teor se dá por reproduzido);

B) Em 04-08-2020 foi proferido pelo OEF documento designado “DESPACHO – REVERSÃO”, com o seguinte teor (cfr. documento nº4 junto à PI):



[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]

C) O documento referido supra foi recepcionado pelo(a) Oponente (facto não controvertido);

D) Dá-se por reproduzido o documento nº1 junto à PI.

*
Inexistem outros factos, provados ou não provados, com interesse para a decisão a proferir.
*
Motivação

A decisão da matéria de facto dada como provada efectuou-se com base no exame dos documentos que constam dos autos e na posição das partes relativamente aos factos alegados e não impugnados, consoante se anota em cada alínea do probatório,
Foi análise de toda a prova assim enunciada que, em conjugação com as regras da experiência comum, sedimentou a convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados – cfr. arts. 74.º e 76.º, n.º 1, ambos da LGT e art. 342.º e ss do CC.»

2.2. De direito
Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, foi julgada totalmente procedente a oposição à execução fiscal deduzida por AA (Recorrida), na qual é devedora originária “C..., Lda.”, por dívidas resultantes de contribuições e cotizações relativas ao período de abril de 2014 a julho de 2017, dívida exequenda no valor de € 13.244,40.

Inconformado o Recorrente (Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP – secção de processos de ...) alude nas suas conclusões que “Conforme informação do art 208º do CPPT remetida pelo Órgão de Execução Fiscal ao Tribunal a quo, há referência à intempestividade da Oposição, face à data da citação da oponente, a saber 09/09/2020, e a data da apresentação da Oposição, via correio, em 09/11/2020. (doc. 2)” sendo que “O requerimento de Oposição, deu entra no IGFSS – secção de processos de ... e a mesma foi remetida, fisicamente, por correio, pela aqui Recorrente, para o Tribunal a quo, onde consta como doc. 4 o referido despacho de reversão datado de 2020/08/04, bem também a emissão do DUC de pagamento da taxa de justiça (702880074574051), e respetivo talão de pagamento datado de 08/11/2020.”, ou seja, “… desse modo, face ao supra referido o direito da Executada/Oponente, exercer a sua defesa por Oposição já havia caducado, porém não foi tido em conta pelo Tribunal a quo, quando o devia, por se tratar de uma excepção peremptória, que é de conhecimento oficioso, logo, uma causa extintiva do direito invocado.”, pelo que “… deveria o Tribunal a quo, nos termos da al. a) do n.º 1 do art 209º CPPT, rejeitar liminarmente a oposição, pelo que andou mal (o Tribunal a quo) ao não julgar “procedente” a referida exceção, influenciando a decisão do caso sub judice, pelo que estamos perante uma nulidade processual que determina a anulação da sentença, o que desde já se invoca e requerer. (cfr. art. 576º, 1 e 3, 579.º, 615, n. 1 al. d) CPC).”.

Analisemos, pois, se a decisão recorrida sofre de tal nulidade.
Nos termos do preceituado no artº.615, nº.1, al. d), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608º, nº. 2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).
Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125º, nº. 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), no penúltimo segmento da norma (cf. Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac. STA de 24/02/2011, rec.50/11; ac. TCA Sul de 01/3/2011, proc.2442/08; ac. TCA Sul de 14/11/2013, proc.7029/13).
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cf. Prof. Alberto dos Reis, C.P. Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cf. artigos 596º, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do CPC, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cf. artigo 123º, nº.2, do CPPT).
Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cf. artigo 608º, nº. 2, do CPC), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cf. artigos 577º e 578º, do CPC), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artigo 133º, nº.2, do Código de Procedimento Administrativo (cf. ac. STA de 28/05/2003, rec.1757/02; ac. TCA Sul de 25/08/2008, proc.2569/08; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).

Revertendo ao caso dos autos, defende o Recorrente que a decisão omitiu o conhecimento da questão referente à caducidade do direito de acção a deduzir oposição, que a Oponente/recorrida apresentou, a qual constava do teor das informações emitidas ao abrigo do artigo 208º do CPPT e que acompanharam o processo aquando da sua remessa ao Tribunal, questão essa do conhecimento oficioso e configura uma excepção que a ser procedente obstaria ao conhecimento do mérito da acção.
Adianta-se, desde já, que assiste razão ao Recorrente (IGFSS, IP), isto independentemente de considerarmos que o Recorrente, apesar de não ter suscitado a questão em sede de contestação, porque não usou de tal direito, a sua menção nas informações do artigo 208º do CPPT possa ser equiparada à situação em que a questão é suscitada por uma das partes, não podemos esquecer que estamos perante uma questão de conhecimento oficioso, resolução prévia às demais.
Por isso, julgando-se nesta parte procedente o recurso, incorreu a sentença em erro de julgamento ao considerar a “instância válida e regular”, razão pela qual se determina a sua revogação, a qual abrange toda a decisão recorrida e contende com a totalidade do seu segmento decisório.
Pelo exposto, cumpre julgar procedente o recurso sob apreciação e, em consequência, revogar a sentença recorrida, atento o erro de julgamento que vimos apreciando.

2.2.1. Do conhecimento em substituição
Determinada a revogação da sentença recorrida, há que fazer apelo ao artigo 665º do CPC, uma vez que aquela não tem como efeito incontornável a remessa imediata do processo ao Tribunal a quo, devendo o TCA proceder à apreciação do objecto do recurso se dispuser dos elementos necessários para tal.
A competência conferida à 2ª Instância para reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar, em via de substituição, o julgado em 1ª Instância, apenas é possível se do processo constarem todos os elementos de prova.
Resulta de todo o exposto, nomeadamente em sede de questão prévia, que dos autos não constam os elementos que permitam aferir da caducidade da acção, nomeadamente da data em que ocorreu a citação da Oponente.
Daí que os autos devam baixar à instância, para que o Mm. Juiz, após a realização das diligências probatórias que tiver por conveniente, conheça da questão cuja apreciação omitiu.

2.3. Conclusões
I. Nos termos do preceituado no artº.615, nº.1, al. d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento.

II. A nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

III. A caducidade do direito à acção configura uma excepção de resolução prévia às demais, e de conhecimento oficioso, a omissão da sua concreta apreciação configura erro de julgamento.

IV. A revogação da sentença não obsta a que o Tribunal de recurso conheça em substituição do objecto dos autos, mas esse conhecimento só lhe é permitido no caso de os mesmos fornecerem todos os elementos para o efeito.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, devendo os autos baixar à 1ª instância para que Mm. Juiz conheça da alegada caducidade.
Custas pela Recorrida (a qual não paga taxa de justiça, porque não contra-alegou).

Porto, 20 de outubro de 2022
Irene Isabel das Neves
Paula Moura Teixeira
Margarida Reis