Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00242/08.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:HERDEIROS
LEGITIMIDADE
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Sumário:1.Têm legitimidade passiva para a execução fiscal os devedores originários dos tributos e as demais pessoas referidas no artigo 148º do CPPT e seus sucessores (artigo 153º, nº 1 do CPPT).
2. A citação prevista no artigo 155º, nºs 3, alínea b) e 4, do CPPT destina-se apenas a chamar à execução fiscal a herança, com vista a assegurar a legitimidade passiva após a morte do devedor originário, podendo ser efectuada na pessoa do cabeça - de - casal ou de qualquer herdeiro, consoante esteja já a correr ou não inventário (se não estiver a correr inventário, esta citação pode fazer-se em qualquer dos herdeiros).
3. Os herdeiros chamados à execução apenas respondem pelos encargos da herança até ao limite das forças desta, como decorre da norma do artigo 2071º do Código Civil.
4. A oposição à execução fiscal não é o meio processual adequado para discutir a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, quando a lei assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M... e outros
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

M... e outros, com os demais sinais dos autos, interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga na parte em que julgou improcedente a oposição à execução fiscal nº 0361200701044729 e apensos, originariamente instaurada contra H..., falecido na pendência da acção e que corre termos no Serviço de Finanças de Braga 1, por dívidas de IVA (ano de 2005), IRS (anos de 2003 e 2004) e coimas fiscais.

Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

1ª. Os argumentos invocados pelos Recorrentes em II B) e C) da p.i - rejeitados por fundamento de direito, apenas - só podem ser apreciados se a factualidade ali alegada for objecto de decisão em sede de prova.

2ª. Os factos alegados nos artigos 28 a 53, 55 a 58 e 62 a 68 da p.i. não foram impugnados e resultam de documentos igualmente não impugnados.

3ª. Ao abrigo do disposto no artigo 662º do NCPC, aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, devem aqueles factos da p.i ser aditados ao elenco dos factos provados.

4ª. O incidente de habilitação de herdeiros está incompleto, pois apenas consta do processo a informação do óbito do Executado e o nome dos sues herdeiros.

5ª. Não consta do incidente de habilitação de herdeiros a informação da existência ou não de partilhas, bem como da existência ou não de inventário.

6ª. A douta sentença recorrida violou os artigos 168º e 155º do CPPT quanto a esta questão.

7ª. O Executado originário não deixou quaisquer bens, o que implica que os Recorrentes não tenham de responder pelo pagamento da dívida exequenda, em face do que determina o artigo 2071º do CCiv.

8ª. A verificação desta circunstância obsta a que os Recorrente possam ser responsabilizados pela dívida dos autos, e a mesma pode ser objecto de um juízo jurisdicional e não apenas administrativo.

9ª. A herança não tem meios para liquidar as dívidas em causa, e esta circunstância implica que os Recorrentes não possam ser responsabilizados pelo seu pagamento, o que determina a extinção da execução fiscal.

10ª. Este argumento insere-se na alínea b) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, por traduzir a ilegitimidade dos Recorrentes na medida em que não são responsáveis pela dívida, ou, subsidiariamente, a situação em questão também pode integrar a previsão do artigo 204º/nº 1 i) do CPPT.

11ª. Ao não conhecer deste argumento violou a doura sentença recorrida o artigo 204º/nº 1 b) e i) do CPPT.

12ª. A alínea h) do nº 1 do artigo 204º do CPPT permite a discussão da legalidade da dívida - no caso, de IVA - quando a lei não assegura outro meio de impugnação.

13ª. Quer os Executados, quer o falecido nunca foram notificados da liquidação nem que a podiam impugnar.

14ª. Da citação (cfr. doc. nº 2 da p.i) decorre que os Recorrentes apenas foram informados do seu direito de deduzir oposição, e nunca de apresentar impugnação judicial.

15ª. Só em sede de oposição é que os Recorrentes podem ver apreciada a legalidade da dívida de IVA, pelo que ao rejeitar este argumento violou a sentença recorrida o disposto no artigo 204º/nº 1 h) do CPPT.

16ª. Subsidiariamente, caso se entenda que o que ocorreu foi a omissão de uma formalidade quanto aos Recorrentes (notificação par impugnarem ou apresentarem reclamação graciosa, além da oposição), tal constituirá igualmente fundamento de oposição, a enquadrar na alínea i) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, que também não foi respeitado pela sentença recorrida.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida na parte em crise declarando-se a extinção da execução fiscal, ou, se os autos não contiverem todos os elementos necessários a este juízo, seja ordenada a sua remessa à primeira instância, prosseguindo-se os posteriores termos processuais, assim se fazendo JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir, já que a tal nada obsta.

Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelos Recorrentes e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões são as seguintes: (i) saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto; (ii) questão da incompletude do incidente de habilitação de herdeiros; (iii) questão da responsabilidade dos herdeiros em virtude da falta de bens da herança; (iv) saber se a sentença recorrida errou ao não conhecer da questão da ilegalidade da dívida de IVA.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

2.1.1. O tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria de facto:

Factos provados:

1) Foram instaurados pelo Serviço de Finanças de Braga 1 o processo de execução fiscal (PEF) n.º 0361200701044729, por dívidas de IVA do ano de 2005, n.º 0361200701060848, por dívidas de IRS de 2003 e 2004 - cfr. fls. 10 e 11, 12 a 14 do PEF junto aos autos.

2) Do Registo Central de Contribuintes junta ao PEF, a fls. 3 do mesmo, consta que são herdeiros de H...: M..., C…, Cl…, P… e D….

3) No âmbito dos processos descritos em 1) foi proferida em 18.12.2007 a seguinte informação: “(…) TERMO DE JUNTADA

Ao dezoito de Dezembro de 2007, juntei a estes autos documentos extraídos do sistema informático que comprovam o falecimento do executado. (…)

Para os devidos efeitos, cumpre-me informar V. Ex.a do seguinte:

1. Em 18.12.2007 na sequência da tentativa de citação verificaram, estes Serviços, que o executado faleceu em 12.01.2005

2. Consultado o cadastro da DGCI foi possível confirmar o óbito e, consequentemente os herdeiros, a saber:

M..., 1… – viúva e cabeça de casal;

C…, 1…– filha maior;

Cl…, 1…– filha maior;

P…, 2…– filho maior;

D… - 2…– filha maior.

(…)” – cfr. fls. 4 do PEF junto aos autos.

4) Sob a informação descrita em 3) recaiu despacho do Serviço de Finanças de Braga 1 nos seguintes termos: “ (…) Em face da informação supra proceda-se conforme o determinado no n.º 4 do artigo 155º do CPPT conjugado com a alínea b) do n.º 3 do mesmo (…)” – cfr. fls. 4 do PEF junto aos autos.

5) O aqui Oponente P… foi citado pessoalmente em 18.12.2007 no âmbito dos processos de PEF descritos em 1) - cfr. fls. 1 do PEF junto aos autos.


**

Factos não provados

Não se mostram provados quaisquer outros factos invocados relevantes para a decisão dos presentes autos.

2.2. O direito

2.2.1. Do alegado erro de julgamento sobre a matéria de facto

Nas conclusões 1ª a 3ª das alegações do recurso vem impugnado pelos Recorrentes o julgamento sobre a matéria de facto.

Pretendem os Recorrentes que o tribunal deveria ter dado como provada a factualidade alegada nos artigos 28 a 53 da petição inicial, por a mesma se mostrar documentalmente demonstrada nos autos.

Como diz o EPGA, no seu douto parecer, o tribunal a quo limitou-se a levar à decisão sobre a matéria de facto a factualidade imprescindível à tomada de uma criteriosa decisão sobre a única questão controvertida, como, de resto, resulta do artigo 608º, nos 1 e 2 do CPC. Entendendo o tribunal recorrido que a alegada falta de bens da herança não constitui fundamento de oposição enquadrável no artigo 204º, nº 1, alínea b) e i) do CPPT, não tinha de fixar (como não fixou) no probatório a materialidade alegada na petição inicial.

Afigura-se-nos que o tribunal recorrido não incorreu em erro de julgamento ao não relevar essa factualidade no probatório. Na verdade, mesmo admitindo que a falta de bens da herança possa constituir fundamento de oposição, nos referidos artigos 18 a 53, 55 a 58 e 62 a 68 da petição inicial, os Oponentes limitam-se a alegar o recebimento de várias quantias pela herança indivisa (no âmbito de processos judiciais decorrentes do exercício de funções de gestor judicial pelo executado originário) e uma série de encargos desta (incluindo despesas de funeral e encargos judiciais), em cujo pagamento teriam sido alegadamente afectos aqueles montantes recebidos e a juntar uma certidão emitida pela administração tributária a declarar que por óbito do executado não existe qualquer processo respeitante ao imposto de selo devido nas transmissões gratuitas.

Parece-nos evidente que esta factualidade (alegada) e respectivos elementos probatórios não demonstra a inexistência de bens da herança para liquidar a dívida exequenda (não podendo o tribunal, apenas com base nestes elementos, dar por assente que não existam outros activos/passivos da herança, além dos que aí são referidos), sendo certo que é processualmente inviável proceder à liquidação da herança e apreciar no processo de execução fiscal a questão da eventual insolvência desta, uma vez que a lei prevê um meio próprio para o efeito: o processo de inventário.

Por conseguinte, não sendo a factualidade alegada pelos Oponentes relevante para a decisão da causa, entendemos não revestir qualquer interesse o seu aditamento ao probatório.

2.2.2 Os Recorrentes sustentam nas alegações e respectivas conclusões de recurso que o incidente de habilitação de herdeiros está incompleto, por dele apenas constar a informação de óbito do executado e os nomes dos herdeiros e não constar a informação da existência ou não de partilhas, bem como a existência ou não de inventário, ocorrendo assim violação dos artigos 168º e 155º do CPPT.

Lida a petição inicial, constata-se, no entanto, que a questão que aí foi colocada, e que foi a apreciada na sentença recorrida, foi a omissão (e não a incompletude) do incidente de habilitação de herdeiros.

Na verdade, na petição inicial vem indicado como um dos fundamentos da oposição a “ilegalidade decorrente da omissão do incidente de habilitação de herdeiros” e alegado, nomeadamente, que: “não consta do processo qualquer informação acerca do óbito do executado, nem as demais informações relativas à identificação dos herdeiros, à existência ou não de partilhas, à existência ou não de inventário” (artigo 17º) e “verifica-se, assim, a omissão de uma formalidade legal, no caso a do incidente de habilitação de herdeiros, previsto nos artigos 168º e 155º/nº 3 do CPPT” (artigo 19º).

E, a esse propósito, escreveu-se na sentença recorrida: “No âmbito do processo de execução fiscal são admitidos os incidentes da instância elencados no artigo 166º do CPPT, designadamente e para o que aqui interessa, a habilitação de herdeiros.

Nessa senda prevê o artigo 168º do CPPT o incidente de habilitação de herdeiros, estatuindo que ”No caso de falecimento do executado, será informado no processo quem são os herdeiros, nos termos do n.º 3 do artigo 155.º”.

A par, determina o n.º 3 do artigo 155º do mesmo Diploma que “Para efeito dos números anteriores, quando quem realizar a citação verificar que o executado faleceu, prestará informação em que declare: a) No caso de ter havido partilhas, os herdeiros e as suas quotas hereditárias; b) Não tendo havido partilhas, os herdeiros, caso sejam conhecidos, e se está pendente inventário.”

Com efeito e parafraseando Jorge Lopes de Sousa (in CPPT anotado e comentado, 6ª edição, 2011, pag. 203) “O incidente de habilitação de herdeiros, em processo de execução fiscal, segue a tramitação sumária prevista n.º 3 do art. 155.º, consubstanciando-se numa simples informação a prestar pela pessoa encarregada de efectuar a citação, quando averiguar, ao efectuar a citação, que o citando faleceu”.

Retornando ao caso dos autos e como nos informa o probatório, pontos 2) e 3), o Serviço de Finanças de Braga 1, na sequência de tentativa de citação de H..., proferiu informação dando conta do falecimento do executado, assim como a identificação dos herdeiros, juntando para o efeito print do Registo Central de Contribuintes.

Por conseguinte, a formalidade exigida no âmbito do processo executivo, que aqui já foi feita referência, mostra-se cumprida, improcedendo o que vem alegado.”

Como se verifica, a sentença recorrida conheceu (e bem) da questão tal como foi colocada pelos recorrentes na petição inicial: da omissão do incidente de habilitação de herdeiros. E concluiu pela sua improcedência, por ter tido lugar a habilitação dos herdeiros em causa.

A questão que os Recorrentes agora colocam, em sede recurso, já não é a da omissão do incidente de habilitação mas a de saber se este está ou não completo, por alegadamente não constar do processo qualquer informação sobre a existência ou não de partilhas, bem como a existência ou não de inventário.

Ora, essa questão só agora foi suscitada porquanto, na petição inicial, os Oponentes/Recorrentes se limitaram a invocar a omissão do incidente de habilitação de herdeiros e não que este estava incompleto.

Assim, a questão que os Recorrentes agora pretendem ver apreciada constitui, em bom rigor, uma questão nova, uma vez que não foi submetida à apreciação do Tribunal a quo, pelo que este tribunal de recurso não pode dela conhecer.

Na verdade, como se extrai da norma do artigo 627º, nº 1 do CPC, os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais e como tal, o tribunal de recurso está impedido de apreciar questões novas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida sob pena de se produzirem decisões em primeiro grau de jurisdição sobre matérias não conhecidas pelas decisões recorridas - assim, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume II, 2007, pág. 786.

Em todo o caso, sempre se diga que os Recorrentes não têm qualquer razão ao dizerem que no processo não constava a informação da existência ou não de partilhas.Com efeito, aos autos de execução fiscal foi junto o documento relativo ao registo central de inscrição de contribuinte da herança indivisa por óbito de H..., com indicação do cabeça de casal e a identificação dos respectivos herdeiros e no qual foi declarado estar a herança indivisa (cf. fls. 4) e ordenado o cumprimento do disposto no artigo 155º, nº 3, alínea b) e 4 do CPPT; o que está, aliás, em consonância com as alegações dos Recorrentes, sendo eles próprios a afirmar não ter sido feita partilha.

Improcede, por isso, este fundamento do recurso.

2.2.3. Nas conclusões 7ª a 11ª das alegações de recurso, os Recorrentes sustentam não poderem ser responsabilizados pelo pagamento da dívida exequenda, por a herança não ter meios para a sua liquidação.

Os Recorrentes alegam, no essencial, que não são responsáveis pelo pagamento das dívidas exequendas, porquanto o executado originário não deixou quaisquer bens e, consequentemente, a herança não tem meios para liquidar as dívidas em causa (cf. artigo 2071º do CC).

Vejamos.

As execuções fiscais contra as quais foi deduzida oposição foram instauradas originariamente contra H..., por dívidas respeitantes a IVA, IRS e coimas fiscais.

Entretanto, verificado o falecimento do executado originário (a pessoa que figura no título executivo), a execução foi dirigida contra os seus sucessores, na qualidade de herdeiros daquele, abrangendo a totalidade da dívida, sendo que a responsabilidade destes fica limitada ao que tenham recebido do devedor originário (artigo 2071º do CC).

De acordo com a norma do artigo 153º, nº 1 do CPPT, têm legitimidade passiva para a execução fiscal os devedores originários dos tributos e as demais pessoas referidas no artigo 148º e seus sucessores.

Ademais, dispõe também o artigo 2068º do Código Civil que a herança responde, nomeadamente “pelo pagamento das dívidas do falecido”.

Por conseguinte, se quem efectuar a citação do devedor originário constatar que ele faleceu, prestará informação, (i) indicando se a partilha se efectuou ou não e quem são os herdeiros; (ii) indicando, no caso de a partilha já ter sido efectuada, as quotas hereditárias dos herdeiros; e (iii) indicando, caso a partilha ainda não tenha ocorrido, se está pendente inventário (artigo 155º, nº 3 do CPPT).

Assim, nos termos do artigo 155º, nº 3 e 4 do CPPT, importará distinguir consoante tenha ou não havido partilhas dos bens deixados pelo responsável falecido. No caso de a partilha já ter sido efectuada, será mandado citar cada um dos herdeiros para pagar o que proporcionalmente lhe competir na dívida exequenda; caso ainda não tenha havido partilhas, citar-se-á, respectivamente, consoante esteja ou não a correr inventário, o cabeça - de - casal ou qualquer dos herdeiros para pagar toda a dívida.

Portanto, se não estiver a correr inventário, esta citação pode fazer-se em qualquer dos herdeiros.

No caso, considerando que não houve partilhas nem estava a correr inventário, foi citado um dos herdeiros (P…) nos termos previstos no artigo 155º, nº 3 e 4 do CPPT, para pagar toda a dívida.

No entanto, tenha havido ou não partilha e seja o herdeiro citado para pagar proporcionalmente ou a totalidade da dívida, o sucessor não fica na mesma situação do de cujus, porquanto, em qualquer caso, os herdeiros chamados à execução apenas respondem pelos encargos da herança até ao limite das forças desta, como decorre da norma do artigo 2071º do Código Civil - neste sentido, acórdão do STA de 30/9/2009, Processo 0329/09.

Por conseguinte, a legitimidade processual para a execução dos sucessores mortis causa do executado falecido depende apenas dessa qualidade e não de a herança dispor ou não de bens. Ou seja, mesmo que a herança não disponha de qualquer activo, isso não implica a ilegitimidade dos Oponentes.

É certo que se não vierem a ser encontrados bens da herança, a satisfação dos respectivos encargos torna-se inviável, mas isso nada tem que ver com a questão da legitimidade processual dos herdeiros para a execução.

Acresce que nos termos do artigo 204º, nº1, alínea b) do CPPT, só constitui fundamento da oposição à execução a ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida, sendo que, no caso, não se verifica nenhuma daquelas hipóteses.

De resto, os Oponentes não foram chamados à execução como responsáveis pela dívida exequenda, mas antes na sua qualidade de herdeiros do executado.

Por outro lado, como supra referimos, resulta processualmente inviável apreciar em processo de execução fiscal a questão da insolvência da herança, uma vez que a lei prevê um meio próprio para o efeito: o processo de inventário.

É certo que se fosse feita no processo a prova de que não há bens da herança penhoráveis, o prosseguimento da instância poderia revelar-se inútil (e o tribunal deve obstar a prática de actos inúteis no processo - artigo 130º do CPC). Mas não é esse o caso dos autos, já que os Oponentes também não lograram demonstrar que a herança não tinha meios para liquidar as dívidas em causa. Na verdade, os Oponentes na petição inicial concentraram-se, sobretudo, em alegar e juntar elementos probatórios quanto ao passivo da herança. Mas da circunstância de a herança ter passivo não decorre, necessariamente, a ausência de activo e, por outro lado, os elementos probatórios juntos aos autos não são suficientes para se poder concluir, com segurança e em termos definitivos, que a herança não tem quaisquer bens, como vem alegado pelos Oponentes.

Também por aqui, e não tendo os Oponentes feito a prova de que a herança não tem bens (activo), nunca poderia proceder a sua pretensão quanto à extinção da execução fiscal.

Se não existirem e não vierem a ser encontrados bens da herança, tornar-se-á inviável a satisfação dos respectivos encargos, como já supra referimos. As dívidas do autor da herança transmitem-se aos seus sucessores mas com os limites supra referidos, ou seja, estes não respondem para além das forças da herança.

Deste modo, sempre seria de concluir que os Oponentes são partes legítimas para a execução fiscal.

Nas conclusões 12ª a 16ª das alegações, sustentam os Recorrentes que a sentença recorrida errou ao entender que o processo de oposição não era o meio próprio para discutir a legalidade da dívida exequenda.

Na sentença recorrida ficou, a este propósito, exarado o seguinte: “Patrocinam os Oponentes a ilegalidade da dívida exequenda, apresentando como tal fundamentos nesse sentido.

In casu, consubstanciando o vício apontado erro na forma do processo, que a proceder, obsta ao conhecimento do mérito da causa, (cfr. artigo 193º, n.º 1, 278 n.º 1, alínea b), 576º n.º 2, e 577º, alínea b), todos do CPC) dela vamos conhecer em primeiro lugar, conforme artigo 608º n.º 1 do CPC, ex vi artigo 2º alínea e) do CPPT.

Assim, a primeira questão que ao tribunal cumpre decidir é a de saber se a pretensão dos Oponentes encontra previsão nos fundamentos previstos no artigo 204º do CPPT, tendo em conta que a lista dos fundamentos elencados neste normativo é taxativa.

Prevê a alínea h) do artigo 204º do CPPT como fundamento da oposição, a “Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação”.

No entanto e conforme Jurisprudência assente, nomeadamente o decidido pelo STA em Aresto de 7.07.2010, rec. n.º 0366/10 “A ilegalidade em concreto da liquidação da dívida exequenda apenas constitui fundamento de oposição à execução fiscal quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação”.

Com efeito, saber se o originário executado exerceu actividade ou não durante todo o ano de 2005, cai fora do âmbito de compreensão e de discussão do processo de oposição à execução fiscal, tendo os Oponente ao seu dispor outro meio que não a Oposição Judicial para atacar os vícios que entendiam padecer a liquidação.

Com efeito, o pedido de extinção da execução, assente na alegada inexistência de facto tributário, constitui pedido e causa de pedir próprios da impugnação judicial, onde se visa a anulação das liquidações, pelo que pretendendo os Oponentes tal desiderato, usaram estes de meio impróprio – neste sentido vide Acórdão do TCA Norte de 3.11.2011, rec. 00420/11.5BEBRG.”

Insurgem-se os Recorrentes contra o assim decidido, argumentando que a alínea h) do nº 1 do artigo 204º do CPPT permite a discussão da legalidade da dívida quando a lei não assegure meio de impugnação e nem os Executados, nem o falecido foram notificados da liquidação, nem que a podiam impugnar, pelo que só em processo de oposição é que podem ver apreciada a legalidade da dívida e, sem prescindir, caso se entenda que o que ocorreu foi a omissão de uma formalidade quanto aos Recorrentes (notificação para impugnarem ou apresentarem reclamação graciosa), tal constituirá fundamento de oposição a enquadrar na alínea i) do nº 1 do artigo 204º do CPPT.

Com o devido respeito, não têm qualquer razão neste ponto.

Como bem se disse na sentença recorrida, o Executado tinha ao seu dispor outro meio, que não a Oposição Judicial, para atacar os vícios que entendia padecer a liquidação. Com efeito, a lei prevê, neste caso, a impugnação judicial como meio próprio para atacar a ilegalidade da liquidação (artigo 97º, nº 1 do CPPT).

A agora alegada falta de notificação da liquidação ao devedor originário, a ter ocorrido, implicaria a inexigibilidade da dívida, o que constitui fundamento de oposição enquadrável no artigo 204º, nº 1, alínea i) do CPPT. Sucede que essa questão não foi alegada na petição inicial e, como tal, dela não conheceu o tribunal recorrido. Tratando-se de uma questão nova e não sendo do conhecimento oficioso, está este tribunal de recurso impedido de a apreciar.

Por outro lado, os Oponentes sucederam ao executado, assumindo a posição processual que ele tinha no processo, pelo que não tinham que ser notificados (de novo) para reclamarem ou impugnarem a dívida exequenda. Se a dívida está em cobrança coerciva é, porque, em princípio, já decorreu o prazo para o pagamento voluntário da mesma, o que pressupõe a notificação ao respectivo devedor para o efeito.

Outrossim, a omissão na citação dos Oponentes de indicação para impugnarem ou reclamarem constitui questão nova, já que não foi invocada antes e também o tribunal recorrido não se pronunciou sobre a mesma. De todo o modo, sempre se diga que ainda que a citação para a execução feita aos Recorrentes tivesse (e não tinha) de conter a notificação para impugnarem ou reclamarem a liquidação da dívida exequenda (como eles pretendem), tal constituiria uma eventual irregularidade da citação para a execução, que não constitui qualquer fundamento de oposição à execução (cf. artigo 204º, nº1 do CPPT), antes devendo ser invocada na própria execução fiscal, através de requerimento próprio junto do órgão de execução fiscal, como é jurisprudência pacífica e reiterada.

Assim, e pelos motivos consignados na sentença recorrida, bem andou a Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ao não apreciar a questão da ilegalidade da liquidação da dívida exequenda no âmbito do presente processo.

Pelo que vimos de dizer é de concluir pela improcedência do presente recurso, sendo, por isso, de manter a sentença recorrida.

3. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Porto, 12 de Fevereiro de 2015

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Ana Patrocínio

Ass. Ana Paula Santos