Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00435/21.5BEPRT-S1
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/12/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:DESPACHO INTERLOCUTÓRIO;
CONDENAÇÃO EM MULTA; PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO;
RECURSO EM SEPARADO;
Sumário:
Sempre que alguma parte alegue, justificadamente, dificuldade séria em obter uma informação, designadamente por estar na posse de terceiro que não a fornece, que condicione o cumprimento de um dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo, ao invés de condenar a parte em multa, por violação do dever de cooperação – cfr. artigo 7.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. – Secção de Processo Executivo ... II, pessoa colectiva n.º ..., cuja Secção de Processo Executivo ... se localiza na Rua ..., interpôs, em separado, recurso jurisdicional do despacho interlocutório proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 30/01/2023, que condenou este instituto público em multa processual de 2 UC’s, por violação do dever de cooperação, no âmbito da oposição judicial n.º 435/21.5BEPRT.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“A. Incide o presente recurso sobre o despacho de 30/01/2023, a fls 131 do PE – objeto do presente recurso - por o tribunal a quo ter considerado que este OEF “se recusou reiteradamente em vir prestar as informações solicitadas através do despacho de fls. 115 SITAF, ainda que sob cominação de aplicação de sanções processuais pela violação do dever de colaboração com o Tribunal – cfr. fls. 124 SITAF – impõe-se condenar a Entidade Exequente em multa processual, por violação do dever de cooperação, consagrado no artigo 417º do CPC, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do CPC. Multa essa que se estipula em 2 UC’s – n.ºs 1 e 4 do artigo 27º do Regulamento das Custas Processuais.
B. O qual foi posteriormente mantido por despacho de 20/03/2023 (a que se refere o doc. 008372642), a fls. 144 do PE.
C. Estribando-se o Tribunal a quo no facto de “o requerido dever ser indeferido” – pasme-se - por “falta de fundamento legal”.
D. Justificando tal decisão no facto de o Tribunal a quo “ estar perfeitamente ciente das diferentes personalidades jurídicas existentes entre o Instituto da Segurança Social, I.P. e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. a Entidade Exequente enquanto órgão de execução fiscal está também sujeita ao ónus da insusceptibilidade de prática no processo de actos inúteis – cfr. artigo 130º do CPC, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT” .
E. Consequentemente, “é seu dever inteirar-se junto do Instituto da Segurança Social, I.P. do estado dos recursos administrativos apresentados pelo Opoente, na medida em que os mesmos se poderão repercutir na atividade da Entidade Exequente no processo de execução fiscal, nomeadamente como forma de obstar precisamente à prática de atos inúteis no processo de execução fiscal por referência ao qual a presente informação foi apresentada venha a Entidade Exequente, em 10 dias, prestar as informações solicitadas no despacho de fls. 115 SITAF, sob cominação de não o fazendo ser aplicada nova multa”.
F. Sucede, porém, que, este OEF em momento algum pretendeu que fosse praticado no processo de execução fiscal um ato inútil, que se encontra previsto no artigo 130.º - sob a epígrafe Princípio da limitação dos atos – segundo o qual “não é lícito realizar no processo atos inúteis”.
G. No entanto, tal dispositivo legal nem sequer tem aplicação no caso em apreço.
H. A pretensão do ora recorrente, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, tem enquadramento legal e, mais concretamente, no artigo 7º - sob a epígrafe princípio da colaboração - do CPC.
I. Na verdade, de acordo com o nº 1 do aludido artigo diz-se que, “na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio” (sublinhado e negritos nossos).
J. Acrescentando o nº 4 que “sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo” (sublinhado e negritos nossos).
K. Que foi precisamente o que sucedeu no caso em apreço.
L. Faz-se notar “que compete ao IGFSS, IP a instauração e instrução do processo de execução de dívidas à Segurança Social através da secção de processo executivo do distrito da sede ou da área de residência”, nos termos do nº 1 do artigo 3º-A do D. L nº 42/2001, de 09/02, mas é “as instituições da segurança social e outras legalmente equiparadas que cabe remeter as certidões de dívida” ( nos termos do nº 2).
M. Acrescentando o artigo 7º do mesmo diploma legal, no seu nº 1, que “são títulos executivos as certidões de dívida emitidas, nos termos legais, pelas instituições de segurança social e pelos fundos geridos pelas mesmas” e no seu nº 2 “ as certidões … devem indicar a instituição que as tiverem extraído, com a assinatura devidamente autenticada, data em que foram passadas, nome e domicílio do devedor, proveniência da dívida e indicação por extenso do seu montante, da data a partir da qual são devidos juros de mora e da importância sobre que incidem, com discriminação dos valores retidos na fonte, se for o caso”.
N. O que significa que existe uma fase declarativa ( onde o beneficiário, contribuinte, etc, tem vários meios de reação ao seu dispor ( pronúncia em sede de audiência prévia, reclamação, recurso hierárquico ou contencioso) em sede do ISS, IP – Centro Distrital ... e, uma outra fase executiva ( onde o beneficiário ou contribuinte tem outros meios de recção ao seu dispor, designadamente oposição e reclamação) em sede do IGFSS, IP – SPET ... II, que são perfeitamente autónomas e distintas entre si, praticadas por organismos totalmente diferenciados e independentes, integrados na administração indireta do Estado, dotados de autonomia administrativa, financeira e património próprios.
O. Aliás, este OEF, frequentemente ao abrigo do referido artigo 7º do CPC, conjugado com o artigo 99º da LGT - sob a epígrafe princípio do inquisitório e direitos e deveres de colaboração processual – onde se refere no seu nº 1 que “ o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer” e, bem assim, o artigo 13º do CPPT – sob a epígrafe poderes do juiz – onde se refere, no seu nº 1, que “ os juízes…devem realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”, face à dificuldade em obter diretamente as informações, requer que o mencionado Centro Distrital seja oficiado diretamente para dar a resposta ao solicitado pelo Tribunal.
P. Tendo tal pretensão merecido o acolhimento do Tribunal.
Q. Não cabendo na cabeça de ninguém – tamanha a inexistência de bom senso - que este OEF possa vir a ser penalizado, com a aplicação de uma multa (que poderá continuar a aumentar) porquanto os constrangimentos a que aludimos na obtenção da informação continuam-se a verificar nesta data.
R. Devendo o Centro Distrital ... - esse sim - aquando da notificação do Tribunal (e se persistir no silêncio e na ausência de informação ao solicitado), ser condenado numa eventual pena de multa por violação do princípio do dever de colaboração.
S. Em consequência, por a conduta processual do ora recorrente não configurar a violação do princípio do dever de colaboração com o Tribunal – tanto mais que sempre deu resposta ao solicitado pelo mesmo (no que estava na sua disponibilidade) - não se justifica a aplicação de qualquer multa (fixada em 2 UC´s), devendo, assim, ser revogado por violação designadamente dos artigos 7º do CPC, do artigo 99º da LGT e artigo 13º do CPPT, com as devidas e legais consequências, nos termos supra expostos.
T. O presente recurso, por ser em separado e na eventualidade dos Venerandos Juízes Desembargadores não conseguirem aceder ao SITAF, deverá ser instruído com as seguintes peças processuais: PI e docs anexos ( fls 4 do processo eletrónico ( PE), despacho de fls 131 do PE , despacho de fls 115 e 124 do PE, processo de execução fiscal a fls 92 do PE, resposta de fls 120 e 121 do PE, resposta de fls 129 do PE, despacho de fls 144 do PE.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Ex.ª doutamente suprirá, deverá o presente recurso ser julgado procedente - por inexistência da violação do dever de colaboração processual com o Tribunal, revogando-se, em consequência, a a multa aplicada de 2 UC´s - julgando em conformidade com as precedentes CONCLUSÕES, será feita a HABITUAL E A COSTUMADA JUSTIÇA.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a decisão recorrida errou ao condenar a entidade exequente em multa processual no valor de 2 UC’s, por violação do princípio da cooperação.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

A decisão recorrida prolatada em primeira instância, em 30/01/2023, tem o teor que, de seguida, se reproduz:
“Requerimento de fls. 129 SITAF.
Tendo em consideração a recusa reiterada da Entidade Exequente em vir prestar as informações solicitadas através do despacho de fls. 115 SITAF, ainda que sob cominação de aplicação de sanções processuais pela violação do dever de colaboração com o Tribunal – cfr. fls. 124 SITAF – impõe-se condenar a Entidade Exequente em multa processual, por violação do dever de cooperação, consagrado no artigo 417º do CPC, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do CPC.
Multa essa que se estipula em 2 UC’s – n.ºs 1 e 4 do artigo 27º do Regulamento das Custas Processuais.
Venha a Entidade Exequente, em 10 dias, prestar as informações solicitadas no despacho de fls. 115 SITAF, sob cominação de não o fazendo ser aplicada nova multa.
Notifique.
D.N.”

2. O Direito

O presente recurso visa o despacho judicial de 30/01/2023, transcrito supra, que considerou que o órgão de execução fiscal se recusou, reiteradamente, a prestar as informações solicitadas, sob cominação de aplicação de sanções processuais pela violação do dever de colaboração com o Tribunal, condenando a entidade exequente, aqui Recorrente, em multa processual, por violação do dever de cooperação, consagrado no artigo 417.º do Código de Processo Civil (CPC), que entendeu aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPC; multa essa que fixou em 2 UC’s, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 27.º do Regulamento das Custas Processuais.
O artigo 7.º do CPC consagra o princípio da cooperação como pedra angular de toda a estrutura do direito processual civil.
Refere o n.º 1 desse artigo que, na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
Este princípio é fundamental à dinâmica do processo e está intimamente ligado ao dever de gestão processual referido no artigo 6.º do CPC, na medida em que, ao exercer os deveres de cooperação, o magistrado está, no fundo, a gerir o processo, eliminando os formalismos desnecessários, facilitando e estimulando o envolvimento das partes no procedimento, e esclarecendo dúvidas quanto às questões suscitadas, por forma a garantir a justa composição do litígio, em tempo breve e de modo eficaz.
TEIXEIRA DE SOUSA In Introdução ao Processo Civil, 2ª Edição, 2000, Lex, Lisboa, p. 56. distingue a cooperação que se exige das partes da cooperação imposta ao julgador.
O dever de cooperação das partes está positivado no referido artigo 7.º, enquanto princípio geral do processo civil português, encontrando a sua manifestação típica mais relevante no artigo 417.º do CPC, que prescreve a cooperação das partes (e terceiros) no âmbito instrutório.
Teixeira de Sousa In Estudos sobre o novo processo civil, 2ª edição, Lex, 1997, p. 65. assinala que, do ponto de vista do tribunal, o princípio da cooperação impõe quatro poderes-deveres ou deveres funcionais: de esclarecimento [artigo 7.º, n.º 2, do CPC]; de prevenção [artigos 590.º, n.º 2, alínea b) e artigo 591.º, n.º 1, alínea c)]; de consulta [artigo 3.º, n.º 3, do CPC]; e de auxílio das partes [artigo 7.º, n.º 4, artigo 418.º, n.º 1, e artigo 754.º, n.º 1, alínea a), do CPC].
O dever de esclarecimento consta hoje do n.º 2 do artigo 7.º e prescreve o dever de o tribunal se esclarecer, junto das partes, sobre os factos alegados, as posições jurídicas adoptadas e os pedidos formulados. É um dever de carácter recíproco: o tribunal tem o dever de se esclarecer junto das partes e estas têm o dever de o esclarecer. O juiz do processo deve procurar dialogar com as partes e com elas debater todas as questões relevantes para o processo (fácticas ou jurídicas), dirigindo-lhes perguntas, às quais devem as partes responder de forma integral. Pretende-se evitar uma decisão proferida com falta de informação.
Por outro lado, LEBRE DE FREITAS In Introdução ao Processo Civil (Conceito e princípios gerais à luz do novo código), 3ª Edição, Coimbra Editora, 2013, p. 186., no seu estudo do princípio da cooperação, opera uma distinção entre a cooperação material e formal.
Este autor define a cooperação material como aquela que, recaindo sobre os intervenientes no processo, se destina a apurar a verdade sobre a matéria de facto e, a partir das conclusões retiradas em sede factual, aplicar as regras de direito mais adequadas ao caso concreto. Esta concepção de cooperação pode ser encontrada no artigo 417.º e nos números 2 e 3 do artigo 7.º do CPC.
O legislador processual, no artigo 7.º, prescreve uma cooperação a cargo das partes. O artigo 417.º alarga o âmbito subjetivo da cooperação material, já que estende o dever para todas as pessoas. O n.º 2 do artigo 7.º prevê o poder de o juiz convocar as partes, em qualquer altura do processo, para que estas, seus representantes ou mandatários, possam ser ouvidos, «convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes».
Paralelo a este regime do n.º 2 do artigo 7.º é, no plano dos factos, o do artigo 452.º, onde se lê: «1- O juiz pode, em qualquer estado do processo, determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa». Tendo uma redacção algo semelhante, pode conduzir a confusões de índole conceptual. Porém, LEBRE DE FREITAS adverte que o âmbito de aplicação é distinto: o do n.º 2 do artigo 7.º diz respeito a simples esclarecimentos em torno do material fáctico carreado para o processo pelas partes; o do artigo 452.º é-nos remetido pelo regime jurídico do artigo 417.º, onde se visa, mais do que simples esclarecimentos sobre os factos, obter elementos de prova em torno desses mesmos factos.
Para LEBRE DE FREITAS, a cooperação formal está prevista no n.º 4 do artigo 7.º e no artigo 151.º do CPC. Dispõe o primeiro: «Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo». No artigo 151.º consagram-se deveres para o juiz, nomeadamente na procura de acordo com os mandatários judiciais na marcação de diligências, comunicando-lhes de imediato quando estas não se possam realizar ou quando se realizem com atrasos.
Sintetizando, no que concerne à cooperação formal, prevêem-se na lei processual deveres do juiz para com as partes, com o objectivo claro de decidir o litígio de forma rápida e expedita, através da remoção de obstáculos às partes.
Os deveres de colaboração para com a justiça têm, como principal objectivo, a «descoberta da verdade», através da instrução probatória (cooperação material).
A colaboração que se espera de terceiros, alheados da causa, será uma colaboração no âmbito probatório, daí o sentido de o dever de colaboração previsto no artigo 417.º do CPC estar inserido no título relativo à instrução do processo.
Dispõe o n.º 1 deste artigo 417.º: «1- Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados. (…)»
A violação deste dever de colaboração comporta sanções, quer para as partes, quer para terceiros. Assim, nos termos do n.º 2 do artigo 417.º, «aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil». Recordamos que, sendo o recusante parte e a violação do dever de cooperação grave, pode dar lugar à sua condenação como litigante de má-fé, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC.
Ora, foram precisamente as normas do artigo 417.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC que o tribunal recorrido aplicou à situação concreta ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, por violação do princípio da colaboração, tendo sido condenada a entidade exequente, ora Recorrente, parte no processo, em multa processual de 2 UC’s.
Para melhor compreensão, apontaremos as circunstâncias processuais da condenação em multa recorrida:
A oponente, aqui Recorrida, deduziu oposição à execução fiscal alegando, além do mais, a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sustentando que a lei não lhe assegurou, em concreto, meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação. Na sequência de notificação recebida, a oponente apresentou, em 21/02/2013, dois recursos hierárquicos, para o Presidente do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social, referentes às decisões de restituição de prestações de subsídio de desemprego indevidamente pagas, relativas ao ano de 2007.
Na tese da oponente, tem ficado a aguardar todo este tempo, sem que tenha sido proferida qualquer decisão no âmbito dos recursos hierárquicos que deduziu, tendo sido confrontada, agora, com certidão de dívida, sem ter tido oportunidade de impugnar o acto de liquidação, não lhe permitindo (a inércia da Administração) o acesso à via contenciosa. Concluiu que não lhe foram assegurados os meios de defesa em momento anterior à oposição à execução.
O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS, I.P.) respondeu, quanto à pendência de eventuais recursos hierárquicos interpostos das aludidas notas de reposição e desfecho dos mesmos (cujas cópias dos recursos hierárquicos foram juntas aos autos pela oponente), que não foi possível a esse órgão de execução fiscal obter essas informações.
Em 17/10/2022, o tribunal recorrido, tendo em consideração o hiato temporal entretanto decorrido, proferiu despacho judicial no sentido de a entidade exequente (IGFSS, I.P.) informar do estado dos recursos hierárquicos a que a oponente faz referência na oposição e se, em resultado dos mesmos, houve alguma repercussão sobre a dívida exequenda e/ou sobre o processo executivo aqui em causa.
O IGFSS, I.P., na sequência deste despacho, informou desconhecer o estado em que se encontram os alegados recursos hierárquicos, esclarecendo que os mesmos correm termos no Centro Distrital ... do Instituto da Segurança Social, I.P., que foi solicitada informação via e-mail ao referido Centro Distrital e que não foi obtida qualquer resposta, sugerindo, ainda, que o tribunal oficiasse directamente o mencionado Centro Distrital para esse efeito. Não obstante, afirmou que a dívida se mantém integralmente, conforme documento que anexou, datado de 09/11/2022.
Perante tal resposta, o tribunal recorrido prolatou novo despacho, em 19/12/2022, no sentido de insistir no cumprimento do despacho anterior, desta feita sob cominação de, caso nenhuma informação venha o IGFSS, I.P. prestar relativamente ao solicitado, aplicação de multa processual por violação do princípio da colaboração – artigo 417.º, n.º 1 e 2 do CPC.
O IGFSS, I.P. reiterou que os recursos hierárquicos foram remetidos directamente pela oponente para o Centro Distrital ..., entidade que praticou os actos administrativos objecto dos aludidos recursos; insistindo que essa entidade deveria ser oficiada directamente pelo tribunal para informar o estado em que se encontram os referidos recursos e não por intermédio do órgão de execução fiscal (IGFSS, I.P.), porquanto tal informação não se encontra em seu poder.
Em 30/01/2023, o Meritíssimo Juiz “a quo” proferiu a decisão recorrida, considerando a recusa reiterada da entidade exequente em vir prestar as informações solicitadas, condenando essa entidade, aqui Recorrente, em multa processual no valor de 2 UC’s, por violação do dever de colaboração, consagrado no artigo 417.º do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT; e determinando nova notificação do mesmo órgão de execução fiscal para prestar as informações solicitadas acerca do desfecho dos recursos hierárquicos, sob cominação de não o fazendo ser aplicada nova multa.
Em 20/03/2023, o tribunal recorrido confirmou a decisão judicial datada de 30/01/2023, afirmando estar perfeitamente ciente das diferentes personalidades jurídicas do Instituto da Segurança Social, I.P. e do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., mas que, tendo em vista obviar à prática de actos inúteis, deveria o IGFSS, I.P. inteirar-se junto do Instituto da Segurança Social, I.P. do estado dos recursos administrativos apresentados pela oponente, na medida em que o desfecho dos mesmos se poderá repercutir na actividade da entidade exequente no processo de execução fiscal.
Tendo por base este pano de fundo e o enquadramento jurídico que deixámos exposto supra, ressalta que o Recorrente respondeu sempre ao tribunal, dando conta das dificuldades em obter as informações solicitadas pelo mesmo, atento o facto de não ter alcançado resposta do Centro Distrital da Segurança Social, I.P.. Acresce ter o órgão de execução fiscal, aqui Recorrente, confirmado que a dívida se mantém integralmente, anexando o respectivo documento comprovativo.
É notório que o tribunal recorrido tem em vista eventual inutilidade da presente lide, perante a circunstância de o acto de liquidação poder ser eliminado da ordem jurídica, na hipótese de provimento dos recursos hierárquicos interpostos pela oponente, dado que, nessa eventualidade, o processo de execução fiscal ficaria privado de objecto, com a consequente situação de impossibilidade superveniente da lide.
Portanto, em rigor, o tribunal não encetou diligências probatórias com vista à descoberta da verdade material, não se movendo no âmbito instrutório subjacente ao disposto no artigo 417.º do CPC. Antes buscou informação por forma a averiguar se foram praticados actos supervenientemente. Todavia, lembramos, o órgão de execução fiscal onde correr o processo deverá declarar extinta a execução, oficiosamente, quando se verifique a anulação da dívida exequenda – cfr. artigo 270.º do CPPT. Salientamos que o órgão de execução fiscal, IGFSS, IP., afirmou expressamente, em resposta ao tribunal, que a dívida se mantém integralmente.
Na nossa perspectiva, a situação enquadra-se, plenamente, no disposto no artigo 7.º, n.º 4 do CPC, pois uma das partes, o IGFSS, I.P., alegou, justificadamente, dificuldade em obter informação que está na posse de outra entidade, o Instituto da Segurança Social, I.P., condicionando o cumprimento da solicitação do tribunal, pelo que deveria o Meritíssimo Juiz “a quo” providenciar pela remoção do obstáculo, pedindo, se assim entender, directamente, a informação ao Centro Distrital ... do Instituto da Segurança Social, I.P..
Nesta conformidade, impõe-se conceder provimento ao recurso e eliminar da ordem jurídica a decisão que condenou o Recorrente em multa processual, por ser nossa convicção não ter violado o dever de cooperação conforme previsto no artigo 417.º do CPC.

Conclusão/Sumário

Sempre que alguma parte alegue, justificadamente, dificuldade séria em obter uma informação, designadamente por estar na posse de terceiro que não a fornece, que condicione o cumprimento de um dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo, ao invés de condenar a parte em multa, por violação do dever de cooperação – cfr. artigo 7.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida.

Custas a cargo da oponente, ora Recorrida, que não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 12 de Outubro de 2023

Ana Patrocínio
Cláudia Almeida
Maria do Rosário Pais