Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00108/21.9BECBR-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/10/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:REPRESENTAÇÃO ESTADO PROCESSOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.;
MINISTÉRIO PÚBLICO – NULIDADE CITAÇÃO;
CENTRO DE COMPETÊNCIAS JURÍDICAS DO ESTADO;INCONSTITUCIONALIDADE ARTS. 11.º, N.º1 E 25.º, N.º 4 CPTA;
Sumário:É inconstitucional o disposto nos arts 11.°, n.° 1, in fine e 25°, n.° 4, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redacção conferida pela Lei n.° 118/2019, de 17 de setembro, por violação do disposto no art.º 219.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa – Cfr. Acórdão, n.º 876/2022, de 21/12/2022, do Tribunal Constitucional – in Proc. 415/2022.
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . O MINISTÉRIO PÚBLICO, agindo em nome próprio, como defensor da legalidade democrática - art.º 219.º, n.º1 da CRP e arts. 2.º e 4.º, n.º1, als. a) e j) do EMP – e como representante judiciário do Estado Português - art.º 219.º, n.º1 da CRP e arts. 2.º e 4.º, n.º1, al. b) do EMP –, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 30 de Junho de 2021, que, no âmbito da acção administrativa instaurada por AA contra o Estado Português, indeferiu o requerimento do Ministério Público no âmbito do qual foi arguida a inconstitucionalidade material das normas constantes do segmento final do n.º 1 do art.º 11.º e do n.º 4 do art.º 25.º do CPTA, na redacção da Lei n.º 118/2019, de 17/09 e arguida a nulidade por falta de citação do réu Estado e foi requerida:
a) A recusa de aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação da Lei nº 118/2019, de 17.09, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do nº 2 desta mesma disposição; e,
b) A declaração de nulidade da falta de citação do réu Estado - arts. 188.º, n.º 1, al. a) e 187.º, al. a) do CPC, subsidiariamente aplicáveis -, com a consequente anulação de todo o processado posterior à Petição Inicial e que seja determinada a citação do Estado no Ministério Público.

*
Nas suas alegações, o M.º P.º/recorrente formulou as seguintes conclusões:
" Vem a Autora, nos presentes autos intentar contra o Réu/ Estado Português uma ação de responsabilidade extracontratual no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos cometidos no exercício da sua função por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável (art. 12º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas – RRCEE).
Por via disso a Autora pede a condenação do Réu Estado Português numa indemnização a título dessa responsabilidade no âmbito no processo intentado no Centro de Arbitragem Administrativa, (CAAD) em 21.04.2011, sendo que, em 21 de março de 2021, ainda não se encontra decidida a questão, a qual foi declarada procedente, tendo, todavia, o Ministério da Justiça recorrido para o Tribunal Central Administrativo do Sul, e a Autora interposto também recurso subordinado, o qual ainda se encontra pendente sob o número de Processo 9789/13.6BCLSB.
Foi remetido o ofício de citação, nos termos e para os efeitos dos art.os 81.º e 82.º do CPTA, para o Centro de Competências Jurídicas do Estado.
Entretanto foi igualmente entregue cópia da petição inicial ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do art.º 85.º, n.º 1, do CPTA.
O Ministério Público veio à ação pedir que fosse seguida a interpretação restritiva do art. 25º, nº 4, do CPTA, conforme com a unidade do sistema jurídico e com o disposto no art. 219º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, não se aplicando, assim, à citação do Réu Estado Português, que deve ser citado através do Ministério Público, enquanto seu representante judiciário, nos termos da Constituição e da lei;
E, embora sem conceder, caso assim não fosse entendido, fosse recusada a aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do n.º 1 do art. 11.º e do n.º 4 do art. 25º, do CPTA, na redação da Lei n.º 118/2019, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do n.º 1 do art. 219.º da Constituição e do n.º 2 desta mesma disposição.
E, em qualquer dos casos, que fosse declarada a nulidade por falta de citação do Ministério Público, que deve intervir no processo como parte principal, em representação do Réu Estado Português [art.os 187.º, alínea b), e 188.º, n.º 1, alínea a), do CPC, subsidiariamente aplicáveis, e art.os 219.º, n.º 1, da CRP, 51.º do ETAF e 4.º, n.º 1, alínea b), e 9.º, n.º 1, alínea a), do atual EMP], anulando-se o processado posterior à petição e determinando-se a citação do Réu Estado Português através do Ministério Público, enquanto seu representante judiciário, nos termos da CRP e da Lei.
O objeto do presente recurso visa insurgir-se com a decisão proferida pela Mmª Juiz “a quo” que indeferiu todos os pedidos conforme despacho judicial que aqui reproduzimos para todos os efeitos legais.
Assim, o disposto no art.187º, nº1, b) do CPC, prevê a anulação do processado posterior à petição, salvando-se apenas esta quando não tenha sido citado, logo no início do processo, o Ministério Público, nos caso em que deva intervir como parte principal.
Assim e, quando o Ministério Público em representação do Estado intervém aqui como parte principal, (o que é o caso em análise) há que concluir que não foi seguida tal norma legal, que foi violada.
Tal como se deve concluir que o acto de citação foi completamente omitido, pois que o Ministério Público, representante do Estado Português, não foi efetivamente citado, ao arrepio do a) do nº1 do art.188º do CPC, já que apenas lhe foi entregue uma cópia da petição inicial.
10ª Razão pela qual e, conforme pugnamos houve violação de tais normas legais subsidiariamente aplicáveis e, ao disposto nos arts. 219º, 1 da CRP, 51º do ETAF, e finalmente do art.4º,1 b) e 9º,1 a) do EMP, devendo ter sido anulado o processado posterior à petição inicial nos termos da Constituição da República Portuguesa, e da Lei ordinária, pedindo-se a revogação de tal despacho, nesta parte, e a sua substituição que vá de encontro à Lei Fundamental e à Lei ordinária.
11ª No que diz respeito à inconstitucionalidade material das normas do art. 11º, 1 a final, e do nº 4 do art.25º do CPTA, (sublinhado nosso) na redação dada pela Lei nº 118/2019, por violação do nº 1 (primeira proposição) e nº 2 do art.219º da Constituição da República Portuguesa foi decidido no despacho judicial recorrido pela não ocorrência de tal inconstitucionalidade.
12ª Considera-se no despacho recorrido que não há qualquer inconstitucionalidade no teor do art. 11º, 1 do CPTA, dado pela nova redação da Lei acima mencionada, - posição que não acolhemos, - pois que nela vem acrescentado que as entidades públicas podem fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria de apoio jurídico, “sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público”.
13ª O que quanto a nós, vai contra o estabelecido na primeira proposição do nº 1 do art. 219º da CRP, pois que o Ministério Público foi e é sempre visto e, em primeira linha, e, não esquecendo que a sua função essencial nos tribunais Administrativos é como legítimo representante do Estado Português, não podendo ser considerado, como se quer fazer crer e estabelecer ao arrepio da Lei Fundamental, uma mera possibilidade, entre outras, na representação do Estado.
14ª Tanto o legislador constituinte originário como o derivado ponderaram os atributos do Ministério Público como magistratura dotada de “autonomia” (Constituição, art. 219.º/2), com a sua atuação sempre vinculada a “critérios de legalidade e objetividade” (EMP, art. 3.º/2) e, em razão desses atributos, confiaram-lhe a tarefa representativa do Estado juízo, justamente a título de representação e não como advogado, patrono ou mandatário judicial.
Por isso, a representação do Estado nos tribunais por parte do Ministério Público é configurável como um verdadeiro princípio judiciário constitucional, com alcance material.
15ª Porém, em flagrante contradição sistémica e teleológica, a parte final do n.º 1 do art. 11.º do CPTA, na redação conferida pelo art. 6.º da Lei n.º 118/2019, vem reduzir a representação do Estado por parte do Ministério Público a uma pura eventualidade:
A nova redação limita-se a acrescentar o substantivo “possibilidade”, mas desse modo transforma a regra da “representação do Estado pelo Ministério Público” em exceção, pois o possível tanto é o que pode ser como, o que pode não ser vez alguma.
16ª Do confronto da fórmula usada no CPTA (parte final do n.º 1 do art.º 11.º: “sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público”) com a acolhida no CPC (n.º 1 do art. 24.º: “O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio…”), resulta segura a conclusão de que, no âmbito do primeiro diploma, a representação do Estado por parte do Ministério Público tem carácter eventual e subsidiário, ao passo que no segundo constitui a regra, só passível de afastamento por lei concreta.
17ª A nova redação conferida à parte final do n.º 1 do art. 11.º CPTA torna puramente eventual e subsidiária a intervenção do Ministério Público como representante do Estado no processo administrativo, em oposição ao exarado na grande revisão do CPTA de 2015, operada pelo D.L. n.º 214-G/2015, onde o respetivo projeto previa a introdução, no art. 11.º, sobre “patrocínio judiciário e representação processual”, de uma redação que, à semelhança do CPC, acentuava a representação-regra do Estado pelo Ministério Público:
3 — Nas ações propostas contra o Estado em que o pedido principal tenha por objeto relações contratuais ou de responsabilidade, o Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo da possibilidade de patrocínio por mandatário judicial próprio nos termos do número anterior, cessando a intervenção principal do Ministério Público logo que aquele esteja constituído”.
18ª Por isso, mesmo numa apreciação isolada, dificilmente a norma se compatibilizaria com o princípio judiciário constitucional da representação do Estado nos tribunais através do Ministério Público, imposta pelo primeiro segmento do n.º 1 do art. 219.º da Constituição, mesmo que se admita que o citado preceito constitucional não confere ao Ministério Público um monopólio ou exclusivo de representação do Estado em juízo, como se considerou no Parecer n.º 8/82 da Comissão Constitucional.
19ª Devendo a representação do Estado pelo Ministério Público constituir sempre a regra e não a exceção ou uma mera possibilidade.
20ª A desarmonia dessa norma com a Lei Fundamental torna-se ainda mais clara quando se proceda à sua interpretação conjugadamente com a do n.º 4 do art. 25.º, também aditado pela referida Lei n.º 118/2019.
“Quando seja demandado o Estado, ou na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, a citação é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo”.
21ª No que se reporta ao Estado, a norma destrói a mais elementar lógica de constituição da instância processual administrativa, visto que, por um lado, o réu Estado-Administração é “unicamente” citado numa entidade que não possui poderes legais para a sua representação (sublinhado nosso) e, por outro, não é citado através do órgão que possui tais poderes, por força de disposição constitucional (e também legal).
22ª Pois que, nos termos do art. 2.º/1 do D.L. n.º 149/2017, que aprova a respetiva orgânica, o Centro de Competências Jurídicas do Estado (JurisAPP), “tem por missão prestar consultoria, assessoria e aconselhamento jurídicos, bem como informação jurídica em matéria de contratação pública, procedimentos contraordenacionais e procedimentos disciplinares, aos membros do Governo, ficando, igualmente, responsável por assegurar a representação em juízo do Conselho de Ministros, do Primeiro-Ministro e de qualquer outro membro do Governo organicamente integrado na Presidência do Conselho de Ministros ou que beneficie dos respetivos serviços partilhados”.
23ª Nenhuma norma lhe confere poderes representativos do Estado em juízo (sublinhado nosso).
Esse poder-dever é atribuído ao Ministério Público – desde logo por força da norma constitucional que se tem invocado como parâmetro ofendido pelas normas cuja conformidade com a Constituição se questiona.
24ª Assim não se vislumbra qualquer possibilidade de o Ministério Público ser eliminado, ao menos potencialmente, da representação do Estado no domínio do contencioso administrativo sem que daí resulte uma flagrante ofensa da primeira proposição do n.º 1 do art. 219.º da Constituição.
25ª Dito de outra forma, o mecanismo implementado pelo n.º 4 do art. 25.º, conjugado com a parte final do n.º 1 do art. 11.º CPTA, ambos na redação da Lei n.º 118/2019, conduz em linha reta, de forma necessária, a uma presença subsidiária e minimalista do Ministério Público como representante do Estado no processo administrativo.
26ª Acresce que a norma do n.º 4 do art. 25.º CPTA, na redação da Lei n.º 118/2019, vem atribuir ao Centro de Competências Jurídicas do Estado a competência para coordenar “os termos da (…) intervenção em juízo” dos “serviços” a quem aquele entenda “transmitir” a citação.
27ª Apesar da sua falta de clareza e desarmonia com a arquitetura do sistema processual, resultará desse preceito que o dito Centro pode, se e quando lhe aprouver, confiar a representação judiciário do Estado ao Ministério Público – tratado como mero “serviço” administrativo – e coordenar “os termos da respetiva intervenção em juízo”.
28ª A norma ínsita na parte final do novo n.º 4 do art. 25.º CPTA confere à JurisApp competência para coordenar os próprios “termos” da intervenção do Ministério Público quanto a aspetos relativos à técnica do processo.
Desse modo, sai gravemente ofendido o princípio da autonomia (externa) do Ministério Público, consignado no n.º 2 do art. 219.º da Constituição, degradando-se esta magistratura à condição de mera serventuária subordinada da vontade da Administração.
29ª Nem se diga como vem registado no despacho recorrido, referindo-se ao Ministério Público que “não se vislumbra em que medida tenham sido “esvaziadas” as suas funções de representante do Estado previstas no art. 219º da CRP. Como aliás. Sucede no caso dos autos, em que o Ministério Público veio contestar, como representante em juízo do Estado.”
30ª Pois que nos termos das alterações acima mencionadas, a JurisApp podia ter encaminhado a ação a entidade diversa do Ministério Público na defesa e representação do Estado, o que não aconteceu no caso, mas existe essa possibilidade concreta, e já aconteceu noutros casos, o que vai claramente contra a Lei Fundamental, sendo de salientar, espante-se, que a própria JurisApp na ação nº466/19.2BEVIS que corre termos no TAF de Viseu, elaborou e apresentou em juízo a contestação do Estado Português “em sua representação em juízo”.
31ª Tal ocorrência dá para considerar que, com tais alterações tudo poderá acontecer, até que uma entidade sem poderes de representação do Estado Português em juízo o possa vir a fazer, ao arrepio das leis ordinárias mencionadas e da nossa Lei Fundamental.
32ª Assim se vê que a questão não se pode resumir, - conforme vem exarado no despacho -, de ser tão só uma mera “opção da organização/escolha do tipo de representação do Estado (seja Ministério Público, seja mandatário judicial Próprio), e que vá contra ao nº2 art. 219 da CRP…. (sic)… e ao princípio da autonomia do Ministério Público”.
33ª Em suma: as normas constantes do segmento final do n.º 1 do art. 11.º e do n.º 4 do art. 25.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação da Lei n.º 118/2019, são materialmente inconstitucionais, por violação do disposto no art. 219.º da Constituição, n.º 1, primeira proposição (“Ao Ministério Público compete representar o Estado”) e n.º 2 (“O Ministério Público goza de (…) autonomia…”), razão pela qual a posição contrária a tal conclusão exarada no despacho deva ser afastada e, consequentemente declaradas inconstitucionais tais dispositivos legais.
34ª Para finalizar temos a questão sobre a interpretação restritiva do nº 4 do art.25º do CPTA que nós perfilhamos e que foi afastada no despacho recorrido, já que indeferiu também tal pedido.
35ª Consideramos que pode e, deve ser feita na medida em que, como já o dissemos, o Estado Português é representado pelo Ministério Público, e como tal quem deverá ser citado em representação do mesmo deverá ser o próprio Ministério Público, e não um organismo da Administração Pública, sem personalidade jurídica e sem quaisquer poderes representativos do Estado, e muito menos dar-lhe capacidade para “coordenar os termos da respetiva intervenção em juízo”.
36ª Tal entidade apenas deveria ser chamado a intervir pelo Ministério Público caso este necessite dos seus serviços, de formar a colher elementos para a instrução da ação, não fazendo sentido que lhe seja dirigida a citação, ato de extrema relevância na defesa do Estado, devendo e podendo o Ministério Público precisar de colher tais elementos a outras entidades para elaborar a defesa do Estado o melhor possível e dentro do prazo estabelecido por lei que se inicia precisamente a partir da citação.
37ª Assim, e, mais uma vez para que não haja violação da Lei Fundamental e da Ordinária, tal interpretação será a mais correta, na medida em que concentra ou cinge a aplicação do nº4 do art. 25º do CPTA tão só às situações em que relativamente à pessoa coletiva Estado, o CPTA estende a personalidade judiciária aos próprios ministérios, devendo só nesses casos, a parte final do referido nº4 da norma legal ter aplicação”.
Termina, assim, pugnando:
“…. para que o despacho agora em crise seja revogado por outro que decida pelo deferimento dos pedidos, a saber:
a) Pela interpretação restritiva do art. 25º, nº 4, do CPTA, conforme com a unidade do sistema jurídico e com o disposto no art. 219º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, não se aplicando, assim, à citação do Réu Estado Português, que deve ser citado através do Ministério Público, enquanto seu representante judiciário, nos termos da Constituição e da lei;
b) Caso assim se não entenda, pela recusa de aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do n.º 1 do art. 11.º e do n.º 4 do art. 25º, do CPTA, na redação da Lei n.º 118/2019, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do n.º 1 do art. 219.º da Constituição e do n.º 2 desta mesma disposição;
c) Em qualquer dos casos, pela declaração de nulidade por falta de citação do Ministério Público, que deve intervir no processo como parte principal, em representação do Réu Estado Português (arts. 187º, alínea b), e 188º, nº 1, alínea a), do CPC, subsidiariamente aplicáveis, e arts. 219º, nº 1, da Constituição, 51º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, 4º, nº 1, alínea b), e 9º, nº 1, alínea a), do atual EMP), anulando-se o processado posterior à petição e determinando-se a citação do Réu Estado Português através do Ministério Público, enquanto seu representante judiciário, nos termos da Constituição da República Portuguesa e da Lei”.
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Notificadas as alegações, apresentadas pelo recorrente, supra referidas, não foram apresentadas contra alegações.
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Pelo Acórdão deste TCA-N, de 19/11/2022, foi negado provimento ao recurso.
Interposto recurso de revista, por douto Acórdão de 24/2/2022, o STA não admitiu a revista.
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Interposto recurso para o Tribunal Constitucional, veio a ser, em 9/1/2023, proferido Acórdão, julgando inconstitucionais as normas insertas nos arts. 11.º, n.º1, in fine e 25.º, n.º4, ambos do CPTA --- na redacção da Lei n.º 118/2019, de 17/09 ---, por violação do art.º 219.º, n.º1 da CRP, nos seguintes termos:
a) Julgar inconstitucional o disposto nos artigos 11.°, n.° 1, in fine e 25°, n.° 4, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redacção conferida pela Lei n.° 118/2019, de 17 de setembro, por violação do disposto no artigo 219°, n.° 1, da Constituição da Republica Portuguesa;
b) Julgar procedente o recurso, determinando a remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Norte, a fim de que este reforme a decisão em conformidade com o presente juízo sobre a questão de inconstitucionalidade”.


II
FUNDAMENTAÇÃO

Tendo em consideração o douto Acórdão n.º 876/2022, do Tribunal Constitucional – Proc. 415/2022, de 21/12/2022 – importa apenas, sem mais, dando cumprimento a este aresto do TC, reformular a decisão no sentido da inconstitucionalidade daquelas normas do CPTA.
Desconhecendo, em concreto, este TCA se, no caso dos autos, o M.º P.º contestou a acção O processado em separado, constante do SITAF, não permite aferir da tramitação da acção. e assim assumiu efectivamente a representação do Estado, deverá a 1.ª instância, aferir da necessidade da repetição (ou não) da citação e subsequente tramitação – cfr., neste sentido, a decisão sumária do Trib. Const. N.º 15/2023. In Proc. 984/2022, de 9/1/2023.

III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal, na sequência do juízo de inconstitucionalidade decidido pelo Tribunal Constitucional, dar provimento ao recurso, revogar a decisão do TAF de Coimbra e ainda ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para aferir da utilidade (ou não) da repetição da citação e subsequente tramitação.
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Sem custas.
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Notifique-se.
DN.


Porto, 10 de Fevereiro de 2023

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho