Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00611/21.0BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/19/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:VALOR DA REMUNERAÇÃO BASE;
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO JURÍDICA; SITUAÇÃO JURÍDICA DE ORIGEM;
FUNÇÕES DE FACTO;
Sumário:I – O intérprete deve ter como ponto de partida para a interpretação da norma, a palavra em que a lei se exprime, geralmente designado por elemento literal.

II- A extensão da regra compensatória prevista no nº.1 do artigo 3º do D.L. nº. 29/2019 às “funções de facto” exercidas pelo trabalhador configura, portanto, uma interpretação não consentida pelo Legislador, não sendo, por isso, de aceitar.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

* *
I – RELATÓRIO
1. CENTRO HOSPITALAR ..., E.P.E., melhor identificado nos autos à margem referenciados de AÇÃO ADMINISTRATIVA em que é Autor «AA», vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos na parte em que “(…) c) julg[ou] inaplicável ao autor o artigo 3.°, n° 3 do DL 29/2019, considerando-se que com a avaliação de desempenho de 2019/2020, acumulou 8 pontos para efeitos de futura alteração do posicionamento remuneratório (…)”.
2. Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

Uma situação de mobilidade funcional que decorra por vários anos, mas não seja subsumível a uma mobilidade inter-carreiras, nem conduza a essa alteração por impedimento legal, ainda que possa atribuir-se-lhe judicialmente um efeito remuneratório «em virtude do que decorre do disposto nos artigos 13.° e 59.° n° 1, da CRP (onde se encontra expressamente plasmado o princípio de que para trabalho igual salário igual) e artigo 39.°, n° 3, da LOE de 2014 tal como invoca o autor (artigo 35.° da petição inicial)» como é o caso dos autos, em linha com a posição do Acórdão do Venerando TCAN de 8 de outubro de 2021, não afasta a regra geral de a avaliação de desempenho repercutir efeitos sobre a posição remuneratória correspondente à carreira e categoria de origem legalmente detidas;

Decorre da norma do artigo 100° da LGTFP que «a classificação obtida na avaliação do desempenho e o tempo de exercício de funções em regime de mobilidade são tidos em conta na antiguidade do trabalhador, por referência ou à sua situação jurídico-funcional de origem...»;

Uma situação de mobilidade funciona de ‘assistente operacional' para ‘assistente técnico', ou seja, para categoria mais valorizada do que a legalmente detida pelo trabalhador, quando dê lugar a uma remuneração correspetiva e superior, ao abrigo dos princípios gerais, vg a da igualdade, pela sua natureza intrínseca de transitoriedade, não permite que releve nessa estrutura remuneratória o efeito das classificações de desempenho intercalares assim obtidas, por falta de norma legal que o preveja;

Tais avaliações intercalares relevarão, ainda que virtualmente, por se encontrar o trabalhador, circunstancialmente, e por todo o tempo que durar a mobilidade funcional não conducente a uma mobilidade inter-carreiras, na categoria legal de origem; e virtualmente porque o trabalhador passa a ter direito, circunstancial, à remuneração mais elevada da categoria superior (de ‘assistente técnico')

A norma do artigo 3° do Dec.-Lei n° 29/2019 de 20 de fevereiro, para o efeito da posição remuneratória legalmente detida pelo trabalhador - que ficcionalmente se mantém até à cessação da mobilidade funcional - não pode deixar de ser aplicada com o sentido literal que da mesma se colhe;

E esse sentido - que a douta sentença recorrida ao enveredar pela solução adotada - de julgar categoria / carreira de referência a circunstancialmente cumprida - acabou por não enfrentar - é aquele segundo o qual, “a contrario sensu” deve concluir-se que «por aplicação do disposto no presente decreto-lei, resulte para o trabalhador um acréscimo remuneratório superior a (euro) 28, este perde os pontos e correspondentes menções qualitativas de avaliação do desempenho para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório», reiniciando assim nova contagem;

Da organização interna da TRU, atualmente constante da Portaria n.° 1553- C/2008, de 31-12, onde já se consagrava norma análoga à daquele artigo 3° do DL 29/2919, como se alcança do n° 11 ao estabelecer que «nos termos do n.° 5 do artigo 104.° da Lei n° 12-A/2008, de 27 de fevereiro, o montante pecuniário ali referido é de (euro) 28» constata-se que é progressivo o diferencial entre os níveis das posições remuneratórias;

Sendo que com a alteração da TRU (tabela remuneratória única) de 2019, com efeitos a março, alterou a sua remuneração do montante de € 580,00 para o montante de € 635,00, num incremento de € 55,00; (como se mostra dos recibos de remunerações que o autor juntou, desde agosto de 2019 em diante, e se evidencia dos juntos com a contestação, que constitui matéria assente)

É assim juridicamente correta a notificação dirigida ao autor a 8 de março de 2021 e segundo a qual «“Considerando que, com a atualização do valor da sua remuneração base em 01/01/2019, V. Exa. obteve um aumento salarial superior a 28€, com o resultado da avaliação de desempeno do biénio 2019/2020, inicia uma nova contagem de pontos” - cfr. alínea HH) do probatório» (da sentença recorrida)
10ª
Ao decidir como o fez, com a fundamentação apresentada, não obstante o seu merecimento intrínseco, violou a decisão recorrida a norma do artigo 100° da LGTFP a qual constitui o centro da base legal da matéria em análise, bem como as dos n°s 5 a 7 do artigo 156° da LGTFP (…)”.
*
3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido «AA» não contra-alegou.
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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre apreciar e decidir.
* *
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir é a de determinar se a sentença recorrida, na parte em que “(…) c) julg[ou] inaplicável ao autor o artigo 3.°, n° 3 do DL 29/2019, considerando-se que com a avaliação de desempenho de 2019/2020, acumulou 8 pontos para efeitos de futura alteração do posicionamento remuneratório (…)”, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação da “(…) norma do artigo 100º da LGTFP a qual constitui o centro da base legal da matéria em análise, bem como as dos nºs 5 a 7 do artigo 156º da LGTFP (…)”.
9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
* *
III- FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
10. O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)
A) Desde 1.04.2007 que o autor exerce funções no CENTRO HOSPITALAR ..., E.P.E. - cfr. doc. n° ... junto com a p.i.;
B) Em 2.11.2010 foi celebrado entre o Hospital ... e o autor o “CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS CONTRATO POR TEMPO INDETERMINADO”, ao abrigo da Lei n° 59/2008, de 11 de setembro, do qual se extraem, entre o mais, as seguintes cláusulas: “(…)
Primeira
( Início e duração )
1. O presente contrato de trabalho em funções públicas produz os seus efeitos a partir de 02/11/2010, data em que o Trabalhador inicia a actividade, durando por tempo indeterminado.
2. O presente contrato fica sujeito a período experimental, com a duração máxima de 90 dias permitida pelo disposto no artigo 76° do RCTFP.
Segunda
( Atividade contratada)
1. Ao Segundo Outorgante é atribuída a categoria de Assistente Operacional, da carreira de Assistente Operacional, sendo contratado para, sob a autoridade e direcção do Primeiro Outorgante, e sem prejuízo da autonomia técnica inerente à actividade contratada, desempenhar as respetivas funções, cujo conteúdo funcional se encontra descrito no Decreto-Lei n° 231/92.
2. O Trabalhador fica também obrigado a exercer as funções e a executar as tarefas descritas no Decreto-Lei n° 231/92, que caracterizam o posto de trabalho que vai ocupar.
3. A actividade contratada não prejudica o exercício, de forma esporádica, das funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o Trabalhador detenha qualificação profissional adequada e não impliquem desvalorização profissional, nos termos estabelecidos no artigo 113° do RCTFP.
Terceira
( Local de trabalho )
O Trabalhador desenvolverá a sua actividade profissional nas instalações do Primeiro Outorgante sitas em Hospital ..., sem prejuízo do regime de mobilidade geral aplicável às relações jurídicas de emprego público por tempo indeterminado, encontrando-se em qualquer circunstância adstrito às deslocações inerentes ao exercício das funções para que é contratado ou indispensáveis à sua formação profissional.
Quarta
( Período normal de trabalho )
1. O Segundo Outorgante fica sujeito ao período normal de trabalho semanal de 35 horas, respectivamente, sendo o horário de trabalho definido pelo Primeiro Outorgante, dentro dos condicionalismos legais.
Quinta
( Remuneração)
1. A remuneração base do Segundo Outorgante é fixada nos termos do disposto no artigo 214° do RCTFP, sendo de 532,08€, correspondente ao nível remuneratório II da tabela remuneratória única.
2. Sobre a remuneração incidem os descontos legalmente previstos.
Sexta
( Subsídio de refeição )
O Trabalhador tem direito ao subsídio de refeição fixado para os trabalhadores que exercem funções públicas.
Sétima
(Formação profissional)
O Segundo Outorgante obriga-se a frequentar e a procurar tirar o melhor aproveitamento dos cursos ou estágios de formação profissional que o Primeiro Outorgante considere necessários para o bom desempenho profissional daquele.
Oitava
( Denúncia e resolução do contrato por iniciativa do Trabalhador )
1. A denúncia do presente contrato por iniciativa do Segundo Outorgante, sem a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respectivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade no órgão ou serviço, constitui-lo-á na obrigação de indemnizar o Primeiro Outorgante em valor igual à remuneração base correspondente ao período de antecedência em falta, sem prejuízo da responsabilidade civil pelos danos eventualmente causados ou emergentes da violação de obrigações assumidas em eventual pacto de permanência.
2. A resolução do contrato pelo Trabalhador com invocação de justa causa, quando esta não tenha sido provada, constitui aquele na obrigação de indemnizar o Primeiro Outorgante pelos prejuízos causados, em montante não inferior ao calculado nos termos da alínea anterior.
(...)
Décima
(Informação )
Em complemento do estipulado nas cláusulas anteriores, e para cumprimento do dever de informação estabelecido nos artigos 67° a 71° do RCTFP, desde já se consigna o seguinte:
a) A duração das férias é determinada segundo as regras dos artigos 171° e seguintes do RCTFP, tendo em atenção a idade do trabalhador e a sua antiguidade ;
b) Os feriados a observar serão exclusivamente os previstos nos artigos 168° e 169° do RCTFP;
c) Os prazos de aviso prévio a observar pela Entidade Empregadora Pública para a cessação do contrato são os previstos no artigo 263° do RCTFP e nas disposições do
Código do Trabalho aplicáveis por força do disposto no artigo 7° da Lei n° 59/2008, de 11 de setembro;
d) Encontra-se cumprida a informação em sede de higiene, segurança e saúde no trabalho, conforme disposto nos artigos 221° e seguintes do RCTFP;
e) Não existe instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável aos outorgantes;
Décima Primeira
(Casos omissos)
Tudo o que não estiver expressamente previsto no presente contrato é regido pelo disposto na Lei n° 12-A/2008, de 27 de fevereiro, e no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n°59/2008, de 11 de setembro.
(…)”
- cfr. doc. n° ... junto com a p.i, e fls. 1 a 6 do processo administrativo;
C) Desde abril de 2011 que o autor passou a exercer funções correspondentes à de assistente técnico no Atrium Hospitalidade do serviço de Humanização - cfr. fls. 237, 238 e 239 do processo administrativo no âmbito do processo n° 592/19....;
D) O autor exerceu até 08.08.2019 funções correspondentes à categoria de assistente técnico da carreira de assistente técnico - decisão proferida no âmbito do processo n° 592/19....;
E) O autor exerceu a partir da data mencionada em D) até à data de entrada da presente petição inicial funções correspondentes à categoria de assistente técnico da carreira de assistente técnico - cfr. doc. n° ...0 junto com o r.i. e fls. 323 e 324 do processo administrativo no âmbito do processo n° 184/22....;
F) De agosto de 2019 até dezembro de 2019 o autor auferiu o salário mensal de € 635,07 - cfr. doc. n° ... a ... junto com a p.i. e fls. 7 a 11 do processo administrativo;
G) De janeiro de 2020 até dezembro de 2020 o autor auferiu o salário mensal de € 645,07 - cfr. doc. n° ... a ...0 junto com a p.i e fls. 12 a 23 do processo administrativo;
H) De janeiro de 2021 até agosto de 2021 o autor auferiu o salário mensal de € 665,00 - cfr. doc. n° ...1 a ...8 da p.i. e fls. 24 a 31 do processo administrativo;
I) O autor em julho de 2019 prestou 42 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 87,96 - cfr. doc. n° ... junto cm a p.i.;
J) O autor em agosto de 2019 prestou 21 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 43,98 - cfr. doc. n° ... junto cm a p.i.;
K) O autor em setembro de 2019 prestou 35 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 73,30 - cfr. doc. n° ... junto cm a p.i.;
L) O autor em outubro de 2019 prestou 35 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 73,30 - cfr. doc. n° ... junto cm a p.i.;
M) O autor em novembro de 2019 prestou 43 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 90,05 - cfr. doc. n° ... junto cm a p.i.;
N) O autor em dezembro de 2019 prestou 42 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 87,96 - cfr. doc. n° ... junto cm a p.i.;
O) O autor em janeiro de 2020 prestou 39 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 81,67 - cfr. doc. n° ...0 junto cm a p.i.;
P) O autor em fevereiro de 2020 prestou 40 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 83,77 - cfr. doc. n° ...1 junto cm a p.i.;
Q) O autor em março de 2020 prestou 41 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 85,86 - cfr. doc. n° ...2 junto cm a p.i.;
R) O autor em abril de 2020 prestou 30 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 63,81 - cfr. doc. n° ...3 junto cm a p.i.;
S) O autor em maio de 2020 prestou 44 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 93,59 - cfr. doc. n° ...4 junto cm a p.i.;
T) O autor em junho de 2020 prestou 28 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 59,56 - cfr. doc. n° ...5 junto cm a p.i.;
U) O autor em julho de 2020 prestou 27 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 57,43 - cfr. doc. n° ...6 junto cm a p.i.;
V) O autor em agosto de 2020 prestou 23 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 48,92 - cfr. doc. n° ...7 junto cm a p.i.;
W) O autor em outubro de 2020 prestou 35 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 74,45 - cfr. doc. n° ...9 junto cm a p.i.;
X) O autor em novembro de 2020 prestou 42 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 89,32 - cfr. doc. n° ...0 junto cm a p.i.;
Y) O autor em dezembro de 2020 prestou 54 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 114,86 - cfr. doc. n° ...1 junto cm a p.i.;
Z) O autor em janeiro de 2021 prestou 49 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 107,44 - cfr. doc. n° ...2 junto cm a p.i.;
AA) O autor em fevereiro de 2021 prestou 35 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 76,73 - cfr. doc. n° ...3 junto cm a p.i.;
BB) O autor em março de 2021 prestou 28 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 61,39 - cfr. doc. n° ...4 junto cm a p.i.;
CC) O autor em abril de 2021 prestou 34 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 74,55 - cfr. doc. n° ...5 junto cm a p.i.;
DD) O autor em maio de 2021 prestou 35 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 76,73 - cfr. doc. n° ...6 junto cm a p.i.;
EE) O autor em junho de 2021 prestou 42 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 92,08 - cfr. doc. n° ...7 junto cm a p.i.;
FF) O autor em julho de 2021 prestou 35 horas a título de trabalho suplementar e auferiu o vencimento de € 76,74 - cfr. doc. n° ...8 junto cm a p.i.;
GG) Em 15.02.2018 a Gestão e Recursos Humanos endereçou ao autor comunicação, sob o assunto “Número de pontos para efeitos de eventual alteração de posicionamento remuneratório”, de cujo teor se extrai, o seguinte: “(…)
Exmo(a). Senhor(a):
Nos termos do artigo 18° da Lei n° 114/2017, do 29 de dezembro de 2017, a partir de 01/01/2018 (e não podendo produzir efeitos em data anterior), são permitidas valorizações e acréscimos remuneratórios resultantes de alterações obrigatórias de posicionamento remuneratório, progressões e mudanças de nível OU CSC2i8O.
Assim, vimos informar V. Exa. quanto ao número de pontos que relevam para efeitos de alteração do seu posicionamento remuneratório:
a) Número de pontos desde o início da atual posição remuneratória:6;
b) Não tem direito a alteração obrigatória do posicionamento remuneratório em 01/01/2018:
c) Número de pontos a relevar para efeitos de futura alteração do seu posicionamento remuneratório:6.
(…)”
- cfr. doc. n° ...9 junto com a p.i.;
HH) Em 8.03.2021 o Gabinete de Avaliação Desempenho endereçou ao autor o seguinte email: “(…)
Exmo(a). Senhor(a):
Nos termos do artigo 16.° da Lei n.° 71/2018, de 31 de dezembro, são permitidas valorizações e acréscimos remuneratórios resultantes de alterações obrigatórias de posicionamento remuneratório.
Os trabalhadores terão alteração obrigatória de posicionamento remuneratório quando acumulem 10 pontos nas avaliações de desempenho reportadas às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram.
De acordo com o artigo 2° do Decreto-Lei n.° 29/2019, de 20 de fevereiro, o valor da remuneração base praticada na Administração Pública é igual ou superior a 635.07€, montante pecuniário do 4° nível remuneratório da Tabela Remuneratória Única, aprovada pela Portaria n.° 1553-C/2008, de 31 de dezembro.
Considerando que, com a atualização do valor da sua remuneração base em 01/01/2019, V. Exa. obteve um aumento salarial superior a 28€, com o resultado da avaliação de desempenho do biénio 2019/2020, inicia uma nova contagem de pontos
(...)”
- cfr. doc. n° ...0 junto com a p.i.;
II) Em 4.08.2021 foi comunicado ao autor o “número de pontos para efeitos de eventual alteração de posicionamento remuneratório a 1/01/2021” de cujo email, se extrai o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. doc. n° ...1 junto com a p.i.;
JJ) Em 12.09.2021 deu entrada a presente ação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel - cfr. comprovativo de entrega da petição inicial a fls. 1 a 3 do SITAF (…)”.
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III.2 – DE DIREITO
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11. O Autor intentou a presente ação administrativa, tendo formulado o seguinte petitório: “(…) Termos em que deve a presente acção ser recebida, julgada procedente por provada e, em consequência:
A – Ser a Ré condenada a reconhecer que o Autor de agosto de 2019 a agosto de 2021 tem vindo a exercer funções de Assistente Técnico no Atrium de Hospitalidade da Ré;
B – Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia global de € 1.510,79, acrescida de juros de mora, hoje no valor de € 67,19, a título de diferenças salariais, para o efeito reconhecendo ao Autor, por via do princípio da igualdade de tratamento entre funcionários da mesma categoria, o vencimento base, no ano de 2019 de € 683,13, no ano de 2020 - € 693,13, no ano de 2021 - € 703,13;
C – Sem prescindir, e para o caso da procedência do pedido principal da presente ação, julgar inaplicável ao Autor o artigo 3º, nº 3 do DL. 29/2019, porquanto, do ano de 2018 para 2019 não viu o seu vencimento base aumentado e, por via disso, nos termos do artigo 156º da LGTFP, considerar que, com a avaliação de desempenho do biénio acumulou para efeitos de futura alteração do posicionamento remuneratório, 8 pontos.
D – Manter-se ao Autor o benefício de Apoio Judiciário concedido (…)”.
12. O T.A.F. de Penafiel promanou despacho saneador-sentença a julgar procedente a presente ação, tendo (i) condenado “(….) o CENTRO HOSPITALAR ..., E.P.E. (a) a reconhecer que o autor de agosto de 2019 a agosto de 2021 tem vindo a exercer funções de assistente técnico no Atrium de Hospitalidade (…)”; (b) e a “(…) pagar ao autor o montante de € 1.378,6 acrescidos de juros de mora, a contar da data em que cada remuneração era devida, bem como, diferença remuneratórias decorrentes do trabalho suplementar, pago em função do vencimento de assistente operacional, por referência ao vencimento de assistente técnico, sendo devidos juros de mora a contar do momento em que esses pagamentos eram devidos (…)”, mais julgando (c) “(…) inaplicável ao autor o artigo 3.º, nº 3 do DL 29/2019, considerando-se que com a avaliação de desempenho de 2019/2020, acumulou 8 pontos para efeitos de futura alteração do posicionamento remuneratório (…)”;
13. Escrutinada a constelação argumentativa espraiada na decisão judicial recorrida, é para nós absolutamente cristalino que o juízo de procedência da presente ação estribou-se no entendimento de que o autor exerce funções correspondentes a uma carreira diferente [assistente técnico] daquela para a qual foi contratado [assistente operacional], sendo-lhe devido o pagamento das diferenças remuneratórias decorrentes do trabalho realizado como assistente técnico por reporte ao vencimento de assistente operacional.
14. Esteou-se ainda na convicção de que “(…) a comunicação que foi endereçada ao Autor, no sentido de que detém um total de 2 pontos para efeitos de futura alteração do posicionamento remuneratório parte de um pressuposto errado, o de que ao autor apenas cabia a remuneração que lhe era paga em correspondência com a categoria de assistente operacional e não a remuneração que lhe era deriva em função do exercício de funções correspondentes à categoria de assistente técnico (…) E, para estes últimos (como não auferiam uma remuneração base de valor inferior a € 635,07) não é convocável o artigo 3.º, nº 3, do Decreto-Lei nº 29/2019 de 20 de fevereiro (…)”
15. O Recorrente discorda do segmento decisório firmado na alínea c) do dispositivo, ou seja, o juízo decisório de “(…) inaplicabilidade ao autor o artigo 3.º, nº 3 do DL 29/2019, considerando-se que com a avaliação de desempenho de 2019/2020, acumulou 8 pontos para efeitos de futura alteração do posicionamento remuneratório (…)”, impetrando-lhe erro de julgamento de direito.
16. Realmente, clama o Recorrente que uma situação de mobilidade funcional não afasta a regra de a avaliação de desempenho repercutir efeitos sobre a posição remuneratória correspondente à carreira e categoria de origem legalmente detidas.
17. Apregoa ainda que o artigo 3º do Decreto-Lei nº 29/2019, de 20 de fevereiro, para o efeito da posição remuneratória legalmente detida pelo trabalhador, não pode deixar de ser aplicada com o sentido literal que da mesma se colhe, ou seja, com reporte exclusivamente à “categoria de origem” legalmente detida.
18. Ao não entender assim, conclui o Recorrente, violou a decisão recorrida a norma do artigo 100º da LGTFP a qual constitui o centro da base legal da matéria em análise, bem como as dos nºs 5 a 7 do artigo 156º da LGTFP.
19. Vejamos, sublinhando, desde já, que a primeira ordem de razões convocada pelo Recorrente, não obstante atravessada de rigor, afigura-se insuficiente para alterar a decisão da causa, já que esta repousa exclusivamente na assunção de, para efeitos de aplicação do disposto no número 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 29/2019, de 20 de fevereiro, deve ser considerada a “posição de facto” detida pelo trabalhador e não a “posição de origem” legalmente detida, não sendo, por isso, convocável o disposto no nº. 3 do mesmo artigo.
20. Sendo essa a sua natureza substancial, impera concluir pela irrelevância jurídica do primeiro argumentário aduzido pelo Recorrente no âmbito do presente recurso.
21. Já o mesmo não se pode afirmar no que tange à alegação contida no sobredito parágrafo 17), em virtude desta contender plenamente com o juízo decisório perfilhado pelo tribunal a quo.
22. Neste enquadramento, deve entender-se que o nó górdio do presente recurso está, essencialmente, em determinar se a normação do citado artigo 3º do Decreto-Lei nº 29/2019, para efeitos remuneratórios, deve ser reportada às “funções de origem” ou se, ao invés, e como se decidiu no saneador sentença recorrido, com referência às “funções de facto” exercidas.
23. A resposta a esta questão, adiante-se, desde já, é de sentido inequívoco para a “categoria de origem legalmente detida”.
24. Na verdade, na interpretação da lei, a disposição fundamental a ter em conta é, como se sabe, o artigo 9º do Código Civil, do seguinte “1. A interpretação não deve cingir-se à letra, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.» .
25. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, volume I, 4.ª Edição revista e atualizada, Coimbra Editora, Limitada, pags. 58 e 59, anotam que no “(…) pensamento geral desta norma, pode dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei. Quando, porém, assim não suceda, o Código faz apelo franco (…) a critérios de caráter objetivo, como são os que constam do n.º 3.(…)”.
26. Sobre a interpretação da norma jurídica, refere-se no Acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo de 29.11.2011, proferido no Processo nº. 0701/10 que “(…) I - Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correta aplicação a um caso concreto. II - A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, fatores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente. III - O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico).IV - O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação. A letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de seleção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem. V - Mas além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica. Estes elementos lógicos agrupam-se em três categorias: a) elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada]; b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema; c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objetivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis) (…)”.
11. Como se depreende da posição do Recorrente, o cerne da questão reside no sentido e alcance interpretativo a dar ao nº. 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº. 29/2019, mormente quanto à extensão [ou não] da regra compensatória aí prevista à situação de “funções de facto” exercidas pelo trabalhador.
12. Recorta-se da doutrina e jurisprudência acima citadas, que o intérprete deve ter como ponto de partida para a interpretação da norma, a palavra em que a lei se exprime, geralmente designado por elemento literal.
27. Pois bem, nos termos fixados no art. 2º, nº 1, do DL nº 29/2019, o valor fixado para a remuneração base praticada na Administração Pública - 635,07€ - corresponde ao "(…) montante pecuniário do 4° nível remuneratório da Tabela Remuneratória Única (TRU), aprovada pela Portaria n° 1553-C/2008, de 31 de dezembro (…)" .
28. E, segundo dispõe o nº. 1 do art. 3º do DL nº 29/2019, "(…) “1 - Sempre que da TRU ou das tabelas remuneratórias aplicáveis à carreira, à categoria ou ao contrato decorra uma remuneração base inferior à remuneração base a que se refere o artigo anterior, é este o montante que o trabalhador tem direito a auferir, sendo colocado na posição remuneratória correspondente (…)”
29. Interpretando esta normação como manda o artigo 9º do C.C., conclui-se que a regra fixada no nº. 1 do citado artigo 3º do D.L. nº. 29/2019 não pode deixar de reportar-se, in casu, à “categoria de origem” legalmente detida.
30. Na verdade, se é certo que a letra da lei é o ponto de partida da tarefa de interpretação jurídica, não menos é que esse mesmo elemento hermenêutico constitui o limite do resultado interpretativo [artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil].
31. Tendo o Legislador previsto que o valor da remuneração base é igual superior a € 635,07, devendo-se considerar atualizado para este valor o montante que o trabalhador tem direito a auferir nas situações em que as tabelas remuneratórias aplicáveis à sua (i) carreira, (ii) categoria ou (iii) contrato prevejam uma remuneração inferior, não há como concluir que esta regra é igualmente convocável nas situações de inferioridade remuneratória reportadas às “funções de facto” exercidas pelo trabalhador.
32. Nem se diga que estamos perante um lapso do legislador: nada nas normas em apreço inculca a ocorrência de tal lapso e, ademais, deve presumir-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil].
33. Assim, só pela mera aplicação do elemento literal de interpretação, é possível deduzir que a extensão da regra compensatória prevista no nº.1 do artigo 3º do D.L. nº. 29/2019 às “funções de facto” exercidas pelo trabalhador configura uma interpretação não consentida pelo Legislador, não sendo, por isso, de aceitar.
34. Desta feita, e sopesando que se mostra processualmente adquirido que o Autor, aqui Recorrente, com a atualização do valor da sua remuneração base em 01.01.2019, obteve, com reporte à sua situação funcional de origem, um aumento salarial superior a 28€, é de manifesta evidência que lhe resulta inteiramente aplicável a normação plasmada no nº. 3 do artigo 3º do D.L. nº. 29/2019, não podendo, consequentemente, aproveitar a manutenção dos “(…) pontos e correspondentes menções qualitativas de avaliação do desempenho para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório (…)”.
35. Pelo que não se pode deixar de concluir que, neste particular conspecto, não andou bem a MMª. Juiz a quo julgar de forma diversa.
36. Assim deriva, naturalmente, que se impõe conceder provimento ao presente recurso, devendo-se revogar a decisão judicial recorrida na parte em que se “(…) c) julg[ou] inaplicável ao autor o artigo 3.°, n° 3 do DL 29/2019, considerando-se que com a avaliação de desempenho de 2019/2020, acumulou 8 pontos para efeitos de futura alteração do posicionamento remuneratório (…)”.
37. Ao que se provirá em sede de dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso, e revogar a sentença recorrida na parte em que se “(…) c) julg[ou] inaplicável ao autor o artigo 3.°, n° 3 do DL 29/2019, considerando-se que com a avaliação de desempenho de 2019/2020, acumulou 8 pontos para efeitos de futura alteração do posicionamento remuneratório (…)”.
Custas pelo Recorrido.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 19 de maio de 2023,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia