Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01001/07.3BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2011
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Álvaro Dantas
Descritores:RECURSO DE DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA
ERRO NA INDICAÇÃO DO PRAZO RECURSO
PRINCÍPIOS DA CONFIANÇA E DA BOA-FÉ
Sumário:I - O prazo para interpor recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima é de vinte dias, a contar da data da notificação dessa decisão (artigo 80º, nº 1, do RGIT) e a contagem do prazo obedece ao disposto no artigo 60º, nºs 1 e 2, do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3º do RGIT.
II - Se a administração tributária, na notificação da decisão de aplicação da coima, erradamente, indicou ao arguido que o termo inicial desse prazo de 20 dias era o dia seguinte ao termo do prazo de 15 dias para pagamento voluntário, não pode rejeitar-se com fundamento em intempestividade o recurso que foi interposto para além do termo do prazo dito em I, mas dentro do prazo assinalado pela administração tributária.
III - O entendimento contrário, não só violaria de forma intolerável os princípios da confiança e da boa fé, consagrados nos artigos 2º e 266º da CRP (e de que são afloramentos os artigos 37º, nº 4 do CPPT, e os artigos 161º, nº 1, e 198º, nº 3, do CPC), como, na medida em que impediria o arguido de reagir judicialmente contra uma decisão sancionatória da administração tributária, constituiria uma intolerável violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 32º, nº 10, da CRP.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:R..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
R… Têxtil, Lda. (Recorrente), sociedade comercial melhor identificada nos autos, não se conformando com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que rejeitou, com fundamento na respectiva intempestividade, o recurso por si interposto da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra 2 que lhe aplicou uma coima no montante de 2.197,81 euros, dela veio recorrer.
A Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra produziu contra-alegações nas quais se pronunciou no sentido da procedência do recurso.
Neste Tribunal, a Digna PGA emitiu parecer em concluiu pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir já que a tal nada obsta.
A questão a decidir:
A questão suscitada pela Recorrente e que importa decidir é a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal do Coimbra fez ou não correcto julgamento quando considerou caducado o direito de recorrer da decisão de aplicação da coima.
2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto provada
Para a decisão do presente recurso, importa ter em conta as seguintes circunstâncias processuais, fixadas com base nos elementos documentais constantes dos autos e expressamente referidos, entre parêntesis, a seguir a cada uma das alíneas que seguem:
a) Por decisão proferida em 29 de Setembro de 2007 pelo Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra 2, a sociedade denominada “R… Têxtil, Lda.” foi condenada numa coima de € 2.197,81, pela prática de uma infracção ao disposto no artigo 26º, nº 1 e 40º, nº 1, alínea a) do Código do IVA, punível pelos artigos 114º, nº 2 e 26.º, n.º 4, do RGIT (cf. decisão de aplicação da coima a fls. 12 e13 dos presentes autos);
b) Para notificar essa decisão à Arguida, o Serviço de Finanças de Coimbra 2 remeteu-lhe carta registada com aviso de recepção, que foi devolvido assinado com data de 17 de Outubro de 2007 (cf. o aviso de recepção a fls. 14 dos presentes autos);
c) Dessa notificação constava, para além do mais, o seguinte:
“(…)
2. Mais fica notificado(a) nos termos do n.º 2 do artº 78º do RGIT, para no prazo de 15 dias a contar da data da assinatura do aviso de recepção, efectuar o pagamento voluntário da coima aplicada, bem como das custas processuais. O pagamento voluntário da coima determina a sua redução para 75% daquele montante, não podendo, porém, a coima a pagar ser inferior ao montante mínimo respectivo, e sem prejuízo das custas processuais, nos termos do n.º 1 daquele artº 78º do RGIT. O pagamento voluntário da coima não afasta a aplicação das sanções acessórias previstas na lei, nos termos do nº 3 do mesmo artº 78º do RGIT e se, até à decisão, não regularizar a situação tributária perde o direito à redução e o processo prossegue para cobrança da parte da coima reduzida, nos termos do n.º 4 do mesmo artº 78º do RGIT.
3. Fica também notificado(a) que, decorrido o prazo anterior sem que tenha efectuado o pagamento voluntário poderá, ainda, no prazo de 20 dias a contar do termo do prazo referido no ponto anterior, efectuar o pagamento da coima bem como o das custas processuais, referidas, sem qualquer redução, ou recorrer judicialmente, vigorando o princípio da proibição da reformatio in pejus (a sanção aplicada não pode ser agravada salvo de a sua situação económica tiver, entretanto, melhorado de forma sensível), nos termos do n.º 2 do art.º 79º e do artº 80º ambos do RGIT.
(…)” (cf. cópia da notificação a fls. 48. Note-se que o ofício de notificação junto a fls. 48 tem, o mesmo número de registo postal que aquele que apresenta o aviso de recepção: RP444531944PT).
d) A Arguida fez dar entrada no Serviço de Finanças de Coimbra 2, em 22 de Novembro de 2007, de uma petição, endereçada ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, pela qual disse vir, ao abrigo do disposto no art. 80.º, n.º 2, do RGIT, interpor recurso judicial da decisão supra referida na alínea a), pedindo a revogação da mesma (cf. a petição inicial de fls. 17 a 22, bem como o carimbo de entrada que lhe foi aposto).
2.2. De direito
Como já tivemos oportunidade de referir, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra rejeitou o recurso judicial interposto pela ora Recorrente com fundamento na intempestividade.
Lida a decisão recorrida, dela resulta que ali se considerou que o recurso da decisão de aplicação de coima, apresentado em 22 de Novembro de 2007, o foi para além do termo do prazo de 20 dias a contar da notificação daquela decisão, pois que se deve considerar que a mesma foi efectuada em 17 de Outubro de 2007, data em que foi assinado o aviso de recepção correspondente à carta para o efeito foi enviada à ora Recorrente.
A Recorrente não se conforma com o assim decidido. No essencial, alegou que na notificação da decisão de aplicação da coima da qual recorreu expressamente constava que o prazo de 20 dias para recorrer judicialmente apenas se iniciava decorrido que fosse o prazo de 15 dias para efectuar o pagamento voluntário da coima.
Vejamos.
Este Tribunal Central Administrativo Norte já teve oportunidade de se pronunciar sobre questão em tudo idêntica, através do acórdão de 11 Mar. 2010, proferido no processo 1117/07.6BECBR, disponível no sítio www.dgsi.pt. Iremos, por isso, limitar-nos a reproduzir a fundamentação ali expendida com a qual integralmente concordamos. Assim:
“Não questiona [a Recorrente] que o prazo de recurso seja o indicado na decisão recorrida: de 20 dias a contar da notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, nos termos do art. 80.º, n.º 1, do RGIT (() Diz o art. 80.º, n.º 1 do RGIT, na referida redacção: «As decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objecto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação».).
Não questiona também que a contagem desse prazo deve efectuar-se nos termos do art. 60.º do Regime Geral das Contra Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro (() Diz o art. 60.º do RGCO, na referida redacção: «1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
2 - O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte».), aplicável subsidiariamente por força da alínea b) do art. 3.º do RGIT.
Ou seja, a Recorrente não põe em causa a correcção do julgamento efectuado pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em face dos elementos considerados na decisão recorrida. No entanto, considera, em síntese, que nessa decisão não se ponderou que foi notificada de que o prazo de 20 dias para interpor recurso só começa a contar-se depois de esgotado o prazo para o pagamento voluntário, a efectuar em 15 dias, motivo por que não pode deixar de se admitir como tempestivo o recurso que foi deduzido dentro do prazo que lhe foi indicado pela AT como sendo o legal para o exercício do direito.
Ou seja, embora a Recorrente não o afirme expressamente, invoca o erro de julgamento da tempestividade do recurso da decisão de aplicação da coima por não se ter levado em conta o prazo que lhe foi assinalado na notificação desta decisão administrativa.
A questão a apreciar e decidir é, pois, a de saber se eventual erro na indicação do prazo para a interposição de recurso judicial deve ou não ser relevado na decisão sobre a tempestividade do recurso.
(…)
Não há dúvida de que o prazo para interpor recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima é de vinte dias, a contar da data da notificação dessa decisão (art. 80.º, n.º 1, do RGIT) e que a contagem do prazo obedece ao disposto no art. 60.º, nºs 1 e 2, do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT.
Sob essa perspectiva, a decisão recorrida seria inatacável.
Mas não podemos ignorar os termos que foi efectuada a notificação da decisão de aplicação da coima no caso sub judice. Nessa notificação, ao invés de se referir que o prazo para recorrer se contava da notificação da decisão, que coincide com a assinatura do aviso de recepção, deu-se a entender que o prazo de 20 dias para recorrer só se iniciava após o decurso do prazo de 15 dias para o pagamento voluntário. Na verdade, depois de aí se dizer, no ponto 2., que a Arguida ficava notificada «nos termos do n.º 2 do artº 78º do RGIT, para no prazo de 15 dias a contar da data da assinatura do aviso de recepção, efectuar o pagamento voluntário da coima aplicada, bem como das custas processuais», logo de seguida, no ponto 3., disse-se ainda que ficava também notificada de que «decorrido o prazo anterior sem que tenha efectuado o pagamento voluntário poderá, ainda, no prazo de 20 dias a contar do termo do prazo referido no ponto anterior, efectuar o pagamento da coima bem como o das custas processuais, referidas, sem qualquer redução, ou recorrer judicialmente» (itálico nosso).
Ora, não podemos deixar de retirar consequências desse erro verificado na notificação da Arguida.
Seria intolerável, à luz dos princípios da confiança e da boa-fé, consagrados nos arts. 2.º e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) (() Diz o n.º 2 do art. 266.º da CRP:«Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé».), que a indicação pela AT ao contribuinte de um prazo errado para reagir contenciosamente contra uma sua decisão não relevasse, quando o contribuinte exerceu o seu direito de impugnação contenciosa dentro do prazo que lhe foi assinalado, mas já fora do prazo legal. Tanto mais quanto essa errada indicação quanto ao termo inicial do prazo para recorrer judicialmente, resultaria, no caso sub judice, na impossibilidade de reagir contenciosamente contra uma decisão sancionatória da AT, o constituiria uma intolerável violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrada no art. 32.º, n.º 10, da CRP (() Diz o art. 32.º da CRP, no seu n.º 2: «Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa».).
Encontramos afloramentos desse princípio de que os interessados não podem ser prejudicadas por erros de entidades públicas competentes no art. 37.º, n.º 4, do CPPT («No caso de o tribunal vier a reconhecer como estando errado o meio de reacção contra o acto notificado indicado na notificação, poderá o meio de reacção adequado ser ainda exercido no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial»), no art. 161.º, n.º 1, do CPC («Os erros e omissões praticados pelas secretarias judiciais não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes») e no art. 198.º, n.º 3, do mesmo Código («Se a irregularidade [da citação] consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares»)”.
Sendo isto assim, teremos de concluir que, na data da apresentação da petição de recurso da decisão que aplicou a coima à Arguida, ainda não se encontrava esgotado o prazo, contado o mesmo nos termos resultantes da notificação daquela decisão que lhe foi efectuada pelo Serviço de Finanças de Coimbra 2 (na verdade, contado nesses termos, o prazo para interposição do recurso judicial da dita decisão apenas terminaria a 6 de Dezembro de 2007).
Por tudo o que ficou dito, podemos concluir que o presente recurso terá de proceder.
3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
a) Conceder provimento ao recurso;
b) Revogar o despacho recorrido e ordenar a devolução dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra a fim de aí ser proferido novo despacho que não seja de rejeição pelo mesmo motivo.
Sem custas.
Porto, 23 de Novembro de 2011
Álvaro Dantas
Anabela Russo
Catarina Almeida e Sousa