Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00006/13.0BCPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/24/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR; REGULAMENTO DE DISCIPLINA MILITAR;
PENA DISCIPLINAR DE PROIBIÇÃO DE SAÍDA; ANULABILIDADE;
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Sumário:1 - Pese embora a particular invocação por parte do Autor da ocorrência de invalidades caracterizadas por nulidade, por não estar em causa a afectação do núcleo essencial do seu direito a um processo justo e equitativo, assim como a uma pena disciplinar proporcional, nem a ocorrência de nulidade insuprível na instrução do processo disciplinar, nem de outra qualquer nulidade que tenha sido tempestivamente invocada, antes apenas a mera legalidade do acto administrativo, datado de 20 de janeiro de 2012, que decidindo pela negação de provimento do recurso hierárquico interposto manteve assim a decisão disciplinar aplicada pelo Comandante da EPS, a Petição inicial foi assim intempestivamente apresentada, pois que o prazo de que o Autor dispunha para impugnação do acto lesivo era de 3 [três] meses, contado a partir da data do seu conhecimento, nos termos dos artigos 51.º, n.º 1, 59.º, n.ºs 1 e 3 alínea a), e 58.º, n.º 2 alínea b), todos do CPTA, donde, atenta a preclusão desse prazo, é manifesto que caducou o direito de acção.

2 - A qualificação das invalidades em causa, pelo Autor, como padecendo de nulidade, quando o que está em causa, manifestamente, são actos que apenas [neste particular] padecem/padeceriam de vício de violação de lei, não pode servir de fundamento para dar a presente acção como tempestivamente apresentada.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I – RELATÓRIO


AA, casado, militar do Exército na situação de reserva, residente na rua ..., ..., em ..., ..., veio intentar acção administrativa especial contra o EXÉRCITO PORTUGUÊS [citado na pessoa do Chefe do Estado-Maior do Exército, General BB, e no Estado-Maior do Exército sito na Rua Museu de Artilharia, em Lisboa, tendo a final da Petição inicial requerido seja declarada a nulidade da punição que lhe foi aplicada no processo disciplinar n.º ..., da Escola Prática dos Serviços [EPS], de quatro dias de proibição de saída, por despacho do Comandante da EPS datado de 29 de setembro de 2011, que veio a ser confirmada em sede do recurso hierárquico por si interposto, por despacho do General CEME datado de 20 de janeiro de 2012.

*

Dispõe o artigo 87.º n.º 1, alínea a), do CPTA, que depois de finda a fase dos articulados, o processo é concluso ao juiz que profere despacho saneador quando deva conhecer de todas as questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo, ouvido o autor no prazo de 10 (dez) dias.


*

No âmbito da Contestação deduzida nos autos, e sob os pontos 1.º a 18.º, veio invocada defesa por excepção [a caducidade do direito de acção].

*

O Autor foi notificado da Contestação deduzida, assim como da junção aos autos do Processo Administrativo, em 03 de março de 2014.

*

Tendo subjacente o disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea a) do CPTA, foi ordenada a notificação do Autor para efeitos de emitir pronúncia em torno da matéria integrativa de excepção suscitada pelo Réu na Contestação por si apresentada.

*

Regularmente notificado desse despacho, o Autor nada alegou e ou requereu.

**

Findos os articulados, cumpre então proferir despacho saneador:

i) O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
ii) O processo encontra-se isento de nulidades que o invalidem na totalidade.
iii) A Petição inicial não é inepta e o processo é o próprio e válido.
iiii) As partes são legítimas e com capacidade para estar por si em juízo.
iiiii) Sobre o valor da causa.

Tendo subjacente o disposto no artigo 306.º do CPC, aplicável ex vi artigo 31.º, n.º 4 do CPTA, e para efeitos de fixar o valor da ação, atenta a natureza da matéria em causa e dos pedidos formulados pelo Autor, julgo que o processo é de valor indeterminável, nos termos do artigo 34.º, n.º 1 do CPTA, pelo que, fixo o valor da causa em 30.000,01 euros.

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II – DOS FACTOS
Tendo em vista apreciar a ocorrência da invocada excepção, julgamos provada a seguinte factualidade:

Matéria de facto assente

1 - O Autor é militar do Exército Português, com o posto de 1.º Sargento, especialidade de Amanuense e tem o NIM - Cfr. folha de matrícula, a fls. 51 a 66 do Processo Administrativo;

2 - O Autor esteve no serviço activo desde a sua incorporação nas fileiras, em 30 de agosto de 1976 até 10 de dezembro de 2012, data em que passou à situação de reserva - Cfr. folha de matrícula, a fls. 51 a 66 do Processo Administrativo;

3 – Por despacho datado de 30 de novembro de 2010 do Comandante da Escola Prática de Serviços foi-lhe instaurado o processo disciplinar n.º ... - Cfr. fls. 3 do Processo Administrativo;

4 – Nessa sequência, no dia 02 de março de 2011 foi deduzida a acusação - Cfr. fls. 67 e 67 verso do Processo Administrativo;

5 – Visando essa acusação, o Autor apresentou a sua defesa, no âmbito da qual arrolou 6 [seis] testemunhas, que foram todas inquiridas, e cujos depoimentos foram levados a escrito, sendo que quanto às testemunhas CC e DD, que haviam já sido ouvidas em 26 de agosto de 2011, o Senhor mandatário do arguido ora Autor foi pessoalmente notificado pelo instrutor do processo em 01 de setembro de 2011, do teor escrito dos seus depoimentos, e que poderia ser efectuada a sua re-inquirição com a sua presença [do mandatário do arguido] caso o requeresse - Cfr. fls. 72 a 92, 103, 134 a 140, 141 a 145, 150, 151 e 152, 153 e 154, 155 a 157, e 158 a160, todas do Processo Administrativo;

6 – Finda a instrução do processo disciplinar, foi elaborado o relatório final, datado de 12 de setembro de 2011, que foi presente ao Comandante da EPS nesse mesmo dia – Cfr. fls. 162 a 165 e 166 do Processo Administrativo;

7 – Sobre esse relatório final, o Comandante da Escola Prática dos Serviços proferiu decisão datada de 29 de setembro de 2011, pela qual foi aplicada ao arguido a pena disciplinar de 4 dias de proibição de saída - Cfr. fls. 167 e 168 do Processo Administrativo;

8 – Por discordar da pena que lhe foi aplicada, em 14 de outubro de 2011 o Autor interpôs recurso hierárquico dirigido ao Chefe do Estado Maior do Exército, onde entre o mais invocou que a sanção que lhe foi aplicada não se coaduna com as disposições e que há uma errada avaliação e interpretação dos factos, assim como uma errada aplicação do direito - Cfr. fls. 176 a 184 do Processo Administrativo;

9 – No seio da Chefia do Estado Maior do Exército, foi emitido o parecer jurídico n.º 5/2012, datado de 11 de janeiro de 2012 - Cfr. fls. 189 a 196 do Processo Administrativo -, sendo que com referência ao seu teor, o CEME emitiu despacho manuscrito - Cfr. fls. 189 do Processo Administrativo; acto sob impugnação -, cujo teor para aqui se extrai como segue:

1. Homologo.
2. Com os fundamentos do presente parecer, nego provimento ao recurso hierárquico.

10 – Esse despacho do General CEME datado de 20 de janeiro de 2012 [assim como o parecer], foi notificado ao Autor em 20 de fevereiro de 2012, que indeferiu o recurso hierárquico e manteve assim a pena disciplinar aplicada, do que foram notificados o Autor e o seu mandatário constituído, no dia 20 de fevereiro de 2012 – Facto admitido pelo Autor [Cfr. ponto 10.º da Petição inicial, e fls. 212 do Processo Administrativo];

11 – O Autor requereu a suspensão da eficácia dessa decisão junto do TAF de Braga, em 14 de março de 2012, sob o Processo n.º 508/12.5BEBRG, autos esses que foram remetidos a este TCA Norte, que por Acórdão datado de 16 de novembro de 2012 julgou pela improcedência do pedido;

12 – Esse processo cautelar constituía o preliminar da acção administrativa especial que o Autor intentou no TAF de Braga, em 16 de maio de 2012, que correu termos sob o Processo n.º 917/12.0BEBRG, que por Sentença proferida em 17 de outubro de 2012, julgou pela absolvição do Réu Exército Português da instância, com fundamento em incompetência em razão da matéria, por julgar ser competente o Tribunal Central Administrativo Norte;

13 – Essa Sentença foi notificada ao Autor, que dela não reclamou, nem interpôs recurso, nem mada mais alegou e/ou requereu para esse efeito, tendo transitado em julgado, sendo que, por despacho datado de 08 de março de 2013 foi determinado o “Arquivo” desses autos [Processo n.º 917/12.0BEBRG];

14 - A Petição inicial que motiva os presentes autos, foi remetida pelo Autor a este Tribunal Central Administrativo Norte, em 05 de novembro de 2013 – Cfr. fls. 2 dos autos em suporte físico.

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Fundamentação:

Os factos dados como assentes supra, tiveram por base os documentos constantes dos autos e/ou do Processo Administrativo, como enunciado em cada um deles, sendo que quanto aos os factos 11, 12 e 13, assim resultaram provados, por força do conhecimento que este Tribunal deles tem em face do exercício das suas funções, mediante consulta que fez ao SITAF, nos termos do artigos 5.º, n.º 2, alínea c) e 412.º, n.º 2, ambos do CPC.

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Dão-se aqui por integralmente enunciados os documentos referidos supra na matéria de facto assente.

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Dá-se aqui por integralmente reproduzido o Processo Administrativo junto aos autos.

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Para efeitos da apreciação e decisão da suscitada questão prévia, nada mais se julgou relevante [provado, ou não provado].

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III – DO DIREITO

À presente acção administrativa especial motivada pela Petição inicial remetida a este Tribunal em 05 de novembro de 2013, aplica-se o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na anterior versão à que foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de outubro.

Com efeito, dispõe o n.º 2 do artigo 15.º daquele diploma, em torno da sua entrada em vigor, que “
As alterações efetuadas pelo presente decreto-lei ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 4-A/2003, de 19 de fevereiro, 59/2008, de 11 de setembro, e 63/2011, de 14 de dezembro, só se aplicam aos processos administrativos que se iniciem após a sua entrada em vigor”.

Estando em causa a impugnação da decisão disciplinar aplicada ao Autor, atinente à proibição de saída durante 4 dias, por despacho proferido pelo Comandante da Escola Prática de Serviços [CEPS], datado de 29 de setembro de 2011, relativamente à qual o ora Autor interpôs recurso hierárquico para o Chefe de Estado Maior do Exército [CEME], que por seu despacho datado de 20 de janeiro de 2012, negou provimento ao recurso, para efeitos de aferição da tempestividade da Petição inicial apresentada e que motiva os presentes autos, é convocável o artigo 58.º do CPTA, sob a epígrafe “Prazos“ [tempus regit actum], que dispõe conforme por facilidade para aqui se extrai, como segue:

1 - A impugnação de actos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo.
2 - Salvo disposição em contrário, a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de:
a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público;
b) Três meses, nos restantes casos.
3 - A contagem dos prazos referidos no número anterior obedece ao regime aplicável aos prazos para a propositura de acções que se encontram previstos no Código de Processo Civil.
[...]“

Neste patamar.

Não o tendo alegado de forma expressa, assim decorre todavia do sustentado pelo Réu na sua Contestação, que se verifica a excepção atinente à caducidade do direito de acção, que a julgar-se verificada, é fundamento que obsta ao conhecimento do mérito da acção e assim, determinante da absolvição do Réu da instância.

No âmbito da Contestação deduzida, sustentou o Réu, entre o mais, que “… o processo disciplinar, a decisão punitiva e a decisão proferida acerca do recurso hierárquico não comportam qualquer vício gerador de nulidade.”, e que “… atenta a data da propositura da acção e o disposto no artigo 58.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, a impugnação daquele acto apenas poderá ter como fundamento a sua nulidade.” [Cfr. pontos 18.º e 4.º].

Ora, nem após a notificação da dedução da Contestação por parte do Réu, nem em face do despacho datado de 13 de fevereiro de 2023, o Autor emitiu qualquer pronúncia que obstasse à formação de um julgamento no sentido da caducidade do direito de acção, por ter sido ultrapassado o prazo de 3 meses, considerada a data em que foi notificado da decisão proferida em sede de recurso hierárquico por parte do CEME [em 20 de fevereiro de 2012], e a data em que vem a remeter a este TCA Norte a Petição inicial que motiva os presentes autos [em 05 de novembro de 2013].

Atento o quanto veio alegado pelo Réu, mormente em face do que aduziu em sede da causa de pedir que é imanente ao pedido deduzido a final da Petição inicial, onde a final requer seja declarada a nulidade da punição que lhe foi aplicada, e em face do que resultou provado, o Autor não invoca nenhuma matéria que seja passível de integração sob o regime da nulidade, antes porém no regime da mera anulabilidade.

Efectivamente, em face do que foi alegado pelo Autor na Petição inicial, e em suma, o que de relevante se retira é que o mesmo considera que a pena disciplinar é privativa da liberdade, sendo desproporcionada e descabida, e que resulta de uma “cruzada” pessoal do então Comandante da EPS contra si [Cfr. pontos 11, 12, 23, 26 e 35]; que foi ouvido na qualidade de arguido sem que tivesse sido informado de que não era obrigado a responder sobre os factos que lhe eram imputados, mas que mesmo assim contou a sua versão [Cfr. pontos 47, 49 e 50]; que se impunha a acareação de testemunhas o que não foi feito [Cfr. ponto 60]; que as testemunhas por si arroladas foram ouvidas por um outro instrutor do processo disciplinar e que o mesmo não ouviu as testemunhas que sustentam a nota de culpa, tendo vindo a elaborar o relatório final, sem fixar os factos como provados ou não provados por si alegados na defesa apresentada, o que em seu entender constitui nulidade [Cfr. pontos 73 e 79, 107, 108 e 111]; que do despacho punitivo do Comandante da EPS nada consta quanto ao vertido sob a alínea b) do artigo 2.º da Nota de culpa, o que em seu entender é ilegal e consubstancia nulidade [Cfr. pontos 89]; que ocorreu a preclusão dos seus direitos de defesa por a acusação ser genérica, e não sustentada em meios de prova bastantes e suficientes, não tendo tido como se defender de acusações que não são concretizadas [Cfr. pontos 118, 127, 128]; que não violou o dever de autoridade nem abusou do seu posto, sendo assim desproporcionada a sua punição, até por violação do princípio da igualdade e do seu direito ao seu bom nome e reputação [Cfr. pontos 139, 140, 142, 143, 144, 151 e 154], que duas das testemunhas por si arroladas foram inquiridas no dia 26 de agosto de 2011, sem que o seu mandatário tenha estado presente, o que constitui omissão de formalidade essencial que integra a nulidade insuprível a que se reporta o artigo 78.º do RDM [Cfr. pontos 155 a 162], ilegalidades essas que contendem com o conteúdo essencial dos seus direitos fundamentais, de defesa, da liberdade, da igualdade e do seu bom nome e reputação [Cfr. pontos 166 a168].

Ora, em face do disposto no artigo 78.º da Lei Orgânica n.º 2/2009, de 22 de julho, diploma pelo qual foi aprovado o Regulamento de Disciplina Militar, julgamos que não estamos perante nenhuma das nulidades a que se reporta o seu n.º 1 [que constituem nulidades insanáveis, e que são de conhecimento oficioso em qualquer fase do processo, mais concretamente, (i) a falta de audiência do arguido sobre a matéria da acusação; (ii) a insuficiente individualização na acusação das infracções imputadas e dos correspondentes preceitos legais violados; e (iii) a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade], sendo que quanto às restantes nulidades [Cfr. o n.º 2 deste mesmo normativo], as mesmas consideram-se sanadas se não forem expressamente invocadas pelo interessado até ao decurso do prazo previsto para a emissão da decisão final [a que se refere o artigo 106.º do referido diploma legal]

Com efeito, em face do que resulta do probatório fixado supra, em momento antecedente da prolação, quer do relatório final, quer da decisão do Comandante da EPS, quer da decisão do recurso hierárquico pelo CEME, é patente a audiência do arguido ora Autor sobre a matéria da acusação, é patente a suficiente individualização na acusação das infracções imputadas e dos correspondentes preceitos legais violados, assim como a realização de diligências essenciais para a descoberta da verdade, não nos deparando por isso perante qualquer nulidade insuprível, sendo que em torno de quaisquer outras eventuais nulidades, as mesmas têm forçosamente de considera-se sanadas por que assim não resultou provado que quanto às mesmas tenham sido expressamente invocadas pelo arguido ora Autor até ao decurso do prazo previsto para a emissão da decisão final, ou seja, antes que seja decorrido o prazo de 15 dias, pois que assim não foi invocado pelo arguido ora Autor.

Como assim julgamos, a única questão por si suscitada nos autos que poderia ser por nós acolhida no seu mérito, contenderia com a inquirição das duas das testemunhas por si arroladas [CC e DD], que como resultou provado [cfr. ponto 5 do probatório] foram ouvidas em 26 de agosto de 2011 sem a presença do Senhor mandatário do arguido, mas quanto ao que o instrutor o veio a notificar pessoalmente, entregando-lhe cópia dos autos de inquirição e para efeitos da re-inquirição dessas testemunhas, caso assim o requeresse, o que nada veio a alegar e/ou a requerer o Senhor mandatário, nulidade essa que a temos por suprida.

Como assim invoca o Autor, pode ter havido erro na interpretação dos factos e bem assim na subsunção desses factos ao direito.

Mas nesse domínio, estamos é perante a ocorrência de violação de lei, invalidade esta que é sancionada com a mera anulabilidade, o que fazia impender sobre o interessado, neste caso o Autor, o ónus da sua tempestiva alegação junto do Tribunal.

Vejamos.

No nosso ordenamento jurídico, a sanção regra que recai sobre um acto administrativo inválido é a da sua anulabilidade [Cfr. artigo 135.º do CPA – tempus regit actum], só ocorrendo a sua nulidade quando lhe faltar um dos seus elementos essenciais ou quando a lei expressamente o sancione com essa forma de invalidade [Cfr. artigo 133.º do mesmo CPA]. Daí se extrai que só pode assacar-se o regime da nulidade a dois tipos de actos administrativos: aqueles que vêm previstos na Lei – Cfr., designadamente, o artigo 133.º n.º 2 do CPA - e os que o são pela sua própria natureza, isto é, aqueles a que falte qualquer um dos seus elementos essenciais.

Conforme sustenta Esteves de Oliveira e Outros, in
Código de Procedimento Administrativo Anotado, Almedina, Coimbra, 2.ª edição, página 642, os elementos essenciais do acto administrativo são todos aqueles que se ligam “a momentos ou aspectos legalmente decisivos e graves dos actos administrativos, além daqueles a que se refere já o seu n.º 2.”. Por seu turno, Vieira de Andrade [Validade (do acto administrativo) - in DJAP, VII, página 587], sustenta que “[…] Os elementos essenciais são os indispensáveis para que se constitua qualquer acto administrativo, incluindo os que caracterizam cada espécie concreta. Assim, não pode valer como acto administrativo, uma decisão sem autor, sem destinatário, sem fim público, sem conteúdo, sem forma, ou com vícios graves equiparáveis a tais carências absolutas, em função do tipo de acto administrativo – por exemplo, numa verificação constitutiva, enquanto acto certificativo, deve ter-se por elemento essencial a veracidade dos factos certificados, sendo a falsidade equiparável à carência de objecto ou de conteúdo; do mesmo modo, num acto sancionatório, o procedimento tem de incluir necessariamente a oportunidade de defesa do destinatário. De resto, as hipóteses exemplificativas que constam do n.º 2 do art. 133.º do CPA e que correspondem praticamente aos casos que a jurisprudência, a doutrina e a lei – esta apenas no que toca à administração local, desde o Código Administrativo (art. 363º) […] – foram formulando, revelam, por si, esta ideia de essencialidade estrutural ou funcional, de tal modo que há uma relativa coincidência entre as nulidades por natureza e as nulidades por determinação legal expressa, servindo esta determinação sobretudo para afastar dúvidas ou para estender o regime mais radical a casos que, no entender do legislador, merecem uma reacção mais rigorosa da ordem jurídica, seja por razões estratégicas ou históricas (como acontece no próprio CPA), seja por razões conjunturais (assim tem acontecido, por exemplo, em leis avulsas relativamente a nomeações de funcionários ou a actos contrários a planos urbanísticos)”.

Também é jurisprudência firme do STA, que por elementos essenciais do acto administrativo para efeitos do artigo 133.º, n.º 1, do CPA, devem entender-se os aspectos que integram o conceito de acto administrativo contido no artigo 120.º do mesmo Código, e que a sanção da nulidade só deve ser aplicada aos actos administrativos que, por carecerem dos seus elementos constitutivos, só formalmente têm essa aparência, e a todos aqueles cujo objecto e conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua um crime [Cfr. alínea c), do n.º 2, do artigo 133.º do CPA] – Neste sentido, cfr. Acórdãos do STA datados de 5/6/01, de 16/9/01, de 26/09/01, de 21/3/02, de 14/5/02 e de 17/6/03, proferidos nos recursos n.ºs 47.332, 43.832, 43.832, 221/02, 47.825 e 666/02, respectivamente.

Por outro lado, quanto aqueles actos que são nulos, porque pelo seu teor ou veiculação, violam o conteúdo essencial de um direito fundamental [v.g., cfr. artigo 133.º, n.º 2, alínea d) do CPA], e por reporte à posição assumida pelo Autor, porque o autor do acto sob impugnação concordou com o parecer jurídico datado de 11 de janeiro de 2012, o que importa atentar é sobre se, com a decisão proferida, foi efectivamente violado “o núcleo duro” desse direito constitucional, ou por outra banda, se ocorreu no decorrer da instrução do processo disciplinar nulidade insuprível, ou outra nulidade que tenha sido arguida até ao termo do prazo para a prolação da decisão final, ou se também esta decisão final violou o conteúdo essencial de algum direito fundamental.

Razão porque julgamos não assistir razão ao Autor na sua pretensão que dirigiu a este Tribunal.

Com efeito, o desvalor da ilegalidade assacada pelo Autor ao acto em apreciação, contende apenas com a sua mera legalidade, ou seja, em saber se padece o mesmo [ou não] de vício de violação de lei [de concretas normas, ou por ocorrência de erro nos seus pressupostos de aplicação], mais concretamente, se se encontravam preenchidos os requisitos para efeitos da aplicação da pena disciplinar de que foi alvo.

Ou seja, apesar de o Autor, a final da Petição inicial, requerer a nulidade do acto sob impugnação, as invalidades que lhes assaca [ao acto] são conducentes, apenas, à mera anulabilidade.

Por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai parte do Acórdão deste TCA Norte, proferido no Processo n.º 00235/11.0BEPNF, como segue:

Início da transcrição
“[…]
”XII. A nulidade constitui a forma mais grave de invalidade, tendo como elementos caraterizadores o facto do ato ser “ab initio” totalmente ineficaz não produzindo qualquer efeito (cfr. n.º 1 do art. 134.º do CPA), ser insanável quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão (cfr. n.º 2 do art. 134.º e n.º 1 do art. 137.º ambos do CPA), ser suscetível de impugnação a todo o tempo e perante qualquer tribunal, bem como ser conhecida a todo o tempo por qualquer órgão administrativo, sendo que o reconhecimento da nulidade tem natureza meramente declarativa (cfr. art. 134.º, n.º 2 do CPA), bem como confere aos particulares o direito de desobediência e de resistência passiva perante execução de ato nulo.
XIII. Já a anulabilidade reveste um desvalor menos gravoso, possuindo como traços essenciais o facto de o ato anulável ser juridicamente eficaz e produzir todos os seus efeitos até ao momento em que ocorra a sua anulação ou suspensão (cfr. n.º 2 do art. 127.º do CPA “
a contrario”), de ser suscetível de sanação pelo decurso do tempo, por ratificação, reforma ou conversão (cfr. arts. 136.º, n.º 1, 137.º, n.º 2 e 141.º todos do CPA), de ser obrigatório para os particulares enquanto não for anulado, de carecer de impugnação num prazo certo e determinado ou fixado por lei (cfr. arts. 136.º, n.º 2 do CPA, e 58.º do CPTA), de o pedido de anulação de determinado ato administrativo ter de ser deduzido apenas perante um tribunal administrativo (cfr. art. 136.º, n.º 2 do CPA), sendo que a sentença que procede ao reconhecimento da anulabilidade do ato possui natureza constitutiva.
XIV. No nosso ordenamento jurídico-administrativo a forma de invalidade da nulidade reveste de natureza excecional porquanto o regime regra é o da anulabilidade (cfr. art. 135.º do CPA) (cfr., por todos, Freitas do Amaral in: ob. cit., págs. 408/409).
[…]
XV. Refere a este propósito J.C. Vieira de Andrade (
in: ob. cit., págs. 586/587) que num “… sistema de administração executiva, como o português, a generalidade da doutrina está de acordo em que a anulabilidade constitui a «invalidade-regra», em função das ideias de estabilidade (das relações jurídicas criadas pelos atos ou à sombra deles) e de autoridade (mas não já de «presunção de legalidade»), do ato administrativo - para uns porque a nulidade só existe nos casos expressamente previstos na lei; para outros, porque o regime da nulidade só se aplica em casos de vícios particularmente graves …” (cfr., também, o mesmo Autor em “Nulidade e anulabilidade do ato” in: CJA n.º 43, JAN/FEV 2004, págs. 41 a 48, em especial, págs. 46/47, bem como Freitas do Amaral in: ob. cit., pág. 409).
XVI. Daí que os casos de nulidade no nosso ordenamento são aqueles que vêm estabelecidos no art. 133.º do CPA, normativo este que encerra em si, para além duma remessa para o que se mostre fulminado em lei especial com o desvalor da nulidade, um enunciado genérico que contém a lista das nulidades.
XVII. E reportando-se ao regime decorrente do citado art. 133.º refere Marcelo Rebelo de Sousa (
em “Inexistência jurídica” in: “DJAP”, vol. V, pág. 242) que “… o Código aponta para as seguintes inovações, no domínio que nos importa: 1.º Suprime a figura da nulidade por natureza, ao englobá-la na cláusula geral do n.º 1 do art. 133.º; … 2.º Define de tal modo a nulidade que praticamente cobre todas as situações que a doutrina e a jurisprudência consideravam de inexistência jurídica do ato administrativo. ... Tomando esta segunda inovação, vemos que a nulidade passa a corresponder à falta de qualquer dos elementos essenciais do ato. Definindo Diogo Freitas do Amaral - principal autor material ou informal do Código - elementos de molde a abarcar o que outros setores da doutrina (em que nos integramos) qualificam de pressupostos, e parecendo ser esse o sentido vazado no Código, na previsão do art. 133.º n.º 1 caberiam a falta de sujeito (órgão administrativo), de competência em termos de função do Estado e de competência absoluta, e de suscetibilidade de atuação imputável a órgão da Administração (isto é, por titulares devidamente investidos e preenchendo os requisitos de tal imputação). … Por outras palavras, acarretariam nulidade todos os casos de inidentificabilidade orgânica mínima, bem como os de inidentificabilidade material mínimas (enumerados no n.º 2) …”.
XVIII. Da leitura do dispositivo em referência resulta, assim, para além duma enumeração exemplificativa das situações geradores de nulidade (cfr. o seu n.º 2 quando se emprega a expressão “
designadamente”), uma enumeração genérica de duas situações geradoras igualmente do desvalor da nulidade (cfr. o seu n.º 1), ou seja, por um lado, temos aquelas situações em que por lei especial é fulminado um ato com tal forma de invalidade e, por outro, temos as situações em que um ato é nulo por lhe faltarem os “elementos essenciais”.
XIX. Atente-se, por outro lado, que dúvidas não existem quanto à previsão legal da al. d) do n.º 2 do art. 133.º do CPA de que a mesma é extensível à violação de direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da CRP, bem como aos direitos de caráter análogo àqueles insertos no próprio texto constitucional, ou em norma de direito internacional ou comunitário ou ainda em lei ordinária (cfr. J.C. Vieira de Andrade in: "Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", págs. 87 e segs.; J.M. Cardoso da Costa em "A hierarquia das normas constitucionais a sua função na proteção dos direitos fundamentais" in: BMJ n.º 396, pág. 93; M. Esteves de Oliveira, Pedro C. Gonçalves e J. Pacheco Amorim in: "Código do Procedimento Administrativo", 2.ª edição atualizada, revista e aumentada, pág. 646).
XX. Utilizando a expressão de J.M. Cardoso da Costa temos que o legislador terá pretendido tutelar com o disposto no art. 133.º, n.º 2, al. d) do CPA o "
núcleo duro" da CRP (cfr. citado autor in: loc. e pág. citados supra).
XXI. Defendem J.M. Santos Botelho, A. Pires Esteves e J. Cândido de Pinho em sede de interpretação da expressão "conteúdo essencial de um direito fundamental" utilizada no normativo a que vimos fazendo alusão que ali se consagra uma formulação absoluta e restrita dos direitos fundamentais, sendo "… absoluta na medida em que sanção da nulidade afetará todos os atos administrativos..." e "... restrita já que não será qualquer lesão que será apta a gerar tal nulidade, mas, apenas, a que afete o conteúdo essencial…" (in: "Código do Procedimento Administrativo", 5.ª edição, pág. 799, nota 36).



XXII. Refira-se, ainda, que na previsão em análise estão ainda abrangidos os atos administrativos não só os que violam pelo seu conteúdo ou motivação esse direito fundamental mas também aqueles em cujo procedimento se postergam direitos dessa mesma natureza dos interessados.
XXIII. Caso a violação do direito fundamental não atinja o seu "conteúdo essencial" ou o seu "núcleo duro", então a sanção adequada será a anulabilidade.
[…]”
Fim da transcrição

Posto isto, como já referido, os vícios assacados pelo Autor ao acto sob impugnação, a terem ocorrido, sempre padeceriam os mesmos, apenas, de mera anulabilidade, pelo que, não tendo o acto que negou provimento ao recurso hierárquico e manteve a decisão impugnada da autoria do Comandante da EPS, sido impugnado no prazo de 3 meses, estão os actos em causa [e os seus efeitos], consolidados na ordem jurídica, e assim insusceptíveis de impugnação.

A qualificação da invalidade em causa, pelo Autor, como nulidade, quando o que está em causa, manifestamente, são actos que apenas [neste particular] padecem/padeceriam de vício de violação de lei, não pode servir de fundamento para dar a presente acção como tempestivamente apresentada.

A ocorrência das invocadas invalidades é geradora de mera anulabilidade, que devia ser arguida no prazo de 3 meses, a partir da data do seu conhecimento, nos termos dos artigos 51.º, n.º 1, 59.º, n.ºs 1 e 3 alínea a), e 58.º, n.º 2 alínea b), todos do CPTA, donde, atenta a preclusão desse prazo, é manifesto que caducou o direito de acção.

De maneira que, na particular invocação por parte do Autor de ocorrência de invalidades caracterizadas por nulidade, por julgarmos não estar em causa a afectação do núcleo essencial [em consonância com o que vem invocado pelo Autor] do seu direito a um processo justo e equitativo, assim como a uma pena disciplinar proporcional, nem a ocorrência de nulidade insuprível na instrução do processo disciplinar, nem de outra qualquer nulidade que tenha sido tempestivamente invocada, antes apenas a mera legalidade do acto administrativo, datado de 20 de janeiro de 2012, que decidindo pela negação de provimento do recurso hierárquico interposto manteve assim a decisão disciplinar aplicada pelo Comandante da EPS, por aqui julgamos que a Petição inicial foi intempestivamente apresentada, pois que o prazo de que o Autor dispunha para impugnação do acto lesivo, era de 3 [três] meses, nos termos do artigo 58.º, n.º 2 alínea b) do CPTA, e à data de 05 de novembro de 2013, há muito que o mesmo estava transcorrido, pelo que julgamos procedente a suscitada questão prévia, atinente à caducidade do direito de acção.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Processo disciplinar; Regulamento de disciplina militar; Pena disciplinar de proibição de saída; Anulabilidade; Caducidade do direito de acção.

1 - Pese embora a particular invocação por parte do Autor da ocorrência de invalidades caracterizadas por nulidade, por não estar em causa a afectação do núcleo essencial do seu direito a um processo justo e equitativo, assim como a uma pena disciplinar proporcional, nem a ocorrência de nulidade insuprível na instrução do processo disciplinar, nem de outra qualquer nulidade que tenha sido tempestivamente invocada, antes apenas a mera legalidade do acto administrativo, datado de 20 de janeiro de 2012, que decidindo pela negação de provimento do recurso hierárquico interposto manteve assim a decisão disciplinar aplicada pelo Comandante da EPS, a Petição inicial foi assim intempestivamente apresentada, pois que o prazo de que o Autor dispunha para impugnação do acto lesivo era de 3 [três] meses, contado a partir da data do seu conhecimento, nos termos dos artigos 51.º, n.º 1, 59.º, n.ºs 1 e 3 alínea a), e 58.º, n.º 2 alínea b), todos do CPTA, donde, atenta a preclusão desse prazo, é manifesto que caducou o direito de acção.

2 - A qualificação das invalidades em causa, pelo Autor, como padecendo de nulidade, quando o que está em causa, manifestamente, são actos que apenas [neste particular] padecem/padeceriam de vício de violação de lei, não pode servir de fundamento para dar a presente acção como tempestivamente apresentada.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em julgar ocorrer a caducidade do direito de acção, fundamento que obsta ao prosseguimento do processo, nos termos do artigo 89.º, n.º 1, alínea h), do CPTA, e consequentemente determinamos a absolvição do Réu da instância.

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Custas a cargo do Autor – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.
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Porto, 24 de março de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, Relator
Antero Salvador, 1.º Adjunto
António Francisco Alves Rosa, 2.º Adjunto, Juiz Militar