Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00421/14.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/14/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA;
INSPECÇÕES PERIÓDICAS A VEÍCULOS/IMTT;
DIREITOS FUNDAMENTAIS;
Sumário:-
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
[SCom01...], Lda. instaurou acção administrativa especial contra o Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, IP (IMTT, IP), ambos melhor identificados nos autos, formulando os seguintes pedidos:
a) A declaração de nulidade e/ou inexistência do acto administrativo produzido, em 28.11.13, pelo Conselho Directivo do IMTT, IP, por violação do disposto na alínea d) do nº 2, do artº 133º do C.P.A.; ou, caso assim se não entenda,
b) A anulação daquele mesmo acto administrativo, por vício de violação de lei, designadamente dos 3º, 5º, 6º, 6ºA, 9º, 100º, 107º, 124º, nº 1, al. a) e c) e 125º do CPA, 1º, 2º, 13º, 266º e 268º da CRP;
c) A declaração de nulidade e/ou inexistência do acto administrativo proferido em 28.01.95, pelo Sr. Director-geral de Viação, ao abrigo do disposto na alínea d) do nº 2 do art. 133º do CPA, por o mesmo ofender gravemente o conteúdo essencial dos direitos fundamentais da Igualdade, da Justiça e da Boa-fé e os princípios gerais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade e da boa-fé, consagrados nos artºs 13º e nº 2 do 266º e 268º da CRP e nos 3º, 5º, 6º e 6º A do CPA;
d) A declaração de nulidade e/ou inexistência do acto administrativo produzido, em 28.11.13, pelo Conselho Directivo do IMTT, IP, por violação do disposto na alínea d) do n° 2, do art° 133° do C.P.A.; ou, caso assim se não entenda,
e) A anulação daquele mesmo acto administrativo, por vício de violação de lei, designadamente dos 3°, 5°, 6°, 6°A, 9°, 100°, 107°, 124°, n° 1, al. a) e c) e 125° do CPA, 1°, 2°, 13°, 266° e 268° da CRP;
f) A declaração de nulidade e/ou inexistência do acto administrativo proferido em 28.01.95, pelo Sr. Director-geral de Viação, ao abrigo do disposto na alínea d) do n° 2 do art. 133° do CPA, por o mesmo ofender gravemente o conteúdo essencial dos direitos fundamentais da Igualdade, da Justiça e da Boa-fé e os princípios gerais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade e da boa-fé, consagrados nos art°s 13° e n° 2 do 266° e 268° da CRP e nos 3°, 5°, 6° e 6° A do CPA;
Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
Quanto à falta de acatamento do acórdão do TCAN:
A. A douta sentença ora recorrida surge em consequência do acórdão do TCAN, de 05/02/2021, que decidiu pela improcedência do caso julgado, tendo os autos baixado à primeira instância para apreciação dos vícios do ato impugnado, nomeadamente, falta de fundamentação, preterição da audiência prévia e violação do princípio da igualda.
B. Pelo que, o Tribunal a quo teria de apreciar se o dever de fundamentação foi cumprido, a preterição da audiência prévia e a violação do princípio da igualdade - o que não sucedeu, não tendo aquele Tribunal acatado o acórdão do TCAN.

C. Salvo melhor opinião, considerar inoperante o princípio da igualdade e reduzir a preterição da audiência prévia a uma formalidade não essencial, com o fundamento de que o acto não poderia ser outro, face ao acórdão do STA, é uma forma de atingir os mesmos efeitos do caso julgado, quando o TCAN decidiu pela sua inexistência.
D. Dito de outra forma, o TCAN considerou não existir a exceção de caso julgado, mas o tribunal a quo, de forma indireta conseguiu manter os mesmos efeitos daquela exceção, não apreciando o mérito sobre a existência ou não dos vícios do ato em causa. - em violação do nº 1 do artº 11º do ETAF e artº 4º da Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto - Lei da Organização do Sistema Judiciário.
Quanto à violação da tutela jurisdicional efetiva:
E. O acórdão do TCAN que antecede a sentença que ora se recorre, diz o seguinte: "(...) o eventual reconhecimento da violação do princípio da igualdade poderá ser causa de revogação do ato proferido aos 28.01.1995, conforme requerido em 03.05.2007 e poderá, ainda, ser gerador de responsabilidade civil pela prática de factos ilícitos. (...) Assim, tal como foi configurada a petição inicial, a concreta pretensão consiste em obrigar a Entidade Demandada a apreciar o requerimento de 03.05.2007 e, em específico, a verificar a existência ou não de tratamento desigual, mas que, previamente, permita à Recorrente o exercício de audiência prévia e que a decisão final seja devidamente fundamentada, ou seja, que explique com factos devidamente comprovados que os centros de inspeções mencionados em 26, 29 e 104 da petição inicial estavam ou não nas mesmas condições do centro da aqui Recorrente e em caso afirmativo, porque foi autorizado o início da atividade daqueles quando o da Recorrente foi indeferido. Como também invocado, a concretização de tal pretensão revela-se essencial para o cumprimento da tutela jurisdicional efetiva e que consiste no direito da Recorrente ter um procedimento justo, ou seja, o direito a ser tratada de forma igual aos demais interessados e no direito de exercer o contraditório e a obter uma decisão, devidamente, fundamentada. (...) não há caso jugado, sob pena de a questão da preterição da audiência prévia e da violação do princípio da igualdade jamais ser apreciada e decidida, impedindo o ressarcimento dos prejuízos sofridos pela Recorrente (...).”

F. A interpretação que o Tribunal a quo fez conduz ao resultado prático de cercear a tutela jurisdicional efetiva da recorrente, impedindo a emissão de um juízo sobre o mérito da pretensão anulatória, pelo que, a douta sentença viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrado (artigo 20º da CRP e 7º do CPTA) - o que gera a sua nulidade - artigo 615º nº 1 al. b) do CPC.
Quanto aos vícios do ato impugnado:
G. O ato impugnado (Deliberação de 28 de novembro de 2013) padece dos seguintes vícios: falta de fundamentação; preterição de audiência prévia; violação do princípio da igualdade.
1) Quanto à falta de fundamentação:
H. Tal ato é o culminar do pedido de revogação apresentado pelo ora recorrente em 03 de maio de 2007 - vide facto J
I. Tal pedido foi objeto de apreciação jurídica (fato K), no sentido de o ato praticado em 28 de janeiro de 1995 ser violador do princípio da igualdade, na medida em que, em situações similares à da ora recorrente, o recorrido concedeu autorização para o início da atividade.
J. Conforme consta do douto parecer jurídico, o indeferimento do início
da atividade da recorrente “é tratar de maneira diferenciada situações idênticas, ou seja, em violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade, plasmados nos artigos 5º e 6º do CPA - vide facto K.

K. O ato ora impugnado fez tábua rasa sobre tal parecer e despacho de “concordo” nele aposto, ignorando-os completamente, sem que o decisor tivesse justificado ou explicado as razões que o fizeram decidir em sentido contrário a tal parecer jurídico, tendo optado por aderir a uma informação completamente contrária, diga-se, sem a devida fundamentação quer de facto quer de direito.
L. Qualquer pessoa ou destinatário normal não percebe o iter cogniscitivo constante do ato recorrido, ficando sem condições de saber quais os motivos porque se decidiu num sentido e não noutro. Em concreto, não se sabe e nem se consegue saber, porque é que o recorrido não considerou o parecer jurídico de 26 de outubro de 2007. E nem se percebe a razão pela qual teve necessidade de pedir mais informações técnicas quando o processo estava devidamente instruído e informado.

M. Decorre do artigo 124º, nº 1, alínea c) do CPA (antigo) que “os atos administrativos devem ser fundamentados quando decidam em contrário de parecer ou informação”.
N. É entendimento da jurisprudência que, quando tal sucede, há um dever especial acrescido de fundamentação, no sentido de que o autor do ato deve explicar a razão pela qual não concorda com as posições anteriormente expressas pelos serviços, neste caso, serviços jurídicos.
O. Assim sendo, com o devido respeito e salvo melhor opinião, o Tribunal fez errada apreciação da matéria de facto, pois não considerou os factos provados em J. e K. e bem como fez uma errada aplicação do direito, uma vez que não considerou o disposto no artigo 124º, nº 1, alínea c) do CPA (antigo), o qual deve ser interpretado no sentido de que, face a informações ou pareceres jurídicos divergentes, recai sobre a entidade decisora um dever especial acrescido de fundamentação sobre os motivos da escolha de um em detrimento de outro na tomada de decisão.
P. Pelo que, salvo melhor opinião, o ato impugnado padece de vício de forma (falta de fundamentação) - o que gera a sua anulabilidade (arts.123º, nº1, alínea d), 124º, nº1, alíneas a) e c), 125º e 135º, todos do CPA (antigo).
2) Quanto à violação do princípio da igualdade:
Q. A atuação do recorrido não decorre do exercício de poderes vinculados, até porque existem pareceres jurídicos em sentidos divergentes, sendo que, conforme resulta da matéria provada na douta sentença transcrita no facto L, foi proferida informação no âmbito da qual foram sugeridos dois “caminhos”: a convalidação temporal do ato ou a revogação do ato proferido em janeiro de 1995 ao abrigo do artigo 140º do CPA (antigo), ou seja, são os próprios serviços jurídicos do recorrido que reconhecem a existência de uma ampla discricionariedade, não estando, por isso, a atuação do Recorrido dependente de poderes vinculados.

R. Tendo em conta que os serviços jurídicos do recorrido reconheceram expressamente a violação do princípio da igualdade (facto K), deveria o Tribunal ter apreciado e concluído pela violação do referido princípio.
S. Sempre deveria ter chegado a tal conclusão, pela repartição do ónus da prova, pois que, é entendimento dominante, quer da jurisprudência, quer da doutrina, que tal ónus cabe à entidade decisória, - vide, neste sentido, AROSO DE ALMEIDA E CADILHA que sustentam, em anotação ao art. 90º do CPTA: A propósito da impugnação de actos praticados no uso de poderes discricionários sustentam que ... «(...)Neste domínio, parece de admitir que ao impugnante deva caber a prova de que a Administração actuou contra os princípios jurídicos a que devia obediência ou que fez “mau uso” dos seus poderes discricionários, ao passo que a Administração deve suportar o ónus da prova da validade da sua actuação quando a decisão seja aparentemente desrazoável ou violadora dos princípios da imparcialidade, da igualdade, da justiça e da proporcionalidade.(...)», Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pp. 606, 607.
T. Por outro lado, a alteração legislativa introduzida pelo DL 190/94, quanto à exigência de concurso público para a instalação de centros nunca tornaria inoperante o princípio da igualdade, uma vez que, conforme resulta do preâmbulo do DL 550/99 e do facto provado em K, o recorrido autorizou o início de atividade, após a entrada em vigor dessa alteração legislativa, relativamente a outros centros de inspeção em situação similar à da recorrente.
U. Acresce que, o recorrido poderia/deveria revogar o ato praticado em janeiro de 1995, com efeitos retroativos - vide artigo 145º, nº3 do CPA (antigo).
Sempre:
V. A apreciação e o reconhecimento da violação do princípio da igualdade impunha-se, se mais não fosse, para efeitos de tutela indemnizatória pela prática de factos ilícitos.
W. Fez, pois, o Tribunal errada interpretação do princípio da igualdade, sendo que, atento os factos provados nas alíneas J e K e bem como o facto de o ónus da prova caber ao recorrido, torna-se evidente que, no caso concreto, o ato impugnado violou o princípio da igualdade - artigo 5º do CPA (antigo).

3) Quanto à preterição do direito de audiência prévia
X. Reconhecendo a preterição da audiência prévia, o Tribunal considerou que a omissão de tal formalidade se teria degradado em não essencial, por se afigurar a intervenção da ora recorrente como irrelevante para a boa decisão e que, além disso, a decisão ora impugnada não poderia ser diferente daquela que foi.
Y. Com o devido respeito, não se pode aceitar tal entendimento, pois que resulta claramente do facto provado em K e do preâmbulo do DL 550/99 e bem como da matéria dada como provada em 13. da douta sentença transcrita no facto L que existia uma margem de discricionariedade técnica e jurídica sobre a pretensão apresentada pelo requerimento transcrito em J.
Z. Em concreto, os serviços do recorrido informaram, inicialmente, no sentido da violação do princípio da igualdade, posteriormente apresentaram dois “caminhos” (convalidação ou revogação do ato) e, decorridos cerca de 6 anos, sem qualquer justificação informaram no sentido da inexistência da violação do princípio da igualdade.
AA. Perante tal incerteza, em virtude das informações divergentes, impunha-se o exercício da audiência prévia pela recorrente, de forma a possibilitar o pleno exercício do contraditório e, em específico, a possibilidade de influenciar o decisor na tomada de decisão.
BB. Impunha-se, ainda, com mais acuidade o exercício de tal direito porque a decisão impugnada é contrária às informações anteriores, tendo subjacente uma informação completamente nova e nunca notificada ao recorrente, pelo que, estamos perante uma decisão surpresa - e, por isso, legalmente proibido.
CC. Por outro lado, o exercício do direito de audiência prévia poderia permitir à recorrente requerer meios de prova, nomeadamente, pericial, a fim de comprovar que o recorrido aprovou o início de atividade de outros centros nas mesmas situações da recorrente.
DD. Fez, pois, o Tribunal errada apreciação do disposto nos artigos 100º e seguintes do CPA (antigo) e 267º, nº 5 do CRP, os quais devem ser interpretados no sentido de que é obrigatória audiência prévia dos interessados quando o decisor pratica um ato com base em informação dos serviços divergente das anteriores.

4) Quanto à nulidade do ato impugnado por ofensa do caso julgado:
EE. O novo ato ora impugnado não passa de uma execução meramente formal ou aparente da sentença proferida no processo nº 2032/08.1BEPRT, mas que, na realidade, mantém, sem fundamento válido, a situação ilegalmente constituída pelo ato anulado - vide neste sentido o douto acórdão do Pleno do STA de 15 de novembro de 2006, processo 01A/02.
FF. Pelo que, o ato impugnado é nulo por ofensa do caso julgado (artigo 133, nº 2, al. h) CPA antigo - nulidade que aqui expressamente se invoca.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado por provado e procedente, devendo o Tribunal proferir acórdão a declarar que a deliberação de 28 de novembro de 2013 padece dos vícios invocados e, consequentemente, declarar a sua anulação, condenando o recorrido a proferir novo ato sem os invocados vícios, no sentido do parecer jurídico dado como provado em K).
JUSTIÇA!
O Réu juntou contra-alegações, concluindo:
1. Não está a douta sentença recorrida ferida de qualquer irregularidade, invalidade ou nulidade;
2. Não ocorreu a alegada falta de acatamento do acórdão do TCAN;
3. Não ocorreu a alegada violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva;
4. Bem decidiu a sentença em apreço após analisar sobre as questões de saber se a deliberação do Conselho Directivo do IMTT, de 28.11.2013, padecia dos seguintes vícios: preterição da audiência de interessados, falta de fundamentação e violação do princípio da igualdade;
5. Bem decidiu a sentença em apreço ao decidir totalmente improcedente a ação, e a absolver o Réu de todo o peticionado, condenando a Autora em custas.
Nestes termos, deverá ser negado provimento ao Recurso.

Assim será cumprido o Direito e feita Justiça.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão ficou assente a seguinte factualidade:
A. Em 06.07.1994, a [SCom01...], Lda solicitou à Direcção-Geral de Viação (DGV) autorização para o exercício da actividade de inspecções periódicas obrigatórias a veículos, ao abrigo do disposto no artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 254/92, de 20 de Novembro (cf. fls. 1 a 25 do processo administrativo junto aos autos com o dossier vermelho, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
B. Por despacho do Secretário de Estado da Administração Interna, datado de 01.08.1994, foi a [SCom01...], Lda autorizada a exercer a actividade de inspecção periódica de veículos (cf. fls. 28 do processo administrativo junto aos autos com o dossier vermelho, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
C. Em 29.09.1994, a [SCom01...], Lda requereu ao Director-Geral de Viação de Lisboa, de acordo com a Portaria n.° 297/93, de 16 de Março, a aprovação das instalações e equipamentos das suas novas instalações sito em Lugar ..., ..., ..., tendo sido requerido em 07.10.1994 a entrega de determinados documentos em falta, que foram juntos em 08.11.1994 (cf. fls. 30 a 50 do processo administrativo junto aos autos com o dossier vermelho, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
D. Em 03.11.1994, o Director de Serviços de Veículos e Circulação Rodoviária da DGV solicitou ao Director de Serviços de Viação do Norte que fosse promovida vistoria, com carácter de urgência, às instalações do Centro de Inspecções pertença da [SCom01...], Lda, tendo aquela Direcção informado que o dito Centro de Inspecção não se encontrava concluído, o que só ocorreria em Dezembro de 1994 (cf. fls. 51 do processo administrativo junto aos autos com o dossier vermelho, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
E. Foi então elaborada a Informação n.° 67 DSVCRDV, de 26.01, com o teor de fls. 53 e 54 do processo administrativo que se dão aqui por integralmente reproduzidas, tendo sido proposto o indeferimento do pedido, com o seguinte fundamento “tendo a requerente assumido através do seu requerimento de 29.09.1994 encontrar-se as instalações em condições de aprovação, e verificando-se posteriormente não corresponder tal facto à realidade, parece dever o seu pedido ser indeferido, sem prejuízo da análise jurídica do assunto”, tendo sobre essa proposta recaído despacho do Director Geral de Viação, proferido em 28.01.1995 de indeferimento do pedido de início de actividade, por o centro de encontrar ainda em obras e só estar pronto em finais de Dezembro de 1994 (cf. fls. 53 e 54 do processo administrativo junto aos autos com o dossier vermelho, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
F. Não se conformando com este despacho, a [SCom01...], Lda interpôs recurso hierárquico, em 17.02.1995, para o Secretário de Estado da Administração Interna, que o indeferiu com os seguintes fundamentos:
«(...) Como se pode ler na Informação n° ...7 DSVCR/DV, de 26 de Janeiro (de 1995), - ponto n° 1 -, em 29 de Setembro de 1994, a ora Recorrente solicitou a aprovação das instalações e equipamentos do seu Centro de ....
4. Pedido, aquele, que, face às razões invocadas na mencionada Informação n° ...7 - bem como ao parecer que sobre a mesma recaiu - foi indeferido por despacho de 28 de Janeiro de 1995, da autoria do Senhor Director-Geral de Viação (despacho exarado na citada Informação).
5. Tal despacho foi comunicado à Recorrente, através do ofício n° ...4..., de 9 de Fevereiro de 1995, constante do processo - e que aqui se dá por reproduzido.
6. O objecto do presente recurso é, assim, o despacho acima identificado, de 28.1.95, do Senhor Director-Geral de Viação.
IV
7. Na perspectiva da Recorrente - como se verifica da sua petição de recurso, que toda aqui se dá por transcrita -, o acto recorrido é ilegal pelo seguinte:
Por violar o n° 5 da Portaria n° 297/93, de 16 de Março (art. 18° da p.r.);
Por violar todas as expectativas criadas pelo deferimento do pedido de autorização, de 1 de Agosto de 1994 (art. 19° da p.r.).
(...)
Julgamos que não.
Eis porquê.
13. Em conformidade com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, do Decreto-Lei n° 190/94, de 18 de Julho (1), as aberturas dos centros de inspeções serão objecto de concurso público, aberto por despacho do Ministro da Administração Interna, sob proposta do director-geral de Viação.
14. Por força do seu artigo 14°, o diploma legal acima referido entrou em vigor no dia 1 de Outubro de 1994.

15. Por quanto antecede, à data em que foi emitido o acto recorrido - despacho de 28 de Janeiro de 1995, da autoria do Senhor Director-Geral de Viação -, o sistema anterior da lei - em que se inseria a Portaria n° 297/93, de 16 de Março, particularmente no seu n° 1 - que permitia o início de atividade de um centro de inspeção, sem que o candidato fosse escolhido mediante prévio concurso público, encontrava-se banido da ordem jurídica, tendo sido substituído pelas pertinentes disposições do mencionado Decreto-Lei n° 190/94, actualmente complementado pela Portaria n° 262/95, de 1 de Abril.
16. De onde resulta que, à data em que foi emitida a decisão sob recurso, pretensão da Interessada não podia, materialmente, merecer provimento.
17. Como atrás dissemos, entende a Recorrente que, tendo formulado, em 5 de Julho de 1994, um pedido para que lhe fosse concedida autorização para exercer a atividade de inspeção periódica a veículos, não lhe seria aplicável o regime constante do Decreto-Lei n° 190/94, de 18 de Julho.
Não é, assim, contudo.
O Decreto-Lei n° 190/94, citado, por força do disposto, entre outros, no artigo 12° do Código Civil - e por não conter qualquer cláusula de salvaguarda ou norma de excepção - aplica-se a todas as situações de abertura de centros de inspeção, que se venham a verificar a partir de 1 de Outubro de 1994, inclusive, pelo que é irrelevante, a esta luz, que a Recorrente tenha solicitado, como diz, em 5 de Julho de 1994, ao Senhor Director-Geral de Viação, autorização para exercer a atividade de inspecções periódicas obrigatórias a veículos. (...)».
(cf. fls. 96 a 109 do processo administrativo junto aos autos com o dossier vermelho, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
G. Em 95.03.1995, a Direcção-Geral de Viação elaborou a informação n.° ...... com o seguinte teor (Cf. documento n.°... junto aos autos com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]


H. Após, a [SCom01...], Lda intentou o respectivo recurso contencioso de anulação (cf. fls. 110 a 141 do processo administrativo junto aos autos com o dossier vermelho, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
I. Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.09.1998 (rec.º n.º 40921), foi o recurso contencioso julgado totalmente improcedente, nos termos e fundamentos (cf. fls. 173 a 176 do processo administrativo junto aos autos com o dossier vermelho, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
«(...) Doutrina que dimana da decisão:
(...)
3 – Art. 12.° do Decreto-Lei n.° 190/94, de 18 de Julho, veio impor a realização de concurso público para o exercício por entidades privadas da actividade de inspecção periódica de veículos.
4 - Não tendo o diploma em causa estabelecido qualquer regra transitória relativa aos processos iniciados no domínio do regime anterior, a obrigatoriedade de concurso impõe-se relativamente a todas as autorizações a
conceder posteriormente à sua entrada em vigor (1/10/94), independentemente de o diploma regulamentar previsto no n.° 3 do mesmo dispositivo não ter ainda sido publicado.
Recurso n.° 40921. Recorrente: [SCom01...], L. n; Recorrido:
Secretário de Estado da Administração Interna; Relator: Exm.° Cons.° Dr. «AA».
Acordam na 1.º Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA):
[SCom01...], Lda com sede na freguesia ... -..., recorre contenciosamente do despacho do Secretário de Estado da Administração Interna de 7/7/95, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto do despacho do Diretor Geral de Viação de 28/1/95 que lhe indeferiu o pedido
de início de atividades de inspeções periódicas obrigatórias a veículos.
Culminou a sua alegação, formulando as seguintes conclusões:
1.º - Nos termos do art.º 12º. do Cód. Civil, a lei apenas dispõe para o futuro e, quando se aplica ao passado,
presume-se que há intenção de respeitar os efeitos jurídicos já produzidos.
2.º - Tendo a recorrente começado a instruir o processo para exercer a atividade de inspeções periódicas a veículos no âmbito do Dec. Lei n.° 245/92, de 20 de Novembro e respectiva Portaria Regulamentar n.° 297/96, de 16 de Março, e tendo sido praticados no domínio destes diplomas os actos de deferimento do pedido inicial, em l de Agosto de 1994, através de Despacho do Senhor Secretário de Estado da Administração Interna, devidamente publicado no Diário da República em 25 de Agosto seguinte, a recorrente adquiriu o direito a que todo o seu processo se subordinasse às disposições dos referidos diplomas legais.
3.º - A prática dos atos de deferimento é publicação atrás referidos produziu os correspondentes efeitos e criou as também correspondentes expectativas na esfera jurídica da recorrente, o que não pode ser contrariado por diploma diferente e posterior, sob pena de se violarem os direitos adquiridos e as expectativas criadas, bem como os princípios da confiança, da previsibilidade, da certeza e da segurança e ainda sob pena de se agir contra a doutrina jurisprudência dominante.
4.º Realmente, a sujeição, in casu, à disciplina do Dec. Lei n.º 190/94, de 18 de Julho e respectiva Portaria Regulamentar n.° 262/95, de 1 de Abril, implica a criação de diferentes e mais gravosas condições para a recorrente, pelo que não é indiferente a aplicação da anterior ou nova lei.
5.º - Sendo certo que o Dec. Lei n.º 190/94, de 18 de Julho, no que concerne à abertura de centros de inspeção a veículos não entrou em vigor no dia 1 de Outubro de 1994, nem sequer em 28 de Janeiro de 1995, data do despacho de indeferimento, mas apenas no dia 1 de Abril de 1995, data da publicação da Portaria Regulamentar n.º 262/95, exigida pelo disposto no art.º 12.º, n.º3, do mesmo Dec. Lei n.º 190/94.
6.º - De facto, constitui princípio geral do Direito Administrativo, segundo o qual, as disposições legais, na parte em que devem ser regulamentadas, apenas entram em vigor na data em que forem publicados os respectivos regulamentos.
7.º - Assim, em 20 de Janeiro de 1995, data do despacho de indeferimento do Sr. Director Geral de Viação, ainda se encontravam em vigor os Dec. Lei n.° 254/92 e Portaria n.° 297/93, a qual, no seu art.º 5.º determina que, no caso de o Centro não reunir condições para ser aprovado, o requerente deve ser notificado para efectuar as correções necessárias.
8.º - Consequentemente, verificado que em 19 de Novembro de 1994, as instalações ainda se não encontravam concluídas, o Sr. Director Geral de Viação, por imposição legal, deveria ler notificado a recorrente para efectuar as correções necessárias, e não proferir despacho de indeferimento como o fez.
9.º - O Sr. Secretário de Estado fundamentou o seu despacho de improcedência no facto de, em 25 de Janeiro de 1995, se encontrar em vigor o Dec. Lei n.° 190/94 e não a legislação anterior, o que Director Geral de Viação se basear na não conclusão das obras, objecto sobre o qual o Sr. Secretário de Estado se não pronunciou.
10.º - Assim, o Sr. Secretário de Estado, ao fundamentar como fundamentou o seu despacho, conheceu questão de que não podia tomar conhecimento e deixou de se pronunciar sobre questão que devia apreciar.
11.º Não é rigorosamente verdade que não tenha sido praticada nenhum acto que tivesse autorizado a recorrente a iniciar a actividade no domínio da anterior legislação, uma vez que foram realmente
praticados os actos de deferimento do requerimento inicial para o exercício da atividade e a publicação do mesmo acto no Diário da República, actos necessariamente imprescindíveis para o acto final de autorização do início de actividade
12.º - Ao decidir como decidiu, o Senhor Secretário de Estado violou, para além do mais, o disposto no Dec. Lei n.º 254/92, de 20 de Novembro, Portaria n.º 297/93, de 16 de Março, art. 668.º, n.º 1, al. e) do Cod. P. Civil, então em vigor, art..º 12°, n.º 3 do Dec. Lei n.° 190/94, de 18 de Julho e art.° 12° do Cód. Civil, bem como os princípios referidos nas anteriores conclusões 3.º e 6.º.
13.º - O que torna o despacho ferido de nulidade por violação de lei ou, pelo menos, de anulabilidade. Contra-alegou a entidade recorrida sustentando a legalidade do acto.
O Exm.°. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido do improvimento do recurso, referindo, em síntese:
“... pedido do requerente não podia ser deferido nem ao abrigo do regime do Dec. Lei n.° 190/94, que faz depender a concessão de autorização da atividade de inspeção de veículos de prévio concurso publico, nem ao abrigo do regime em vigor à data em que formulou o pedido porque não preenchia os requisitos exigidos pela lei então vigente - instalações concluídas e prontas a funcionar o que era verificado por vistoria a efectuar pela DGV – cfr. n.º1 e 4 da Portaria n.º 297/93, de 16/03.
Inexiste, assim, qualquer violação do disposto na Portaria n.º 297/93, cuja inobservância, como se disse, levou ao indeferimento do pedido, objecto do recurso hierárquico, designadamente o seu n.º 5, já que tendo caducado o regime instituído pelo Dec. Lei n.° 254/92 e por ela regulamentado não fazia sentido notificar o recorrente “para efectuar as correcções necessárias” quando era sabido que, nessa altura, já tal regime de autorização era inaplicável por já se não encontrar em vigor”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Considera-se provada a seguinte matéria de facto:
a) Em 29/9/94 a ora recorrente requereu ao Director Geral de Viação, "de acordo com a Portaria 297/93, de 16 de Março, a aprovação de instalações e equipamentos das suas novas instalações sito no Lugar ... - ... - ..., para efeitos de ai poder iniciar a atividade de inspeção periódica obrigatória de veículos.
b) Sobre tal requerimento os serviços da DGV prestaram a seguinte informação:
"1 - Em 29.SET.1994, a empresa [SCom01...] solicitou a aprovação das instalações e equipamentos do seu Centro de ...
2 - Solicitada à D.V. Norte, através de oficio de 3.NOV.94, a inspecção do referido centro, informou aquele serviço em 29/11/94 não estar o centro concluído (só em Dezembro).
3 - (...)
Em face do referido em 2, tendo a requerente assumido através do seu requerimento de 29.SET.94 encontrarem-se as instalações em condições de aprovação, e verificando-se posteriormente não corresponder tal facto à realidade, parece dever o seu pedido ser indeferido, sem prejuízo de análise jurídica do assunto.
c) Sobre esta informação foi, em 27/1/95, lavrada a seguinte proposta: "À consideração do Senhor Director Geral, propondo que seja indeferido o pedido de início de atividade, visto que, como consta da informação da D.V. Norte, o Centro se encontrava em obras e só estaria pronto em finais de Dezembro
d) Em 28/1/95 e a seguir e esta proposta, o Director Geral de Viação exarou o despacho de "Concordo
e) Inconformado com esta decisão, recorreu hierarquicamente para o Secretário de Estado da Administração Interna.
f) Sobre este recurso incidiu o parecer da respectiva Auditoria Jurídica n.º 416-R/95, do qual se transcreve a parte mais relevante e que é do seguinte teor:
“13. Em conformidade com o disposto no artigo 1.2.º, n.°2, do Dec. Lei n.º 190/94, de 18 de Julho, as aberturas dos centros de inspeções serão objecto de concurso público, aberto por despacho do Ministro da Administração Interna. sob proposta do Director Geral de Viação.
14. Por fora do seu artigo 14°, o diploma legal acima referida entrou em vigor no dia 1 de Outubro de 1994.
15. Por quanto antecede, à data em que foi emitido o acto recorrido despacho de 28 de Janeiro de 1995, da autoria do Senhor Director Geral de Viação que permitia inicio de atividade de um centro de inspecção, sem que o candidato fosse escolhido mediante prévio concurso público, encontrava-se banido de ordem jurídica, tendo sido substituído pelas pertinentes disposições do mencionado Decreto-Lei n.° 120/94, atualmente complementado pela Portaria n.° 262/95, de 1 de Abril.
16. De onde resulta que, à data em que foi emitida a decisão sob recurso, a pretensão da interessada não podia, materialmente, merecer provimento.
16. Como atrás dissemos, entende a recorrente que, tendo formulado, em 5 de Julho de 1994. um pedido para que fosse concedida autorização para exercer actividade de inspecção periódica a veículos, não lhe seria aplicável o regime constante do Decreto-Lei n.º 190/94, de 18 de Julho;
Não é, assim, contudo.
18. O Dec. Lei n° 190/94, citado, por força do disposto, entre outros, no artigo 12º do Código Civil - e por não conter qualquer cláusula de salvaguarda ou norma de exceção - aplica-se a todas as situações de abertura de centros de inspecção, que se venham a verificar a partir de 1 de Outubro 1994, inclusive, pelo que é irrelevante, a esta luz, que a recorrente tenha solicitado, como diz, autorização para exercer a actividade de inspeções periódicas obrigatórias a veículos.
Assim:
Caso Vossa Excelência se digne concordar com este parecer, poderá, querendo, julgar o presente recurso IMPROCEDENTE!
g) Sobre este parecer, o Secretário de Estado da Administração Interna exarou, em 7 de Julho de 1995, o seguinte
despacho:
"Homologo o presente parecer pelo que julgo improcedente o recurso".
É este o acto contenciosamente impugnado.
A primeira questão que importa resolver é a relativa à invocada violação do disposto no art.° 668° al. e) do Cód. de Processo Civil pois, segundo alega a recorrente, o acto impugnado conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento e deixou de se pronunciar sobre questão que devia apreciar.
Esta alegação tem por base o facto de a entidade recorrida, ao negar provimento ao recurso hierárquico, confirmou o indeferimento da pretensão do requerente mas por fundamento diverso do constante do acto impugnado graciosamente.
Enquanto o despacho do Director Geral de Viação indeferiu a pretensão da recorrente com base no facto de as instalações não estarem preparadas para o exercício da actividade de inspecção automóvel, o despacho do Secretário de Estado da Administração Interna, que constitui o acto ora impugnado contenciosamente, pelo facto de o Dec. Lei n.° 190/94, de 18/7, impor a realização de concurso público para efeitos de abertura dos centros de inspecção automóvel.
Há que referir, em primeiro lugar, que a citada norma do C.P.C. diz respeito às sentenças dos tribunais que não tem paralelo com os actos administrativos, não sendo por isso aplicável ao procedimento administrativo.
À questão suscitada tem, porém, subjacente o problema da natureza e âmbito do recurso hierárquico necessário. Ora, a jurisprudência deste STA tem vindo a abandonar a tese do recurso hierárquico necessário, como o dos autos, como recurso de "revisão" em que o superior se limita a apreciar a legalidade do acto do subalterno; ao invés, tem vindo a firmar-se no sentido de que se trata de um recurso de "tipo reexame", no qual o órgão de topo da hierarquia aprecia de novo toda a situação concreta sobre que incidiu a decisão impugnada, proferindo nova decisão, através da prolação de um acto de 2° grau.
Ou seja, o acto administrativo proferido em decisão de recurso hierárquico não se limita a aferir da legalidade do acto graciosamente impugnado, antes reanalisa a situação na sua globalidade, pelo que, ao decidir o recurso hierárquico necessário, o órgão de topo da hierarquia administrativa debruça-se sobre toda a situação concreta já analisada pelo subordinado - cfr. acs. do Pleno de 17/3/92, (...)
Esta orientação veio a ser consagrada no Cód. de Procedimento Administrativo que no seu art. 174.º, n.º2, estabelece a regra de que o órgão competente para conhecer do recurso pode “sem sujeição ao pedido do recorrente, e salvas as excepções previstas na lei, confirmar ou revogar o acto recorrido, dispondo igualmente o n.º 2 do artigo (...) que o órgão dissidente pode revogar a decisão do subalterno, “ou tomá-la quando o autor do acto o não tenha feito, o que pressupõe um amplo poder de reanálise de toda a situação em causa”.
Assim o acto recorrido, ao indeferir a pretensão do recorrente por diferente fundamentação, não se limitando a apreciar a legalidade do acto hierarquicamente impugnado não padece qualquer nulidade nem viola qualquer norma ou princípio jurídico.
Improcede, pois, nesta parte, a alegação da recorrente.
Quanto à questão de fundo propriamente dita, sustenta a recorrente, no essencial, que tendo formulado o pedido e começado a instruir o processo para exercer a atividade de inspeções periódicas a veículos no domínio do Dec. Lei n°. 245/92, de 20/11 e respectiva Portaria Regulamentar n.º 297/93, de 16/03, adquiriu o direito a que todo o processo se subordinasse a esses diplomas.
Assim, à questão fulcral que importa resolver consiste em saber se à data do acto recorrido - 28 de Janeiro de 1995 - a pretensão da recorrente para que lhe fosse autorizada, nas suas instalações, o início da actividade de inspeções periódicas obrigatórias de veículos, ao abrigo do regime jurídico contido nos apontados diplomas podia ser satisfeita.
À data em que a recorrente formulou o pedido estavam ainda em vigor os citados diplomas que permitiam o exercício da actividade em causa a entidades privadas após autorização concedida para o efeito, por despacho do Ministro da Administração Interna, mediante proposta da Direcção Geral da Viação (art. 3.º, n.º1, do Decreto-Lei 254/92) e depois de vistoriadas e aprovadas as respectivas instalações (art.°s 12° e 14° do Dec. Lei 254/92 e n.° 2 e 4 da Portaria n.° 297/93).
Todavia, antes de deferido o pedido da recorrente ou sequer de aprovadas as respectivas instalações foi publicado o Decreto-Lei n.º 190/94, de 13 de Julho, cuja entrada em vigor se verificou em 1 de Outubro de 1994 (art. 14.º) e que estabeleceu no seu art. 12.º “1 - A realização das inspecções previstas no art.°120° do Código da Estrada compete à Direcção Geral de Viação, que pode recorrer à atividade dos centros de inspeção pertencentes e sob a responsabilidade de entidades autorizadas para o efeito, nos termos de diploma próprio. 2 - As aberturas dos centros de inspeções serão objecto de concurso público, aberto por despacho do Ministro da Administração Interna, sob proposta do Diretor Geral de Viação. 3 - As normas do concurso previsto no número anterior constam de regulamento aprovado por portaria do Ministro da Administração Interna".
Assim a grande novidade do novo regime jurídico das inspeções periódicas de veículos é a de que as entidades privadas que pretendam exercer tal actividade terão de se submeter a concurso publico.
Ora, à data da entrada em vigor deste novo diploma – 1/10/94 - a recorrente não era titular de qualquer direito que se tivesse cristalizado na sua esfera jurídica para exercer tal actividade. Mesmo, ao abrigo do regime anterior a recorrente não preenchia os requisitos que então eram exigidos por lei, designadamente não tinha as instalações concluídas e prontas a funcionar, situação que deveria ser verificada por vistoria da DGV (cfr. n.ºs 1 a 4 da Portaria n.º 297/93, de 10/03).
De qualquer modo, esse regime deixou de vigorar com a entrada em vigor da nova lei, a qual não estabeleceu qualquer norma transitória para ressalva das situações pendentes. Certo é, porem, que o legislador não terá ignorado esses casos ao estabelecer uma vacatio legis de mais de dois meses, tempo que terá julgado suficiente para a sua resolução, na medida em que o Dec. Lei n.° 190/94, foi publicado em 18 de Julho e só entrou cm vigor no dia 1 de Outubro de 1994.
Assim, quer à data em que foi proferido o acto hierarquicamente recorrido (28 de Janeiro de 1995), quer na data em que foi prolatado o acto que negou provimento a tal recurso e que constitui objecto do presente recurso contencioso (7 de Julho de 1995) estava em vigor um novo regime jurídico instituído pelo Dec. Lei n.º 190/94 que sujeitava os interessados a concurso público.
E o facto de à data da prolação do despacho de indeferimento do Director Geral de Viação não estar ainda regulamentado o concurso público, de acordo com o previsto no n.º 3 do art. 12.º do Dec. Lei n.º 190/94, não significa que o regime anterior, revogado por este diploma, pudesse ser aplicado à situação da recorrente, apenas impedindo a abertura desses mesmos concursos, nos termos do n.º 2 do mesmo normativo.
Assim, não é correcta afirmação da recorrente de que a norma que obriga a concurso público a abertura dos centros de inspecção a veículos só entraria em vigor com a publicação do respectivo regulamento. Não tendo o legislador estabelecido qualquer regime transitório ou ressalvado as situações pendentes, a partir de 01/10/1994, data da entrada em vigor do citado diploma (art. 14.º), o exercício da actividade em causa depende de concurso público.
Conclui-se, pois, pelo exposto que o acto recorrido não infringiu nenhuma das normas ou princípios indicados pela recorrente.».
*
J. Em 03.05.2007, deu entrada no ... requerimento subscrito pela [SCom01...], Lda, relativo ao pedido formulado em 2007, através do qual formulou o seguinte pedido:
“Face ao exposto, se requer a V.Exª. se digne revogar o supracitado Despacho do Snr. Director geral de Viação e que seja considerado suspenso o procedimento relativo ao início de actividade do Centro da requerente, desde 1994 até ao momento, uma vez que a sua inactividade não pode ser imputável à requerente, logo não se verificando a caducidade da respectiva autorização, prevista na alínea a), do n°.3, do art° 43° do Decreto-Lei n° 550/99, de 15 de Dezembro, e que seja ordenado o seu imediato prosseguimento com vista à sua aprovação, nos termos do disposto no art° 26° do Decreto-Lei n.°. 550/99, de 15 de Dezembro e n° 2, da Portaria n° 1165/2000, de 9 de Dezembro, de modo a que a requerente possa dar início à actividade para que está devidamente autorizada» - (cf. fls. 193 a 207 do processo administrativo junto aos autos com o dossier vermelho, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
K. Em sede de instrução do processo, em 26.10.2007, foi elaborada informação por Jurista da Direcção-Geral de Viação, com o seguinte teor:
“17. Logo, conclui-se que o centro de inspecções propriedade do exponente encontrava-se em situação similar à dos centros cujo início de atividade foi deferida por despacho de Sua Exª. O Senhor Secretário de Estado da Administração Interna de 22 de março de 1995 (vide doc. ...5)
(...)
25. Salvo o devido respeito por opinião diversa, entendemos que não possibilitar que a exponente abra o respetivo centro de inspeções, dando assim início à atividade para a qual se encontra devidamente autorizada, tendo-se conforme supra descrito se possibilitado que centros de inspeção em condições similares ao da exponente tivessem iniciado a respetiva actividade, é tratar de maneira diferenciada situações idênticas, ou seja, em violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, plasmados nos artigos 5° e 6° do CPA.” - (cf. fls. 177 a 190 do processo administrativo junto aos autos com o dossier vermelho, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
*
L. A 27.09.2012, no processo nº 2032/08.1BEPRT, foi proferida sentença com o seguinte teor (cf. fls. do SITAF e do processo administrativo junto aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
«(...) [SCom01...], LDa, com sede na Travessa ..., freguesia ..., em ..., veio intentar a presente ação administrativa especial de pretensão conexa com atos administrativos, contra o Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, com sede na Avenida ..., em ..., formulando, a final da Petição Inicial, os pedidos que, por facilidade, para aqui se extraem como segue:
a) A nulidade e /ou inexistência do ato administrativo produzido, em 23.05.2008, pelo Conselho Diretivo do 1MTT, I.P., por violação do disposto na alínea b), no n.° 2, do art°. 133.º do C.P.A.;
ou, caso não sela essa o Douto Entendimento
b) A anulação daquele mesmo ato administrativo, por vício de violação de lei designadamente o disposto nos art°s. 9°, alínea c), do 66°, n.° 1, do 68°, 107°, 123°, 124° e 125° do C.P.A. e ainda o n.° 3, do art°. 268° da C.R.P.;
c) A nulidade e /ou inexistência do ato administrativo proferido em 28.01.95, pelo Sr. Diretor-geral de Viação, por o mesmo ofender gravemente o conteúdo essencial dos direitos fundamentais da igualdade e da justiça e os princípios gerais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade e da boa fé, consagrados nos art°s. 13° e n.° 2, do 266° da C.R.P. e nos 3°, 5°, 6° e 6° A do C.P.A. e ainda por não ser humanamente impossível em doze dias seguidos construir instalações para o exercício da atividade de inspeções periódicas, quando o prazo estabelecido com a Administração era de 6 a 9 meses, o que viola o disposto no n.° 1, do art°. 333° do C.P.A.
d) A condenação do R., através dos órgãos competentes, na aprovação para início de atividade do centro de inspeções da A. sito em ..., a praticar em trinta dias - ou no prazo porventura considerado mais adequado - e no mesmo prazo manter a validade da autorização para o exercido da atividade de inspeção de veículos concedida pelo Despacho SEAI n.° ...06, de 01.08.1994, publicado na IIª Série do a DR.º n.° 196, de 25.08.94.
e) A fixação de sanção pecuniária compulsória para o caso de incumprimento do dever de praticar os atos referidos na alínea anterior.
f) A condenação do Réu no pagamento das custas e legais acréscimos.
Para tanto e em suma, referiu que requereu autorização para o exercício da atividade de inspeções periódicas obrigatórias a veículos, o que foi concedido, tendo, em consequência, providenciado pela obtenção do licenciamento das obras necessárias e pela sua realização, vindo a ser alvo de vistoria pela Direção Regional de Viação do Norte ainda durante as obras, o que originou o indeferimento da aprovação para início da atividade, em 28.01.1995, por não estarem concluídas as instalações do Centro, ato que impugnou, embora sem sucesso.
Relatou, ainda, que no decurso do ano de 2007 veio a ter conhecimento que, por ocasião daquele indeferimento, foram autorizados diversos Centros que se encontravam na mesma situação que o seu - isto é, não reunindo as condições necessárias para serem autorizados a entrar em funcionamento - independentemente do que estivesse em causa. Aduziu que, face a esta situação, instou o Secretário de Estado da Administração Interna a revogar o despacho outrora proferido, o que não foi concedido, por despacho datado de 27.05.2008, que, com esta ação, sindica.
A este ato imputa vários vícios concernentes com a prática do mesmo ao abrigo de delegação de competências sem indicar tal circunstância, com a falta de análise do que havia sido requerido, com a falta do texto integral do ato administrativo e a assinatura do seu autor e por falta de fundamentação. Regularmente citado, o Réu apresentou Contestação na qual se defendeu por exceção, invocando a ilegitimidade ativa, o caso julgado e a caducidade do direito de ação, e sustentou que o ato impugnado é meramente opinativo, logo não lesivo.
*
A Autora apresentou Resposta à matéria de exceção invocada, pugnando pela sua improcedência.
*
Os autos correram termos e, em 30.06.2011, foi proferido despacho saneador, onde, entre o mais, se julgou improcedente a exceção de ilegitimidade da Autora e procedentes as exceções de caso julgado e caducidade do direito de ação quanto aos pedidos formulados quanto ao ato praticado em 20.01.1995.
Além disso, foi dispensada a produção de qualquer diligência de prova adicional e foi determinada a notificação das partes para apresentarem as alegações a que se refere o artigo 91º, n.º 4 do C.P.T.A.
*
Notificadas as partes para apresentarem alegações escritas, apenas a Autora exerceu tal direito, reiterando, em essência, o quanto havia expedido na sua Petição inicial.
*
Da decisão proferida em sede de despacho saneador, a Autora apresentou recurso, o qual foi indeferido por não ter o mesmo posto fim ao processo, nos termos do artigo 691º, n.º 2, alínea h) e n.º 3 do C.P.C..
II - DESPACHO SANEADOR
Mantêm-se os pressupostos processuais, bem como a validade e regularidade da instância.
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO {Matéria de facto assente] Com interesse para a decisão a proferir, julgo provados os seguintes factos:
1 - Mediante requerimento, entrado na Direção-Geral de Viação (D.G.V.) em 06 de julho de 1994, solicitou a Autora autorização para o exercício da atividade de inspeções periódicas obrigatórias a veículos - cfr. fls. 1 a 25 do Processo Administrativo relativo ao pedido de autorização formulado pela Autora em 1994 (doravante, P.A.-I);
2 - Por Despacho do Secretário de Estado da Administração Interna, datado de 01.08.1994, foi a Autora autorizada a exercer a atividade de inspeção periódica de veículos - cfr. fls. 28 do P.A.-I;
3 - Por requerimento, entrado na D.G.V. em 29.09.1994, solicitou a Autora “a aprovação de
instalações e equipamentos das suas novas instalações? - cfr. fls. 30 do P.A.-I;
4 - Em 03.11.1994, o Diretor de Serviços de Veículos e Circulação Rodoviária da D.G.V. solicitou ao Diretor de Serviços de Viação do Norte que fosse promovida vistoria, com caracter de urgência, as instalações do Centro de Inspeções pertença da Autora - cfr. fls. 51 do P.A.-I;
5 - No seguimento, foi informado, relativamente à Autora: "OBRAS NÃO PRONTAS. SÓ PARA FINS DEZ." - cfr. fls. 52 do P.A.-I;
6 - Foi então elaborada a Informação n.° 67 DSVCRDV, de 26 de janeiro, com o teor de fls. 53 e 54 do P.A.-l que aqui se tem por reproduzidas, sendo proposto o indeferimento do pedido de início de atividade;
7 - Sobre esta proposta, foi, em 28.01.1995, proferido despacho do Diretor Geral de Viação, de “Concordo” - cfr. fls. 53 do P.A.-I,
8 - Não se conformando com este despacho, interpôs a Autora recurso hierárquico, que veio a ser indeferido, após o que intentou o respetivo recurso contencioso de anulação - cfr. fls. 96 a 141 do P.A.-I;
9 - Por acórdão do S.T.A, de 30.09.1998 (rec.° n.° 40921), foi o recurso contencioso julgado totalmente improcedente, nos termos e fundamentos de fls. 138 a 141 do P.A -1, que aqui se consideram integralmente transcritos;
10 - Em 03.05.2007, deu entrada no Ministério da Administração Interna, ..., requerimento subscrito pela Autora, com o teor de fls. 1 a 14 do P.A. relativo ao pedido por si formulado em 2007 (doravante, P.A.-2) que se tem por inteiramente reproduzidas, através do qual formulou o seguinte pedido:
[...] Face ao exposto, se requer a V.Ex.a. se digne revogar o supracitado Despacho do Sr. Diretor-geral de Viação e que seja considerado suspenso o procedimento relativo ao inicio de atividade do Centro da requerente, desde 1994 até ao momento, uma vez que a sua inatividade não pode ser imputável a requerente, logo não se verificando a caducidade da respetiva autorização, prevista na alínea a), do n°.3, do art.° 43° do Decreto-Lei n° 550/99, de 15 de dezembro, e que seja ordenado o seu imediato prosseguimento com vista à sua aprovação, nos termos do disposto no art.° 26° do Decreto-Lei n.° 550/99, de 15 de dezembro e n°2, da Portaria n° 1165/2000, de 9 de dezembro, de modo a que a requerente possa dar inicio a atividade para que esta devidamente autorizada.
*
11 - Em sede de instrução do processo, em 26.10.2007, foi elaborada informação pelo Jurista da Direção-Geral de Viação, que para aqui se extrai na parte relevante - cfr. fls. 148 a 161 do P.A.-2: (...)
17. Logo, conclui-se que o centro de inspeções propriedade do exponente encontrava-se em situação similar à dos centros cujo início de atividade foi defenda por despacho de Sua Exa. o Senhor Secretário de Estado da Administração Interna de 22 de março de 1995 (vide doc. ...5) (...)
25. Salvo o devido respeito por opinião diversa, entendemos que não possibilitar que a exponente abra o respetivo centro de inspeções, dando assim início à atividade par a qual se encontra devidamente autorizada, tendo-se conforme supra descrito se possibilitado que centros de inspeção em condições similares ao da exponente tivessem iniciado a respetiva atividade, é tratar de maneira diferenciada situações idênticas, ou seja, em violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, plasmados nos art°s. 5o e 6° do C.P.A.. [...]”
12 - Em 31.03.2008, foi elaborada a informação n.° ...12..., pelo jurista referido no ponto antecedente, desta vez já em representação do IMTT, IP (ora Réu na presente ação), o qual reiterou o que havia exposto na informação anterior - cfr. fls. 208 a 217 do P.A.-2;
13 - 13 - Sobre esta informação foi aposto o seguinte parecer, em 07.04.2008 - cfr. fls. 21 7 do P.A-2:
«[...]
Estando em causa decidir sobre a resposta a dar à exposição, restam dois caminhos - não apreciar o requerido, mantendo-se assim a decisão, ou aceitar os argumentos aduzidos e alterar o despacho de 1995.
A primeira solução tem fundamento na convalidação temporal do ato (mesmo que fosse anulável) e nas subsequentes decisões judiciais, designadamente a decisão do STA que foi desfavorável ao recorrente, ora requerente.
A segunda solução, revogação do despacho ao abrigo do art. “140. ° do CPA (revogabilidade de atos válidos), implica admitir que o mesmo não foi decidido em conformidade com situações idênticas que ocorreram à data e, como tal, o reconhecimento da inconveniência do ato.
Muito embora se retire da exposição que as circunstâncias foram adversas ao exponente, revogar o ato, passados mais de 10 anos, ainda que possível, põe em causa a certeza e segurança dos atos jurídicos. ”
14 - Sob a mesma informação foi aposto o ato administrativo impugnado, em 23.05.2008, pelo Conselho de Administração do IMTT, IP, o qual se encontra assinado pelos seus autores e tem o seguinte teor - ato sob impugnação - cfr. fls. 217 do P.A-2:
“[...] considerar o procedimento extinto1’;
15 - A Autora tomou conhecimento desta deliberação em 29.06.2008, através do ofício n.°...93, de 23.06.2008, que lhe foi remetido pelo Gabinete da Secretária de estado das Obras Públicas;
16 - A Petição inicial que motiva a presente ação foi remetida a este Tribunal, via correio eletrónico, em 23.09.2008 - cfr. fls. 3 dos autos em suporte físico.
(...)
Com interesse para a decisão a proferir nestes autos, nada mais se provou.
IV - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA [Do direito aplicável]
Vem a presente ação intentada com vista à declaração de nulidade e /ou inexistência do ato administrativo produzido, em 23.05.2008, pelo Conselho Diretivo do I.M.T.T., I.P., e que julgou extinto o procedimento de aprovação do Centro de Inspeções Periódicas de Veículos. Além deste pedido, a Autora formula um segundo pedido de condenação à prática do ato devido, qual seja, o de ser autorizada a iniciar a atividade do Centro de Inspeções em causa, em decorrência da procedência do primeiro pedido.
Atendendo a que a ação que cabe ao Tribunal julgar se trata de uma ação administrativa especial, cujo objeto é a pretensão material da Autora, a questão que cumpre apreciar e decidir atém-se a saber se a Autora preenche os requisitos para que lhe seja deferida a autorização para o Centro de Inspeções, de que é proprietária, funcionar.
A Autora, pretende, nos presentes autos, que o Réu seja condenado a conceder-lhe a autorização que lhe foi recusada, sustentando que tal ato, e ainda a notificação do mesmo, padece de diversos vícios formais. Peticiona, em consequência da declaração de ilegalidade do ato de indeferimento, que o Réu seja condenado à prática do ato devido, qual seja o deferimento da autorização que requer.
Por seu lado, o Réu apenas se defendeu por exceção, não impugnando quer a alegação quer os efeitos que a Autora pretende obter com a presente ação.
Ora, face aos pedidos que foram formulados, considera o Tribunal que a presente ação reveste a forma de ação administrativa especial, na vertente de condenação à prática do ato devido - aliás como havia sido já expendido em sede de despacho saneador - vertendo a presente apreciação, se possível, sobre a viabilidade de ser concedido à Autora o direito que invoca.
No seguimento do postulado pelo artigo 268°, n° 4, da C.R.P., o C.P.T.A. veio conferir aos tribunais administrativos o poder de procederem à determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos - mais precisamente, á condenação à prática desses atos. Com a atribuição deste poder, ultrapassa-se um tradicional limite do contencioso administrativo, cujas origens advinham do sistema francês, consagrando-se a submissão do Poder Administrativo aceitou a regras jurídicas e â fiscalização do cumprimento dessas regras, mormente pelos tribunais administrativos, conferindo-lhes os poderes de plena jurisdição que são próprios do Poder Judicial.
Como resulta do artigo 66°, n° 1 do C.P.T.A., não está aqui apenas em causa a condenação da Administração à prática de atos administrativos, mas também a fixação de um prazo determinado, dentro do qual esses atos devem ser praticados. Quando, no caso concreto, se verifiquem circunstâncias que permitam suspeitar de que o titular do órgão competente oporá resistência ao cumprimento da decisão e exista, por isso, um fundado receio de incumprimento, o tribunal pode considerar justificada a imposição ao referido titular, logo na sentença de condenação, de uma sanção pecuniária compulsória (artigo 66°, n° 3 do C.P.T.A.).
Deste modo, como consequência inevitável, estará que o objeto do processo de condenação à prática de atos administrativos não poderá ser confundido com o de um processo de impugnação de atos administrativos e, em particular, com o do tradicional recurso contencioso de anulação de atos de indeferimento (expressos ou tácitos), pois não é delimitado por referência aos concretos fundamentos em que se possa ter baseado o ato de indeferimento eventualmente proferido.
Como se estabelece no artigo 66°, n° 2, “ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória’. E também no artigo 71° se determina que, quando chamado a condenar a Administração a praticar um ato devido, o tribunal não se pode limitar a devolver a questão ao órgão administrativo competente, mas antes se deve pronunciar “sobre a pretensão material do interessado”.
Dos preceitos referidos retirar-se-á que em situações de indeferimento, como é o caso dos autos, o titular de uma posição subjectiva de conteúdo pretensivo ao deduzir um pedido de condenação à prática de um ato administrativo não vai discutir em juízo o ato de recusa, por referência aos estritos termos em que ele se possa ter baseado, mas vai fazer valer a sua própria posição pretensiva, em todas as dimensões em que ela se desdobra. O processo de condenação é um processo em que o autor faz valer a posição subjectiva de conteúdo pretensivo de que é titular, pedindo o seu cabal reconhecimento e dela fazendo, portanto, o objeto do processo.
Tal posição acarretará consequências, as quais se projetarão, entre outros, ao nível da prova. Como o interessado faz valer em juízo a posição subjetiva de conteúdo pretensivo de que é titular, é natural que sobre ele recaia o ónus de demonstrar o bem fundado da sua pretensão, o preenchimento dos respectivos elementos constitutivos, cabendo à Administração contrapor a demonstração dos eventuais factos impeditivos ou extintivos que lhe possam ser oponíveis.
No momento em que venha a ser proferida, a sentença definirá a posição do interessado e os termos da conduta a adotar pelas partes, com o alcance de precludir a possibilidade de a Administração ainda vir depois a invocar novos argumentos em novo ato de indeferimento, subsequente ao trânsito em julgado da sentença.
Assim, a par da apreciação dos vícios formais do ato impugnado que a Autora invoca, apreciará o Tribunal a existência ou não do direito, qual seja a pretensão da Autora de beneficiar da autorização requerida, condenando-se, se for caso disso, o Réu à prática do ato devido.
Da violação do artigo 133°. n.º 2, al. b) do C.P.A..
Uma das invocações da Autora é a de que a prática do ato pelo Conselho Diretivo do Réu é nula porque a decisão incumbe à Secretaria de Estado dos Transportes e não a quem decidiu. Sustenta tal invocação no artigo 133°, n.° 2, al. b) do C.P.A..
Como é consabido, a competência é o conjunto de poderes funcionais que a lei confere para a prossecução das atribuições das pessoas coletivas públicas. As atribuições, por seu lado constituem os fins ou interesses que a lei incumbe às pessoas coletivas públicas de prosseguir ou realizar [cfr. José Eduardo Figueiredo Dias e Fernanda Paula Oliveira in Noções Fundamentais de Direito Administrativo, Almedina, pág. 46]. Assim, as atribuições referem-se às pessoas coletivas e as competências aos órgãos. No entanto, no que concerne ao Estado, o que distingue os vários Ministérios entre si são as atribuições e não as competências, motivo pelo qual, se um Ministro pratica um ato sobre matéria incluída nas atribuições de outro Ministério, o ato é sancionado com a nulidade, por falta de atribuições - cfr. artigo 133°, n.° 2, al. b) do C.P.A..
Segundo o disposto no artigo 30°, n.° 1 do C.P.A., a competência para o procedimento fixa-se no momento em que se inicia o procedimento, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, exceto se for extinto o órgão a que o procedimento estava afeto, se deixar de ser competente ou se lhe for atribuída a competência de que inicialmente carecesse.
Entretanto, no âmbito do denominado Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (P.R.A.C.E.), o Decreto-Lei n.° 203/2006 de 27 de outubro, procedeu à extinção da D.G.V., entidade tutelada pelo Ministério da Administração Interna dispondo que as suas atribuições no domínio dos veículos e condutores seriam integradas no I.M.T.T., organismo sob tutela do Ministério das Obras Públicas, dos Transportes e Telecomunicações - cfr. artigo 16°, n.° 1, alínea e).
O Decreto-Lei n.° 147/2007, de 27 de abril, procedeu à criação do I.M.T.T., I.P., dispondo no seu preâmbulo que este organismo *[...] congrega, na sua totalidade as atribuições e competências da Direção-Geral dos Transportes Terrestres e Fluviais (DGTTF), do Instituto Nacional do Transporte Ferroviário (INTF), organismos dependentes do MOPTC, que se extinguem, e assume, em matéria de veículos e de condutores, as atribuições que têm vindo a ser exercidas pela Direção-Geral de Viação (DGV), entidade tutelada pelo Ministério da Administração Interna (MAI)”, conforme, aliás, preceitua o artigo 16.° do referido diploma legal.
Nestes termos, as atribuições que até aí pertenciam à D.G.V., por força daquele diploma legal, foram transferidas para o I.M.T.T. Acresce que, segundo o preceituado no artigo 3.°, n.° 2, alínea q) do Decreto-Lei n.° 147/2007, de 27 de abril, constitui atribuição do referido instituto “q) Aprovar homologar e certificar veículos e equipamentos afetos nos sistemas de transporte terrestre, incluindo as infra-estruturas de natureza ferroviária, garantindo os padrões técnicos e de segurança exigidos, reconhecendo, licenciando e supervisionando as entidades intervenientes nos processos de certificação e inspecção; (…)
Pelo exposto, o ato ora impugnado não é estranho às atribuições do I.M.T.T., não se encontrando ferido de nulidade, por incompetência absoluta.
Acresce que constitui competência do Conselho Diretivo do I.M.T.T. exercer os poderes de licenciamento, de autorização e de certificação, bem como quaisquer outros poderes públicos compreendidos nas competências do I.M.T.T.,I.P., como entidade reguladora dos transportes terrestres, designadamente emitindo os títulos representativos das licenças, autorizações e certificações concedidas e os demais documentos oficiais do I.M.T.T. - cfr. artigo 5.°, n.° 3, al. d). Assim, a entidade decisora actuou dentro do âmbito dos poderes que lhe competiam, não se verificando, a este nível, qualquer ilegalidade.
Da não apreciação dos fundamentos invocados em sede do requerimento.
A Autora invoca que o ato impugnado não apreciou, como devia, a matéria alegada no requerimento de 10.01.2008 nem a do de 24.04.2007 (que deu entrada em 03.05.2007 - cfr. facto elencado sob o n.° 10 da matéria de facto assente supra).
Do tramitado no decurso do procedimento que ora se analisa, verifica-se que, efetivamente, a Autora invocou diversos aspetos no seu requerimento, para que fossem devidamente apreciados pela Administração. Tendo aqui por reproduzida tal exposição, verifica-se que, na sua sequência, foram elaboradas duas informações pelo jurista encarregue de apreciar a questão.
Ora, elaboradas que foram aquelas informações e que se pronunciaram no sentido de ter ocorrido, efectivamente uma violação do princípio da igualdade, por ter sido dado tratamento diferenciado à Autora face a outros Centros de Inspeções, foi emitido um parecer que, submetendo à consideração superior, propôs a opção entre dois caminhos: ou manter o ato ou revogá-lo com base na violação do princípio constitucional referido.
É nesta ambiência que vem proferido o ato ora sindicado o qual se limita a dar o procedimento como extinto.
Ora, de acordo com o artigo 107° do C.P.A., na decisão final expressa o órgão decisor há-se apreciar todas as questões que lhe hajam sido suscitadas, postulando-se, deste modo, o dever de pronúncia decisória por parte da Administração. Tal artigo vem na sequência do artigo 9.º do mesmo Código que consagra o princípio da decisão. Através da consagração destes princípios, pretende-se não só que a Administração se pronuncie sempre que para tanto é solicitada pelos particulares, mas também facilitar a proteção dos particulares face a omissões administrativas ilegais.
Este dever não se aplicará na situação prevista no n.° 2 do artigo 9º, ou seja, quando o órgão se haja pronunciado há menos de dois anos sobre a mesma questão.
No caso sub judice, ainda que se possa verificar que, em sede de alegação, o Réu invoque a inexistência do dever de se pronunciar sobre o requerido, uma vez que já se havia pronunciado - o que nem sequer é líquido -, durante o procedimento nada aduziu neste sentido. E o que aqui se analisa é, forçosamente, o ato proferido e se o mesmo aprecia ou não os argumentos avançados pela Autora ou se invoca qualquer impedimento para o fazer.
E, diga-se, sem rodeios, que nenhuma das duas situações ocorre. Nem os argumentos da Autora são alvo de qualquer análise, nem tampouco, o Réu, aquando da prática do ato, esgrimiu qualquer impedimento para o fazer. Note-se que, face aos pareceres/informações produzidos, sempre lhe caberia proferir um despacho de concordância ou não, uma vez que não havia liquidez na solução a adotar. Mas o que não poderia suceder era deixar o particular (no sentido de entidade contraposta à Administração) sem uma resposta que se debruçasse sobre o que havia sido requerido.
Posto isto, deve esta análise debruçar-se, conjuntamente, sobre o vicio de falta de fundamentação que veio, também, invocado.
Nos termos do disposto no artigo 124° do CPA, sob a epígrafe de "Dever de fundamentação'', constata-se que:
“1 - Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;
d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais; e impliquem revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior.
2 - Salvo disposição da lei em contrário, não carecem de ser fundamentados os atos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal.
Por outro lado, estatui o artigo 125° do C.P.A. que:
“I - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato.
2 - Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que nor obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
3 - Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos interessados." (sublinhado nosso]
Estes normativos correspondem ao cumprimento do postulado no atual artigo 268°, n.° 3 da C.R.P., no qual se consagra o dever de fundamentação e correspondente direito subjetivo do administrado à fundamentação, sendo que, com a consagração de tal dever, se visa harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitem a uma autoridade administrativa conformar-lhes negativamente a esfera jurídica com as exigências que a lei impõe à administração de atuar, na realização do interesse público, com presteza, eficácia e racionalidade. Dito de outro modo, a fundamentação traduz a exigência de exteriorização das razões ou motivos determinantes da decisão, obrigando o autor do ato a ponderar a solução. Um ato estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão, e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação.
Ou seja, fundamentar um ato administrativo consiste em expor o raciocínio de aplicação aos pressupostos que se verificam no caso concreto face às normas jurídicas que regulam tal situação, ou que, pelo menos, permitem à Administração que um dado assunto seja apreciado, segundo o seu critério e à luz de determinado interesse público.
A fundamentação por remissão não é afastada, exigindo-se somente que ao interessado sejam proporcionados todos os elementos que levaram a que se decidisse daquele modo e não de outro.
Ora, analisado o ato impugnado constata-se que, além de nada dizer quanto às invocações deduzidas pela Autora, não contém em si qualquer elemento que permita apreender o que motivou a declaração de extinção do procedimento.
Novamente se refere que, apenas em sede de Contestação, o Réu sustentou que não tinha que se pronunciar porque já o havia feito, que o ato ora sindicado é um mero ato opinativo, mas aquando da prática do ato nada aduziu que justificasse esta posição. E nem foi esta a posição propugnada pelo ato praticado, o qual veio considerar o procedimento extinto e não determinar que não havia lugar a pronúncia por já ter sido apreciada a questão - o que, deve salientar-se, é duvidoso que pudesse sustentar-se a sua ocorrência, uma vez que o ato anterior data de 1995.
Deste modo, atenta a verificação de omissão do dever de pronúncia e do dever de fundamentação dos atos administrativos, é o ato ilegal, determinando-se a sua anulação.
Alega, ainda, a Autora que a notificação do ato não obedece aos requisitos dos artigos 56°, 68° e 123° do C.P.A., referindo que não teve conhecimento do texto integral do ato administrativo nem da assinatura do autor deste.
A este respeito cumpre referir que a ilegalidade da notificação bole apenas com eficácia ou oponibilidade do ato só se verificando invalidade do ato no caso de se tratar de ilegalidade que o afete a ele mesmo.
Por fim, e atendendo à especificidade da ação que se processa - de condenação à prática do ato devido, cumpre aferir do pedido formulado nesta sede.
No que concerne ao direito que a Autora invoca que lhe assiste, verifica-se que quanto ao mesmo já correu junto da Administração procedimento, o qual terminou com a pronúncia do Supremo Tribunal Administrativo que não lhe deu razão. Sucede que, após esta decisão, a Autora veio a ter conhecimento de circunstâncias ocorridas aquando do primeiro ato de indeferimento (datado do ano de 1995) - logo, de superveniência subjetiva mas não objetiva - que permitiram que outros centros, alegadamente em igual situação, fossem autorizados a funcionar.
Quanto a este aspeto, a Autora não aduziu nem carreou para o processo elementos que pudessem atestar, indubitavelmente, o tratamento desigual de situações semelhantes, configurando violação do princípio da igualdade. E, diga-se que, uma vez que se aprecia a sua pretensão sobre, ela recai tal ónus, podendo o mesmo a vir a ser decidido contra si, por, falta de alegação e prova.
Não obstante, compulsada a matéria de facto assente, resultante primacialmente do processo administrativo 2, verifica-se que há um reconhecimento por parte da entidade decisora - ora Réu - de que efetivamente houve um tratamento desigual em situações similares. É que várias foram as vezes em que o Jurista responsável se manifestou no sentido de que haveria uma ilegalidade crassa por violação do referido princípio constitucional.
Ora, na verdade, o Réu não adotou tal fundamento, mas também, saliente-se, não se pronunciou quanto ao mesmo. Vindo tal questão diretamente colocada em sede da informação jurídica exposta, o Réu nada diz, bastando-se com uma decisão de considerar o procedimento extinto sem qualquer tipo de argumento.
Além disso, em sede de Contestação, o Réu também nada impugna.
Todavia, destes elementos não pode o Tribunal aferir com certeza, porque não se encontra munido de todos os elementos essenciais, se o direito que a Autora invoca lhe assiste ou não. É que, como se disse supra, sobre a Autora recai um ónus acrescido em termos de sustentar a sua pretensão, o que não ocorrendo, como ocorre, impede o conhecimento do pedido de condenação deduzido.
Assim, face ao que fica dito, decide anular-se o ato praticado pelos fundamentos expostos - não cumprimento do dever de pronúncia nos termos do artigo 107° do C.P.A. e por falta de fundamentação - procedendo o primeiro pedido formulado, devendo o Réu praticar novo ato que não incida nos vícios expostos. Quanto ao mais improcede a presente ação por falta de elementos que permitam conhecer do peticionado. (...)».
M. A Insposente Inspecção Periódica Obrigatória de Veículos, Lda requereu a execução da sentença proferida no processo n.º 2032/08.1BEPRT, relativa à impugnação do acto praticado pelo IMTT que considerou extinto o procedimento tendo sido proferida sentença com o seguinte teor (cf. fls. do SITAF e do processo administrativo junto aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
«(...) [SCom01...], Lda, veio por apenso ao processo de acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo nº 2032/08.1BEPRT, requerer a execução da sentença ali proferida.
Alegou, em síntese, que no processo de acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo que correu os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga sob o nº 2032/08, foi proferida decisão, já transitada em julgado, onde foi anulado o acto impugnado com fundamento no não cumprimento do dever de pronúncia nos termos do art. 107º do CPA e por falta de fundamentação e condenado o Réu à prática de novo acto administrativo que não incida nos vícios do acto anulado.
No entanto, decorridos os 3 meses fixados na lei para o efeito, o executado não acatou a decisão do Tribunal e nada fez, mantendo-se a situação do exequente inalterada.
Concluiu pedindo que ao executado seja ordenado o cumprimento da decisão supra referida.
Foi o executado notificado para, querendo, deduzir oposição, nos termos do art. 177º nº 1 do CPTA, vindo este dizer que se encontra a encetar diligências no sentido de dar cumprimento à decisão supra referida.
*** ***
2 – SANEAMENTO PROCESSUAL
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da hierarquia, da matéria e do território.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e mostram-se devidamente representadas.
Sem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
*** ***
3 – OS FACTOS
a) Com interesse para a decisão da execução resulta como provada a seguinte factualidade:
a) Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 17/09/2012, foi julgado procedente processo de acção administrativa especial de pretensão conexa com acto administrativo n° 2032/08..., em que era autora a exequente;
b) A sentença, referida em a), anulou o acto impugnado e condenou o executado na emissão de novo acto;
c) A sentença, referida em a), transitou em julgado em 7 de Novembro de 2012;
d) Em 15 de Maio de 2013, a exequente instaurou a presente execução da sentença referida em a);
b) Factos não provados
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da presente questão.
c) Motivação
Para fixar a matéria dada como assente o Tribunal fundou a sua convicção nos documentos juntos aos
presentes autos.
*
4 – OS FACTOS E O DIREITO
A questão em apreço nos presentes autos prende-se com a execução da sentença que recaiu sobre o processo de acção administrativa especial de pretensão conexa com acto administrativo n° 2032/08.1BEPRT, que correu os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga. Efectivamente, a dita sentença julgou a acção procedente, anulou o despacho impugnado, e condenou Executado na emissão de novo acto.
A sentença foi proferida em 27 de Setembro de 2012 e transitou em julgado em Novembro de 2013. Resulta do teor do n° 1 do art. 175° do CPTA que, estando em vista prestações de facto, ou seja, na medida em que o dever de executar se consubstancie em deveres de prestar factos, a administração tem que cumprir tal dever no prazo máximo de três meses, salvo ocorrência de causa legitima de inexecução.
De harmonia com o entendimento expresso pelo STA o prazo de três meses previsto neste dispositivo é um prazo procedimental, a contar de acordo com o disposto no art. 72° n° 1 do CPA, suspendendo-se, portanto, nos Sábados, Domingos e feriados, o que implica a sua conversão em 90 dias úteis.
Quando a administração não dê execução à sentença de anulação no prazo máximo de três meses, contados de acordo com o disposto no art. 72° n° 1 do CPA, o interessado pode fazer valer o seu direito à execução perante o tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau (n° 1 do art. 176° do CPTA).
Em 15 de Maio de 2013, veio o exequente, após 6 meses do trânsito em julgado da sentença supra referida, solicitar a condenação do Executado no cumprimento desta mesma sentença, bem como no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso do prazo que vier a ser fixado.
O pedido da Exequente é tempestivo, porque dirigido ao tribunal dentro do prazo preclusivo de seis meses, contados desde o termo do prazo máximo de execução da sentença pelo executado (n° 2 do art. 176° do CPTA).
Notificado para deduzir oposição o Réu admitiu que ainda não deu cumprimento à sentença supra referida.
Face ao que antecede, procede o pedido de condenação do Executado na emissão de um novo acto administrativo que não incida nos vícios do acto administrativo anteriormente praticado e anulado pela sentença supra referida e já transitada em julgado, fixando-se o prazo máximo de três meses para cumprimento integral e efectivo da sentença proferida na acção apensa a esta execução.
Veio, ainda, a Exequente solicitar a condenação do Executado no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.
De acordo com o disposto no n° 4 do art. 176° do CPTA, o autor pode pedir a imposição de uma sanção pecuniária compulsória aos titulares dos órgãos incumbidos de executar a decisão, devendo o tribunal, quando tal se justifique, condenar os titulares dos órgãos incumbidos de executar a sentença ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, segundo o disposto nos art.s 169° e 179° n° 3 do mesmo diploma legal.
Tal fixação de sanção pecuniária compulsória é uma faculdade, que o tribunal pode usar, a requerimento ou mesmo oficiosamente, para prevenir situações, que ainda se perspectivam, apenas, como de eventual incumprimento.
Considerando que o executado não logrou provar factos que integrem causa justificativa de não cumprimento da sentença proferida nos autos apensos, vai deferida a pretensão da Exequente de fixação de sanção pecuniária compulsória a seu favor, de acordo com o disposto nos art.s 179° n° 3 e 169° do CPTA.
Vem, ainda, a executada requerer a condenação do executado no pagamento das despesas judiciais por si suportadas.
O presente meio processual não é o próprio para realização de tal pedido, pois que este deve ser pedido em sede de custas de parte.
5 – DECISÃO
Termos em que, procede a presente execução nos termos acima expostos.
Custas. (...)».
*
N. Em 25.10.2013, foi elaborada a informação técnica nº 564/DSRTS/DIVR, com o seguinte teor (cf. fls. 441 e 442 do processo administrativo junto aos autos com o dossier vermelho, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
«(...) ASSUNTO: [SCom01...] - Processo n° 2032/08.1BEPRT
Por sentença de 27/9/2012 do TAF de Braga, proferida do Processo n.° 2032/08.1BEPRT, foi anulado
ato consubstanciado na deliberação do Conselho Diretivo do IMTT, IP de 23-05-2008 e condenado
IMTT,IP a praticar novo ato que não incida nos vícios expostos.
Isto é, a anulação do ato em causa teve como fundamento o não cumprimento do dever de pronúncia nos termos do artigo 107.° do CPA e por falta de fundamentação.
Importa, pois, nos termos da referida sentença, praticar novo ato que não incida nos vícios expostos. Os centros que a requerente refere estarem na mesma situação da sua, demonstraram que, até aquela data de 31 de Outubro de 1994, tinham as instalações prontas a iniciar a atividade.
E, na sequência de recurso hierárquico interposto para a Secretária de Estado da Administração Interna obtiveram o respetivo deferimento ao abrigo do artigo 172.° do CPA, em despacho de 1995/03/22, exarado na mesma Informação n.°...... do Diretor-Geral de Viação.
Improcede, assim a alegação de que foi dado tratamento desigual para situações iguais, pois, como se demonstrou as situações não eram iguais.
De facto os centros que foram autorizados terão demonstrado que, em 31/10/1994, tinham as instalações prontas enquanto que a ora requerente não logrou fazer essa demonstração.
Não houve, portanto, qualquer violação ou desrespeito pelos princípios constitucionais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade.
Face ao exposto, junta-se projeto de Deliberação com vista à notificação fundamentada do requerente, conforme sentença de 27/9/2012 do TAF de Braga.
À consideração superior (...)».
O. Em 28.11.2013, o Conselho Directivo do IMT, IP deliberou do seguinte modo (cf. documento n.º ... junto aos autos com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
«(...) Por sentença de 27/9/2012 do TAF de Braga, proferida do Processo n.° 2032/08.1BEPKT, foi anulado o ato consubstanciado na deliberação do Conselho Diretivo do instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMTT, IP), de 23/5/2008, condenando-o à prática novo ato que não incida nos vicio nela exposto, a saber: não cumprimento do dever de pronúncia nos termos do antigo 107.º da CP-1 e por falta de fundamentação.
Naquela deliberação o Conselho Directivo do IMTT, IP pronunciou-se sobre um requerimento da empresa [SCom01...] Lda., datado de 10/1/2008, apresentado na Secretaria de Estado dos Transportes na sequência de anterior exposição formulada em 24/04/2007 ao Secretario de Estado da Administração Interna (SEAI) e no qual requeria a aprovação de um centro de inspeções periódicas de veículos em Lugar ..., alegando em síntese que:
(i) O Despacho de Senhor Diretor Geral de Viação de 28/1/1995, que indeferiu a sua pretensão de ver aprovado um centro de inspeções periódica de veículos no Lugar ..., é nulo ou anulável, porquanto não respeitou o n.º 5 da Portaria 297/93, de 16 de março, nem os artigos 100.º e seguintes do CPA;
(ii) Posteriormente aquele acto veio a ter conhecimento que a Direção-Geral de Viação autorizou, em datas posteriores a 22/3/95, a abertura de centros de inspeção que se encontravam na mesma situação da requerente, configurando tal situação tratamento desigual em situações iguais, desrespeitando os princípios constitucionais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade.
Reanalisada a pretensão pelos serviços competentes, foi elaborada informação técnica, contendo fundamentos que sustentam o indeferimento do pedido formulado pela empresa [SCom01...].
Pelo que o Conselho Diretivo do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (INT,I.P). Nucesor do INTT.IP, delibera:
1. Concordar genericamente com os fundamentos aduzidos na informação técnica e, em consequência,
2. Indeferir a pedido formulado pela empresa [SCom01...], Lda, relativamente à exposição que apresentou em 10/01/2008, dirigida à Secretaria de Estado dos Transportes, com os seguintes fundamentos:
a) Quanto à alegada nulidade do ato - Despacho do Sr. Diretor Geral de Viação de 28/1/20/05, remete-se para a acórdão do STA, de 30 de Setembro de 1998, proferido no recurso n° 40921, interposto pela ora requerente do ato que indeferiu a recurso hierárquico do despacho de 28/01/1995.
Aquele acórdão transitou em julgado ficando definitivamente assente a situação jurídica da requerente, definida pelo despacho de indeferimento de 28/01/1995.
O indeferimento da abertura do centro teve por fundamento o facto de o centro não ter as instalações prontas a funcionar até à data de 30 de setembro de 1994, data a partir da qual passou a exigir-se concurso público para aberior de centros de inspeção (cfr. art. 12.º do Decreto-Lei n.º 190/94 de 18 de julho). Nem estavam prontas as instalações em 31 de Outubro de 1994, data superiormente aceite pelo então SEAL, como resulta do despacho emanado na Informação n.º 2/DG da Diretor-Geral de Viação, de 30 de janeiro de 1995, relativamente a um conjunto de centros de inspeção, que interpuseram hierárquico contra o indeferimento para inicio da atividade.
Com efeito, ficou comprovado pelo resultado de vistoria no local realizada pela Direção Regional do Norte, em 29/11/1994, na qual se constata que as obras do centro [SCom01...] ainda não estavam prontas.
b) Relativamente à alegação de que a Direcção-Geral de Viacção autorizou, em datas posteriores a 22/3/95, a abertura de centros de inspecção que se encontravam na mesma situação da requerente, configurando tal situação tratamento desigual para situações iguais, dir-se-á que os centros que a requerente refere estarem na mesma situação da sua, demonstraram que, até aquela data de 31 de Outubro de 1994, tinham as instalações prontas a iniciar a atividade.
Como a requerente não tinha as instalações prontas a funcionar até à data de 31 de Outubro de 1994, não pode invocar que foi dado tratamento desigual para situações iguais, pois, como se demostrou as situações não eram iguais.
Por outro lado, os centros que a requerente invoca estarem na mesma situação da sua, obtiveram o respetivo deferimento a abrigo do artigo 172.º da CPA, em despacho de 1995/03/22, exarado na mesma Informação n° 2/DG do Diretor-Geral de Viação, na sequência de recurso hierárquico interposto para o SEAL.
Não houve, portanto, qualquer violação ou desrespeito pelos princípios constitucionais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade.».
*
P. A petição inicial que originou os presentes autos deu entrada em 24.02.2014 (cf. fls. do SITAF, cujo teor se dão aqui por integralmente reproduzidas).
O Tribunal consignou: Factos não provados: inexistem, com relevância, para a decisão a proferir.

DE DIREITO
É objecto de recurso a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a acção.
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º do CPC e 140.º do CPTA.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por conhecer a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim, vejamos,
Em síntese, a sentença, concluiu:
“Agora na decisão impugnada, o IMTT veio fundamentar e pronunciar-se quanto ao invocado pelo Autor, indeferindo o pedido do mesmo, por apelo, por um lado, ao acórdão do STA de 20.09.1998, proferido no recurso n.° 40921, mas também, com fundamento na não verificação da violação do princípio da igualdade, uma vez que as instalações do Autor não estavam prontas a 30.09.1994, nem sequer a 31.10.1994, ao contrário das instalações dos demais centros de inspecção invocados, que detinham as suas instalações aptas a funcionar em 31.10.1994.”
“Uma vez que o IMTT, pelo acto de 23.05.2008, não se tinha pronunciado sobre os argumentos apresentados pelo Autor, no que tange à violação do princípio da igualdade, decidiu-se no processo n.° 2032/08.1BEBPRT pela anulação do acto e pela condenação do Réu na prática de novo acto, que se pronunciasse sobre a invocada violação do princípio da igualdade, apresentando para tanto a devida fundamentação.
Nessa sequência, o Réu praticou o acto de 28.11.2013, cuja legalidade está a ser apreciada na presente acção, designadamente, no que tange à invocada violação do princípio do contraditório, por falta de audiência prévia, da falta de fundamentação e da violação do princípio da igualdade.”
“Da falta de fundamentação”
“A fundamentação traduz-se, assim, na declaração que deve estar contida no acto administrativo, por intermédio da qual o respectivo autor expõe os fundamentos de facto e de direito que estiveram na base da decisão.”
“Está, assim, fundamentado o acto que esclarece o interessado das razões determinantes da decisão proferira, ainda que tal fundamentação possa variar consoante o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto.”
“(...) descendo à situação dos autos, verifica-se que o acto impugnado, de 28.11.2013, fundamenta a decisão de indeferimento por apelo, não só aos argumentos apresentados na decisão do STA de 30.09.1998, e que com facilidade se percebe, atenta todo o historial supra narrado, tem aqui aplicação, mas também pelo circunstancialismo de o Autor não ter as instalações prontas a funcionar em 30.09.1994, data a partir da qual se passou a exigir concurso público para a abertura dos centros de inspecção, nos termos do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 190/94, de 18 de Julho, nem mesmo a 31.10.1994, data supervenientemente aceite pelo então SEAI, relativamente a um conjunto de centros de inspecção, na sequência de recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento do início de actividade, e os quais demonstraram que à data de 31.10.1994 detinham as instalações prontas a iniciar a actividade.
Concluindo o acto impugnado, que não ocorreu a violação do princípio da igualdade por não serem iguais as circunstâncias entre o centro de inspecção do autor e os outros, a que foi autorizado o início de actividade.
Assim, atento o teor do acto impugnado, e independentemente da bondade da fundamentação apresentada, se impõe decidir pela perceptibilidade dos motivos de facto e de direito que determinaram o sentido da decisão tomada, improcedendo, por isso, o apontado vício.”
“Da violação do princípio da igualdade”
“No que respeita à invocada violação do princípio da igualdade, é certo que no âmbito do exercício de poderes discricionários exige-se que a Administração proceda à utilização de critérios substancialmente idênticos para a resolução de casos idênticos.”
“No entanto, o princípio da igualdade apenas tem actuação, funcionando como um limite da actuação administrativa, quando a Administração se encontre no uso de poderes discricionários, impondo que nesse âmbito adopte critérios idênticos, assim não sendo quando a actuação decorra do exercício de poderes vinculados.
A este propósito, e relativamente à situação em apreço, importará atender ao entendimento seguido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão proferido em 30.09.1998, que apesar de não ter decidido a questão relativa à violação do princípio da igualdade, apreciou da legalidade do acto administrativo que indeferiu o início de actividade de inspecções periódicas por parte do Autor, sustentando que o Autor não adquiriu qualquer direito ao abrigo do Decreto-Lei n.° 245/92, de 20/11 e respectiva Portaria Regulamentar n.° 297/93, de 16/03, e que o Decreto-lei n.° 190/94, que fora publicado em 18 de Julho e que entrou cm vigor no dia 1 de Outubro de 1994, não continha qualquer regime transitório que salvaguardasse a posição do Autor,”
“(...) transpondo o sobredito entendimento a respeito da aplicação do regime jurídico introduzido pelo Decreto-Lei n.° 190/94, e a impossibilidade de aplicação da legislação revogada às situações pendentes, exige o princípio da legalidade que a Administração actue nos termos apontados por aquele Supremo Tribunal, o que também por isso torna inoperante o princípio da igualdade, porquanto, como amplamente defendido na jurisprudência, o princípio da igualdade não confere um direito à igualdade na ilegalidade. Mas mesmo que assim não fosse, sempre não poderia proceder a invocada violação do princípio da igualdade porquanto as circunstâncias entre os centros de inspecção diferiam, uma vez que as instalações do Autor não estavam prontas para iniciar actividade à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 190/94, ou seja, a 31.10.1994, contrariamente aos outros centros de inspecção que, de acordo com a decisão impugnada, cumpriram essa exigência.”
“Da omissão do dever de audiência prévia”
“(...) a audiência prévia visa que o interessado por participar no procedimento e exercer o seu direito ao contraditório, permitindo-lhe influenciar a formação da vontade da administração, e por isso mesmo a administração deve dar a conhecer todos os elementos indispensáveis à decisão, para que o interessado possa contrapor as suas razões às razões da administração.
O que significa que o direito de audiência prévia é um direito de participação no decurso de um procedimento administrativo no qual tenha sido realizada instrução, que ocorrerá quando o órgão competente para decidir tenha efectivamente procedido a diligências de averiguação de todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento (cfr. artigo 87.º do CPA). E, é nesses casos, em que concluída a instrução, o interessado tem direito a ser ouvido antes de ser tomada a decisão final, a fim de, atento os argumentos apresentados, a decisão da administração poder ser reponderada.”
“(...) como resulta da letra do nº 1 do artigo 100º do CPA e da sua inserção sistemática, a audiência apenas é obrigatória nos procedimentos administrativos em que tenha havido instrução; uma vez que nas situações em que a mesma não tenha ocorrido, não tendo havido qualquer matéria de facto a indagar, e por apenas estar em causa a vontade da entidade administrativa face ao interesse público a prosseguir, a participação do interessado não se afigura necessária, nem tem qualquer efeito útil.
Este entendimento de que a audiência dos interessados só pode ter lugar tendo havido instrução e após esta, é também perfilhado por Pedro Machete, in “A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo”, 2.ª Edição, Universidade Católica Editora (...)”
“No caso em apreço, considerando o apontado princípio da legalidade, vertido no entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, no que tange à impossibilidade de aplicação do regime anterior à pretensão do Autor, e à inoperância do princípio da igualdade, se terá de concluir que a intervenção do interessado se afigura irrelevante por a decisão de indeferimento não poder ser diferente daquela que foi.
Sendo por isso irrelevante e inútil a realização da audiência prévia dos interessados, na medida em que os argumentos que este porventura tivesse apresentado, não seriam passíveis de alterar o sentido decisório.
Logo, julgo improcedente o invocado vício de forma por preterição de audiência de interessados e, por todo o quanto o exposto, todos os pedidos do Autor.”
Começa o Recorrente por invocar que esta sentença não acata o acórdão do TCAN e viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, o que gera nulidade.
Não secundamos este entendimento.
Da falta de acatamento do acórdão do TCAN, violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva e da alegada nulidade -
O Recorrente vem alegar que “a douta sentença ora recorrida, formalmente, pronunciou-se sobre tais vícios, mas fê-lo como se existisse caso julgado, pois que o raciocínio subjacente foi o de que não é possível, hoje, autorizar o funcionamento do centro de inspeções, logo, torna-se irrelevante a fundamentação e a audiência prévia, porque o acto impugnado teria sempre de ser aquele e não outro.
Não se pode concordar com tal interpretação e acreditamos que se tratou de uma forma, indirecta, de não acatar o acórdão do TCAN.”
Sobre o ora alegado, fundamenta, e bem, a sentença, “O Tribunal Central Administrativo Norte veio a decidir do seguinte modo: «(...) Tal como também observado pela Recorrente, no recurso do STA a violação do princípio da igualdade não foi apreciada e, no processo nº 2032/08.1BEPRT, por falta de elementos sobre tal questão, o Tribunal a quo considerou-se impedido de conhecer o pedido de condenação à prática do ato devido.(...) - In casu, pese embora a identidade das partes: - a Autora é a mesma e a Entidade Demandada (quer na presente acção quer naquela que correu termos sob o n° 2032/08) é tida, para estes efeitos, como a mesma, tendo presente que o IMTT, IP, sucedeu à antiga DGV, por força do disposto no art°16° do DL 147/2007, de 27 de abril, no que concerne às atribuições em matéria de condutores e de veículos -, certo é que nem os pedidos nem as causas de pedir são iguais, não se verificando, por isso, a excepção de caso julgado.”
“III. QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE DECIDIR
As questões que ao Tribunal cabe agora analisar e decidir são as de saber se a deliberação do Conselho Directivo do IMTT, de 28.11.2013, padece dos seguintes vícios: preterição da audiência de interessados, falta de fundamentação e violação do princípio da igualdade.” “(...) conforme refere o Tribunal Central Administrativo (TCA) Norte, no acórdão proferido nestes autos, em virtude de anterior decisão de existência de caso julgado, que fora revogada: (...) não há caso jugado, sob pena de a questão da preterição da audiência prévia e da violação do princípio da igualdade jamais ser apreciada e decidida, impedindo o ressarcimento dos prejuízos sofridos pela Recorrente, o que relegou para ação autónoma (...) O pedido de revogação apresentado pela Recorrente assenta ou tem por base o conhecimento superveniente da ocorrência de um tratamento desigual em relação à pretensão da Recorrente”.
“(...) transpondo o sobredito entendimento a respeito da aplicação do regime jurídico introduzido pelo Decreto-Lei n.° 190/94, e a impossibilidade de aplicação da legislação revogada às situações pendentes, exige o princípio da legalidade que a Administração actue nos termos apontados por aquele Supremo Tribunal, o que também por isso torna inoperante o princípio da igualdade, porquanto, como amplamente defendido na jurisprudência, o princípio da igualdade não confere um direito à igualdade na ilegalidade. Mas mesmo que assim não fosse, sempre não poderia proceder a invocada violação do princípio da igualdade porquanto as circunstâncias entre os centros de inspecção diferiam, uma vez que as instalações do Autor não estavam prontas para iniciar actividade à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 190/94, ou seja, a 31.10.1994, contrariamente aos outros centros de inspecção que, de acordo com a decisão impugnada, cumpriram essa exigência.”
“No caso em apreço, considerando o apontado princípio da legalidade, vertido no entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, no que tange à impossibilidade de aplicação do regime anterior à pretensão do Autor, e à inoperância do princípio da igualdade, se terá de concluir que a intervenção do interessado se afigura irrelevante por a decisão de indeferimento não poder ser diferente daquela que foi.”.
Temos, pois, que a sentença proferida, em 02/03/2023, nos autos de processo 421/14.1BEBRG da Unidade Orgânica 1, acatou o decidido no acórdão deste TCAN.
Da violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva e da pretensa nulidade -
Segundo o artigo 615º do NCPC (artigo 668º CPC 1961), ex vi artigo 1º do CPTA, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”,
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 -…. .
3 -….. .
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Nos termos das alíneas b) e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, ou seja, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.

Dos incontáveis arestos dos tribunais superiores que reiteram a mesma doutrina jurisprudencial nesta matéria, retemos o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/11/2012, proc. 0450/09, que sumariou: “(…) II - A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº 1 do CPC).

III - Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.

IV - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.

Já a nulidade da alínea c) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
Ao não existir qualquer contradição lógica, não se verifica esta nulidade, porquanto ela reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência, em termos tais, que os fundamentos invocados pelo tribunal devessem, naturalmente, conduzir a resultado oposto ao que chegou.
Voltando ao caso concreto não se vislumbram na decisão sob recurso quaisquer nulidades.
Aliás, a pretensa violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva não se subsume à previsão das diversas alíneas do citado artigo 615º.
Como é sabido, impõe-se distinguir as seguintes questões: de um lado, a do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva traduzidos no direito das partes de verem as suas pretensões apreciadas por uma instância, nomeadamente, por um tribunal, e de a estas corresponder uma ação adequada, designadamente, para prevenir ou reparar a violação do direito que se pretende exercer; e, de outro lado, aquela do direito ao recurso daquelas decisões para um tribunal hierarquicamente superior, o qual conhece limitações que, desde que não ponham em causa o próprio direito de ação, são constitucionalmente admissíveis.
In casu tal comando - artigo 20º da CRP em conjugação com o artigo 7º do CPTA -foi plenamente assegurado, pelo que se desatende esta argumentação.
Com efeito, o princípio da tutela jurisdicional efetiva é aquele que garante o pleno exercício dos direitos e faculdades no curso do procedimento e dar razão a quem a tiver, segundo os ditames da ordem jurídica. A efetividade do processo é buscada através do princípio da cooperação processual, que representa a obrigatoriedade de participação ampla de todos os sujeitos do processo, de modo a se ter uma decisão de mérito justa e efetiva em tempo razoável. O processo efetivo é aquele que respeita o equilíbrio entre os valores de celeridade e segurança, oferecendo às partes o resultado desejado pelo direito material.
Na situação vertente não se descortina em que medida o aresto em crise atente contra estas linhas norteadoras.
Ademais, relativamente à inconstitucionalidade conclusivamente invocada, sempre a mesma teria de estar acrescidamente justificada, pois que não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação de princípios constitucionais, designadamente por interpretação desconforme à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado. Ou seja, por falta de densificação tal matéria sempre sucumbiria.
Em suma,
-Não está a sentença recorrida ferida de qualquer irregularidade, invalidade ou nulidade;
-Não ocorreu a alegada falta de acatamento do acórdão deste TCAN;
-Não ocorreu a alegada violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva;
-Bem decidiu a sentença em apreço após analisar sobre as questões de saber se a deliberação do Conselho Directivo do IMTT, de 28.11.2013, padecia dos seguintes vícios: preterição da audiência de interessados, falta de fundamentação e violação do princípio da igualdade;
-Retomando a cronologia dos autos temos que o Autor intentou a presente acção tendo em vista aquilatar da legalidade da deliberação do Conselho Directivo do IMTT, IP, de 28.11.2013, praticada para dar cumprimento à sentença proferida no processo n.º 2032/08.1BEPRT, que anulou a deliberação do Conselho Directivo do IMTT, de 23.05.2008, condenando o Réu a praticar novo acto que desse cumprimento ao dever de pronúncia quanto ao invocado pelo Autor e ao dever de fundamentação da decisão;
-A deliberação do Conselho Directivo do IMTT, de 23.05.2008, decidira pela extinção do procedimento de aprovação de um centro de inspecções periódicas no lugar ..., na sequência do pedido do Autor, exposto em 10.01.2008 perante a Secretaria de Estado dos Transportes, e em 24.04.2007 perante o Secretário de Estado da Administração Interna;
-Agora na decisão impugnada, o IMTT veio fundamentar e pronunciar-se quanto ao invocado pelo Autor, indeferindo o pedido do mesmo, por apelo, por um lado, ao acórdão do STA de 20.09.1998, proferido no recurso n.° 40921, mas também, com fundamento na não verificação da violação do princípio da igualdade, uma vez que as instalações do Autor não estavam prontas a 30.09.1994, nem sequer a 31.10.1994, ao contrário das instalações dos demais centros de inspecção invocados, que detinham as suas instalações aptas a funcionar em 31.10.1994;
-Isto posto, importa esclarecer que a situação material em apreço teve início em 05.07.1994 quando o Autor requereu ao SEAI autorização para o exercício de actividade de inspecções periódicas obrigatórias a veículos, ao abrigo do disposto no artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 254/92, de 20 de Novembro;
-Porém, em 09.02.1995, por despacho do Director-Geral de Viação foi indeferido o pedido de início de actividade, por da vistoria realizada ter resultado que as instalações do Autor não estavam prontas em 29.11.1994 e que por força dos artigos 12.°, n.° 2, e 14.° do Decreto-lei n.° 190/94 a abertura de novos centros de inspecção passou a estar sujeita a concurso público;
-À data, o Autor insurgiu-se contra o acto de indeferimento do pedido de início de actividade de inspeções, primeiro administrativamente, e de seguida, através de acção judicial de impugnação do despacho do Secretário de Estado da Administração Interna de 7/7/95, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto do despacho do Diretor Geral de Viação, que indeferira o pedido de início de atividades, na qual o Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferiu acórdão, em 30.09.1998, improcedendo a acção;
-Ocorre que, posteriormente, o Autor terá tido conhecimento que relativamente a outros centros de inspecção (que no seu entender estariam nas mesmas condições que o seu), foram deferidos os pedidos de autorização de início de actividade, o que veio a justificar o requerimento efectuado pelo Autor, em 24.04.2007, ao Secretário de Estado da Administração Interna, para que fosse revogado o despacho de indeferimento de início de actividade de inspecções periódicas (que aliás, já tinha sido apreciado pelo STA, mas com outros fundamentos), o que acabou por ser decidido pelo IMTT (por força da extinção da DGV), em 23.05.2008, considerando extinto o procedimento e caducada a autorização para o exercício da actividade;
-Uma vez que o IMTT, pelo acto de 23.05.2008, não se tinha pronunciado sobre os argumentos apresentados pelo Autor, no que tange à violação do princípio da igualdade, decidiu-se no processo n.º 2032/08.1BEBPRT pela anulação do acto e pela condenação do Réu na prática de novo acto, que se pronunciasse sobre a invocada violação do princípio da igualdade, apresentando para tanto a devida fundamentação;
-Nessa sequência, o Réu praticou o acto de 28.11.2013, cuja legalidade está a ser apreciada na presente acção, designadamente, no que tange à invocada violação do princípio do contraditório, por falta de audiência prévia, da falta de fundamentação e da violação do princípio da igualdade;
-Fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado ato - cfr. Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido Pinho, in Código do Procedimento Administrativo;
-No caso concreto verifica-se que o acto impugnado, de 28.11.2013, fundamenta a decisão de indeferimento por apelo, não só aos argumentos apresentados na decisão do STA de 30.09.1998 mas também pelo circunstancialismo de o Autor não ter as instalações prontas a funcionar em 30.09.1994, data a partir da qual se passou a exigir concurso público para a abertura dos centros de inspecção, nos termos do artigo 12.° do DL 190/94, de 18 de julho, nem mesmo a 31.10.1994, data supervenientemente aceite pelo então SEAI, relativamente a um conjunto de centros de inspecção, na sequência de recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento do início de actividade, e os quais demonstraram que à data de 31.10.1994 detinham as instalações prontas a iniciar a actividade;
-Concluindo o acto impugnado, que não ocorreu a violação do princípio da igualdade por não serem iguais as circunstâncias entre o centro de inspecção do Autor e os outros, a quem foi autorizado o início de actividade;
-Atento o teor do acto impugnado impõe-se concluir pela perceptibilidade dos motivos de facto e de direito que determinaram o sentido da decisão tomada;
-O princípio da igualdade traduz-se no tratamento igual de situações semelhantes e no tratamento diferenciado de situações diferentes;
-No que respeita à invocada violação do princípio da igualdade, é certo que no âmbito do exercício de poderes discricionários se exige que a Administração proceda à utilização de critérios substancialmente idênticos para a resolução de casos idênticos;
-Como é sustentando reiteradamente pela doutrina e pela jurisprudência, o princípio da igualdade impõe que se dê tratamento igual ao que é igual e tratamento diferente ao que é diferente, exigindo não só a proibição de discriminações arbitrárias e irrazoáveis ou diferenciadas em função de critérios meramente subjectivos, como a obrigação de diferenciar o que é objectivamente diferente, não se exigindo uma igualdade absoluta, mas apenas um tratamento igual para aquilo que era igual e um tratamento desigual para aquilo que era diferente, só havendo a violação desse princípio quando o tratamento desigual não tivesse fundamento aceitável;
-No entanto, o princípio da igualdade apenas tem actuação, funcionando como um limite da actuação administrativa, quando a Administração se encontre no uso de poderes discricionários, impondo que nesse âmbito adopte critérios idênticos, assim não sendo quando a actuação decorra do exercício de poderes vinculados;
-O princípio da igualdade não confere um direito à igualdade na ilegalidade;
-Mesmo que assim não fosse, sempre não poderia proceder a invocada violação do princípio da igualdade porquanto as circunstâncias entre os centros de inspecção diferiam, uma vez que as instalações do Autor não estavam prontas para iniciar actividade à data da entrada em vigor do DL 190/94, ou seja, a 31.10.1994, contrariamente aos outros centros de inspecção que, de acordo com a decisão impugnada, cumpriram essa exigência;
-Por seu turno, o princípio da participação dos interessados encontra-se consagrado na Lei fundamental, concretamente no artigo 267.°, n.° 5, onde se estabelece que: «O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.»;
-Encontrando-se o direito de participação densificado legislativamente no artigo 8.° do antigo CPA, ao consagrar que: «Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objeto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes digam respeito, designadamente através da respetiva audiência nos termos do presente Código.»;
-Para concretizar este princípio, previu-se no artigo 100.° do antigo CPA: «1 - Concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta. (...)»;
-Constituindo a audiência de interessados uma formalidade essencial sempre que existam factos a indagar, e na medida em que os argumentos que o interessado porventura tivesse apresentado, fossem passíveis de alterar o conteúdo do acto;
-Resultando deste enquadramento normativo que a audiência prévia visa que o interessado possa participar no procedimento e exercer o seu direito ao contraditório, permitindo-lhe influenciar a formação da vontade da administração, e por isso mesmo a administração deve dar a conhecer todos os elementos indispensáveis à decisão, para que o interessado possa contrapor as suas razões às razões da administração;
-O que significa que o direito de audiência prévia é um direito de participação no decurso de um procedimento administrativo no qual tenha sido realizada instrução, que ocorrerá quando o órgão competente para decidir tenha efectivamente procedido a diligências de averiguação de todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento (artigo 87.° do CPA);
-E, é nesses casos, em que concluída a instrução, o interessado tem direito a ser ouvido antes de ser tomada a decisão final, a fim de, atentos os argumentos apresentados, a decisão da administração poder ser reponderada;
-Por norma, a violação do direito de participação determina a invalidade do acto por preterição de uma formalidade essencial, o que é sancionado com a sua anulabilidade, nos termos do artigo 135.° do Código do Procedimento Administrativo;
-Todavia, nem sempre assim é, já que constituindo a audiência dos interessados uma formalidade essencial, isto é, uma formalidade susceptível de provocar a invalidade do acto pode, em determinadas situações, degradar-se em não essencial, quando a intervenção do interessado se afigurar irrelevante por a decisão da Administração não poder ser diferente daquela que foi;
-E nestes casos, quer a doutrina quer a jurisprudência têm vindo a acolher o princípio do aproveitamento do acto;
-Com efeito, quando se puder concluir que o vício não teve influência na decisão, a qual teria sido a mesma ainda que o preceito formal tivesse sido cumprido, deve aproveitar-se o acto administrativo anulável por vício de forma;
-Trata-se da possibilidade de aplicar ao caso o afastamento do efeito anulatório do mesmo, designadamente mediante o aproveitamento do ato administrativo decorrente da degradação da formalidade essencial em mera irregularidade;
-Esta possibilidade de afastamento do efeito anulatório, repete-se, já vinha sendo largamente reconhecida pela jurisprudência dos tribunais superiores, pelo que a formulação do n.º 5 do art.º 163.º do CPA em vigor não é mais do que a consagração legal daquele entendimento jurisprudencial. E, no essencial, este afastamento do efeito anulatório era admitido em duas situações: (i) à luz do princípio utile per inutile non vitiatur, nomeadamente nos casos em que o conteúdo do ato não pudesse ser outro, mesmo existindo qualquer vício; (ii) à luz da degradação das formalidades essenciais, designadamente quando o objetivo visado pela mesma tivesse sido alcançado, ou se a respetiva realização se revelasse totalmente inconsequente para a decisão a proferir;
-Neste sentido, e em concreto sobre a não realização de audiência prévia, já no Acórdão deste TCAN de 19.12.2014 (v.g., anterior ao atual CPA), proferido no processo n.º 02841/12.7BEPRT, se sintetizou esse entendimento, nos seguintes termos: “A degradação de formalidade em formalidade não essencial só ocorrerá quando, atentas as circunstâncias, a intervenção do interessado se tornou inútil, seja porque o contraditório já se encontre assegurado, seja porque não haja nada sobre que ele se pudesse pronunciar, seja porque, independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada.” Precisamente o que hoje se encontra dito nas alíneas a) e b) do n.º 5 do art.º 163.º do CPA;
-No caso em apreço, como referido na sentença, considerando o apontado princípio da legalidade, vertido no entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, no que tange à impossibilidade de aplicação do regime anterior à pretensão do Autor, e à inoperância do princípio da igualdade, sempre teria de se concluir que a intervenção do interessado era irrelevante por a decisão (de indeferimento) não poder ser diferente daquela que foi;
-Sendo irrelevante e inútil a realização da audiência prévia do interessado, na medida em que os argumentos que este porventura tivesse apresentado, não seriam passíveis de alterar o sentido decisório, sempre seria de julgar improcedente o invocado vício de forma, como sucedeu;
-De recordar ainda os «Acórdãos do STA, de 15.03.2007 e 19.12.2006, in Processos n.º 0209/05 e n.º 0594/06, onde se afirma que "O objeto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida e não o ato administrativo sobre que esta se pronunciou, o que obriga o Recorrente a demonstrar nas alegações e conclusões do recurso o desacerto daquela sentença, indicando as razões que o levam a concluir pela sua anulação ou alteração. Se o não fizer, e se se limitar a repetir os argumentos que o levaram a impugnar o ato recorrido, o recurso terá, fatalmente, de improceder" e que "O recurso jurisdicional tem por objeto a sentença recorrida e não o ato contenciosamente impugnado, o que obriga o recorrente a dirigir a sua crítica à sentença pelos erros que esta cometeu e que devem conduzir à sua revogação, improcedendo o recurso se o recorrente, na sua alegação, se limita a atacar o ato administrativo contenciosamente impugnado, não fazendo qualquer referência crítica às razões e fundamentos da sentença recorrida. Como também assegurado pelo STA/Pleno, (Ac. Pleno da 1ª Secção de 21.09.2000, rec. 38.828), o recurso jurisdicional tem por objeto a sentença recorrida e não o ato contenciosamente impugnado, o que obriga o recorrente a dirigir a sua crítica à sentença pelos erros que esta cometeu e que devem conduzir à respetiva revogação, improcedendo o recurso se o recorrente na sua alegação, se limita a atacar o ato administrativo contenciosamente impugnado, não fazendo qualquer referência crítica às razões e fundamentos específicos da sentença recorrida"» (in Ac. deste TCAN, de 22.09.2017, proc. nº 2134/14.5BEPRT);
-Ora é manifesto que, nas Conclusões G) e segs., o aqui Recorrente desfere novamente críticas ao acto impugnado, o que só por si desaconselharia/impediria a sua apreciação por esta Instância;
-Aliás culmina a sua peça alegatória com o seguinte pedido: Termos em que o presente recurso deve ser julgado por provado e procedente, devendo o Tribunal proferir acórdão a declarar que a deliberação de 28 de novembro de 2013 padece dos vícios invocados e, consequentemente, declarar a sua anulação, condenando o recorrido a proferir novo ato sem os invocados vícios, no sentido do parecer jurídico dado como provado em K).
Improcedem, pois, as Conclusões das alegações com a consequente manutenção na ordem jurídica da sentença recorrida.
DECISÃO
Termos em se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
Notifique e DN.
Porto, 14/7/2023

Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro