Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00279/23.0BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/12/2024
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:INCAPACIDADE PERMANENTE E ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL;
CAPACIDADE RESIDUAL PARA OUTRO TRABALHO COMPATÍVEL; DISCRICIONARIEDADETÉCNICA; FUNDAMENTAÇÃO; ARTIGO 5-A DO ANEXO I DO DECRETO-LEI N.º 352/2007, DE 06.11.
Sumário:
1. A análise de ser ou não possível por parte do sinistrado o exercício de “outra profissão compatível com esta incapacidade atendendo à idade, qualificações profissionais e escolares e a possibilidade, concretamente avaliada, de integração profissional” - artigo 5-A do anexo I do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 06.11. -, envolve, pela abstracção dos conceitos deste normativo jurídico, uma ampla margem de discricionariedade técnica da junta pluridisciplinar que avalia estes casos e que, portanto, só é passível de ser sindicada pelos tribunais em situações de erro grosseiro, evidente, de violação de vinculações legais ou de desvio de poder.

2. Tratando-se do exercício com amplos poderes de discricionariedade, no caso da avaliação da incapacidade permanente para todo e qualquer trabalho, mais exigente deve ser a fundamentação.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal, de 10.11.2023, que julgou improcedente a acção que moveu contra a Caixa Geral de Aposentações para condenação da Ré a: I) atribuir a capacidade funcional residual ao Autor de 0%, e reconhecendo assim que o mesmo padece igualmente de Incapacidade Permanente Absoluta para Todo e Qualquer Trabalho (IPATQT); II) a fixar, calcular e pagar ao Autor a pensão devida por tal IPATQT numa base imediata e mensal, correspondente que é a de, pelo menos, 2.788,56 euros e III) a reconhecer que o Autor tem direito ao subsídio de elevada incapacidade e a pagar-lhe o mesmo na prestação única de 6.341,68 euros, com todas as consequências legais, a começar pela anulação dos actos que negaram esses direitos.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida errou ao considerar que não padeciam dos vícios invocados os actos impugnados em particular ao considerar que o Autor ficou com mais de 50% de capacidade residual funcional com base numa simples operação de subtracção; não esclarece que profissão, ou profissões, são essas que alegadamente existirão compatíveis com a sua específica situação, no caso de colega do Recorrente, também ele militar da GNR, e a quem foi atribuída uma IPATH de 23,5% e a do Recorrente foi de 49,02%), classificada que foi nas mesmíssimas alíneas, nos mesmíssimos números e nos precisos capítulos da Tabela Nacional de Incapacidades que o Recorrente, conforme decorre do ponto 6 da matéria de facto provada e documento n.º ...0 junto com a petição inicial; o que evidencia o erro de julgamento ao não considerar verificada a violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da boa fé nos actos impugnados; não estamos aqui perante uma situação de autoridade de caso julgado na sua função positiva, pois para que se estivesse necessário era que a sentença proferida no processo n.º ...9 se tivesse pronunciado no sentido de que o Recorrente não padecia de uma IPATQT, o que não sucedeu, o que traduz um outro erro de julgamento que se alastra ao segmento decisório atinente com o requerido subsídio de elevada incapacidade, posto que a redução na capacidade geral de ganho só é de 49,02% em face da capacidade funcional residual erroneamente.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. O que o Tribunal tinha que liminarmente empreender era verificar se a administração mobilizou, ou não, os critérios que a lei estipula: tivesse-o feito, como se impunha, e teria constatado que tal, em momento algum, sucedeu, antes se tendo atribuído mais de 50% de pretensa capacidade residual funcional a um Recorrente que nem as unhas dos pés consegue cortar sozinho e tudo com base numa simples operação de subtracção.

2. Sendo isto, e tão somente isto, o suficiente para aquilatar se as normas jurídicas que o Recorrente invoca foram, como ostensivamente foram (nem uma só linha se escreveu!), violadas - não, claro reste, mobilizar-se os dados de que aquele se serviu para, constada a ilegalidade em causa, indicar o caminho e resultado que, na sua óptica, deveriam ter sido alcançados e, de sopetão, procurar-se infirmá-los com recurso a meros juízos eminentemente subjectivos, insusceptíveis sequer de poderem ser dissecados ou frontalmente enfrentados, tamanha é a sua vaguidade.

3. Continuando, pois e no que releva, o Recorrente, e sempre na esteira da decisão judicial recorrida, sem saber que profissão, ou profissões, são essas que alegadamente existirão compatíveis com a sua específica situação e que, quanto a si, em consciência e pelas cartesianas e não impugnadas razões e provas que avançou, ditam a sua inexistência.

4. Facto que se reveste de especial perplexidade quando é certo e sabido que em situações como a deste Recorrente, a administração recorrida Caixa reconhece a existência de 0% de capacidade funcional residual.

5. Referimo-nos, pois e ilustrativamente, ao caso do colega do Recorrente, «BB», também ele militar da GNR, e a quem foi atribuída uma IPATH de 23,5% e a do recorrente foi de 49,02%), classificada que foi nas mesmíssimas alíneas, nos mesmíssimos números e nos precisos capítulos da Tabela Nacional de Incapacidades que o Recorrente, conforme decorre do ponto 6 da matéria de facto provada e doc. n.º ...0 junto com a pi.

6. O que, para além de reforçar o desacerto também judicialmente perpetrado (bis), evidencia clara afronta dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da boa fé e que é constatação que, quanto a nós e com veemência, igualmente não logra ser infirmada pela sentença recorrida.

7. É que, ao contrário do que nela se afirma, as incapacidades de cada um deles (Recorrente e colega militar «BB») não só são iguais em relação ao Capítulo X, grau II, da TNI, mas também relativamente ao Capítulo I, n.º 1.1.1, residindo, pois, a única diferença (que abona é a favor do Recorrente) na alínea em que cada uma se enquadra: as lesões de que um e outro padecem são exatamente as mesmas, sendo as sequelas de lesão do Recorrente mais graves ainda (as da alínea c), sendo, por isso, o grau de incapacidade substancialmente maior).

8. Conclusão: a sentença recorrida padece de ostensivo e duplo erro de julgamento.

9. Sucede que o Recorrente alegou e provou tudo quanto era exigido, sim, tendo principiado por alegar e provar que tanto um como o outro desempenhavam funções de segurança interna no âmbito da mesma entidade (o que obviamente significa que os mesmos têm, pelo menos, idêntica formação base – a que acresce, no caso do Recorrente, a de Capitão e que, como é por todos sabido, é mais específica e exigente, não fora estarmos a falar de um cargo superior de direcção e de chefia no âmbito militar, não encontrando similitude com qualquer outra profissão), bem como alegou e provou que padecem exatamente das mesmas lesões físicas e psíquicas (aliás, e como se viu, o Recorrente até é mais incapaz), sendo a possibilidade de integração profissional também ela idêntica para ambos: 0%.

10. Sendo factos, estes, que nem infirmados foram pela Ré e que são claramente mais do que suficientes para comprovar a injustiça crassa de que este Recorrente foi alvo, Recorrente que desconhece se há paridade de circunstâncias quanto à idade (admitindo que sim, pois no caso do colega «BB» a sua aposentação ocorreu, obviamente, antes da idade legal da aposentação), mas que tem a certeza que a mesma pode bem ser irrelevante - e a dúvida não pode, face a todos os demais ponderosos elementos existentes nos autos, jogar a seu desfavor ou em jeito de bênção da actuação administrativa.

11. De resto – ou melhor, no que releva -, e conforme sublinha o Tribunal Constitucional, “o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, impede que uma dada solução normativa confira tratamento substancialmente diferente a situações no essencial semelhantes” - id est, o que importa é que as situações sejam semelhantes “no essencial”, como indesmentivelmente são (cfr. a propósito, o quadro comparativo supra aludido no corpo do presente articulado e que tudo atesta).

12. Deve, pois e repetindo-nos, a douta sentença recorrida ser revogada.

13. Tanto mais que, e para finalizar, não se estando aqui perante uma situação de autoridade de caso julgado na sua função positiva (para que se estivesse necessário era que a sentença proferida no processo n.º ...9 se tivesse pronunciado no sentido de que o Recorrente não padecia de uma IPATQT, o que não sucedeu), assim ao invés do decidido e que em momento algum cuidou de sopesar as considerações a que expressa e oficiosamente instou este Recorrente a formular, cravejado que está de novo erro de julgamento – cfr. o corroborador Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/09/2022, naturalmente a par com a solução do artigo 595.º, n.º 3, do CPC.

14. Termina-se concluindo-se que o erro de julgamento nesta sede assacado se alastra ao segmento decisório atinente com o requerido subsídio de elevada incapacidade, posto que a redução na capacidade geral de ganho só é de 49,02% em face da capacidade funcional residual erroneamente (como já se demonstrou) atribuída ao Recorrente.

*
II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. Em 25-09-2009, o Centro Militar de Educação Física e Desportos conferiu ao Autor o estribo de bronze, por ter sido aprovado na sela 4 - cf. documento n.° ... junto à petição inicial.

2. No ano lectivo de 2009-2010, o Autor concluiu o mestrado integrado em Ciências Militares, na especialidade de segurança GNR, na Academia Militar - cf. documento n.° ... junto à petição inicial.

3. Entre 18-01-2010 e 05-02-2010, o Autor frequentou o 15.º módulo de ordem pública, com a duração de 93 horas, na Unidade de Intervenção - Cf. documento n.° ... junto à petição inicial.

4. Entre 23-05-2011 e 06-07-2011, o Autor frequentou o 25.º Curso Específico de Cavalaria, com a duração de 180 horas, na Unidade de Segurança e Honras de Estado - cf. documento n.° ... junto à petição inicial.

5. Em Janeiro de 2012, o Autor participou no Curso de Formação “A gestão da investigação criminal num tempo de crise”, com duração de 25 horas, no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra - cf. documento n.° ... junto à petição inicial.

6. Através de ofício datado de 29-06-2016, a Entidade Demandada comunicou a «BB» o resultado da junta médica realizada em 22-06-2016, informando-o que das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções, uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, tendo sido atribuído 0% de capacidade residual para o exercício de outra função compatível e que se manteve a desvalorização de 23,5%, já atribuída em 08-05-2014, de acordo com o Capítulo I n.º1.1.1, alínea b) e Capítulo X n.º2.II da TNI - cf. documento n.º ...0 junto à petição inicial.

7. Em 28-10-2019, o Autor intentou uma acção administrativa contra a entidade demandada, no âmbito de um acidente profissional, impugnando os atos datados de 09-05-2019, de 22-08-2019 e de 23-05-2019 e formulando os seguintes pedidos:

- A anulação ou nulidade dos actos da entidade demandada de 09-05-2019, de 22-08¬2019 e de 23-05-2019;

- A condenação da Entidade Demandada a reconhecer que o Autor padece de incapacidade permanente absoluta para exercer todo e qualquer trabalho e a concomitantemente calcular e a fixar a pensão que lhe é devida a este título ou, subsidiariamente, a reconhecer que o Autor padece de incapacidade permanente absoluta para exercer as suas funções habituais e a concomitantemente calcular e a fixar a pensão que lhe é devida a este título;

-Subsidiariamente, a condenação da Entidade Demandada a proferir novo acto expurgado de todos os vícios de que padece - nomeadamente reconhecendo que a decisão proferida deve designadamente sopesar todos os elementos fácticos e médicos que referem a sua incapacidade permanente absoluta para desde logo exercer a sua profissão, acto este que deve também ser devidamente fundamentado - e a fixar a pensão legalmente devida ao autor;

- Subsidiariamente, a condenação da entidade demandada a reconhecer que a pensão anual e mensal devida ao Autor, é, respetivamente, de 5.902,74 euros e de 421,62 euros;

- E a condenação da entidade demandada a levantar a suspensão da pensão a efectivar ao autor, processando-lhe o seu pagamento mensal e imediato.

- Cf. petição inicial constante de págs. 1 a 77 e comprovativo de entrega de pág. 78 a 82 do Processo n.º 684/19.6BECBR.

8. Em 16-08-2021, por sentença transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 684/19.6BEBRG, a Entidade Demandada foi condenada a praticar os seguintes actos:

- A reconhecer que o autor padece de incapacidade absoluta para o trabalho habitual;

- A calcular e fixar o valor da pensão anual devida pela IPATH, com efeitos reportados à data de 09-05-2019;

- A pagar, imediatamente, numa base mensal, a pensão anual devida pela IPATH, deduzida do valor da pensão anual por IPP fixada em 11-04-2016.

- Cf. sentença proferida no processo n.º 684/19.6BECBR e constante de documento n.º ... junto à petição inicial.

9. Consta da fundamentação de direito da sentença mencionada em 08), entre o mais, o seguinte:

“(...) Tais limitações não são, como nos parece evidente, compatíveis com o exercício das funções inerentes à categoria de capitão de cavalaria, conforme vêm descritas nos normativos supra transcritos. Daí que, nos esclarecimentos prestados em 23.12.2020, a Sr.ª Perita Médica do INMLCF tenha afirmado que “relativamente ao exercício da sua profissão, o examinado padece de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (Guarda Nacional Republicana)”. E a referida afirmação não contende com o que viria a afirmar posteriormente, em abril de 2021, no sentido de que a sintomatologia do A. é compatível com tarefas profissionais que não impliquem esforços físicos, nomeadamente, a realização de tarefas do foro administrativo, ainda que com a realização de pausas mais frequentes para descompressão da coluna e toma de medicação nas alturas de agudização. Desde logo porque, como vimos, um capitão de cavalaria da GNR, ao exercer o comando, tem que desempenhar funções que vão muito para além de “tarefas do foro administrativo” (vg. exercício do comando do seu destacamento, sendo perante ele o primeiro responsável por tudo quanto ao mesmo diga respeito; uso de máxima iniciativa, dentro da sua autoridade, relativamente à responsabilidade que lhe é exigida, devendo imprimir uma orientação de moderação e de imparcialidade nos serviços que lhe são cometidos; providenciar para que o serviço seja igualmente desempenhado por todos os militares; devendo, para este efeito, fiscalizar as escalas; desenvolver e orientar a formação militar, cívica e comportamental do seu efetivo; manter uma judiciosa distribuição das dependências e dos alojamentos atribuídos à subunidade, visitando-os com frequência; tomar as disposições necessárias para uma rápida concentração da sua subunidade e, em caso de necessidade, reunir forças onde sejam necessárias; conhecer a topografia da região e a índole das populações existentes na sua área de responsabilidade; manter contacto com as diferentes autoridades, nomeadamente, judiciais e administrativas, entre outras). Em suma, embora se desconheçam as razões que levaram a junta médica realizada em maio de 2019 a considerar o autor como não tendo qualquer incapacidade permanente para o exercício da sua profissão, tal não impede que o Tribunal dê como verificada a situação de incapacidade para o trabalho do A., com fundamento nos demais elementos de prova existentes nos autos. Em face de tudo vem de se expor, impõe-se extrair a seguinte conclusão: o A., embora possa não estar incapaz para exercício de toda e qualquer profissão, está, e estava já em 2019, incapaz para o exercício da profissão de capitão de cavalaria da GNR, isto é, está absolutamente incapaz para o exercício do seu trabalho habitual, nos termos previstos no artigo 19.º, n.º 3 da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (de resto, também o parecer do consultor de neurologia da CGA foi neste sentido, sem que seja apresentada qualquer razão para que dele se discorde). Aliás, discricionariedade não equivale a arbitrariedade e insindicabilidade, posto que se assim fosse, claramente se violaria o direito das partes à tutela efetiva. Estas ficariam sujeitas ao resultado da junta médica, independentemente dos juízos técnicos, científicos e médicos que viessem a ser recolhidos no processo de nada lhes valendo esses outros juízos médicos, porquanto, os médicos da junta médica seriam soberanos e sempre teriam a única e exclusiva palavra a dizer. (cf. o referido Acórdão). No caso, perante a prova médica existente nos autos, tanto carreada pelo A., como a que viria a ser produzida, o Tribunal não pode fazer vistas cegas quanto ao que dela resulta, sendo que dúvidas não subsistem em como o Autor está absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, estando assentes factos que atestam o estado de incapacidade absoluta e permanente do mesmo para o exercício das suas funções profissionais de capitão de cavalaria, funções que exigem não só esforço físico, como uma grande resistência física e psicológica (que, evidentemente, o A. não tem). Ademais, cumpre assinalar que não se descortina na lei o que quer que seja que limite a liberdade de apreciação e valoração das provas só por estar em causa uma deliberação de uma junta médica, da mesma forma que a lei não exige qualquer formalidade especial para se provar um facto contrário ao que foi considerado pela junta médica. Deste modo, em face do exposto, estão reunidos todos os pressupostos de que depende a condenação da CGA a reconhecer que o autor está absolutamente incapaz para o trabalho habitual. Na procedência deste pedido, impõe-se anular os atos impugnados, e condenar a CGA a calcular e fixar a pensão anual que é devida ao A. nos termos do artigo 48.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, com efeitos a contar da data da realização da Junta Médica – 09.05.2019 – pagando-lhe todas as pensões vencidas desde então, devendo reconstituir a situação que existiria se a junta médica de verificação de incapacidades não tivesse errado na avaliação médica que efetuou. No caso, a reconstituição da situação atual hipotética, a efetuar, implica que, em juízo de prognose, se retroceda ao momento em que, no caso, o ato anulado foi praticado, procurando repristinadamente, reconstituir a situação que existiria caso o ato tivesse sido, desde logo, legal. Deste modo, e procedendo os pedidos formulados em a) e b) pelo A., não há que apreciar os pedidos subsidiários formulados em c) e d). O A. peticiona ainda a condenação da Ré a levantar a suspensão do pagamento da pensão a efetivar ao Autor, processando-lhe o seu pagamento mensal e imediato. A suspensão do pagamento da pensão decorre da circunstância de a CGA ter considerado que o A. padecia apenas de uma IPP (embora agravada desde a prévia junta médica), e não de uma IPATH, e de ter sido remida a pensão que havia sido calculada em 2016. Tendo o A. uma IPATH, a pensão há-de ser calculada com base no disposto no artigo 48.º, n.º 3, al. b) do Lei 98/2009 (e de acordo com a fórmula atualmente utilizada pela jurisprudência largamente maioritária nos nossos tribunais superiores (Secções Sociais do STJ e dos Tribunais de Relação): [(Ret.Anualx70%) – (Ret.Anualx50%)] x IPP + (Ret.Anualx50%)]), e não na respetiva al. c).
(...)”
- Cf. sentença proferida no processo n.º 684/19.6BECBR e constante de documento n.º ... junto à petição inicial.

10. Em 02-06-2022, o autor intentou uma ação executiva contra a entidade demandada, com vista a executar a sentença mencionada em 08), formulando os seguintes pedidos:

- A acção ser totalmente procedente, por provada e, em consequência:

1) deve a executada ser condenada a cumprir com o julgado e, por conseguinte e no prazo máximo de 45 dias úteis:

I) a reconhecer que o exequente padece de incapacidade absoluta para o trabalho habitual;
II) a calcular e fixar o valor da pensão anual devida pela IPATH, com efeitos reportados à data de 09-05-2019;
III) a pagar, imediatamente, numa base mensal, a pensão anual devida pela IPATH, deduzida do valor da pensão anual por IPP fixada em 11-04-2016, acrescido dos juros de mora vencidos à taxa legalmente devida (4%) desde a notificação da douta sentença exequenda, quer dos juros vincendos desde a citação da presente até efetiva e integral liquidação;
IV) a praticar todos os actos e operações legalmente devidos e assim necessários para o efeito, como é o caso do imperativo dever de apurar da existência de uma IPATQT.

- Cf. pág. 7 a 71 do processo n.º 684/19.6BECBR-A.

11. Em 17-01-2023, o Autor foi presente a junta médica da Entidade Demandada, na qual se considerou que das lesões por si apresentadas resultava uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções, uma capacidade residual para exercício de outra função compatível de 50,98% e uma incapacidade de 49,02% de acordo com o Capítulo I 1.1.1 alínea c), Capítulo II n.° 7 e Capítulo X grau II da TNI.

- Cf. auto de junta médica constantes de documento n.°s ... junto à petição inicial.

12. Em 27-01-2023, o Conselho Directivo da Entidade Demandada deliberou e homologou parecer da Junta Médica acabado de mencionar.

- Cf. auto de Junta Médica constantes de documento n.°s ... junto à petição inicial.

13. Por ofício datado de 27-01-2023, a Entidade Demandada comunicou ao Autor o resultado da junta médica referida nos pontos anteriores, informando-o que não podia ser desencadeado o processo de aposentação sem que haja uma manifestação expressa de vontade, seja do subscritor, seja do respectivo serviço.
- Cf. ofício com a referência n.° ...0 constante de fls. 4447 do Processo Administrativo inserto de pág. 4643 a 4695 do SITAF.

14. Em 23-02-2023, o Autor apresentou o pedido de aposentação junto da Entidade Demandada, com o fundamento “Incapacidade – Lei n.° 11/2014 – Voluntária”, ao qual foi atribuída a referência ...13.

- Cf. fls. 4385 a 4390 do Processo Administrativo inserto de pág. 4558 a 4642 do SITAF.

15. Em 09-03-2023, foi elaborado auto de junta médica, no qual se considerou que o Autor se encontra absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, constando do mesmo o seguinte: “sequelas de acidente em serviço ocorrido em 2012 que foram avaliadas e desvalorizadas em junta médica própria com atribuição de IPATH em cumprimento de indicação do tribunal. Assim, esta junta segue o cumprindo da mesma obrigação legal”.

-Cf. auto de junta médica constante de documento n.° ... junto à petição inicial.

16. Em 09-03-2023, o Conselho Directivo da Entidade Demandada deliberou e homologou o auto da Junta Médica, acabado de mencionar.
-Cf. documento n.º ... junto à petição inicial.

17. Em 06-04-2023, por sentença transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n.º 684/19.6BEBRG-A, foi julgada parcialmente procedente a pretensão executória do Autor, tendo sido a Entidade Demandada condenada a praticar os seguintes actos:

- A dar cumprimento integral à sentença exequenda, procedendo, no prazo de 45 dias úteis, ao cálculo e fixação do valor da pensão anual devida ao Exequente pela IPATH, com efeitos reportados à data de 09-05-2019, e, bem assim, ao pagamento, numa base mensal, da pensão anual devida pela IPATH, deduzida do valor da pensão anual por IPP fixada em 11-04-2016, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legalmente devida (4%), desde o trânsito em julgado da sentença exequenda e até efectiva e integral liquidação.

-Cf. sentença constante de documento n.º ... junto à petição inicial.

18. Consta da fundamentação de direito desta sentença, entre o mais, o seguinte:

“(...) Ora, tendo em vista o aludido reconhecimento da IPATH de que o Exequente padece, sabe-se que, em 17/01/2023, o mesmo foi presente a Junta Médica da CGA, que concluiu que das lesões por si apresentadas resultava uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções, tendo-lhe atribuído um grau de incapacidade de 49,02%, de acordo com o Capítulo III n.º 7, Capítulo X grau II e Capítulo I n.º 1.1.1 alínea c) da T.N.I., e uma capacidade residual para o exercício de outra função compatível de 50,98%. Tal parecer da Junta Médica foi homologado por deliberação da Direção da Executada de 27/01/2023 (cfr. pontos 10 e 11 dos factos provados). Por conseguinte, temos que a Executada já reconheceu, por via da Junta Médica realizada em 17/01/2023, que o Exequente padece de incapacidade absoluta para o trabalho habitual (IPATH), com um grau de desvalorização de 49,02%. Não se compreende, aliás, a afirmação do Exequente no sentido de que o resultado da referida Junta Médica carece da prática de ato administrativo e que esta ainda não ocorreu: relembrando, o parecer da Junta Médica e o reconhecimento da IPATH daí constante foi homologado por deliberação da Direção da Executada de 27/01/2023.
(...)
E, a nosso ver, esta Junta Médica realizada em 17/01/2023 (e, nessa medida, o ato de 29/09/2021) não afronta o julgado condenatório, uma vez que, não obstante a anterior Junta Médica de 09/05/2019 – na qual, é certo, segundo a sentença exequenda, já devia ter sido reconhecida a IPATH –, foi através desta nova Junta Médica que a Executada, reconhecendo, como se lhe impunha, a IPATH de que o Exequente padece, avaliou, em concreto, o grau dessa incapacidade, bem como fixou o grau da sua capacidade residual de ganho para o exercício de outras atividades e funções, que não o seu trabalho habitual (sem qualquer referência ao art.° 40.° do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20/11). Note-se, aliás, que, compulsados os factos provados na sentença de 16/08/2021, a Junta Médica que havia sido realizada em 09/05/2019, para além de ter considerado que das lesões apresentadas pelo Exequente não resultava uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções (o que foi sancionado pela decisão judicial em execução) ou para todo e qualquer trabalho, fixou-lhe uma IPP com um grau de desvalorização (então agravado) de 32,68% – grau esse aumentado para 49,02% na Junta Médica de 17/01/2023. Diga-se, ainda, que a sentença exequenda condenou a Executada não só a reconhecer que o Exequente padece de IPATH, como também a calcular e fixar o valor da pensão anual devida pela IPATH, com base no disposto no art.º 48.°, n.° 3, alínea b), da Lei n.° 98/2009, de 04/09, fazendo reportar os efeitos desse reconhecimento e desse cálculo a 09/05/2019, data da Junta Médica na qual a IPATH já devia ter sido reconhecida e graduada – ora, para o referido cálculo, torna-se necessário apurar a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, o que a Junta Médica de 17/01/2023, na sequência do ato de 29/09/2021, veio a efetuar. Assim, impõe-se concluir que a primeira alínea do segmento decisório da sentença de 16/08/2021 já se mostra cumprida, improcedendo o pedido de declaração de nulidade ou anulação do ato da Executada de 29/09/2021. No que concerne, em segundo lugar, à condenação da Executada a calcular e a fixar valor da pensão anual devida ao Exequente pela IPATH, com efeitos reportados à data de 09/05/2019, e, bem assim, a pagar, imediatamente, numa base mensal, a pensão anual devida pela IPATH, deduzida do valor da pensão anual por IPP fixada em 11/04/2016, constata-se que estes segmentos da sentença exequenda ainda não foram, de facto, cumpridos. Com efeito, o que se extrai da factualidade provada é apenas que, após a Junta Médica de 17/01/2023, foi apresentado, em 23/02/2023, junto da CGA, pedido de aposentação do Exequente, com o fundamento “Incapacidade – Lei n.° 11/2014 – Voluntária”. Em 09/03/2023 foi elaborado auto de Junta Médica, homologado, na mesma data, por deliberação da Direção de Executada, do qual consta que Exequente se encontra absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, com a seguinte fundamentação: “sequelas de acidente em serviço ocorrido em 2012 que foram avaliadas e desvalorizadas em junta médica própria com atribuição de IPATH em cumprimento de indicação do tribunal. Assim, esta junta segue o cumprindo da mesma obrigação legal”. Por fim, através de ofícios com a referência n.° ...0, ambos de 10/03/2023, os serviços da Executada informaram o Comandante do CARI – Direção de Recursos Humanos da GNR e o Exequente de que este foi considerado “absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, porém, a desligação do serviço, deverá ocorrer apenas na sequência da notificação do despacho pelo qual será fixada a pensão de reforma, nos termos do artigo 99.º do Estatuto da Aposentação” (cfr. pontos 13 a 17 dos factos provados). Verifica-se, porém, que a sentença de 16/08/2021 deixou absolutamente claro que se impunha “condenar a CGA a calcular e fixar a pensão anual que é devida ao A. nos termos do artigo 48.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, com efeitos a contar da data da realização da Junta Médica – 09.05.2019 – pagando-lhe todas as pensões vencidas desde então, devendo reconstituir a situação que existiria se a junta médica de verificação de incapacidades não tivesse errado na avaliação médica que efetuou. No caso, a reconstituição da situação atual hipotética, a efetuar, implica que, em juízo de prognose, se retroceda ao momento em que, no caso, o ato anulado foi praticado, procurando repristinadamente, reconstituir a situação que existiria caso o ato tivesse sido, desde logo, legal” (sublinhado nosso).
(...)
Quanto ao pedido constante da subalínea iv) da alínea 1) do requerimento executivo – a condenação da Executada a praticar todos os atos e operações legalmente devidos e assim necessários para o efeito, como é o caso do imperativo dever de apurar da existência de uma IPATQT –, não se vislumbra, salvo o devido respeito, em que medida tal resulta diretamente da pronúncia condenatória firmada na sentença exequenda (incluindo na sua fundamentação de direito). Esta não condenou a Executada a praticar os atos tendentes a apurar da existência de uma IPATQT, mas apenas os atos tendentes ao reconhecimento de uma IPATH, ao cálculo e fixação da pensão devida por essa IPATH e ao pagamento da referida pensão (deduzida da pensão por IPP já fixada anteriormente).
(...)”.
-Cf. sentença constante de documento n.º ... junto à petição inicial.

*

III - Enquadramento jurídico.

1. A violação do n.º 5 artigo 38. ° do Decreto-Lei n.º 503/99 e do artigo 5 A do anexo I do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23.10.

Sobre este ponto discorre-se na decisão recorrida:

“(…)

Compulsada a sentença proferida em 16-08-2021, no âmbito do processo n.º 684/19.6BEBRG, observamos que a entidade demandada foi condenada a reconhecer que o autor padece de incapacidade absoluta para o trabalho habitual e a calcular e fixar o valor da pensão anual devida pela IPATH, com efeitos reportados à data de 09-05-2019.

Sendo que, da fundamentação daquela decisão, extraímos que a pensão anual devida pela IPATH deveria ser calculada com base no disposto no artigo 48.º, n.º 3, al. b) da Lei n.º 98/2009 (e de acordo com a fórmula atualmente utilizada pela jurisprudência largamente maioritária nos nossos tribunais superiores (Secções Sociais do STJ e dos Tribunais de Relação): [(Ret.Anualx70%) – (Ret.Anualx50%)] x IPP + (Ret.Anualx50%)]), e não na respetiva al. c), tudo conforme nos demonstra os pontos 08) e 09) do probatório.

Neste sentido, atendendo ao determinado na sentença acima referida, cumpre-nos chamar à colação o teor do n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-lei n.' 503/99, de 20 de novembro, que preceitua o seguinte:

“Nos casos em que se verifique incapacidade permanente ou morte compete à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação, nos termos previstos neste diploma.”

A outro passo, dispõe o n.º 5 do artigo 38º' do Decreto-Lei n.' 503/99 o seguinte:

“A determinação das incapacidades permanentes é efectuada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.”

Por sua vez, o artigo 48.° da Lei n.º 98/2009 - aplicável ao caso por remissão contida no artigo 34.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 503/99 - sobre a epígrafe “Prestações” estabelece o seguinte:

“3 - Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações
(...)
b) Por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual - pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;

(...)”.

Ora, considerando o veiculado no presente normativo, sempre teremos de concluir, que a determinação do grau de incapacidade para o trabalho ou de ganho do sinistrado tem um grande impacto na fixação da sua pensão, dado que, se do sinistro resultar uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho, mas ainda assim, o acidentado ficar com uma capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, a pensão será fixada numa percentagem variável que vai de 50% a 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual.

E, para realizar o cálculo da incapacidade absoluta para o trabalho habitual, o artigo 5 A do anexo I do Decreto-Lei n.' 352/2007, concretiza que devem ser consideradas as seguintes variáveis:

“A atribuição de incapacidade absoluta para o trabalho habitual deve ter em conta:

a) A capacidade funcional residual para outra profissão compatível com esta incapacidade atendendo à idade, qualificações profissionais e escolares e a possibilidade, concretamente avaliada, de integração profissional do sinistrado ou doente;
b) A avaliação é feita por junta pluridisciplinar que integra:
b.1) Um médico do Tribunal, um médico representante do sinistrado e um médico representante da entidade legalmente responsável, no caso de acidente de trabalho (AT);
b.2) Um médico do Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais (CNPRP), serviço do Instituto da Segurança Social, I. P., um médico representante do doente e um especialista em Medicina do Trabalho, no caso de doença profissional (DP);
c) O especialista em Medicina do Trabalho, referido na alínea anterior, pode ser substituído por perito médico de outra especialidade sempre que, as condições concretas de cada caso a isso aconselhem e seja determinado pelo CNPRP.”

Volvendo aos autos.

Depois de prolatada a sentença presente nos pontos 08) e 09) do probatório, no dia 17-01-2023, o autor foi presente a junta médica, na qual se considerou que das lesões por si apresentadas resultava uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções, uma capacidade residual para o exercício de outra função compatível de 50,98% e uma incapacidade de 49,02%, de acordo com o Capítulo I 1.1.1 alínea c), Capítulo II n.º 7 e Capítulo X grau II da TNI, parecer este que foi homologado pelo Conselho Diretivo da entidade demandada – pontos 11) e 12) do probatório.

E, seguidamente, através de ofício datado de 27-01-2023, a entidade demandada comunicou ao autor o resultado da junta médica supra mencionada, informando-o que não podia ser desencadeado o processo de aposentação sem que haja uma manifestação expressa de vontade, seja do subscritor, seja do respetivo serviço, tudo conforme se retira do ponto 13) da factualidade assente.

No seguimento daquela comunicação, o autor apresentou o pedido de aposentação junto da entidade demandada, com o fundamento “Incapacidade – Lei n.º 11/2014 – Voluntária”, ao qual foi atribuída a referência ...13 e em 09-03-2023, foi elaborado e homologado o auto de junta médica, no qual se considerou que o autor se encontra absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, constando do mesmo o seguinte: “sequelas de acidente em serviço ocorrido em 2012 que foram avaliadas e desvalorizadas em junta médica própria com atribuição de IPATH em cumprimento de indicação do tribunal. Assim, esta junta segue o cumprindo da mesma obrigação legal”, como resulta dos pontos 14) a 16) da factualidade assente.

Ora, vem agora o autor reagir à percentagem de 50,98% atribuída relativamente à capacidade residual para o exercício de outra função compatível, defendendo que esta não respeitou os parâmetros do artigo 5 A do anexo I do Decreto-Lei n.' 352/2007, pelo que, vejamos se lhe assiste razão.

Note-se que relativamente aos pressupostos que se deve atender nos termos do artigo 5 A do anexo I do Decreto-Lei n.º 352/2007 para a fixação da capacidade residual para o exercício de outra função compatível, já se pronunciou o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 20-09-2018, no âmbito do processo n° 01959/17.4BEPRT 0665/18, entendimento este que transcrevemos na íntegra e que se concretiza no seguinte:

“(...)

Resulta do exposto que a determinação do grau de incapacidade para o trabalho ou de ganho do sinistrado é de fundamental importância na fixação da sua pensão, dado que, se do sinistro resultar uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho, mas ainda assim, o acidentado ficar com uma capacidade funcional residual para o exercício de outra funções, de outra profissão compatível, a pensão será fixada numa percentagem variável que vai de 50% a 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual. E nesta apreciação da fixação da percentagem em causa, já não nos situamos na natureza técnica especializada dos peritos, mas no âmbito de uma correlação em que entram em funcionamento outros factores concreto referentes aos sinistrados que demonstrem (ou não) a sua possibilidade de conseguir uma alternativa em termos laborais que possa minimizar os danos causados pela incapacidade permanente absoluta para aquele trabalho que desenvolvia e exercia antes do sinistro.

E como bem se refere no Ac. de 07.07.2016, proc. n° 0422/16 «(...) deve atender-se a critérios que contemplem outras variantes que não as estritamente clinicas, como seja, a idade do acidentado, as habilitações escolares e profissionais de que dispõe e a realidade do mercado de emprego, por forma a que, se alcance uma solução que tenha, efectivamente, em conta uma maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e as reais possibilidades desta alternativa poder ser alcançada».

(...)

Na verdade, é comummente aceite que «(...) por outra função compatível se deve entender uma outra onde o sinistrado possa desenvolver o seu saber e experiência que veio a acumular ao longo da sua vida profissional, ou seja da vida profissional que exercia à data do acidente e, por isso, onde a sua reintegração profissional não só seja possível como também esteja facilitada e valorizada. Aliás, só assim se entende que na Tabela Nacional de Incapacidades na fixação da capacidade funcional residual para outra profissão compatível com a incapacidade absoluta para o trabalho se deva atender à idade, qualificações profissionais e escolares e à possibilidade concretamente avaliada de integração profissional do acidentado - Ponto 5-A, al. a) - cfr. de novo o Ac. de 07.07.2016 supra referido (...)”.

E, para comprovar que o cálculo da sua capacidade residual está errado, o autor carreou aos autos as formações constantes dos pontos 01) a 05) do probatório, as quais se consubstanciam no seguinte: o Centro Militar de Educação Física e Desportos conferiu ao autor o estribo de bronze, por ter sido aprovado na sela 4; o autor concluiu o mestrado integrado em Ciências Militares, especialidade de Segurança GNR, na Academia Militar; frequentou o 15.' modulo de ordem pública, com a duração de 93 horas, frequentou o 25.' Curso Específico de Cavalaria, com a duração de 180 horas e participou no Curso de Formação “A gestão da investigação criminal num tempo de crise”, com duração de 25 horas, no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Porém, bem vista a argumentação por si aduzida, o mestrado e os cursos por si frequentados, como também a percentagem atribuída de 50,98%, parece-nos que, os elementos aqui elencados são insuficientes para alterar aquela percentagem ou demonstrar que a percentagem atribuída pela entidade demandada não se montra adequada à situação concreta do autor, não tendo aquelas formações a suscetibilidade de, por si só, levar este tribunal a concluir pela violação das normas jurídicas por si invocadas.

Atento o exposto, não se vislumbra qualquer violação de lei, designadamente a invocada pelo autor no tocante ao previsto no artigo 5°-A das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.° 352/2007 e n.' 5 do artigo 38.' do Decreto-Lei n.' 503/99, e consequentemente, o presente vício será improcedente.

(…)”.

Com acerto no que diz respeito ao invocado vício de violação de lei.

A análise de ser ou não possível por parte do sinistrado o exercício de “outra profissão compatível com esta incapacidade atendendo à idade, qualificações profissionais e escolares e a possibilidade, concretamente avaliada, de integração profissional” - artigo 5-A do anexo I do Decreto-Lei n.' 352/2007 -, envolve, pela abstracção dos conceitos deste normativo jurídico, uma ampla margem de discricionariedade técnica da junta pluridisciplinar que avalia estes casos e que, portanto, só é passível de ser sindicada pelos tribunais em situações de erro grosseiro, evidente, de violação de vinculações legais ou de desvio de poder.

Naturalmente não se impunha à Junta Médica indicar em concreto as profissões que o Autor poderá exercer ainda que com limitações, num leque de milhares de profissões – cfr. https://www.guiadasprofissoes.info/a-z-profissoes/ e https://www.dgaep.gov.pt/etab/tabelas/ine/INE_CPP2010.xls.

Por outro lado, também não se pode dizer que houve erro, pelo menos evidente, grosseiro, em considerar que a capacidade residual para todo e qualquer trabalho, de 50,98%, corresponde ao que não é incapacidade para o trabalho habitual, avaliada 49,02 %. Pode, em abstracto, dar-se essa coincidência.

Mas, tratando-se do exercício com amplos poderes de discricionariedade, no caso da avaliação da incapacidade permanente paa todo e qualquer trabalho, mais exigente deve ser a fundamentação.

No caso concreto se não é possível concluir-se, como se concluiu na decisão recorrida, que houve violação do indicado dispositivo legal, também não é possível concluir-se o contrário, que o referido preceito legal foi cumprido.

Na verdade, no referido parecer da Junta Médica, junto como documento n.º... à petição inicial, apenas consta do valor de 50,98%, como correspondendo à Incapacidade Permanente Absoluta para Todo e Qualquer Trabalho do Autor sem se fazer qualquer referência mínima ao tipo de trabalho que poderá desenvolver para que se possa aquilatar do acerto ou evidente desacerto dessa conclusão.

Não será necessário a indicação em concreto dos trabalhos ou profissões que o Autor não estará impedido de exercer, face à incapacidade absoluta de exercer as funções especializadas que exercia até ficar afectado com tal incapacidade.

Mas deverá ao menos ser referida a natureza o tipo de trabalhos ou profissões que, face à incapacidade detectada, poderá exercer de forma a poder avaliar-se se existe erro grosseiro ou não na percentagem de capacidade residual atribuída para o exercício de outra profissão ou actividade compatível e as reais possibilidades desta alternativa.

O que traduz uma falta, por insuficiência, de fundamentação do parecer da junta e do acto impugnado que a homologou.

Como o tribunal apenas está adstrito aos factos invocados pelas partes, mas é livre no respetivo enquadramento jurídico, nada impede que se conclua, como conclui, pela verificação do vício de falta (insuficiência) de fundamentação – artigos 152º, n.ºs 1 e 2, e 153º, n.º2, do Código de Procedimento Administrativo - ao invés de se concluir pelo invocado vício de violação de lei.

Com as legais consequências, em concreto na parcial procedência da acção.

2. Violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e boa-fé.

Neste capítulo sustenta a decisão recorrida:

“(…)
Comunica-nos o ponto 06) da factualidade assente que através de ofício datado de 29-06-2016, a entidade demandada comunicou a «BB» o resultado da junta médica realizada em 22-06-2016, informando-o que das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções, uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, tendo sido atribuído 0% de capacidade residual para o exercício de outra função compatível e que se manteve a desvalorização de 23,5%, já atribuída em 08-05-2014, de acordo com o Capítulo I n.º1.1.1, alínea b) e Capítulo X n.º2.II da TNI.

Por outro lado, resulta do ponto 11) da factualidade assente que, em 17-01-2023, o autor foi presente a junta médica da entidade demandada, na qual se considerou que das lesões por si apresentadas resultava uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções, uma capacidade residual para o exercício de outra função compatível de 50,98% e uma incapacidade de 49,02% de acordo com o Capítulo I 1.1.1 alínea c), Capítulo II n.° 7 e Capítulo X grau II da TNI.

Comparados os dois pontos de facto e compulsados os argumentos aduzidos na petição inicial, podemos já adiantar que a entidade demandada, ao não atribuir 0% de capacidade residual ao autor, como fez ao colega «BB», não violou o princípio da igualdade.

Ora, se olharmos atentamente para os autos, vislumbramos que a entidade demandada atribuiu ao colega «BB» uma incapacidade inferior em relação à incapacidade atribuída ao autor, pois ao primeiro foi concedida uma incapacidade de 23,5%, de acordo com o Capítulo I n.°1.1.1, alínea b) e Capítulo X n.°2.11 da TNI e ao segundo uma incapacidade de 49,02% de acordo com o Capítulo I 1.1.1 alínea c), Capítulo II n.° 7 e Capítulo X grau II da TNI, ou seja, incapacidades diferentes concedidas mediante a aplicação de capítulos diferentes, apenas iguais em relação ao Capítulo X grau II da TNI.

Já quanto à percentagem de capacidade residual, como já enunciamos na análise do vício antecedente, esta é apurada segundo o critério do artigo 5 A do anexo I do Decreto-Lei n° 352/2007.

Nesta medida, a prova de que existiu um tratamento diferenciado, em situações iguais, sempre teria de passar pela demonstração de que os dois, tanto «BB» como o autor, estavam em igualdade de circunstâncias quanto à idade, qualificações profissionais e escolares e quanto à possibilidade, concretamente avaliada, de integração profissional do sinistrado ou doente, o que não fez.

Logo, não tendo o autor conseguido demonstrar a igualdade de circunstâncias que se impunha, cingindo-se a sua argumentação aos capítulos da TNI que determinaram a incapacidade de 49,02% (autor) e 23,5% («BB»), não conseguiu demonstrar a existência de um tratamento desigual relativamente a situações iguais, pelo que, o seu argumento de que foi violado o princípio da igualdade sempre estará condenado à improcedência.

Quanto à violação dos princípios da boa-fé e da proporcionalidade, sempre se dirá que a sua alegação mostra-se genérica e conclusiva, não concretizando as razões de facto, nem em que medida se verificaram os vícios aqui assacados, pelo que cabia ao autor alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, enunciando as razões pelas quais considera que aqueles princípios foram violados, conforme o disposto no artigo 5.° n.° 1 do CPC ex vi artigo 1° do CPTA.
Porém, mesmo que este não tenha alegado de forma concreta a violação de tais princípios, observado o probatório e os articulados apresentados pelas partes, entendemos que também não se verificou qualquer violação dos princípios da proporcionalidade e da boa-fé.

Assim, face tudo quanto antecede, somos de concluir que também não se verifica qualquer violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e boa-fé, e consequentemente, o vício aqui assacado será improcedente.
(…)”.

Neste ponto acompanha-se, no essencial a decisão recorrida.

A iguais incapacidade permanentes e absolutas para o trabalho habitual podem não corresponder iguais capacidades residuais para outros trabalhos.

Porque esta capacidade residual depende essencialmente “outra profissão compatível com esta incapacidade atendendo à idade, qualificações profissionais e escolares e a possibilidade, concretamente avaliada, de integração profissional” - artigo 5 A do anexo I do Decreto-Lei n.' 352/2007.

Ora nem a idade, nem as qualificações profissionais e escolares do Autor e do seu referido camarada são iguais ou sequer semelhantes pelo que nenhuma comparação pode ser feita, para se concluir pela violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e boa-fé.

Impondo-se manter nesta parte a decisão recorrida, no sentido de que tal vício se não verifica, improcedendo nesta parte a acção.


3. O pedido condenatório formulado pelo autor; a Incapacidade Permanente Absoluta para Todo e Qualquer Trabalho (IPATQT); a autoridade de caso julgado.

Diz-nos neste capítulo a decisão recorrida.

“(…)

Informa-nos os pontos 07) a 09) do probatório que em 28-10-2019, o autor apresentou uma ação administrativa contra a entidade demandada, no âmbito de um acidente profissional, impugnando os atos datados de 09-05-2019, de 22-08-2019 e de 23-05-2019 e de entre os vários pedidos, formulou os seguintes:

- A condenação da entidade demandada a reconhecer que o autor padece de incapacidade permanente absoluta para exercer todo e qualquer trabalho e a concomitantemente calcular e a fixar a pensão que lhe é devida a este título ou, subsidiariamente, a reconhecer que o Autor padece de incapacidade permanente absoluta para exercer as suas funções habituais e a concomitantemente calcular e a fixar a pensão que lhe é devida a este título.

E, posteriormente, no dia 16-08-2021, foi proferida sentença, transitada em julgado, a apreciar a sua pretensão, no âmbito do processo n.° 684/19.6BEBRG, condenando a entidade demandada a praticar os seguintes atos:

- A reconhecer que o autor padece de incapacidade absoluta para o trabalho habitual;

- A calcular e fixar o valor da pensão anual devida pela IPATH, com efeitos reportados à data de 09-05-2019;

- A pagar, imediatamente, numa base mensal, a pensão anual devida pela IPATH, deduzida do valor da pensão anual por IPP fixada em 11-04-2016;

E, da fundamentação de direito da sentença aqui citada, retiramos o seguinte: “(...) Em face de tudo o vem de se expor, impõe-se extrair a seguinte conclusão: o A., embora possa não estar incapaz para o exercício de toda e qualquer profissão, está, e estava já em 2019, incapaz para o exercício da profissão de capitão de cavalaria da GNR, isto é, está absolutamente incapaz para o exercício do seu trabalho habitual, nos termos previstos no artigo 19.º, n.º 3 da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (de resto, também o parecer do consultor de neurologia da CGA foi neste sentido, sem que seja apresentada qualquer razão para que dele se discorde). (sublinhado e negrito nossos)”

Como bem sabemos, a sentença é um ato jurídico, formal e recetício, pelo que, a sua interpretação deve fazer-se de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo nela expresso, ainda que menos perfeitamente, artigos 236.', n.' 1 e 238.', n.' 1 do CC, ex vi artigo 1.' do CPTA.

Tem-se por “declaratário normal” o que seja “medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante”, neste sentido vide in Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 223.

Nesta medida, na interpretação da decisão judicial deve-se atender ao dispositivo final, aos seus antecedentes lógicos, ao contexto, à fundamentação que a suporta e à globalidade dos atos que a precederam, bem como às demais circunstâncias que se revelem pertinentes, mesmo posteriores à sua prolação, sempre garantindo que o sentido apurado tem a devida tradução no texto, cf. entendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 08-06-2010, processo n'. 25.163/05.5YYLSB.

Sendo que, o caso julgado impõe um limite quanto à apreciação de situações jurídicas já apreciadas e produz os seus efeitos por duas vias:

(i) Na vertente negativa, através da exceção de caso julgado, no sentido de
impedir a reapreciação da relação ou situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada.

(ii) Na vertente positiva, por via da autoridade do caso julgado, vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido, isto é, em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas.

No litígio em epígrafe, como estamos perante um pedido que já foi decido numa sentença anterior, importa-nos analisar a vertente positiva, a qual se impõe por via da sua autoridade de caso julgado, ou seja, quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objeto da segunda ação.

Neste sentido, a primeira decisão constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que na presente decisão é necessário regular e definir, pelo que, cabe ao tribunal apreciar e definir a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objeto da ação, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objeto da primeira decisão, posição plasmada e sumariada no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 11-06-2019, no âmbito do processo n.º 355/16.5T8PMS.C1.

E, em cumprimento do entendimento aqui postulado, bem observamos que no conhecimento do primeiro vício suscitado pelo autor, limitamo-nos a analisar as ilegalidades assacadas à determinação da sua capacidade residual, mas já não nos pronunciamos, nem podemos apreciar, o pedido de atribuição de Incapacidade Permanente Absoluta para Todo e Qualquer Trabalho (IPATQT).

Na verdade, como já acima explicitado, o autor no âmbito do processo n.º 684/19.6BEBRG, peticionou a condenação da entidade demandada a reconhecer que padece de incapacidade permanente absoluta para exercer todo e qualquer trabalho e a concomitantemente calcular e a fixar a pensão que lhe é devida a este título ou, subsidiariamente, a reconhecer que o autor padece de incapacidade permanente absoluta para exercer as suas funções habituais e a concomitantemente calcular e a fixar a pensão que lhe é devida a este título.

E, na mesma linha de raciocínio, se a sentença apenas condenou a entidade demandada a reconhecer que o autor padece de incapacidade absoluta para o trabalho habitual, ou seja, no segundo pedido subsidiário, é porque o primeiro improcedeu.

Mas se dúvidas houvessem quanto a tal interpretação, sempre diremos que, da fundamentação de direito da referida sentença, quando refere que “ (...)Em face de tudo o vem de se expor, impõe-se extrair a seguinte conclusão: o A., embora possa não estar incapaz para o exercício de toda e qualquer profissão, está, e estava já em 2019, incapaz para o exercício da profissão de capitão de cavalaria da GNR, isto é, está absolutamente incapaz para o exercício do seu trabalho habitual(...)”extrai-se que o tribunal emitiu a sua pronúncia quanto àquele pedido e contrariamente ao alegado pelo autor, não deixou em aberto se este teria ou não essa incapacidade.

Ademais, o autor não recorreu da decisão acima exposta, conformando-se com o seu entendimento, e posteriormente, ainda intentou uma ação para executar aquela sentença, tendo sido proferida decisão a determinar que a entidade demandada desse cumprimento integral à sentença exequenda, procedendo, no prazo de 45 dias úteis, ao cálculo e fixação do valor da pensão anual devida ao Exequente pela IPATH, com efeitos reportados à data de 09/05/2019, e, bem assim, ao pagamento, numa base mensal, da pensão anual devida pela IPATH, deduzida do valor da pensão anual por IPP fixada em 11/04/2016, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legalmente devida (4%), desde o trânsito em julgado da sentença exequenda e até efetiva e integral liquidação tudo conforme resulta dos pontos 10), 17) e 18) da factualidade assente.

Assim, feita uma interpretação correta da sentença aqui citada, não pode este tribunal analisar, novamente, o pedido de reconhecimento de Incapacidade Permanente Absoluta para Todo e Qualquer Trabalho (IPATQT).

(…)”.

Não resulta da sentença proferida no processo n.º 684/19.6BEBRG, de 16-08-2021, transitada em julgado, uma pronúncia inequívoca sobre o pedido de reconhecimento de Incapacidade Permanente Absoluta para Todo e Qualquer Trabalho (IPATQT).

Na verdade, na respectiva fundamentação, não se faz qualquer afirmação peremptória sobre este pedido.

Pelo contrário, aí se afirma de forma meramente hipotética e não concretizada:

“ … o A., embora possa não estar incapaz para o exercício de toda e qualquer profissão …”.

E, mais adiante, ainda na fundamentação, considera prejudicado o conhecimento dos pedidos subsidiários formulados em c) e d) por serem procedentes os pedidos formulados em a) e b), alínea b) onde se incluem ambos os pedidos, embora de forma subsidiária, o pedido de reconhecimento de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho e o pedido de reconhecimento de incapacidade permanente absoluta para as funções habituais.

Sendo certo que afinal não há qualquer pronúncia, de procedência, de improcedência ou de prejudicialidade do pedido de reconhecimento de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho.

Pelo que não se verifica nesta parte a autoridade de caso julgado que impeça a pronúncia sobre este pedido, quer quanto à anulação do actos na parte em que se pronunciam sobre a incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho por parte do Autor, quer quando à necessidade de renovação do procedimento tendente à avaliação desta incapacidade.

4. O Subsídio de elevada incapacidade.

Finalmente, quanto a este ponto, diz-se na decisão recorrida:

“(…)

O subsídio de elevada incapacidade permanente destina-se, por força do disposto no artigo 67.°, n.°s 1 e 3 da Lei n.° 98/2009 de 04.09, a compensar o sinistrado, com incapacidade permanente absoluta ou incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70 %, pela perda ou elevada redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.

A incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual confere ao beneficiário direito a um subsídio fixado entre 70 % e 100 % de 12 vezes o valor de 1,1 IAS, tendo em conta a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, tudo conforme também está disposto nos artigos 47.°, n.° 1, alínea d) e 3 e, 48.°, n. ° 2 do mesmo diploma.

E este seria o regime jurídico aplicável nos autos, por força do disposto no artigo 34.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.º 503/99 de 20.11, contudo, o artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 503/99 quando determina que “a incapacidade permanente absoluta ou a incapacidade permanente parcial que impliquem uma redução na capacidade geral de ganho igual ou superior a 70% conferem ao sinistrado ou doente direito a um subsídio cujo valor é igual a 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida em vigor à data do acidente ou da atribuição da incapacidade permanente resultante de doença profissional, na proporção do grau de incapacidade fixado, sendo pago de uma só vez”, afasta a aplicação daqueles normativos, uma vez que estamos numa situação enquadrável nos trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, conforme dispõe o artigo 2.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.º 503/99.

Nesta medida, em aplicação do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 503/99, podemos concluir que, para efeitos de atribuição do subsídio devido por elevada incapacidade permanente, sem prejuízo de a incapacidade permanente absoluta se traduzir, entre o mais numa situação de impossibilidade permanente do trabalhador para o exercício das suas funções habituais, a verdade é que esta deverá ter na sua origem uma redução na capacidade geral de ganho igual ou superior a 70%, como se extrai do entendimento vertido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 20-09-2018, no âmbito do processo n.º 1959/17.4BEPRT 0665/18.

Ora, como resulta do ponto 11) da factualidade assente, a entidade demandada atribuiu ao autor uma incapacidade permanente de 49,02%, da qual resultou uma incapacidade absoluta para o seu trabalho habitual (IPTH).

No seguimento deste entendimento, o autor viu a sua capacidade geral de ganho ser reduzida numa percentagem, não igual ou superior a 70%, mas sim de 49,02%, facto que distancia a possibilidade de lhe ser atribuído um subsídio por elevada incapacidade permanente.

Assim, como não se encontram preenchidos os pressupostos para a concessão do subsídio devido por situações de elevada incapacidade permanente, em situações de acidente de serviço, será improcedente o pedido condenatório aqui analisado.

Tudo conforme se decidirá.

(…)”

Vale aqui o que foi dito a propósito dos vícios de violação de lei (que entendemos ser vício de falta de fundamentação) e da avaliação da incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho, ou seja, da capacidade residual para o trabalho que o Autor apresente, ou não, o que apenas em nova avaliação da Junta Médica, devidamente fundamentada, poderá ser apreciado.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, pelo que:

1. Revogam a sentença recorrida.

2. Julgam parcialmente procedente a acção e, assim:

2.1. Anulam aos actos impugnados nos termos supra expostos.

2.2. Condenam a Entidade Demandada a retomar o procedimento de avaliação da incapacidade permanente para todo e qualquer trabalho por parte do Autor, com nova deliberação da Junta Médica, devidamente fundamentada.

2.3. Julgam na parte restante improcedente a acção e nessa parte absolvem a Entidade Demandada do que é pedido.

Custas por ambas as partes e em ambas as instâncias em partes iguais.

*

Porto, 12.01.2024


Rogério Martins
Fernanda Brandão
Isabel Costa