Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00691/17.3BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/17/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA;
EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:

RELATÓRIO
«AA», com domicílio na Rua ..., ..., ... ..., instaurou acção administrativa contra a Caixa Geral de Aposentações, com sede na Rua ..., ..., ... ...; Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, com sede no ..., Estrada ..., ..., ... ...; e, Instituto da Segurança Social, IP, com sede na Rua ..., ... ..., peticionando a condenação destes a:
a) Reconhecerem que a Autora tem direito ao registo de remunerações por equivalência à entrada de contribuições, pelo valor da remuneração de referência que serviu de cálculo do valor do subsídio de desemprego;
b) Procederem ao registo de remunerações por equivalência à entrada de contribuições, pelo valor da remuneração de referência que serviu de cálculo do valor do subsídio de desemprego da Autora.

Por sentença proferida pelo TAF de Aveiro foi decidido assim:
- julgar procedente a excepção de ilegitimidade do Réu Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, absolvendo o mesmo da instância;
- julgar improcedente a excepção de caducidade do direito de acção, invocada pelo Réu Instituto da Segurança Social, IP;
- julgar verificada a excepção de caso julgado e, assim, absolver os demais Réus da instância.

Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:

1.ª A sentença em recurso padece de flagrante erro de julgamento por julgar procedente a excepção dilatória de caso julgado, por entender que o efeito prático-jurídico pretendido é o mesmo em ambas as acções, já que se reportam a efeitos decorrentes da omissão do legislador e consequente não obtenção da protecção que era devida à ora Recorrente a título de subsídio de desemprego-

2.ª Com efeito na primeira acção (que correu termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, Proc. n.° 691/17.3BEAVR), a ora Recorrente foi representada pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior contra o Estado Português, com o intuito de efectivar a responsabilidade civil extracontratual do Estado por omissão da função legislativa e correspondente pedido de indemnização, em virtude do não cumprimento da alínea e) do n.° 1 do art.° 59.° da CRP na concretização da assistência material a situações de desemprego involuntário de docentes do ensino superior.

3.ª Por outro lado, a segunda acção foi intentada contra a Caixa Geral de Aposentações, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e o Instituto de Segurança Social, peticionando-se que seja reconhecido o direito da A. a que os 18 meses de subsídio de desemprego a que correspondeu a indemnização atribuída na primeira acção possam ser contabilizados no registo de remunerações/contribuições ao Instituto de Segurança Social.

4.ª Assim, salvo o devido respeito, não pode a Recorrente conformar-se com o entendimento do Tribunal a quo de que em ambas as acções existe identidade de sujeitos e de pedido, uma vez que as partes demandadas são claramente distintas e o resultado prático-jurídico que se visa obter é também totalmente díspar entre elas, pois enquanto que numa se pretendia obter o reconhecimento do direito à protecção conferida pelo subsídio de desemprego, e o correspondente pagamento, na outra apenas se peticiona que as remunerações entretanto pagas sejam registadas enquanto contribuições.

5.ª Ora, a excepção de caso julgado pressupõe que, no confronto de duas acções (contendo uma delas decisão transitada), se verifique uma tríplice identidade entre ambas (de sujeitos, de causa de pedir e de pedido), produzindo o efeito (negativo) de tornar inadmissível a segunda acção e uma nova decisão de mérito sobre a mesma questão.

6.ª No que diz respeito à identidade do pedido, é entendimento unânime na jurisprudência que esta ocorre "sempre que ocorra coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional - implícita ou explícita - pretendida pelo autor, no conteúdo e objeto do direito a tutelar e nos efeitos jurídicos pretendidos (...) se o autor, numa e noutra ação, pretende obter o mesmo efeito útil (...)" (Ac. do STJ de 5/12/2017, Proc. 11.° 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1).

7.ª Pelo que a excepção de caso julgado falece de razão, desde logo por os pedidos não serem coincidentes, pretendendo a nova acção alcançar um outro efeito útil, e - como é por demais evidente - não existir coincidência dos sujeitos demandados.

Nestes termos,
Deve ser concedido provimento ao Recurso, revogando a sentença recorrida, com as legais consequências.

Assim será cumprido o Direito
e feita JUSTIÇA!

Não foram juntas contra-alegações.
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

A) No período compreendido entre 29.03.1999 e 02.02.2003, a Autora exerceu as funções de assistente estagiária na Faculdade de Economia da Universidade do Porto (cfr. fls. 4 do processo administrativo junto pelo Réu Instituto da Segurança Social, IP);
B) No período compreendido entre 03.02.2003 e 15.10.2007, a Autora exerceu as funções de assistente estagiária na Faculdade de Economia da Universidade do Coimbra (cfr. fls. 4 do processo administrativo junto pelo Réu Instituto da Segurança Social, IP);
C) Em 04.02.2008, o Sindicado Nacional do Ensino Superior, em representação da Autora, intentou no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, uma acção contra o Estado Português, que correu aí os seus termos sob o n.º 276/08.5BELSB, de cuja petição inicial se extrai o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. certidão junta a fls. 425 e ss);
D) Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, em 04.11.2010, a acção a que se reporta a alínea anterior foi julgada procedente, extraindo-se daquela decisão o seguinte:
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. certidão junta a fls. 425 e ss);

E) Em 21.11.2013, o Tribunal Administrativo Central Sul, decidiu o recurso jurisdicional apresentado da decisão a que se reporta a alínea anterior, aí se lendo o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. certidão junta a fls. 425 e ss);
F) Em 12.02.2015, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu negar provimento ao recurso de revista apresentado da decisão a que se reporta a alínea anterior e, em conformidade, manteve o acórdão recorrido (cfr. certidão junta a fls. 425 e ss);
G) A decisão que antecede transitou em julgado em 06.03.2015 (cfr. certidão junta a fls 425 e ss);
H) Em 20.05.2015, a Autora apresentou requerimento dirigido ao Director do Instituto de Segurança Social, I.P., com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. fls. 7, do processo administrativo junto pelo Réu ISS, IP);
I) Com referência ao pedido que antecede os serviços do Réu Instituto da Segurança Social, IP, remeteram à Autora um oficio com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 1, do processo administrativo junto pelo Réu ISS, IP);
J) Em 23.02.2016, a Autora apresentou requerimento dirigido ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. documento n.º ..., junto com a petição inicial);
K) Em 15.03.2016, com referência ao requerimento, os serviços deste Réu remeteram um oficio à Autora com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. documento n.º ..., junto com a petição inicial);
L) Em 31.03.2016, a Autora apresentou requerimento dirigido à Ré Caixa Geral de Aposentações com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
M) Em 31.05.2017, com referência ao requerimento que antecede, os serviços da Ré Caixa Geral de Aposentações, remeteram à Autora um oficio com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. documento n.º ... junto com a petição inicial).

*
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
Da excepção de caso julgado -
A nossa lei adjectiva define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respectivo trânsito em julgado.

No que respeita à eficácia do caso julgado material, desde há muito, a doutrina e a jurisprudência vêm atribuindo duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva - “autoridade do caso julgado”- e uma função negativa - “excepção do caso julgado”.

Segundo Castro Mendes, os efeitos de autoridade do caso julgado e a excepção do caso julgado, ainda que constituindo duas formas distintas de eficácia deste, mais não são do que duas faces da mesma moeda (em “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, pág. 36 e segs..

Assim:

A função positiva do caso julgado opera o efeito de “autoridade do caso julgado”, o qual vincula o tribunal e demais entidades públicas e privadas, nos precisos limites e termos em que julga, nos termos consignados nos artigos 205º/2, da Constituição República Portuguesa e 24º/2, da Lei 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ), bem como nos artigos 619º/1, e 621º e seguintes do Código de Processo Civil.

E uma tal vinculação ao resultado da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada por aquele tribunal que proferiu a decisão justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas.

A função negativa do caso julgado (traduzida na insusceptibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão) opera por via da “excepção dilatória do caso julgado”, nos termos previstos nos artigos 577º/i), 580º e 581º do CPC, impedindo que uma nova causa possa ocorrer sobre o mesmo objecto (pedido e causa de pedir) e entre as mesmas partes, cuja identidade se afere pela sua qualidade jurídica perante o objecto da causa, ainda que em posição diversa da que assumiram na causa anterior.

A este propósito sublinha Teixeira de Sousa: “O caso julgado assegura a confiança nas decisões dos tribunais, pois que evita o proferimento de decisões contraditórias por vários tribunais. Para obter este desiderato o caso julgado produz, como bem se sabe, dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem), impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade de caso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, repitam) o que foi decidido anteriormente (…).” (em “Preclusão e “contrario contraditório”, Cadernos de Direito Privado, nº 41, págs. 24-25).

E, concretizando o âmbito de aplicação de cada um dos assinalados efeitos, acrescenta o mesmo Autor, “a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...). Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente” (em “O objecto da sentença e o caso julgado material”, BMJ 325, págs. 171 e segs.).

Delimitando aqueles dois efeitos, salientam, igualmente, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto: “a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há de ser proferida (…). Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objecto da primeira e da segunda acções: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela deva, excepcionalmente, ser invocável) ou se a primeira acção, cujo objecto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por excepção” (em “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 354).

Munidos destas linhas orientadoras podemos, então, estabelecer a seguinte distinção:

a excepção dilatória do caso julgado “destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”, pressupondo a sua verificação o confronto de duas acções (contendo uma delas decisão já transitada) e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir;

a autoridade de caso julgado “tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica”, pressupondo a vinculação de um tribunal de uma acção posterior ao decidido numa acção anterior, ou seja, que a decisão de determinada questão (proferida em acção anterior e que se inscreve, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda) não possa voltar a ser discutida, não sendo, assim, exigível a coexistência da tríplice identidade a que alude o artigo 580º do Código de Processo Civil - ensina Rodrigues Bastos, em “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. III, págs. 60/61).

Ora, conforme ficou referido, para efeitos de excepção, verifica-se o caso julgado quando a repetição de uma causa se dá depois de a primeira ter sido decidida por sentença (ou saneador-sentença a ela completamente assimilado) que já não admite recurso ordinário (cfr. a parte final do nº 1 do artigo 580º do CPC). E o artigo 581º/1 estabelece que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2 do mesmo preceito), identidade de pedido quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3 do preceito em análise) e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (nº 4 do referido artigo 581º).

Verifica-se, então, a identidade de sujeitos quando as partes se apresentem com a mesma qualidade jurídica perante o objecto da causa, quando sejam portadoras do mesmo interesse substancial, independentemente da sua identidade física e da posição processual que ocupam, no lado activo ou passivo da lide.

A identidade relevante é, assim, a identidade jurídica (enquanto identidade de litigantes titulares da relação jurídica material controvertida ajuizada), do que resulta a vinculação ao caso julgado de todos aqueles que, perante o objecto apreciado, possam ser equiparados, atendendo à sua qualidade jurídica, às partes na acção. Por sua vez, a identidade de pedido é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos (ainda que implícitos), do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado. E, assim, ocorrerá identidade de pedido se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional (implícita ou explícita) pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a acção, se pretende obter.

Por último, a identidade de causa de pedir verifica-se quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico concreto, simples ou complexo, de que emerge o direito do autor e fundamenta legalmente a sua pretensão, constituindo um elemento definidor do objecto da acção.

E, de acordo com a “teoria da substanciação”, subjacente ao mencionado nº 4 do artigo 581º do Código de Processo Civil, tal factualidade afirmada pelo autor de que faz derivar o efeito jurídico pretendido terá de traduzir a causa geradora (facto genético) do direito alegado ou da pretensão invocada, de modo a individualizar o objecto do processo e a prevenir assim a repetição da mesma causa.

Visando a salvaguarda de eventuais relações de concurso que se possam estabelecer entre o objecto da decisão transitada e o do processo ulterior, ensina também Teixeira de Sousa que “o caso julgado abrange todas as qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das qualificações que podem ser atribuídas a esse fundamento” (em “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 576).

Definindo o alcance do caso julgado, estatui o artigo 621º do Código de Processo Civil: “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”.

Assim, dada a natureza da sua eficácia com alcance externo, o caso julgado material está sujeito a limites objectivos e subjectivos (questão a que directamente se refere aquela tríplice identidade exigida pelo nº 1 do artigo 581º anteriormente analisada), mas também temporais.

Quanto ao âmbito objectivo do caso julgado (respectivos limites objectivos), no que respeita à determinação do quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal e que recebe o valor da indiscutibilidade do caso julgado, durante algum tempo foi dominante o entendimento de que a eficácia do caso julgado apenas abrangia a decisão contida na parte final da sentença, ou seja, a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor ou do réu, concretizada no pedido ou na pretensão reconvencional e limitada através da respectiva causa de pedir (concepção restrita do caso julgado).

Actualmente, a posição jurisprudencial predominante reconhece, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (R.L.J. ano 110º, pág. 232) - embora sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença / a toda a matéria apreciada, incluindo os fundamentos da decisão (tese ampla) -, que, apesar da eficácia do caso julgado material incidir nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença, a mesma alcança também a decisão daquelas questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado (isto é, os fundamentos e as questões incidentais ou de defesa que entronquem na decisão do pleito enquanto limites objectivos dessa decisão), em homenagem à economia processual e à estabilidade e certeza das relações jurídicas (tese eclética).

E, quanto à assinalada extensão do caso julgado aos fundamentos de facto, enfatiza Teixeira de Sousa que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão” (vide “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, págs. 578/579).

Do ponto de vista dos limites subjectivos, em regra, o caso julgado tem eficácia restrita às partes processuais que o provocaram (questão traduzida no brocardo res inter alios iudicata tertio necque nocet necque prodest).

Esta regra da “eficácia relativa” do caso julgado sofre, todavia, restrições e desvios, derivados da possibilidade de a sentença se projectar na esfera jurídica de terceiros: Quer pela “vinculação directa desses sujeitos” (“extensão do caso julgado a terceiros”), que se justifica “quando (…) importa abranger pelo caso julgado os terceiros para os quais ele implica a constituição, modificação ou extinção de uma situação jurídica” e que se fundamenta, designadamente, na identidade da qualidade jurídica entre a parte processual e o terceiro (por sucessão “inter vivos” ou “mortis causa”); na hipótese de substituição processual; na situação de titularidade pelo terceiro de uma situação jurídica dependente do objecto apreciado e na oponibilidade resultante do registo da acção; Quer através da “eficácia reflexa do caso julgado”, que se verifica “quando a acção decorreu entre todos os interessados directos (quer activos, quer passivos) e, portanto, esgotou os sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma situação jurídica, pelo que aquilo que ficou definido entre os legítimos contraditores (…) deve ser aceite por qualquer terceiro” - v. Teixeira de Sousa, em “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 590.

Por último, o caso julgado é temporalmente limitado, tomando como referência temporal o momento do encerramento da discussão em 1ª instância, tal como decorre do disposto no nº 1 do artigo 611º do Código de Processo Civil, pelo que a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.

Já para as partes, o estabelecido naquele nº 1 do artigo 611º significa que têm o ónus de alegar os factos supervenientes, ou a verificação superveniente de factos alegados, que ocorram até ao encerramento da discussão em 1ª instância;

À luz deste quadro normativo, cumpre, então, regressar ao caso concreto.

Ora, como sentenciado, resulta da factualidade assente que a acção que correu no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, sob o n.º 276/08.5BELSB, foi interposta pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior (em representação da aqui Autora, sua associada) contra o Estado Português; que naquela acção foi formulado um pedido de indemnização com fundamento na existência de uma omissão legislativa que teria impedido a Autora de obter a assistência material que lhe seria devida pela situação de desemprego involuntário em que se encontrou, tendo aí sido alega, no essencial, que: (i) se o Estado Português tivesse cumprido a imposição legiferante decorrente da alínea a), do n.º 1, do artigo 59.º da Constituição, teria direito às prestações de desemprego reconhecida à generalidade dos trabalhadores por conta de outrem; (ii) que se o Estado Português tivesse cumprido a imposição legiferante da Constituição que garante esta mesma protecção aos trabalhadores (cfr. artigo 59.º, n.º 1, alínea e)) e, por essa via, concretizado para os docentes do ensino superior o direito à assistência material em situação de desemprego involuntário, a Autora estaria a auferir o subsidio de desemprego; (iii) que além destes valores, a Autora tem ainda direito a uma indemnização por danos não patrimoniais, decorrentes dos incómodos, desgosto, e aflição por não ter meio para assegurar a sua subsistência e por o Estado se denegar a reconhecer-lhe os mais elementares direitos fundamentais e a obrigar a sobreviver à custas de familiares e amigos (cfr. factos assentes na alínea a)).
Resulta ainda da indicada factualidade que a decisão proferida e transitada em julgado atribui uma indemnização à Autora, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, ressaltando, dos motivos aduzidos para o efeito e que para aqui relevam, que o Tribunal, na atribuição da indemnização concedida no que respeita a danos patrimoniais, teve em consideração o regime de protecção no desemprego dos trabalhadores por conta de outrem em vigor à data em que a Autora ficou desempregada, mais concretamente, o Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, aí se salvaguardando expressamente que não sendo o regime aplicável (fundamento, aliás, para a indicada acção), seria o regime adequado para o julgamento equitativo a fazer nos autos. Nesta decisão, concluiu-se ainda aí pela atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da referida omissão legislativa (factos assentes nas alíneas d) e g)).
Ora (conforme aliás se tinha já adiantado no despacho de fls. 396 e ss), julga-se, assim, verificada, no que respeita àquela e a esta acção, a:
(i) identidade de sujeitos, pois são partes a Autora (no caso da primeira acção, a Autora representada pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior) e o Estado-Administração (enquanto pessoa colectiva de direito público, cujas atribuições são prosseguidas por um vasto e heterogéneo conjunto de órgãos e serviços administrativos), sendo que o que releva para este efeito é o conceito material de parte.

(ii) identidade dos pedidos, pois ocorre coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado, pois em ambos os processos a pretensão da Autora reconduz-se a ver reconstituída a sua situação, com referência ao período em que ficou desempregada - para o que peticionou uma indemnização na primeira acção e peticiona agora a registo de remunerações por equivalência à entrada de contribuições, sendo que a função limitativa do caso julgado impede que a Autora venha formular na presente acção efeitos decorrentes da situação de desemprego que não peticionou na decisão anterior (ou, pelo menos, conforme se explicitará melhor infra, indemnização pelos prejuízos decorrentes dessa falta);
(iii) identidade das causas de pedir, segundo a teoria da substanciação, pois a relação material é a mesma, ou seja, os factos constitutivos de onde a Autora pretende fazer derivar o correspondente direito são os mesmos – mais concretamente, a situação involuntária de desemprego, em determinado período temporal e a omissão do Estado em legislar e garantir a respectiva protecção.
E se no que respeita à identidade das partes e da causa de pedir, a Autora parece não discordar, já assim não o é no que respeita à verificação da identidade de pedidos.
Com efeito, contrapõe a Autora nesta parte, que, naquele outro processo, peticionou o pagamento de uma indemnização, uma vez que foi impedida de obter a protecção conferida pelo subsidio de desemprego em virtude de ser docente do ensino superior, enquanto que nesta acção versa somente pelo reconhecimento do registo das remunerações por equivalência à entrada de contribuições; que em ambas as acções o resultado prático-jurídico a obter é totalmente díspar, referindo-se a que “numa se pretendia o reconhecimento do direito à protecção conferida pelo subsidio e o correspondente pagamento, na outra apenas se peticiona que as remunerações entretanto pagas à Autora seja registadas – como não deviam ter deixado de ser – enquanto contribuições.”.
E continua, e bem: Entendemos, porém, que o faz sem razão.
É que decorre da própria alegação da Autora que o efeito prático-jurídico a obter e pretendido é o mesmo, pois que se reportam aos efeitos decorrentes da omissão do legislador e que a impediu de obter protecção que lhe deveria ter sido conferida pelo subsídio de desemprego, sendo que, naquela outra acção, peticionou a indemnização pelos danos causados por tal impossibilidade e nesta acção vem agora peticionar um dos efeitos que obteria directamente com aquela protecção – o registo das contribuições.
E se a Autora poderia ou não ter formulado um pedido na outra acção quanto ao registo das contribuições (seja do ponto de vista do direito processual, seja do ponto de vista do direito substantivo), é questão que não releva para a decisão aqui a proferir, mas apenas que, em ambas as acções, a Autora pretende ver reconstituída a sua situação actual, com referência ao período em que ficou desempregada, atendendo à omissão do legislador (no entanto, sempre se adianta que naquela acção a Autora estava em condições, face à legislação já existente à data e que aí elencada, de invocar, além da impossibilidade de obter o pagamento do correspondente subsidio de desemprego – como invocou – e, por isso, o correspondente prejuízo e indemnização, de invocar ainda a impossibilidade de obter o registo por equivalência daqueles valores e, por isso, o correspondente prejuízo e indemnização, até porque tal possibilidade encontrava-se expressamente prevista na legislação a que a própria Autora fez menção para fundamentar o seu pedido indemnizatório, mais concretamente, o Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro - cfr. factos assentes na alínea c)).
E por isso, seguindo o entendimento de que há “identidade de pedidos quando numa e noutra ação se pretende obter o mesmo efeito jurídico, ou seja, terá de ser o mesmo direito subjetivo cujo reconhecimento se pretende, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada, o que significa não ser exigível uma rigorosa identidade formal entre os pedidos.” – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 3435/16.3T8VIS-A.C1, em 12.12.2017 – conclui-se, no caso em apreço, pela identidade de pedidos.
Assim, tal como decidido pelo Tribunal a quo, verifica-se, no caso em apreço, a excepção dilatória de caso julgado, determinante da absolvição da instância, atento o disposto nos artigos 89.º, n.º 2 e 4, alínea l), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Improcedem, pois, as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 17/11/2023

Fernanda Brandão
Nuno Coutinho
Rogério Martins