Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00956/14.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/29/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Mário Rebelo
Descritores:RECLAMAÇÃO.
PER
FIM DAS NEGOCIAÇÕES
FIM DAS RESTRIÇÕES À INSTAURAÇÃO OU CONTINUAÇÃO DAS AÇÕES PARA COBRANÇA DE DÍVIDAS.
Sumário:1. O Processo Especial de Revitalização foi introduzido no CIRE por força da Lei n.º 16/2012 de 20 de Abril, para permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização (art. 17-A/1 do CIRE).
2. Trata-se de um processo de caráter urgente (art. 17-A/3 do CIRE) que se inicia com a manifestação de vontade do devedor e de pelo menos um credor de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação (art. 17-C/1 CIRE).
3. Munido de tal declaração, deverá o requerente comunicar ao juiz do tribunal competente para declarar a insolvência, que pretende dar início às negociações visando a sua recuperação, devendo então o juiz competente nomear administrador provisório (art. 17-C/3 CIRE).
4. Com este despacho determina-se o prosseguimento do PER e simultaneamente obsta-se à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação (art. 17º-E/1 do CIRE).
5. Mas quer o obstáculo à instauração de ações para cobrança de dívidas contra o devedor, quer a suspensão de ações já instauradas com idêntica finalidade, apenas perdura enquanto se mantiverem as negociações entre o devedor e os credores.
6. As quais devem ser concluídas no prazo de dois meses, prorrogável uma só vez e por um mês (art. 17-D/5 CIRE).
7. Uma vez que o obstáculo à instauração de ações para cobrança de dívida ou a suspensão das que estiverem em curso apenas persiste durante as negociações, concluídas estas (por aprovação dos credores ou por impossibilidade de acordo – cfr arts. 17-F/1, e 17-G do CIRE) aquele regime de impedimento ou de suspensão cessa.
8. E uma vez cessadas tais restrições, nada impede os credores de lançarem mão de tais ações, ou de as continuar.
9. Não é a decisão judicial de homologação ou não do acordo que marca o fim daquelas restrições, mas sim a conclusão das negociações.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:S..., SA
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Síntese do processado mais relevante.
A Fazenda Pública, em 8/6/2005, instaurou o Processo de Execução Fiscal nº 3590200501025490 e apensos contra a sociedade comercial “S…, S.A.”, para cobrança de € 639.458,25 e legais acréscimos.
Neste processo foi penhorado um imóvel.
No 5º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão correu termos um Processo Especial de Revitalização no qual foi aprovado um Plano de Recuperação da sociedade S….
Por despacho de 28/6/2013, proferido naquele PER, foi recusada a homologação do Plano de Recuperação.
A S... em 1/11/2013 apresentou no Processo de Execução Fiscal nº 3590200501025490 e apensos requerimento dando conta da pendência do Processo Especial de Revitalização e requereu a suspensão de todos os processos executivos, “dando sem efeito as penhoras já realizadas”, nos termos do artigo 17º-E do CIRE.
A ATA determinou a venda do imóvel penhorado.
A reclamante discordou de tal decisão e reclamou para o TAF de Braga.
O MMº juiz do TAF de Braga julgou totalmente improcedente a reclamação.

O recurso.
Inconformada com a sentença proferida no TAF de Braga, a sociedade S... dela recorreu formulando alegações e concluindo como segue:
A. Entendeu o Tribunal a quo que a reclamação deveria improceder alegando em suma o seguinte:
1. A Fazenda Nacional opôs-se ao Plano, logo o acordo não foi homologado judicialmente.
2. Na falta de acordo ou homologação do plano, o processo é encerrado e no presente processo o plano não foi homologado.
3. O período de suspensão das execuções inicia-se com a comunicação de que se pretende dar início às negociações, e mantém-se apenas durante o tempo em que perdurarem as negociações.
4. A reclamante nem sequer juntou prova de que foi interposto recurso da decisão de não homologação do Plano.
B. No que diz respeito ao primeiro ponto supra referido, salvo o devido e maior respeito por opinião diversa, da oposição da Fazenda Nacional ao Plano proposto não resulta automaticamente a não homologação do Plano de Recuperação.
C. Nada impede a homologação do Plano de recuperação no qual sejam afastados regimes tidos por imperativos em matéria de prazos e garantias de pagamento desses tributos, desde que se não verifiquem casos de recusa da homologação pelo juiz previstos nos artigos 215.º e 216.° do CIRE.
D. Naturalmente que as normas tributárias que tenham carácter imperativo, mas não neste especial enquadramento dos processos de insolvência, atentas as razões já aduzidas, ligadas à necessidade de não inviabilizar a recuperação das empresas e porque existe o necessário controlo e garantia jurisdicionais.
E. De facto, tendo sido criado um regime específico para o devedor em situação de insolvência, é evidente que o legislador entendeu que, dada a situação em que se encontra, o devedor insolvente deve merecer um tratamento diferenciado relativamente ao devedor não insolvente; assim, o perdão ou redução dos créditos tributários ao abrigo de um plano de insolvência validamente aprovado em conformidade com as normas instituídas pelo legislador não viola os princípios da igualdade e da legalidade tributária e, como tal, não é vedado pelo disposto no art. 30º, n°2 da LGT.
F. O próprio Supremo Tribunal de Justiça, no seu recente Acórdão de 18.02.2014, processo n° 1786/12.5TBTNV.C2.S1 já indiciou existir uma desconformidade entre a legislação constante do art. 300 da LGT e a atual redação do CIRE que resultou do Memorandum assinado com a troika, abrindo igualmente caminho a uma apreciação da constitucionalidade da norma constante do art. 30° da LGT, o que motivou o recurso interposto pela aqui recorrente sobre a decisão de não homologação do Plano, encontrando-se o mesmo pendente no Supremo Tribunal de Justiça.
G. No que concerne ao segundo ponto supra referido, da não homologação do plano não resulta o encerramento do Processo de Revitalização, outrossim do trânsito em julgado de tal decisão resulta o encerramento, até esse momento o processo ainda está pendente como é manifestamente o caso dos presentes autos, tal como resulta do disposto no art. 17°-E do CIRE.
H. Em relação ao terceiro ponto, nos termos do disposto no art. 17°-E do CIRE, a decisão que determina o inicio do Processo Especial de Revitalização e a nomeação do Administrador Judicial Provisório obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação.
I. Ora, no caso em apreço, foi o plano apresentado pela aqui reclamante aprovado com 100% dos votos emitidos, tendo tal aprovação sido publicada no Portal Citius em 22 de Maio de 2013.
J. Por despacho proferido em 28 de Junho de 2013, publicado em 1 de Julho do mesmo ano, o Exmo. Sr. Juiz do processo em causa proferiu decisão de não homologação do plano.
K. De tal decisão interpôs a aqui reclamante recurso, o qual ainda não se mostra definitivamente julgado, não tendo, nesse mesmo sentido, transitado em julgado a decisão de não homologação do plano.
L. Neste sentido entende a aqui reclamante que está ainda e nesta data na abrangência dos efeitos do Processo Especial de Revitalização M. Não tendo ainda transitado em julgado a decisão de homologação, NÃO se encontra pois encerrado o processo especial de revitalização, motivo pelo qual não poderão ser levadas a cabo diligências de cobrança de dívidas como a venda melhor identificada em epígrafe, mais especificamente, diligências de venda de bens em processo em curso, que deverão pois estar suspensas, nem outro pode ser o entendimento do disposto no art. 17°-E do CIRE.
N. A finalidade do Processo Especial de Revitalização - a recuperação e estabilidade das empresas - podem ser colocados em causa por diligências de cobrança, como a presente, encetadas contra a aqui reclamante, não sendo, obviamente esse o propósito do legislador que introduziu no ordenamento jurídico o Processo Especial de Revitalização.
O. Enfatize-se que o objeto do recurso ainda pendente é a não homologação de um piano de recuperação que foi aprovado com 100% dos votos emitidos, (relembre-se que o voto da Fazenda Nacional foi extemporâneo e nesse mesmo sentido não contabilizado pelo Exmo. Sr. Administrador Provisório).
P. Na eventualidade de na pendência do referido recurso se proceder a diligências de cobrança e até venda do património da revitalizanda, aqui recorrente, algumas das medidas que visavam a recuperação da empresa, designadamente aposta no mercado do arrendamento e rentabilização dos prédios existentes, quer através da organização da eventos com escopo lucrativo ou mesmo a venda de parte de tais prédios, será, indiscutivelmente colocada em causa.
Q. Por último em relação ao ponto quatro, procede-se à junção de informação remetida pelo Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, onde informou que estava pendente recurso da não homologação do plano, pelo que não se compreende tal alegação constante da decisão ora em recurso. - cfr. doc. n°1

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá deverá o presente recurso ser admitido e considerado procedente por provado e em consequência ser a reclamação apresentada declarada procedente por provada com as demais consequências legais.


CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exma. PGA junto deste TCAN emitiu esclarecido parecer concluindo pela rejeição do recurso por não ter sido devidamente cumprido o ónus de formular conclusões nos termos legais.

DISPENSA DE VISTOS.
Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 657º/4 CPC e artigo 278º/5 do CPPT), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
A questão que se impõe apreciar neste recurso, delimitada pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, é saber se a sentença padece de erro de julgamento, resolvendo primeiro a questão prévia referente ao conhecimento, ou não, do recurso, tendo em conta as conclusões formuladas.

III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:
1. A Fazenda Pública, em 8/6/2005, instaurou o Processo de Execução Fiscal nº 3590200501025490 e apensos contra a sociedade comercial “S..., S.A.”, Contribuinte Fiscal nº 5…, com vista a cobrança de tributos no montante de € 639.458,25 e legais acréscimos.
2. No Processo de Execução Fiscal identificado em 1, entre outros bens, foi penhorado o imóvel situado em Paradela, freguesia de Vila das Aves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o nº 1….
3. No 5º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão correu termos um Processo Especial de Revitalização, sob o nº 3970/12.2TJVNF, no qual foi aprovado um Plano de Recuperação da Reclamante, nos termos exarados no documento constante de fls. 14 que se dá por reproduzido.
4. Por despacho de 28/6/2013, proferido no Processo Especial de Revitalização identificado em 1, foi recusada a homologação do Plano de Recuperação aludido em 3, conforme documento de fls. 15 que se dá por reproduzido.
5. A Reclamante, em 1/11/2013, apresentou no Processo de Execução Fiscal nº 3590200501025490 e apensos o requerimento que se encontra a fls. 454/455 do processo apenso e se dá por reproduzido, no qual deu conta da pendência do Processo Especial de Revitalização nº 3970/12.2TJVNF, a correr termos no 5º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, pelo que requereu a suspensão de todos os processos executivos, “dando sem efeito as penhoras já realizadas”, nos termos do artigo 17º-E do CIRE.
6. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 456 do processo apenso, que acompanhou o requerimento aludido em 5, e consubstancia cópia de uma certidão extraída do Processo Especial de Revitalização nº 3970/12.2TJVNF, que correu termos no 5º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, destinada a ser junta a um recurso.
7. A Administração Tributária remeteu à Reclamante o ofício nº 3590/7377/2013, datado de 14/11/2013, que se encontra a fls. 468 do processo apenso e se dá por reproduzido do qual se extracta:
O PER foi requerido em 10-12-2012, tendo sido reclamados os créditos fiscais em 14-12-2012;
Em 19-04-2103 a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tomou posição de Voto Desfavorável ao Plano de Revitalização apresentado;
Em 21-03-2013 foi publicitado no Portal Citius, a prorrogação, por mais um mês, o prazo para concluir as negociações, nos termos do nº 5, do artigo 17º- D, do CIRE;
Por fim, em 01-07-2013, foi publicitado no Portal Citius, despacho de Recusa de homologação do acordo PER.
Sobre a suspensão:
A suspensão ocorre durante todo o tempo em que perdurarem as negociações;
O prazo para as negociações termina decorridos dois meses, prorrogável por uma só vez e por um mês, a contar do prazo para impugnação da lista provisória de créditos, cfr. nº 5 do artigo 17º-D, do CIRE e nº 1 do artigo 17º-G do mesmo Código;
Acresce ainda, no caso concreto, que a publicitação de despacho de recusa de homologação do acordo, dá por findo o prazo de suspensão.”.
8. Em 16/1/2014, no Processo de Execução Fiscal nº 3590200501025490 e apensos, foi lavrado o despacho que consta a fls. 481 do processo apenso e se dá por reproduzido, no qual foi determinada a venda do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Santos Tirso, freguesia de Vila das Aves, sob o nº 1…, na modalidade de leilão electrónico, designado o dia 30/4/2014 para data da abertura das propostas, e fixado o valor base para a venda em € 271.902,89.
9. A Administração Tributária remeteu à Reclamante o ofício nº 3590/365/2014, datado de 16/1/2014, que se encontra a fls. 483 do processo apenso e se dá por reproduzido com vista à notificação do despacho identificado em 8.
10. A Administração Tributária remeteu à Reclamante o ofício nº 3590/856/2014, datado de 30/1/2014, que se encontra a fls. 505 do processo apenso e se dá por reproduzido com vista à notificação do despacho que ordenou a venda do imóvel identificado em 8.
11. Dá-se por reproduzido o documento que se encontra a fls. 513/514 do processo apenso, datado de 10/4/2014, que consubstancia cópia de um requerimento subscrito por Francisco José Areias Duarte, na qualidade de Administrador Judicial Provisório nomeado no Processo Especial de Revitalização nº 3970/12.2TJVNF, a correr termos no 5º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, no qual requereu a suspensão do Processo Executivo nº 3590200501025490 e apensos com fundamento na pendência do Processo de Revitalização, por considerar que não transitou em julgado a decisão de não homologação do Plano de Revitalização, dado o recurso interposto.
12. A Administração Tributária remeteu a Francisco José Areias Duarte o ofício nº 3590/2390/2014, datado de 14/4/2014, que se encontra a fls. 515 do processo apenso e se dá por reproduzido do qual consta “(…) A suspensão ocorre, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações; (…) Se dúvida houvesse, no caso concreto, a publicitação de despacho de recusa de homologação e acordo, dá por findo o prazo de suspensão. Por tudo o exposto, e no seguimento das instruções superiormente emanadas, os processos que correm termos em sede executiva manterão a sua tramitação com vista à arrecadação da receita fiscal, incluindo a realização de eventuais penhoras, bem como o procedimento da venda já marcada.”.
13. A presente reclamação foi apresentada em 24/4/2014.

FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito.


III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Primeira questão prévia: rejeição do recurso.
A recorrente S... interpôs recurso da sentença que julgou improcedente a reclamação deduzida contra o despacho proferido pelo Exmo. Chefe do Serviço de Finanças de Braga no qual se decidiu que «…os processos que correm termos em sede executiva manterão a sua tramitação com vista à arrecadação da receita fiscal, incluindo a realização de eventuais penhoras, bem como o procedimento de venda já marcado».

Neste TCA a recorrente foi convidada a completar as conclusões em conformidade com o disposto no art. 639º/3 do CPC, na sequência de parecer do Exmo. PGA neste tribunal.

A recorrente apresentou «conclusões do recurso aperfeiçoadas» reduzindo o número de alíneas.
O Exmo. Sr. PGA conclui que as conclusões continuam a não apontar as razões que a levam a discordar da decisão recorrida ou a especificar os vícios ou erros de que padece nem a indicar as normas jurídicas violadas, pelo que deve ser rejeitado o recurso.

Ora, confrontando as conclusões apresentadas com as exigências contidas no disposto no art. 639º/3 do CPC, e que foram objecto de convite ao aperfeiçoamento, apenas podemos concluir que as mesmas não são modelares. Como assinala Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, pp. 123) «A clareza do art. 639-, n- 3, aliada à natureza do acto de interposição de recurso, implicando a interpelação de um Tribunal Superior, faria crer que as alegações fossem tratadas com o adequado rigor. Porém, são frequentíssimas as situações que revelam um claro desrespeito de regras formais elementares, quanta vezes prejudicando o resultado final do recurso. As deficiências verificam-se ao nível da motivação, mas surgem com mais nitidez e com mais frequência quando se trata da formulação das respectivas conclusões».

Sendo as conclusões bastante lacunares, ainda assim afigura-se-nos que a recorrente isolou 4 questões que pretende atacar na sentença, adiantando para cada uma os argumentos que sustentam a sua tese, abonando-se na indicação de algumas normas jurídicas (art. 639º/2,a) e b) do CPC.

Não sendo modelares as conclusões, como se referiu, ainda assim afigura-se-nos não ser de rejeitar o recurso.

Segunda questão prévia: junção de documento pela recorrente.
No recurso interposto, a recorrente não juntou qualquer documento.
Mas depois de notificada para completar as suas conclusões nos termos do art. 639º/3 do CPC, a recorrente anexou a estas o ofício n.º 5339767, de 8/7/2014, do 5º juízo Cível de Vila Nova de Famalicão, endereçado ao TAF de Braga, a informar não ter transitado «…em julgado a decisão de não homologação do plano, em virtude do recurso apresentado pela devedora» (fls. 206)

Dispõe o art. 651º/1 do CPC, aplicável «ex vi» do art.º 2º/e) do CPPT, que As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

Ora, antes de nos debruçarmos sobre os restantes requisitos para a junção de documentos na instância de recurso, verificamos que o documento junto com as (segundas) conclusões não acompanhou, efectivamente, as alegações.
Mas este é o primeiro requisito a observar. Só se este requisito estiver presente, é que se poderá, então, escrutinar se os restantes (enunciados no art. 651º/1 CPC) também se verificam.

Ora, para além de o documento não ter sido junto com as alegações, foi omitida qualquer razão para a sua junção tardia.
Nestas condições, não foi cumprido o (1º) requisito legal, pelo que não se admite a sua junção. (cfr. ac. do TCAS n 02912/09 de 27-03-2014 (Relator: JOAQUIM CONDESSO).

O documento de fls. 206 deverá ser desentranhado e entregue ao apresentante, com reposição de cópia nos autos.

Quanto ao mérito do recurso
Para melhor entendimento das questões em causa, recuperamos os factos mais relevantes do processo:
Foi apresentado pedido de abertura de PER.
Em consequência, foram suspensas as acções executivas em curso, não se procedendo à instauração de quaisquer ações para a cobrança de dívidas.
Em 19/4/2013 foi comunicada a posição da ATA em votar desfavoravelmente o PER.
O MMº juiz do 5º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão proferiu despacho de não homologação do acordo.
O SF determinou, então, o levantamento da suspensão de todos os processos executivos instaurados e prosseguimento dos demais termos.
Interposta reclamação desta decisão administrativa, foi a mesma julgada improcedente.
A sentença recorrida decidiu que por o acordo não ter sido homologado tal despacho importa o encerramento do processo, tanto mais que neste tipo de processos, pelo seu caráter urgente, sem sequer pode voltar a ser apresentado qualquer acordo.

A recorrente discorda deste fundamento.
E adianta nas alíneas b) a F) das conclusões que a oposição da Fazenda Pública ao Plano não resulta automaticamente a não homologação do Plano de Recuperação, defendendo ainda a possibilidade da sua homologação desde que se não verifiquem casos de recusa da homologação pelo juiz previstos nos artigos 215.º e 216.° do CIRE. Acrescenta ainda nada impedir a homologação do Plano de recuperação no qual sejam afastados regimes tidos por imperativos em matéria de prazos e garantias de pagamento desses tributos, desenvolvendo de seguida o raciocínio segundo o qual o perdão ou redução dos créditos tributários ao abrigo de um plano de insolvência validamente aprovado em conformidade com as normas instituídas pelo legislador não viola os princípios da igualdade e da legalidade tributária e, como tal, não é vedado pelo disposto no art. 30º, n°2 da LGT, apontando até jurisprudência do STJ que parece confirmar, ou indiciar, o acerto da sua argumentação.

Da argumentação expendida pela recorrente resulta claro o seu desacordo com a decisão de não homologação do acordo proferida pelo MMº juiz do 5º juízo cível de Vila Nova de Famalicão, aludindo também à extemporaneidade do voto da Fazenda Nacional (querendo, certamente, dizer Fazenda Pública)

Mas é evidente que a sindicância desse despacho está subtraída à competência deste TCA que apenas conhece em recurso das decisões dos tribunais tributários (que não tenham exclusivo fundamento em matéria de direito), como resulta do art. 38º do ETAF (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro).
Quer isto dizer que as questões que levaram à emissão de tal despacho, e que a recorrente contesta, são questões que não podem ser dirimidas nesta sede, e por isso sobre elas não recairá pronúncia deste Tribunal.

O segundo e terceiro fundamentos invocados em discordância com a douta sentença radicam no conteúdo desta. Mais precisamente onde se menciona que «… ou os credores chegam a acordo e o mesmo é homologado, ou na falta de acordo ou de homologação do mesmo, o processo é encerrado, e ultrapassada a fase negocial não se reabre a fase negocial, nem o processo volta a ser reaberto, impondo-se o seu encerramento com a cessação da suspensão dos processos de execução.
Efectivamente, o artigo 17º-E, nº 1, do diploma citado prescreve, que a “decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.”.
Ou seja, o período de suspensão das execuções inicia-se com a comunicação de que se pretende dar início às negociações, e mantém-se apenas durante o tempo em que perdurarem as negociações. No caso em análise o prosseguimento da execução fiscal só teve lugar muito depois das negociações, depois de proferido e publicitado o despacho de não homologação do plano de revitalização»

A recorrente discorda em dois pontos desta fundamentação.
A primeira é de que a «… não homologação do plano não resulta o encerramento do Processo de Revitalização, outrossim do trânsito em julgado de tal decisão resulta o encerramento, até esse momento o processo ainda está pendente como é manifestamente o caso dos presentes autos, tal como resulta do disposto no art. 17°-E do CIRE».

A segunda, é de que estando em recurso o despacho de não homologação do acordo, a reclamante, ora recorrente está ainda nesta data na abrangência dos efeitos do Processo Especial de Revitalização.

Quer a recorrente dizer que por ter sido interposto recurso do despacho de não homologação do acordo, não se encontra encerrado o PER. E por não estar encerrado o PER, mantém-se a suspensão de instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor.

Mas será assim?
O Processo Especial de Revitalização foi introduzido no CIRE por força da Lei n.º 16/2012 de 20 de Abril, para permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícl ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização (art. 17-A/1 do CIRE).
Trata-se de um processo de caráter urgente (art. 17-A/3 do CIRE) que se inicia com a manifestação de vontade do devedor e de pelo menos um credor de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação (art. 17-C/1 CIRE).

Munido de tal declaração, deverá o requerente comunicar ao juiz do tribunal competente para declarar a insolvência, que pretende dar início às negociações visando a sua recuperação, devendo então o juiz competente nomear administrador provisório (art. 17-C/3 CIRE).

Com este despacho determina-se o prosseguimento do PER e simultaneamente obsta-se à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação (art. 17º-E/1 do CIRE).

Porém, como resulta expressamente deste normativo, quer o obstáculo à instauração de ações para cobrança de dívidas contra o devedor, quer a suspensão de ações já instauradas com idêntica finalidade, apenas perdura enquanto se mantiverem as negociações entre o devedor e os credores.

As quais devem ser concluídas no prazo de dois meses, prorrogável uma só vez e por um mês (art. 17-D/5 CIRE). Como salientam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª edição, pp. 161, este prazo é «…um prazo de caducidade, razão pela qual, se o acordo só for obtido para além dele, não pode já ser homologado por violação não negligenciável da lei – art.° 215.°, aplicável por imperativo do art.° 17.°-F, n.° 5. Aliás, segundo a disposição expressa do art.° 17.°-G, n.° 1, o processo negocial é encerrado se for ultrapassado o prazo aqui estabelecido».

Ora, uma vez que o obstáculo à instauração de ações para cobrança de dívida ou a suspensão das que estiverem em curso apenas persiste durante as negociações, concluídas estas (por aprovação dos credores ou por impossibilidade de acordo – cfr arts. 17-F/1, e 17-G do CIRE) o regime de impedimento (de propor ações para cobrança de dívida) ou de suspensão cessa.

E uma vez cessadas tais restrições, nada impede os credores de lançarem mão de tais ações, ou de as continuar.

Deve assim notar-se que não é a decisão judicial de homologação ou não do acordo que marca o fim daquelas restrições, mas sim a conclusão das negociações.

Nestas circunstâncias, mostrando-se concluídas as negociações referentes ao plano de revitalização, a ATA poderá instaurar ou fazer prosseguir as execuções contra o devedor, tanto mais que não subscreveu o plano de revitalização.

A recorrente esgrime com a falta de trânsito em julgado da decisão de não homologação do PER.

Admitindo ter sido interposto recurso da decisão de não homologação, esta ainda não transitou em julgado. Mas não podemos esquecer que esse recurso tem efeito meramente devolutivo como impõe o art. 14º/5 do CIRE ( na linha do art. 647º/1 CPC) e assim foi decidido no respectivo despacho de admissão (fls. 110 dos autos), o que significa a atribuição de efeitos à decisão com a inerente possibilidade de execução do despacho, nos termos do art. 704º/1 do CPC.

Mas para além disso, argumentar que a decisão de não homologação não transitou em julgado é deslocar o problema para um campo irrelevante.
Como referimos, é o fim das negociações relativas ao PER que assinala a remoção das restrições referentes à instauração ou prossecução das ações, e não o despacho de (não) homologação.
As negociações foram encerradas. Logo, as ações podem prosseguir, ou ser instauradas, como se decidiu no despacho reclamado.

Poder-se-á ficcionar que uma eventual revogação do despacho de não homologação poderá levar a outra decisão de homologação do acordo.
Se isso acontecer, e entretanto for vendido em execução algum património da recorrente, não se descortina qualquer ilegalidade nesse acto, uma vez que decorre da lei a possibilidade dessa ocorrência.

Por último, a recorrente isolou um quarto ponto na sentença de que discorda que é o facto de a sentença recorrida não ter considerado ter sido interposto recurso da decisão de não homologação do plano.

Na sentença sob recurso, o fundamento alvo de discordância diz o seguinte «A talhe de foice importa realçar que a Reclamante nem sequer juntou prova de que foi interposto recurso da decisão de não homologação do plano, visto que a única referência que consta dos autos é a menção na certidão de fls. 456 do processo apenso que a mesma se destina a “ser junta aos autos apensos – Recurso em Separado (CIRE) nº 3970/12.2TJVNF-A”, desconhecendo-se qual o objecto desse recurso, que de resto tem efeito meramente devolutivo.»

Para prova de que fora apresentado recurso contra a decisão de não homologação, a recorrente juntou nesta instância de recurso cópia do ofício n.º 5339767, de 8/7/2014, do 5º juízo Cível de Vila Nova de Famalicão, endereçado ao TAF de Braga a informar não ter transitado «…em julgado a decisão de não homologação do plano, em virtude do recurso apresentado pela devedora».
Sobre esta matéria, já nos pronunciámos em duas ocasiões. Uma, respeitante à inadmissibilidade da junção do documento; outra, relativa à irrelevância para os autos do recurso da decisão de não homologação do acordo.
Em face disso, consideramos desnecessário repetir tudo o que a propósito ficou dito.

IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.

Desentranhe o documento de fls. 206 e entregue-o ao apresentante, com reposição de cópia nos autos.

Custas pela recorrente.

Porto, 29 de Janeiro de 2015.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Bento
Ass. Paula Teixeira