Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01032/2003Porto
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/08/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:FREGUESIA. DELIMITAÇÃO.
Sumário:I) – Não há omissão de pronúncia, nem abstenção do dever de julgar, quando, em acção de definição de limites de uma freguesia, uma tal acção se tem improcedente, em função do ónus da prova, e sem que outros sejam fixados.*
* Elaborado pelo Relator.
Recorrente:Freguesia de Vieira do Minho
Recorrido 1:Junta de Freguesia de Cantelães
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer de provimento do recurso, entendendo, em síntese, que necessariamente teria de ser estabelecida demarcação colocando fim à controvérsia.
1
Decisão Texto Integral:Freguesia de Vieira do Minho (Centro Comercial Alto Minho, nº 286, 1º, 4850-521), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, que julgou improcedente acção comum ordinária por si intentada contra Freguesia de Cantelães (Lugar da Cidreira, Cantelães, Vieira do Minho).
A recorrente formula as seguintes conclusões:

A ação de demarcação com vista a definir a linha divisória entre freguesias sucedeu ao procedimento anteriormente previsto no nº 3 do artigo 123º do Código Administrativo de 1940 e segundo o qual era competência do Governo "resolver as dúvidas acerca dos limites das circunscrições administrativas, fixando-os quando sejam incertos".

Após a entrada em vigor da Constituição da República aquela norma deve considerar-se revogada por se entender que tal competência que antes era do Governo passou a ser dos Tribunais, a ser exercida através da ação própria (ação de demarcação).

A finalidade desta ação é a mesma da daquele procedimento administrativo anteriormente previsto no nº 3 do artº 122 do Código Administrativo: resolver as dúvidas acerca dos limites das circunscrições e fixá-los quando incertos.

A ação de demarcação das circunscrições administrativas relativas a freguesias não tem natureza substancialmente diversa da ação de demarcação entre prédios em regime de propriedade privada. Num e noutro caso, o que está em causa é definir judicialmente aquilo que é indefinido, duvidoso ou controvertido: no caso os limites territoriais entre duas freguesias.

O cerne da controvérsia na ação judicial de demarcação é o da definição dos limites. A ação de demarcação não é uma ação de reivindicação.
A causa de pedir da ação de demarcação é complexa e constituída pela existência de circunscrições administrativas confinantes e cujos limites são incertos ou discutidos.

Se o Tribunal é chamado a colocar fim à controvérsia sobre os limites, não pode decidir de uma forma tal que não coloque fim a essa controvérsia. Foi isso o que sucedeu neste caso.

Laborando em manifesto erro, o TAF do Porto terá pressuposto que a falta de prova dos factos (ainda que parcialmente) alegados pela Autora conduziria à improcedência da ação como se de uma ação de reivindicação se tratasse.

Nesta ação o que se pede ao Tribunal é que fixe uma linha de demarcação. Se não for aquela que a Autora alega, será outra, a ser determinada em conformidade com os títulos e outros elementos probatórios ou de acordo com os critérios supletivos legalmente fixados; veja-se o disposto no artigo 1353 do Código Civil.
10ª
Vem dado por provado que, "A freguesia de Vieira do Minho foi criada com as Povoações ou Lugares desanexados de outras duas freguesias mais antigas - a freguesia de Mosteiro e a freguesia de Cantelães - tendo concorrido a freguesia do Mosteiro com onze Lugares ou Povoações, entre eles Sapinhos e Vila Seca, e a freguesia de Cantelães apenas com um, o Lugar dos Chãos.".
11ª
Retira-se do texto da decisão: "Não pode portanto, admitir-se qualquer dissenso quanto ao seguinte: a povoação de Sapinhos e a povoação de Chãos (que, como se provou, passou a ser denominado por Lugar de Chãos ou Cabine) pertencem à freguesia de Vieira do Minho."
12ª
Com esta asserção decisória o Tribunal faz a primeira aproximação ao problema, e afasta, definitivamente, a linha de demarcação sustentada (mas não provada) pela Ré que, de resto, era absurda e ilógica já que assentava num suposto auto de limites lavrado em julho de 1798, elaborado numa altura em que a freguesia de Vieira do Minho ainda não existia (como se sabe, só foi criada em 1933).
13ª
Assente que está este pressuposto (o Lugar de Sapinhos e Chãos ou Cabine pertencem à freguesia de Vieira do Minho) só faltava mesmo avançar para a definição da linha de demarcação dos limites das circunscrições. E a tarefa afigurava-se mais ou menos simples caso o Tribunal tivesse optado pela vinda ao local (como requerido foi pela Autora).
14ª
Os Lugares em questão - Sapinhos e Chãos ou Cabine - são pequenos aglomerados plantados no sopé da Serra da Cabreira cujo recorte ou silhueta facilmente se identifica no local.
15ª
Ora, se estes Lugares pertencem a Vieira do Minho, pelo menos até às últimas habitações desses Lugares que com a freguesia de Cantelães confrontem pisaremos território pertencente à freguesia de Vieira do Minho.
16ª
E aqui temos um critério simples para definir uma linha de demarcação. Bastará uma singela deslocação ao local, comprometendo-se desde já, a recorrente, a fornecer ao Tribunal os meios adequados à sua realização.
17ª
Mesmo sem a deslocação ao local, afigura-se-nos que dos autos soçobram elementos suficientes para o Tribunal definir, como se impõe, uma linha de demarcação das circunscrições das partes neste processo.
18ª
Consta dos autos - cfr. fls 408 - um levantamento topográfico elaborado por perito onde estão definidas as linhas de demarcação pugnadas pelas partes. A linha de demarcação proposta pela Ré está representada a vermelho e, conforme consta da explicação dada pelo Senhor Perito a fls. 406, foi indicada pelo Srº JMCR, então presidente da Junta, e que seguiu a descrição do "Tombo".
A linha de demarcação proposta pela autora, ora recorrente, está representada a azul.
19ª
Os Lugares de Sapinhos e Chãos ou Cabine situam-se (cfr. fls.408) para cá da linha azul, por conseguinte, para sul da linha azul; dúvidas não existem de que aqueles dois Lugares (porque pertencem à freguesia de Vieira do Minho) estão para sul da linha azul.
20ª
Atenta a prova produzida, não se vê porque razão o Tribunal não deu por provada aquela linha de demarcação representada pela linha azul.
21ª
Da decisão da matéria de facto - Cfr. FIs - resulta que o depoimento das testemunhas arroladas pela autora foi credível. Do credível depoimento das testemunhas JAR, MJP, DS e AM e AC e do seu confronto com o levantamento topográfico de fls. 408 resultou uma compreensão mais exata dos termos do litígio. (cfr. fls. 8 e 9 da decisão da matéria de facto).
22ª
E continua aquela decisão da matéria de facto a fls. 13: Em face de toda a prova produzida, consideramos que não se demonstrou que a linha divisória entre as duas freguesias era aquela que a autora descreveu na petição inicial. Para além de, conforme relatório pericial junto aos autos, não terem sido observados parte dos marcos identificados pela A., o certo é que a linha que defende não ilustra qualquer descrição oficial da mesma.
23ª
De acordo com a douta sentença, nenhuma das testemunhas arroladas pela Autora revelou um conhecimento sério de uma linha divisória concreta que, como evidenciamos, não é descrita em qualquer documento oficial.
24ª
O Tribunal labora num grande equívoca que o empurra para uma valoração/decisão errada da matéria de facto: Vejamos: Em primeiro lugar em lado algum a Autora diz existirem marcos divisórios das freguesias em litígio. Pois se marcos existissem o problema, à partida, não se colocava.
Em segundo lugar o Tribunal não valora o depoimento das testemunhas arroladas pela Autora (embora as considere credíveis) porque eles não coincidem com a fixação de uma linha divisória descrita em qualquer documento oficial!
25ª
O Tribunal, porque não existe qualquer descrição oficial de uma linha divisória, deixa cair os depoimentos das testemunhas - credíveis - da Autora, porque estes depoimentos não coincidem com essa descrição que não existe. E isto, do ponto de vista da estruturação de um percurso cognitivo, é ilógico.
26ª
Se a tal descrição oficial existisse - tal como se existissem os marcos - estamos certos que o problema não se colocaria ou, caso se colocasse, estaria a sua resolução facilitada.
27ª
Não existe qualquer descrição oficial de uma linha de demarcação. E se ela não existe não pode servir de padrão aferidor dos depoimentos das testemunhas.
28ª
O que existe é um "título", o Decreto Lei nº 22593 de 29 de maio de 1933, que cria a Freguesia de Vieira do Minho, composta por vários Lugares, incluindo os Lugares de Sapinhos e Chãos ou Cabine. Contudo, aquele instrumento legal não definiu os limites dos Lugares que confrontam com a freguesia de Cantelães.
29ª
A produção de prova veio a demonstrar que a linha divisória descrita na petição inicial afasta-se, em parte, da linha descrita a azul ínsita no relatório pericial de fls.408.
30ª
Os depoimentos das testemunhas da Autora apontaram todos no sentido da linha descrita a azul no relatório pericial e o Tribunal só não valorou e não deu como provada aquela linha divisória porque entendeu, erradamente a nosso ver, que tal linha não era coincidente com qualquer outra linha descrita em qualquer documento oficial e que, aquela linha afasta-se da linha que a Autora descreveu na petição inicial.
31ª
Nem uma razão (inexistência de documento oficial a descrever uma linha) nem outra (o facto da linha descrita a azul no relatório de fls. 408 ser diferente, em parte, da linha descrita com a petição inicial) impedia o Tribunal de dar como provada e fixar a linha descrita a azul (ou outra) do relatório pericial como sendo a linha de demarcação das freguesias em litígio; foi a essa a prova testemunhal (da Autora) que se produziu, sendo que o Tribunal rotulou as testemunhas de credíveis.
O Tribunal incorre em erro na apreciação da matéria de facto.
32ª
Coloca a questão de forma ilógica ao exigir conformidade entre uma realidade que não existe (a tal descrição oficial) e o depoimento das testemunhas, e arranca de pressupostos inadmissíveis numa ação de demarcação: não sendo dada por provada a linha descrita na petição inicial nenhuma outra linha pode ser fixada para definir os limites das circunscrições das partes em litígio.
33ª
O TAF do Porto demitiu-se de exercer a função, que legalmente lhe está confiada, de resolver a controvérsia existente entre a Freguesia de Vieira do Minho e a Freguesia de Cantelães quanto aos limites das respetivas circunscrições, os quais, sendo incertos, teriam de ser judicialmente definidos, tendo incorrido em erro de direito que justificará a revogação da sentença.
35ª
A douta sentença viola, entre outros, o artº 668, 1, alínea d) do CPCivil (DL n9 329-A, 12 de Dezembro ou art 615º do CpCivil em vigor aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho e art 1354º do Código Civil.
*
Termos em que, deve o presente recurso ser sufragado por esse Venerando Tribunal e, em consequência, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que delimite as circunscrições administrativas das partes em litígio, sendo que, existem elementos suficientes nos autos, para demarcar os limites das freguesias de acordo com a linha descrita a azul que consta do relatório de fls.408, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!

O recorrido, defendendo a manutenção do decidido, contra-alegou, concluindo :

A) Não assiste qualquer razão à recorrente, porquanto a douta sentença recorrida não padece dos vícios apontados nas suas doutas alegações.

B) O diploma legal que constitui o titulo da sua criação e existência jurídicas é completamente omisso quanto a sua delimitação com as freguesias limítrofes, em especial e em concreto, com a freguesia de Cantelães, da qual lhe foi desanexado o lugar de Chãos.

C) A linha de demarcação invocada pela recorrente, que o tribunal julgou não provada, não encontra qualquer suporte no diploma legal que a instituiu nem na cartografia oficial ou em qualquer outro documento, pois a recorrente não carreou para os autos qualquer facto ou informação histórica, designadamente do processo legislativo que precedeu a publicação do DL 22593 de 29 de Maio de 1933 , a partir dos quais se percebesse a razão de ser da linha de demarcação por si pugnada.

D) Não se percebe o fundamento, a razão de ser, o porquê dessa linha de demarcação, que nem sequer encontra suporte na morfologia do território em disputa, pois que, quando invocou a existência de "aguas vertentes" , para localizar uma parte da linha de demarcação por si pretendida, foi desmentida pelos senhores peritos que no seu relatório disseram que não identificaram a existência desse elemento natural, assim não vislumbrando os sinais identificativos por si invocados (cruzes);

E) A referência da douta sentença a marcos é um manifesto erro de escrita do Tribunal recorrido, pois resulta do relatório pericial que os senhores peritos não se referiram a marcos, mas sim a cruzes e que o Tribunal quis dizer cruzes quando se referiu a marcos.

F) A recorrente não deu satisfação ao estatuído da alínea b) do n.° 1 do art.° 6850-B, do CPC de 1961 / 640º, n.° 1, alínea b), do CPC de 2013, indicando expressamente os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, devendo, por isso, o recurso ser liminarmente indeferido.

G) A conclusão da recorrente de que o tribunal deveria ter dado credibilidade ao depoimento das testemunhas por si arroladas, no que respeita á matéria relativa a linha de demarcação, pelo simples facto de lhes ter dado credibilidade quanto à questão dos lugares de Chãos e Sapinhos, não tem qualquer cabimento, pois, como resulta da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, sobre a matéria em questão (linha de demarcação) o Tribunal fundamentou a resposta negativa com o relatório pericial junto aos autos e quanto ao depoimento das testemunhas arroladas pela A. considerou que , " não resulta mais do que, como já evidenciamos, uma convicção pessoal, que por si só, não tem a virtualidade de demonstrar o que quer que seja. Com efeito, nenhuma das testemunhas arroladas pela A. revelou um conhecimento sério de uma linha concreta que, como evidenciamos, não é descrita em qualquer documento oficial, o que todas as testemunhas souberam dizer é que os lugares em causa pertencem a uma ou outra freguesia. Acresce que os Srs Peritos, que se deslocaram ao local, não identificaram a tal linha"

H) O facto de uma testemunha ter convencido o tribunal sobre determinado facto, não significa que o tenha de convencer relativamente a outros, pois que, quanto a uns, pode evidenciar uma razão de ciência e, e relativamente a outros, pode ficar-se apenas por uma mera opinião ou convicção pessoal que, como sabemos, não demonstra coisa alguma.

I) Não se verifica, assim, qualquer desconformidade da decisão da matéria com os meios de prova disponibilizados nos autos,

J) Sendo certo que só uma decisão de mérito pode julgar diferendos sobre a delimitação territorial ente freguesias, não é menos verdade que essa decisão de mérito não tem que obrigatoriamente definir uma linha de delimitação territorial, podendo o tribunal concluir pela sua inviabilidade como, de resto, se verificou nos presentes autos. Assim é o entendimento deste Tribunal no acórdão proferido no proceso 00347/04.7BEBRG de 09-10-2015, que considera que “Só uma decisão judicial de mérito – e não uma decisão formal que afaste a competência dos tribunais administrativos, como a presente – pode “julgar diferendos” e só através de uma decisão judicial de mérito se pode concluir pela “inviabilidade de fixação dos limites locais pelos tribunais”.

K) De qualquer modo, mesmo que o Tribunal tivesse de fixar, a tudo custo (que só por mera hipótese académica se concebe), nunca poderia subscrever a linha de delimitação pugnada pela recorrente, que na prática significaria a anexação de outros lugares da freguesia de Cantelães, concretamente, Silvares, Malhô e Berredo

L) A fixar-se uma linha de delimitação teria que ser a que se encontra definida na carta administrava de fls 373, que corresponde ao troço da EM 526, elaborada pela entidade competente (Instituto Geográfico e Cadastral que nos termos do DL 143/82, de 26 de Abril, tem a competência e os instrumentos necessários à elaboração da cartografia das circunscrições administrativas do território nacional), delimitação essa que poderá corresponder á interpretação dos limites antigos da freguesia de Cantelães ( resposta ao quesito 38º da base instrutória) da qual se concluiria que, tendo por base os elementos naturais (Rios e Ribeiros) que definiam os limites com o Mosteiro, o lugar de Sapinhos do Mosteiro não corresponde à área de território que a recorrente reivindica de Cantelães e que a intenção do legislador, ao desanexar o lugar de Chãos da freguesia de Cantelães, pretendeu conferir continuidade geográfica ao território da freguesia de Vieira do Minho, ligando o lugar de Rio ao lugar de Vila Seca (desanexados do Mosteiro), através do lugar de Chão (desanexado de Cantelães) através estrada EM 526, assim explicando o facto de na cartografia oficial, concretamente a carta oficial administrativa de Portugal de fls 373 dos autos, a linha limite dos territórios de A e R coincidir em toda a sua extensão com o troço dessa estrada.

Em conclusão, a douta decisão recorrida não viola nenhuma norma quer de direito substantivo quer de direito adjectivo, sendo portanto legal e justa porque espelha a verdade e a ela foi correctamente aplicada a lei.

NESTES termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado improcedente e, consequentemente, ser a douta decisão integralmente confirmada, via pela qual se alcançará
JUSTIÇA

*
O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado para efeitos do art.º 146º do CPTA, deu Parecer de provimento do recurso, entendendo, em síntese, que necessariamente teria de ser estabelecida demarcação colocando fim à controvérsia.
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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Os factos, que a decisão recorrida deu como provados:
1) A Freguesia de Vieira do Minho foi criada com as Povoações ou Lugares desanexados de outras duas Freguesias mais antigas - a Freguesia de Mosteiro e a Freguesia de Cantelães - tendo concorrido a Freguesia do Mosteiro com onze Lugares ou Povoações, entre eles Sapinhos e Vila Seca, e a Freguesia de Cantelães apenas com um, o Lugar dos Chãos (resposta ao quesito l da base instrutória).
2) Por razões que se prendem com a construção e instalação, ocorrida há cerca de 45 anos, de uma cabine de transformação elétrica no Lugar dos Chãos, este Lugar passou a ser, indiferenciadamente, denominado, pelas pessoas e até instituições, de Lugar dos Chãos ou Lugar da Cabine (resposta ao quesito 2° da base instrutória).
3) Pelo menos, parte das pessoas nascidas nos Lugares ou Povoações, atrás referidos, de Sapinhos, Vila Seca e Chãos ou Cabine, fazem constar no seu bilhete de identidade como sendo naturais da Freguesia de Vieira do Minho (resposta ao quesito 30 da base instrutória).
4) Pelo menos, parte dos prédios, urbanos e rústicos que compõem aqueles Lugares, estão inscritos na Repartição de Finanças de Vieira do Minho como estando situados na Freguesia de Vieira do Minho (resposta ao quesito 4° da base instrutória).
5) Alguns proprietários de prédios nos Lugares de Chãos e de Sapinhos que se encontravam inscritos na Repartição de Finanças como situados em Cantelães, apresentaram reclamações junto das Repartições de Finanças (resposta ao quesito 5° da base instrutória).
6) Através do processo de reclamação n° 2/93, o prédio rústico que havia sido inscrito pela freguesia de Cantelães sob o artigo 992 passou a ser inscrito pela freguesia de Vieira do Minho sob o artigo 995 (resposta ao quesito 6° da base instrutória).
7) Através do processo n° 5/93, o prédio rústico que havia sido inscrito pela freguesia de Cantelães sob o artigo passou a ser inscrito pela freguesia de Vieira do Minho 998 sob o artigo 996 (resposta ao quesito 7° da base instrutória).
8) Através do processo n° 7/94, o prédio rústico que havia sido inscrito pela freguesia de Cantelães sob o artigo 144 passou a ser inscrito pela freguesia de Vieira do Minho sob o artigo 1019 (resposta ao quesito 8° da base instrutória).
9) Através do processo n° 2/94, os prédios rústicos que haviam sido inscritos pela freguesia de Cantelães sob os n°s 396 e 98, passaram a ser inscritos pela freguesia de Vieira do Minho sob os artigos 1020 e 1021 (resposta ao quesito 9° da base instrutória).
10) Através do processo n° 9/95, o prédio rústico inscrito pela freguesia de Cantelães sob o artigo 1032, passou a ser inscrito pela freguesia de Vieira do Minho sob o artigo 1060 (resposta ao quesito 10° da base instrutória).
11) Mercê do requerimento n° 1195, de 18 de abril de 1997, o prédio rústico inscrito pela freguesia de Cantelães sob o artigo 1, passou a ser inscrito pela freguesia de Vieira do Minho sob o artigo 1053 (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
12) Por força do requerimento n° 2078 de 1 de julho de 1997, o prédio rústico inscrito pela freguesia de Cantelães sob o artigo 997, passou a ser inscrito pela freguesia de Vieira do Minho sob o artigo 1054 (resposta ao quesito 12° da base instrutória.
13) Dando razão ao requerente do requerimento n° 1580 de 27 de março de 1998, o prédio inscrito pela freguesia de Cantelães sob o artigo 137, passou a ser inscrito pela freguesia de Vieira do Minho sob o artigo 1068 (resposta ao quesito 130 da base instrutória).
14) Deferindo o requerimento n° 7585 de 14 de dezembro de 1999, o prédio rústico inscrito pela freguesia de Cantelães sob o artigo 2, passou a ser inscrito pela freguesia de Vieira do Minho sob o artigo 1080 (resposta ao quesito 14° da base instrutória).
15) Também por via do requerimento n° 1210 de 5 de março de 2003, o prédio que havia sido inscrito pela freguesia de Cantelães sob o artigo 994 passou a ser inscrito pela freguesia de Vieira do Minho sob o artigo 1099 (resposta ao quesito 15° da base instrutória).
16) Parte dos cidadãos residentes dos Lugares de Chãos ou Cabine e Sapinhos estão inscritos pelos cadernos eleitorais da freguesia de Vieira do Minho (resposta ao quesito 17° da base instrutória).
17) A R. colocou uma placa com os dizeres "Benvindo à Freguesia de Cantelães entre os Lugares de Sapinhos e Rio, junto à ponte que atravessa a Ribeira de Tabuaças (resposta aos quesitos 19°, 20° e 21° da base instrutória).
18) Segundo a A., o limite do território dos três lugares da freguesia de Vieira do Minho - Chãos ou Cabine, Sapinhos e Vila Seca - que partem ou confrontam com a freguesia de Cantelães, encontra-se traçado pela linha preta do levantamento topográfico constante de fls. 26 (resposta ao quesito 22° da base instrutória).
19) Na extrema do Lugar de Vila Seca, no sentido Este, existe um penedo com umas cruzes (resposta ao quesito 23° da base instrutória).
20) Pelo menos parte da população da freguesia de Cantelães, considera que os aglomerados urbanos de Sapinhos e de Chãos (ou Cabine) sempre pertenceram, desde tempos imemoriais à freguesia de Cantelães (resposta ao quesito 30° da base instrutória).
21) Ambas as Freguesias têm procurado exercer o poder nas povoações de Sapinhos e de Chãos (resposta ao quesito 32º da base instrutória).
22) Mesmo após 29 de maio de 1933, a Freguesia de Cantelães continuou a considerar que as povoações de Chãos e de Sapinhos lhe pertenciam (resposta ao quesito 37° da base instrutória).
23) De acordo com o Auto de Limites lavrado no dia 18 de julho de 1798, os limites e confrontações da freguesia de Cantelães com as circunvizinhas e na parte interessante com a do Mosteiro, a partir da qual foi criada a freguesia de Vieira do Minho, são as seguintes: « "Termo de demarcação de limites da freguesia de São João Batista do Mosteiro": Item principia a divisão no Ribeiro do Fornelinho entre Pisente e o Campo de Dona MLB e o Rio abaixo à Ponte do Rio, até embocar a entre ambos os rios cercando o campo que foi da Casa do Reguengo que hoje é de MSM da Casa de Botica de Brancelhe e vem pelo Rio acima que vem da Cabreira até o Ribeiro dos Cavaleiros e deixando o Rio pelo Ribeiro acima até à Poça de Vila Seca que está na Chã do lugar da Torre pelo parte do Norte direito da Silvares todo o Ribeiro acima até aos poçacos de Cima e Marco que se pôs no sítio das obeiras do Vidago na volta do Ribeiro de Malho parte de nascente ao Poente com um - C - ao poente, digo, o marco de Norte ao Sul e olho Nascente e na fraga da dita Poça se pôs outro - C - ao poente, e aqui finda a freguesia do Mosteiro e principia a de Santa Maria do Pinheiro. » (resposta ao quesito 38° da base instrutória).
24) Para norte do Ribeiro dos Cavaleiros fica o lugar de Silvares, Malho, Berredo , e, para sul do mesmo Ribeiro situa-se o lugar de Vila Seca, anteriormente do Mosteiro e atualmente de Vieira do Minho (resposta ao quesito 44° da base instrutória).
25) Pelo menos parte da população residente em Chãos e em Sapinhos, considera-se e sente-se como de Cantelães (resposta ao quesito 49° da base instrutória).
26) No que concerne a pedidos de licenciamento de obras particulares em Sapinhos ou em Chãos, a Câmara Municipal de Vieira do Minho consulta a Junta de Freguesia de Vieira de Minho ou de Cantelães consoante a freguesia que conste do respetivo documento (resposta ao quesito 51° da base instrutória).
27) As Escolas Preparatória Secundária de Vieira do Minho, edificadas no lugar de Chãos ou Cabine, nos seus documentos oficiais são identificados como domiciliados na freguesia de Cantelães (resposta ao quesito 52° da base instrutória).
28) Na organização do código postal do concelho de Vieira do Minho, os lugares de Cabine (Chãos) e de Sapinhos estão indicados com os números respetivamente: 4850 - 073 Cantelães e 4850 - 089 Cantelães (resposta ao quesito 53° da base instrutória).
29) A visita pascal nos lugares de Sapinhos e Chãos ou Cabine tem sido da responsabilidade do pároco de Cantelães (resposta ao quesito 55° da base instrutória).
30) A procissão da Senhora da Fé processa-se do seguinte modo: "No Sábado à noite, antes do primeiro Domingo de junho, a procissão sai da Igreja de Cantelães em direção à Igreja de Vieira do Minho sendo habitual que a comunidade de Vieira do Minho venha esperar o andor da Senhora da Fé junto da denominada Ponte de Sapinhos, percorrendo depois várias ruas da Vila até à Igreja Paroquial. No primeiro Domingo de junho, depois da Eucaristia da manhã celebrada na Igreja de Vieira do Minho, a procissão sai em direção ao Santuário da Senhora da Fé, com a representação de todas as paróquias do Arciprestado" (resposta ao quesito 58° da base instrutória).
31) Pelo menos os prédios identificados em 6) a 15) estão atualmente inscritos pela freguesia de Vieira do Minho e já estiveram inscritos pela freguesia de Cantelães (resposta ao quesito 61° da base instrutória).
32) Existe um "C" num penedo situado a nascente dos Penedos do Monte Castro (resposta ao quesito 68° da base instrutória).
33) Dos penedos encontrados no Monte Castro até aos depósitos de água não existem quaisquer águas vertentes que possam configurar um alinhamento (resposta ao quesito 70º da base instrutória).
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Do mérito da apelação:
I) – Nulidade.
Uma primeira crítica feita pela recorrente é de que tribunal “a quo” nunca poderia ter julgado a acção improcedente, antes sempre se impondo a fixação de uma linha divisória entre circunscrições; acentua que se estará perante uma acção de demarcação, e não de reivindicação, sendo essa a disciplina que resulta.
Conclui que existe nulidade da sentença, conforme “o artº 668, 1, alínea d) do CPCivil (DL n9 329-A, 12 de Dezembro ou art 615º do CpCivil em vigor aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho”.
Mas não tem razão.
Comportando a crítica feita uma nulidade da sentença, ou se mais se enquadrando numa violação ao art.º 8º, nº 1, do CC, certo é que o tribunal efectuou julgamento dando resposta ao que se lhe impunha decidir.
Se outra poderia e deveria dar, isso respeita a erro de julgamento.

II) – Impugnação fáctica.
Como se escreve no Ac. deste TCAN, de 22-10-2015, proc. nº 01369/04.3BEPRT «as competências dos Tribunais Centrais Administrativos em sede de intervenção na decisão da matéria de facto encontram-se reguladas, por força da remissão do artigo 140.º do CPTA, nos artigos 640.º e 662.º do CPC/2013, que acolheram um regime que, de um lado, assume a alteração da matéria de facto como função normal da 2.ª instância e, do outro, não permite recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas admite a possibilidade de revisão de “concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente” (v. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 2014, 130)».
Assim, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente: (i) sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e o concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; (ii) sob pena de imediata rejeição na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados (cfr., p. ex., Acs. deste TCAN, de 04-12-2015, proc. nº 00418/12.6BEPRT; de 18-12-2015, proc. nº 02209/08.0BEPRT; de 08-01-2016, proc. nº 00061/15.8BEMDL; de 05-02-2016, proc. nº 00339/15.0BELSB).
«O legislador exige que o recorrente seja meticuloso, incisivo e concernido na forma como impugna a decisão de facto, impondo-lhe a especificação dos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes e existentes no processo, que impõem decisão factual diversa, exigindo, também, que o tribunal de recurso seja meticuloso e consciencioso no momento em que procede à reapreciação da prova»Ac. do STJ, de 01-07-2014, proc. nº 1825/09.7TBSTS.P1.S1.
No caso em apreço, e como também a recorrida chama à atenção, a recorrente não terá cumprido adequadamente com tais ónus.
Ainda assim, pese a recorrente não colocar em clara enunciação expressa quais os pontos de facto em questão, facilmente se extrapola no conjunto das alegações de recurso o que, pelo menos e em essencial, atinge a crítica quanto ao que não foi dado como provado.
Respeita à definição de fonteiras no espaço territorial onde o conflito entre as partes se instalou, nas zonas dos Lugares de Chãos ou Cabine, Vila Seca e Sapinhos, tendo alegado a autora/recorrente que o limite do território desses três Lugares é o que consta, traçado a preto, no levantamento topográfico que junta como documento n.° 4 da p. i., que assim descreveu :
- na extrema do Lugar de Vila Seca, no sentido Este, parte de um penedo aí existente, com umas (duas) cruzes;
- alinha-se no sentido Norte até encontrar um outro penedo com cruzes já situado no monte de Castro;
- desse penedo segue-se, águas vertentes, pelo monte do Castro até ao depósito de águas de abastecimento público;
- do depósito da água segue a linha imaginária, ligeiramente fletida para Noroeste, pelas imediações e da parte de baixo do cemitério de Cantelães, até atingir um caminho público que desemboca junto da casa onde reside o Comandante dos Bombeiros Voluntários de Vieira do Minho, Comandante Ribeiro;
- desta casa, flete-se ligeiramente para sudoeste até atingir uma linha de água que desce, serpenteando, para sul, até atingir a Ribeira de Tabuaças.
Matéria levada a base instrutória, com resposta afirmativa apenas no que consta em 19) do elenco probatório supra.
Mas, seja como for, quer quanto a estes pontos, seja quanto a outros que participando do que é causa complexa lhe são instrumentais : ao imputar erro na apreciação da prova na base dos depoimentos testemunhais a recorrente demite cumprimento do ónus de impugnação ao omitir quais concretos momentos de gravação – que foi feita - que sustentem apoio.
Pelo que com imediata consequência de rejeição.
Nem poderá o juízo ser alterado com base noutros alicerçes probatórios, pois, confessadamente, não há prova documental que “imponha” solução diversa da atingida, nem também a recorrente ousa defender que o que promana de perícia lhe dê sustento.
A recorrente critica a decisão recorrida por ter reconhecido que “a povoação de Sapinhos e a povoação de Chãos (que, como se provou, passou a ser denominado por Lugar de Chãos ou Cabine) pertencem à freguesia de Vieira do Minho”, mas, no entanto e ainda asssim, não ter aí, nessas zonas, dado em prova essa delimitação, fixado linha divisória (se não a que vinha traçada a preto com doc. da p. i., a linha azul referida em relatório pericial).
Comporta duas questões : se disso foi feita prova, e se necessáriamente tinham que ser fixados limites.
Ao adiante se verá da segunda.
Quanto à prova feita, a proposição é a penas a de que aquelas referidas povoações pertencem à freguesia de Vieira do Minho, não a dos exactos limites; e debalde a recorrente busca alicerçe nos depoimentos prestados, por aí que fica rejeitada a impugnação.
Ainda a respeito da aquisição processual, no queixume que a recorrente faz quanto à falta de inspecção judicial ao local: a diligência foi objecto de expresso despacho de indeferimento em audiência de julgamento de 20/11/2014, não sendo objecto de apelação autónoma, e assim transitando; de qualquer forma sempre se dirá que o despacho fundamentou porque se não justificava essa diligência, não refutando agora a recorrente essas exactas razões; o que a recorrente entende é que por observação das últimas habitações das povoações poderia ficar definida delimitação; mas essa seria procurar explicação do «obscurus per obscurius».
III) – Impugnação de direito.
O tribunal “a quo” julgou a acção improcedente, absolvendo a ré.
Teve o seguinte discurso fundamentador:
(…)
A freguesia de Vieira do Minho foi criada pelo Decreto-lei n.° 22 593 de 29 de maio de 1933. Nos termos do art.° 3° deste diploma legal "é criada a freguesia de Voeira do Minho, composta da vila de Vieira do Minho, onde terá a sua sede, e das povoações da Ponte, Cuqueira, S. Roque, Portas, Azevedo, Sanguinhedo, Costa, Entre-Devesas, Rio, Sapinhos e Vila Seca, que serão desanexadas da freguesia de Mosteiro e da povoação dos Chãos, que será desanexada da freguesia de Cantelães, ambas do atual concelho de Vieira, distrito de Braga".
Não pode, portanto, admitir-se qualquer dissenso quanto ao seguinte: a povoação de Sapinhos e a povoação de Chãos (que, como se provou, passou a ser denominado por Lugar de Chãos ou Cabine) pertencem à freguesia de Vieira do Minho.
A lei (que não seja temporária) só deixa de vigorar se for revogada por outra lei (art.° 7º, n.° 1 do Código Civil). Por isso, o facto de existirem registos civis e prediais nos termos dos quais pessoas nascidas e prédios situados em Sapinhos e em Chãos constam como nascidas e situados numa ou noutra freguesia nenhuma relevância assume para a decisão desta causa.
O mesmo se diga em relação às inscrições nos cadernos eleitorais, à colocação de placas, a endereços postais, visitas pascais e procissões religiosas, a obras públicas, a atos de exercício de poder por banda de ambas as partes nos territórios em litígio e à própria vontade ou sentimento de pertença das gentes a uma ou a outra freguesia. Note-se, relativamente a este último aspeto, que o costume só constitui fonte de direito quando "a lei o determine" (art.º 3º, n.° 1 do Código Civil). E ainda que o nosso sistema jurídico admitisse (sendo certo que não admite) um costume derrogativo (desuetudo) ou seja, de um costume que conduzisse à caducidade de uma norma (a que se refere J. Batista Machado na sua Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1995, p.g, 161 e 165), jamais se poderia afirmar, desde logo, no caso sub judice, "a observância generalizada e uniforme, com certa duração, de determinada conduta em que está implícita uma norma" que constitui o primeiro elemento do costume enquanto fonte de direito consuetudinário, o denominado "corpus" (cfr. respostas restritivas aos quesitos 300 32° e 49°).
Como evidenciou o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 23 de junho de 2004 (processo n.° 107/04, publicado em www.dgsi.pt), a circunstância de as populações das freguesias aproveitarem as utilidades de uma parcela não legitima tal ocupação e utilização.
Em suma, não pode admitir-se, como parece evidenciar a R., que após a publicação do Decreto-Lei n.° 22 593, os seus limites se tenham mantido inalterados porque o contrário resulta da letra da lei.
Sucede que, apesar de tudo quanto supra se evidenciou, não se provou que a linha divisória das duas freguesias seja aquela que a A. defende nem qualquer outra (cfr. respostas negativas aos quesitos 24°, 25°, 26°, 27°, 28° e 29° e aos quesitos 40°, 41°, 42°, 43°, 45° e respetiva motivação).
Pelo que se terá de concluir pela improcedência da ação.
(…)”.

Não se acompanha a crítica de que o tribunal “a quo” nunca poderia ter julgado a acção improcedente, antes sempre se impondo a fixação de uma linha.
Se verdadeiramente se tratasse de uma acção de demarcação tal como ela se encontra disciplinada em termos civis, a recorrente teria razão, pois «Nos termos em que se encontra regulada a demarcação no art. 1354.º do CC – e uma vez verificados os pressupostos do exercício do respectivo direito – não há lugar à improcedência da acção, no sentido de desatender a pretensão de definir os limites dos prédios, devendo a mesma ser resolvida (i) pelos títulos de cada um dos proprietários; (ii) na sua impossibilidade, pela posse destes ou outros meios de prova; (iii) ou ainda dividindo a área em litígio por cada um em partes iguais.» - Ac. do STJ, de 10-12-2012, proc. nº 725/04.1TBSSB.L1.S1.
Mas não é esse aqui o fenómeno.
Não está aqui em causa o exercício de um direito potestativo privado, assente na titularidade do direito de propriedade, que faculta exigir aos proprietários dos prédios confinantes o respectivo concurso para a demarcação das estremas, visando-se, assim, a individualização da área ou extensão da superfície terrestre sobre a qual se exerce o direito de propriedade.
O objecto da presente acção respeita certamente a um elemento (território) que integra a própria estrutura da autarquia enquanto pessoa colectiva pública, mas não é por um “conflito entre prédios” que se caracteriza.
Não é possível extrapolar - sequer por analogia - mesma disciplina.
E, não conseguida a demonstração dos pontos topográficos que objectivavam o escopo de concretização do traçado de linha divisória, resta a improcedência ditada pela falta de prova do que era alicerce fáctico.
Efectivamente, «não basta que o facto seja afirmado para que o juiz haja de assentar sobre ele a sua decisão; é indispensável que se ache provado no processo, que esteja demonstrada a sua existência. Por isso, ao ónus da afirmação acresce o ónus da prova. Se o facto se prova, se o juiz chega a convencer-se da existência dele, tal circunstância aproveitará à parte que o pôs como base da sua pretensão (ação ou exceção); se não se prova, o evento aproveitará à parte contrária. Há, pois, um risco inerente à falta ou insuficiência de prova: o risco de a parte ver desatendido o seu pedido» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol 3º, 3ª edição, pág. 271/272).
E isto porque as regras do ónus da prova se reconduzem, afinal, a regras de decisão, porquanto tem o ónus da prova aquela parte contra a qual, na dúvida, o Juiz sentenciará, resolvendo, para o efeito, o «non liquet» num «liquet» desfavorável a essa parte (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 198).

*
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.

Porto, 8 de Abril de 2016.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins