Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00111/10.4BEMDL |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 12/15/2022 |
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Tribunal: | TAF de Mirandela |
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Relator: | Paula Moura Teixeira |
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Descritores: | IVA; MÉTODOS INDIRETOS; PRESSUPOSTOS; |
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Sumário: | I. Compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Bem como cabe à Administração Tributária o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições. II. Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO A Recorrente, AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, com sinais nos autos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou procedente a impugnação judicial, interposta por AA, da liquidação adicional de IVA dos anos de 2005 e 2006, por aplicação de métodos indiretos. A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…) 1. Por via da douta sentença, aqui recorrida, o mm.º juiz a quo decidiu anular as liquidações de I.V.A. por considerar que as mesmas enfermavam de erro nos respectivos pressupostos de facto, daí resultando uma errónea quantificação da matéria tributável. 2. As liquidações impugnadas foram consequência da avaliação indirecta da matéria colectável, com base nos fundamentos vertidos nos capítulos IV e V do relatório da inspecção tributária (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). 3. Contrariamente ao que resulta do entendimento veiculado na sentença recorrida, o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável mostrou-se plenamente justificado atentas as irregularidades e omissões detectadas na contabilidade do Impugnante, inviabilizadoras da comprovação directa e exacta da matéria tributável do mesmo. 4. Não logrou o Impugnante demonstrar – como se lhe impunha – que as correcções efectuadas padeceram de excesso na respectiva quantificação. 5. A fundamentação exposta no relatório de inspecção tributária, confirmada na decisão do director de finanças de ..., no âmbito do procedimento de revisão da matéria colectável, permite concluir que a A.T. observou o ónus da prova da verificação dos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos. 6. O meritíssimo juiz a quo fez uma errada valoração do thema probanduum, ao dar como provada factualidade (cf. nomeadamente, pontos 7 e 15 do probatório) contraditória nos seus próprios termos, e com base em depoimentos cujo teor se mostra inapto para infirmar os fundamentos em que assentou a tributação impugnada. 7. No entendimento da Recorrente, os erros apontados às liquidações impugnadas na douta sentença recorrida não têm correspondência com a factualidade ocorrida, razão pela qual deverá dito aresto ser revogado e substituído por outro que julgue a impugnação improcedente. 8. Ao anular as liquidações impugnadas com fundamento com vício (erro) de que as mesmas não padecem, incorreu o meritíssimo juiz a quo em erro de julgamento em matéria de facto e, reflexamente, de direito, determinantes da revogação da douta sentença e da decisão anulatória, dela constante. 9. Destarte, nos termos supra expostos e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deve ao presente recurso ser concedido integral provimento, e reafirmada a legalidade das liquidações impugnadas, assim se fazendo a acostumada Justiça. (…)” A Recorrida não apresentou contra-alegações O Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer referindo que a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser negado provimento ao recurso. Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF, dispensa-se os vistos do Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, submetendo-se à Conferência para julgamento. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, resume-se, em suma, em indagar da existência de erro de julgamento de facto e de direito quanto aos pressupostos da avaliação indireta e consequente errónea quantificação dos rendimentos do Impugnante/Recorrido. 3. JULGAMENTO DE FACTO Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “(…) 1. O Impugnante tem como actividade a viticultura (CAE 001210) - Fls. 55 do PA; 2. A sua contabilidade foi objecto de inspecção tributária de âmbito "Parcial/univalente para IVA e IRS", e incidiu nos anos de 2005 e 2006 - Fls. 39 e 41 do PA; 3. Dá-se aqui por reproduzido o Relatório de Inspecção, com o seguinte destaque: CAPITULO IV - MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDICIÁRIOS// 1. Da contabilidade foram retiradas as seguintes informações: //1.1 Aquisição de rolhas (11.000 em 2004 e 6.800 em 2005), garrafas (5.575 em 2005) e garrafões (432 em 2006), bem como o aluguer de 37 pipas na Casa do Douro evidenciam a produção e engarrafamento de vinho bem como o seu armazenamento. //1.2 Aquisição de 430 oliveiras em 2005 (...) que se destinam à produção de azeitona/azeite (...) No sentido de obtenção de dados adicionais foi oficiada esta empresa, P..., Lda. (...) tendo-se chegado à conclusão de que foi produzida a seguinte quantidade de azeite: // (...) 1374,45 litros (em 2005) e 969,43 litros (em 2006)// (...) 2. No sentido de averiguar a colheita e produção resultantes da actividade de viticultura, foram inquiridas, a Adega Cooperativa de ..., único cliente identificado e as instituições com as quais mantém relações, comerciais ou representativas, nomeadamente a Casa do Douro, o IVV e o IVDP, tendo-se chegado às seguintes conclusões://2.1 Em 2005 // (...) Pela análise dos quadros, verifica-se que nem toda a produção de vinho VQPRD, Regional e de Mesa foi canalizada/vendida para a Adega de ..., o que deixa em aberto, ou a sua venda para outros clientes ou a sua existência em stock, conforme resumo que segue: Totais pagos pela Adega Cooperativa de ...: 77.161; declarado como entregue na Adega Cooperativa de ...: 84.719; Diferenças: 7.558 (...)1/2.2 Em 2006 (...) // Totais pagos pela Adega Cooperativa de ...: 78.670; declarado como entregue na Adega Cooperativa de ...: 107.002; Diferenças: 25.390 // 2.3 De acordo com a declaração da Casa do Douro, o s.p tinha armazenado nas instalações sitas no armazém n.° ... (...) da propriedade daquela, à data de 31 de Dezembro de 2005 e 31 de Dezembro de 2006, 18.381 litros de vinho VQPRD, não tendo havido qualquer movimento nos referidos anos.//3. Uma vez que da contabilidade não constam quaisquer existências, nem variação de produção, há a necessidade de apurara a produção que não foi entregue a qualquer cooperativa, a qual existe conforme consta das declarações de colheita e produção atrás se reproduziram e dados recolhidos junto da Casa do Douro (...) bem como o Lagar de azeite P..., Lda (...) Assim teremos: Total de vinho em 2005: 23.558,00; em 2006: 40.890,00// Total de azeite em 2005: 1.344,45 litros; em 2006: 969,43 litros. (...) //CAPÍTULO V - Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos//1. Como não foram encontradas existências nas instalações do entreposto fiscal (...), à excepção dos 18.381 litros de vinho VQPRD (...), nem constam da contabilidade quaisquer existências (iniciais ou finais), consideram-se vendidas as produções de vinho e de azeite obtidas em cada ano de 2005 e 2005, cujos preços de venda foram obtidos por consulta à Adega de ... (...) e Lagar de Azeite de ... (...)//1.1 Em IR (valores em euros) Total de vendas omitidas em 2005 (vinho): 39.129,98; azeite: 4.466,98; Total: 43.596,18// Total de vendas omitidas em 2006 (vinho) 78.721,00; azeite: 2.908,30; Total: 81.629,30 (...)/n.2 Em IVA (valores em euros, a considerar no último trimestre de cada ano) : Total em falta em 2005: 4.918,85; Total em falta em 2006: 9.591,93"; 4. Em data não alegada o Impugnante foi notificada das liquidações adicionais de IVA em causa, e para pagar o montante de 22.696,86 € (4.° trimestre de 2005), 9.959,99 € (4.° trimestre de 2006), 2.027,17 € (juros compensatórios correspondentes ao 4.° trimestre de 2005) e 496,64 € (juros compensatórios referentes ao 4.° trimestre de 2006), conforme documentos 1 a 4 da PI; 5. Em 28/10/2009 o Impugnante deduziu reclamação graciosa - Fls. 3 a 99 do PA, que aqui se dão por reproduzidas (2ª numeração que efectivamente começa em "Procedimento de reclamação graciosa (...)"; 6. Em data não alegada a reclamação graciosa foi deferida parcialmente porque a AT anulou o valor exigido em 16.540,61 € de imposto e 1.477,32 € de juros compensatórios, referentes a IVA de 2005. - cfr. Fls 84 a 92 do PA; 7. O vinho em causa (ver facto n.° 3) não foi vendido; 8. Encontra-se nas instalações do Impugnante; 9. O Impugnante manifestou a vontade de mostrar à inspecção tributária o vinho que estava nas suas instalações; 10. Contudo os Inspectores não quiseram ir ao local onde o mesmo se encontrava armazenado, porque disseram confiar na palavra do Impugnante; 11. Em 2005 as uvas entregues na Adega Cooperativa de ... pelo Impugnante produziram 77.161 litros, que foram declarados - Fls. 97; 12. Nesse ano, na casa do Impugnante foram elaborados 21.819 quilos de uva, que produziram 16.000 litros, que foram declarados - Fls. 97; 13. Em 2006 as uvas entregues na Adega Cooperativa de ... pelo Impugnante produziram 81.612 litros, que foram declarados - Fls. 98; 14. Nesse ano, na casa do Impugnante foram elaborados 21.136 quilos de uva, que produziram 15.500 litros, que foram declarados - Fls. 98; 15. Os quantitativos de vinho remanescentes constantes da declaração de colheita e produção em 2005 e 2006 foram uma ficção criada pela Adega Cooperativa de ... nas contas do Impugnante, já que respeitam a outros produtores que efectivamente receberam o seu valor. 16. Aquelas quantidades de vinho a mais depositados nas instalações da Cooperativa fazem parte das contas de cada um dos associados, e não da conta do Impugnante - Fls. 97, 98: 17. O Impugnante não vendeu azeite; 18. O azeite destinou-se ao consumo doméstico e à confecção das refeições que os trabalhadores tomam durante o horário de trabalho, sendo certo que metade da produção ficou em stock; Para a prova destes factos fundamentei-me nos identificados documentos juntos aos autos e no depoimento das testemunhas, que, pela profissão que exercem e pelas funções que desempenham, demonstraram conhecer bem os factos a que foram inquiridas e mereceram-me credibilidade: BB, economista, que conhece o Impugnante há muitos anos; CC, engenheiro publicitário, que desenhou o logotipo da quinta propriedade do Impugnante, e demonstrou conhecimento presencial do facto a que foi inquirido (art.° 27 da PI do Processo 51/ 70.7BEMDL); DD, Director da Cooperativa ..., que demonstrou conhecer a prática usada nas adegas cooperativas relativa aos limites para a produção de vinho de cada produtor (art.ºs ... a 31 da PI do Proc. ...1/ 70.7BEMDL); EE, Director da Cooperativa de ... que, para além de confirmar o teor do documento n." ... da PI , respondeu aos factos dos artigos ....° a 32 da PI (ambos do Proc. ...1/ 70.7BEMDL), onde foi alegada a prática tida por essa Adega relativamente à produção de outros viticultores e à imputação nas contas do Impugnante, devido aos limites de produção de cada um dos produtores; FF, que demonstrou conhecer os factos a que foi inquirido (20, 22, 25 a 27, 34 e 35do Proc. ...1/ 70.7BEMDL) uma vez que, juntamente com a testemunha seguinte relativamente ao ano de 2006, foi ele que transportou as uvas da colheita do Impugnante para a Adega Cooperativa de ... em 2005 e 2006; GG que, conforme descrito, demonstrou conhecer os factos a que foi inquirido, designadamente porque sabia quantas pessoas fizeram a vindima do Impugnante (cerca de 90 pessoas) e o modo como operavam ("começavam numa ponta e acabavam noutra"); HH, contabilista da Impugnante e que respondeu quantos aos factos constantes dos artigos 16, 18 a 22, 24 a 26, ..., 29, 33 a 35, 37, 40 a 42 do Proc. ...1/ 70.7BEMDL. (…)”. Nota: Por lapso no texto refere-se o Processo 51/70.7BEMDL, quando se reporta ao Processo ...1/10.7BEMDL 4. JULGAMENTO DE DIREITO 4.1 A sentença recorrida julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), que resultou de correções por métodos indiretos à matéria tributável declarada relativamente aos anos de 2005 e 2006, emitidas na sequência de uma ação de inspeção realizada à contabilidade do Recorrido/ Impugnante. O Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela julgou procedente a impugnação judicial, no seguinte entendimento: “ (…)A AT considerou que o Impugnante tinha omitido vendas de vinho e de azeite conforme fez constar do Relatório (facto provado n.º3). Concluiu que tinha havido omissão de proveitos à contabilidade, não havendo possibilidade de quantificar directa e exatamente o lucro tributável, entendeu estarem reunidos as condições para recorrer aplicação de métodos indirectos. Contudo tais considerações não se verificaram, conforme ficou demonstrado nos factos n.ºs 7 a 18 do probatório. Existe erro nos pressupostos de facto quando o órgão administrativo se engana quanto aos factos com base nos quais prática o acto (Freitas do Amaral, curso de direito administrativo Vol II, pag. 399) Neste caso conclui-se que a AT fixou o lucro tributável em factos que não ocorreram, o que tem como consequência a quantificação errónea dos rendimentos da Impugnante que se refletiram no IVA a liquidar.. – art. 99 .º al.a) do CPPT” A Recorrente alega na conclusão n.º 6 que o tribunal a quo fez uma errada valoração do thema probanduum, ao dar como provada factualidade (cf. nomeadamente, pontos n.ºs 7 e 15 do probatório) contraditória nos seus próprios termos, e com base em depoimentos cujo teor se mostra inapto para infirmar os fundamentos em que assentou a tributação impugnada. Por força do disposto no nº 1 do artigo 627.º do CPC que “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos”. O recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos. Quer a alteração da matéria de facto ou errada apreciação e valoração da prova, pressupõe o erro do julgamento de facto, o qual ocorre quando, da confrontação dos meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o julgamento efetuado é desconforme com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto. O do art.º 655.º do CPC (atual artigo 607.º, n.º 5) ao consagrar o princípio da livre apreciação da prova estabelece como princípio orientador que o julgador não se encontra sujeito às regras rígidas da prova. No entanto, a atividade de valoração da prova não é arbitrária, estando vinculada à busca da verdade e limitada pelas regras da experiência comum e pelas restrições legais. Com efeito, o princípio da livre apreciação da prova concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração da prova produzida que deverá encontrar justificação na fundamentação lógica e racional, na sentença permitindo seu escrutínio quer pelas partes quer pelo tribunal de recurso. Segundo este princípio, e por força do art.º 655.º do CPC (atual artigo 607.º, n.º 5) CPC o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Por força do referido princípio, as provas são apreciadas livremente, de acordo com a convicção que geram no julgador acerca da existência de cada facto, ficando afastadas as situações de prova legal que se verifiquem, por força do disposto nos artigos 350.º, nº 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil, nomeadamente, da prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares quanto à materialidade das suas declarações e por presunções legais. Por isso se entende que o princípio da livre apreciação da prova e o princípio da imediação de algum modo limitam o reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, pelo que o controle do Tribunal de recurso deve restringir-se aos casos de erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais apontarem inequivocamente em sentido diverso. O erro deve ser demonstrado pelo Recorrente, delimitando o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera incorrer em erro e fundamentar as razões da sua discordância, especificando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes do processo que, no seu entender, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adotada pela decisão recorrida. Por força do artigo 685.º-B do CPC (atual art.º 640.º, nºs 1 e 2,) para que o TCA possa proceder alteração da matéria de facto, devem ser indicados os pontos de facto considerados incorretamente julgados, indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. No caso, de se tratar de prova testemunhal, através da indicação exata das passagens da gravação bem como as concretas questões de facto controvertidas, com indicação, no seu entender, de qual a decisão alternativa deve ser proferida pelo tribunal de recurso, em sede de reapreciação dos meios de prova, relevantes, não sendo permitidos recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto. Pese embora a Recorrente na conclusão n.º 6.º das alegações refira que o tribunal a quo fez uma errada valoração ao dar como provada a factualidade, contidos nos pontos n.ºs 7.º e 15.º do probatório, contraditória nos seus próprios termos, e com base em depoimentos cujo teor se mostra inapto para infirmar os fundamentos em que assentou a tributação impugnada, não é suficiente para dar cumprimento ao artigo 685.º-B do CPC. Analisadas as motivações de recurso dela resulta uma narrativa de inconformismo com o julgamento de facto, no entanto não se apoia em meios de provas em que o tribunal se baseou para chegar aquele julgamento, nem mesmo refere quais os meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação realizada, que impunham uma decisão diversa daquela que consta da sentença. Em síntese, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe um ónus de alegação rigoroso, que não se confunde com a manifestação de inconformismo com tal decisão, e cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, 2.ª edição, Almedina, pp. 134-135.) No presente recurso a Recorrente ao colocar em causa a decisão sobre a matéria de facto, impunha-se que, desse cumprimento ao artigo 685.º-A do CPC, para além de referir os concretos pontos da matéria de facto que considerava incorretamente julgados, e os meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação realizada, que impunham uma decisão diversa daquela que consta da sentença, o que não fez. Com efeito, não obstante, alegar ter ocorrido errada apreciação e valoração da prova, a Recorrente não identifica os erros concretos de que padece a sentença nesse âmbito, não dizendo o que, concretamente, de errado se fez na apreciação da prova, de molde a que este tribunal avalie do acerto ou não do julgamento de facto. Nesta conformidade, improcede a pretensão da Recorrente. Por fim, a questão principal que importa conhecer, face às conclusões é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar não verificados os pressupostos de facto para o recurso a métodos diretos. O n.º 1 do art.º 75.º do Lei Geral Tributária (LGT) determina que “Presumem-se verdadeiras de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizada de acordo com a lei comercial e fiscal.” Determina o n.º 2 do mesmo preceito que tal presunção não se verifica no caso de a contabilidade revelar omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo. Assim, o artigo 75.º da LGT consagra o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei fiscal e comercial. Esta presunção vincula a administração fiscal à realização da liquidação com base nas declarações dos contribuintes, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, ao controlo dos factos declarados. Por sua vez o n.º4 do art.º 77.º da LGT, na redação aplicável, preceitua que “ A decisão da tributação por métodos indiretos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exatas da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade base científica, ou fará a descrição dos bens …., e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.” Assim, o n. º 4 do art.º 77.º da LGT obriga a Administração quando recorre à tributação por métodos indiretos, nos casos e com os fundamentos previstos na lei, a especificar os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicar os critérios utilizados na sua determinação. Compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Bem como cabe à Administração Tributária o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições. Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação. Da análise do relatório de inspeção, - factualidade vertida no ponto n.º 3.º, e nos Capítulos IV e V do RIT-, consta que da contabilidade do Impugnante/Recorrido foram retiradas as seguintes informações: - A aquisição de rolhas, garrafas, garrafões e o aluguer de 37 pipas na Casa do Douro, evidenciam a produção e engarrafamento de vinho e o seu armazenamento; - A aquisição de oliveiras para produção de azeite, (430) em 2005, que se destinam à produção de azeitona/azeite, tendo concluído que foram produzidos em 2005 1374,45 litros e em 2006 969,43 litros, conforme quadro constante do ponto 1.2 do capítulo IV do RIT; - Com base na declaração de colheita e produção, no IVV/IVPD relativa ao ano de 2005, apuraram que consta uvas transformadas pelo Impugnante 17 728 Kg uvas brancas e 4 091 Kg uvas tintas, declarados como entregues à Adega Cooperativa de ... 106 245 Kg uvas brancas e 9 281 Kg uvas tintas. Concluíram que nem toda a produção de vinho VQPRD, Regional e de Mesa foi canalizado para a Adega Cooperativa de ..., o que deixa em aberto a venda para outros clientes ou a existência em stock, uma diferença de 7 558 litros; - Na declaração de colheita e produção, no IVV/IVPD relativa ao ano de 2006, consta uvas transformadas pelo Impugnante 17 045 Kg uvas brancas e 4 091 Kg uvas tintas, declarados como entregues à Adega Cooperativa de ... 104 397 Kg uvas brancas e 41 515 Kg uvas tintas. Concluíram que nem toda a produção de vinho VQPRD, Regional e de Mesa foi canalizado para a Adega Cooperativa de ..., o que deixa em aberto a venda para outros clientes ou a existência em stock, uma diferença de 25 390 litros; Concluíram que as divergência acima identificadas, indiciam a venda para outros clientes que não a Adega Cooperativa de ..., considerando que as existências finais em 31 de dezembro de 2005 e 31 de dezembro de 2006, constantes da contabilidade do Impugnante, eram apenas de 18381 litros, os quais se encontravam armazenados nas instalações da Casa do Douro – Armazém n.º ... sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ....; e, - Em 10 de setembro de 2007, no varejo efetuado, pela Delegação Aduaneira de ..., não foram encontradas existências, no interposto do fiscal do Recorrido, dos anos de 2005 e 2006, com exceção de 18381 litros de vinho. Concluiu-se no Relatório que não constando da contabilidade do sujeito passivo quaisquer outras existências, designadamente de azeite e de vinho respeitantes às diferenças elencadas supra, pelo que consideram vendidas as respetivas produções. Perante estes pressupostos como supra se disse, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação. Resulta da matéria de facto provada e não impugnada, relativamente à produção de azeite que Impugnante/Recorrido não vendeu azeite, o qual se destinou ao consumo doméstico e à confeção das refeições que os trabalhadores tomam durante o horário de trabalho, e que metade da produção ficou em stock. No que concerne ao vinho, este não foi vendido, encontrando-se nas instalações do Impugnante, em stock. Em 2005 as uvas entregues na Adega Cooperativa de ... pelo Impugnante produziram 77.161 litros, que foram declarados. Nesse ano, na casa do Impugnante foram elaborados 21.819 quilos de uva, que produziram 16.000 litros, que foram declarados. Em 2006 as uvas entregues na Adega Cooperativa de ... pelo Impugnante produziram 81.612 litros, que foram declarados. Nesse ano, na casa do Impugnante foram elaborados 21.136 quilos de uva, que produziram 15.500 litros, que foram declarados. As divergências relativas aos quantitativos de vinho remanescentes constantes da declaração de colheita e produção em 2005 e 2006 foram uma ficção criada pela Adega Cooperativa de ... nas contas do Impugnante/Recorrido, já que respeitam a outros produtores que efetivamente receberam o seu valor. E que aquela quantidade de vinho a mais depositado nas instalações da Cooperativa fazem parte das contas de cada um dos associados, e não da conta do Impugnante. Na motivação da matéria de facto, refere-se que foi ouvido, em depoimento de testemunha, EE, Diretor da Cooperativa de ... que, para além de confirmar o teor do documento n.º 7 da PI, onde confirmou a prática tida por essa Adega relativamente à produção de outros viticultores e à imputação nas contas do Impugnante/Recorrido, devido aos limites de produção de cada um dos produtores. Aqui chegados concluímos que os pressupostos facto para o recurso a métodos indiretos constantes no RIT são frágeis e não estando devidamente sustentados. Relativamente à produção de azeite, sustentam uma pseuda produção na compra de 430 pés de oliveira, em 2005 e na existência de fatura de Lagar de Azeite de ..., no valor de € 650, retirado da pasta do primeiro semestre de 2005, sendo de conhecimento público que entre a compra/plantação de oliveira e a produção de azeitona, não ocorrera no mesmo ano e dificilmente no ano seguinte. No que concerne, à produção do vinho, limita-se a considerações de ordem genéricas, com base na declaração de colheita e produção, no IVV/IVPD relativa ao ano de 2005 e 2006, a partir da qual foram feitos cálculos e presunções para concluir pela omissão de vendas. Nesta conformidade, tendo o Impugnante/Recorrido demonstrado que aqueles pressupostos de facto não se verificam bem andou a sentença recorrida ao anular as liquidações de IVA, influenciadas pelo apuramento da matéria coletável, por métodos indiretos. Face ao supra decidido, mantem-se a sentença recorrida embora com fundamentação diversa. 4.2. E assim formulamos as seguintes conclusões/Sumário: I. Compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Bem como cabe à Administração Tributária o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições. II. Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação. 5. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso mantendo-se a sentença na ordem jurídica, embora com fundamentação diversa. Custas pela Recorrente nos termos do art.º 527.º do CPC. Porto, 15 de dezembro de 2022 Paula Maria Dias de Moura Teixeira Maria da Conceição Soares Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes |