Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02344/14.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/29/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; NULIDADE; FALTA DE ELEMENTO ESSENCIAL; VIOLAÇÃO DO CONTEÚDO DE UM DIREITO FUNDAMENTAL; ANULABILIDADE;
ARTIGO 133º, Nº 1, E Nº. 2 ALÍNEA D) DO CPA DE 1991 [ALÍNEAS D) E G) DO N.º 2 DO ARTIGO 161º DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE 2015]; ARTIGO 58º DO C.P.T.A.
Sumário:
I- O dever de fundamentação, por regra, como preterição de um direito instrumental, gera a mera anulabilidade; só gera a nulidade, nos termos do disposto no nº. 1 e alínea f) do n.º 2 do artigo 133º do Código de Procedimento Administrativo [de 1991; nº.1 e alínea g) do n.º 2 do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo de 2015] se a fundamentação assumir, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do nº1 do artigo 133º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental.
II- A fundamentação dos atos só pode ser considerada como um elemento essencial do ato administrativo se, em concreto, servir para a defesa de um direito fundamental;
III- O direito a uma fundamentação dos atos administrativos não é de modo algum um direito fundamental, nem decorre da lei ordinária um especial dever de fundamentar os atos administrativos, a ponto de se entender que tal dever representa a garantia única ou essencial de salvaguardar um valor fundamental.
IV- A falta de fundamentação do ato impugnado não põe em causa o direito da Recorrente a obter emprego, nem a mantê-lo, pelo que jamais terá a virtualidade de contender com o núcleo essencial do direito fundamental ao emprego [em qualquer das suas vertentes] previsto no artigo 53º da CRP, sendo, por isso, inidóneo a gerar a nulidade do ato ora impugnado. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:SCNR
Recorrido 1:MH - EMPRESA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO, EM
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
SCNR, devidamente identificada nos autos, vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante T.A.F. do Porto], de 09.12.2015, proferido no âmbito da ação administrativa especial que a Recorrente intentou contra MH - EMPRESA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO, EM, que indeferiu a Reclamação para a Conferência do despacho saneador prolatado a 26.06.2015, que julgou verificada a exceção de caducidade do direito de ação, e, consequentemente, absolveu a Ré da instância.
Em alegações, a Recorrente apresentou alegações, onde conclui nos seguintes termos, que delimitam o objeto do recurso:
“(…)
- A Autora no âmbito da Medida Estágios Emprego, celebrou um Contrato de Estágio com a Ré;
- A Ré comunicou á Autora a cessação do referido contrato de estágio por violação da sua alínea b) do art.° 4, não resultando da mesma qualquer fundamentação que justificasse a denúncia do referido contrato;
- Isto, apesar de decorrer do contrato de estágio, na sua cláusula 9ª n.° 4, que da denúncia do mesmo deve constar o motivo da mesma;
- O fundamento permite compreender porque determinada decisão foi ditada num determinado sentido, permitindo assegurar o direito de defesa do destinatário e no caso a defesa da manutenção do seu trabalho;
- A falta de fundamentação, no caso, é condição indispensável da realização da garantia dos direitos fundamentais da Autora;
- A falta de fundamentação na denúncia de um contrato de trabalho/estágio é elemento, essencial do ato. (…)”
*
Notificada que foi para o efeito, a Recorrida rematou a correspondente motivação com as seguintes conclusões:
“(…)
I. É jurisprudência pacífica que a aqui invocada violação de dever de fundamentação é uma causa de anulabilidade do ato administrativo, e não nulidade
II. No caso em apreço está aqui em causa o direito a obter emprego, nem o direito a mantê-lo.
III. O contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida não era contrato de trabalho, mas um mero contrato de estágio dotando os jovens de uma experiência prática em contexto de trabalho com o objetivo de promover a inserção no mercado de trabalho não podendo consistir na ocupação de postos de trabalho;
IV. No que respeita à alegada violação do direito ao trabalho, do direito ao bom nome, do direito à reputação, do direito ã imagem, há uma mera afirmação genérica, sem indicação das específicas razoes que a demonstrem, serio que a recorrente tem o ónus de alegar os factos concretos integradores dos vícios que invoca, ficando pois o Tribunal impossibilitado de os conhecer por carência de causa de pedir
V. O conteúdo essencial de um direito fundamental visado no art. 133° CPA reporta-se ao núcleo duro de um DLG (ou à ofensa chocante e grave de um principia estruturante do Estado de Direito ou de outro direito fundamental suficientemente densificado na Lei ordinária) o que não se verifica no caso em apreço pelo que
VI. Não está em causa a violação de qualquer direito fundamental, já que o ato administrativo impugnado não afetou qualquer direito;
VII. O ato em crise é meramente anulável pelo que a Ação administrativa havia sido interposta nos 3 meses a contar da notificação à A. do ato em crise que ocorreu em 10 de fevereiro de 2014 (cfr. dispõe o CPTA no nº. 3 do art. 58º), ou seja, até 20 de junho de 2014, o que não sucedeu
Nestes termos, e pelo muito que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, mui doutamente suprirão, deverá O douto acórdão recorrido ser mantidos na íntegra, fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA (…)”.
*
O Contra-Interessado IEFP, I.P., também contra-alegou, tendo concluído nos seguintes termos:
(…)
1- Contrariamente ao alegado pela Recorrente, o ato administrativo impugnado é meramente anulável;
2. - O Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 594/2008, publicado no Diário da República, n.° 17, II.ª série, parte D, de 26 de janeiro de 2009, páginas 3676 a 3682, não julga inconstitucional a interpretação dos artigos 123.°, n.° 1, alínea d), 124.°, n.° 1, alínea a), e 133.°, n.°s 1 e 2, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo, no sentido de não ser a fundamentação dos atos administrativos que afetem direitos e interesses legalmente protegidos elemento essencial desses atos e direito fundamental dos cidadãos, cuja violação determina a nulidade de tais atos;
3. - “Assim sendo, bem poderá, em princípio, o legislador ordinário, na sua discricionariedade constitutiva, sancionar a falta de fundamentação, apenas, com a anulabilidade, erigida a sanção-regra (artigo 135.° do CPA), e não com a nulidade, assumida, legislativamente, como sanção específica (artigo 133.° do CPA), bem como subordiná-las a diferentes prazos de arguição”;
4. - Não está em causa a violação de qualquer direito fundamental, já que o ato administrativo impugnado não afetou qualquer direito;
5. - O contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida não era contrato de trabalho não estando, por conseguinte, em causa a violação do direito ao trabalho, quanto mais o seu núcleo ou conteúdo essencial;
6. - Em conformidade com o n.° 2 do artigo 1.° da PORTARIA N.° 204-B/2013, de 18 de junho, “para efeitos da presente portaria, entende-se por estágio o desenvolvimento de uma experiência prática em contexto de trabalho com o objetivo de promover a inserção de jovens no mercado de trabalho ou a reconversão profissional de desempregados, não podendo consistir na ocupação de postos de trabalho”;
7. - Ora, se o desenvolvimento de um estágio não pode consistir na ocupação de posto de trabalho, não poderá sequer ser celebrado qualquer contrato de trabalho por falta de objeto;
8. - A medida Estágios Emprego, bem como o correspondente contrato de estágio, não prevê a obrigação de prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, mediante retribuição;
9.- O estagiário beneficia de uma Bolsa de estágio mensal, consignada na alínea a) do n.° 1 do artigo 11.° da PORTARIA N.° 204-B/2013, de 18 de junho, e prevista igualmente na alínea a) da cláusula 3.a do contrato de estágio da Recorrente;
10. - Contrariamente ao alegado pela Recorrente, com o referido ato a Recorrida não inviabilizou a sua candidatura a qualquer outra medida de estágio;
11. - Recorde-se que, em 2 de setembro de 2014, após uma cuidadosa avaliação da situação, entendeu o Centro de Emprego de Matosinhos que a Recorrente não deveria ser prejudicada no acesso a um novo estágio ou qualquer outra medida de emprego, desde que para tal preenchesse os respetivos requisitos;
12. - Não obstante a cessação do estágio, o Recorrido, IEFP, I. P., sempre se mostrou disponível para integrar a Recorrente em qualquer medida de emprego;
13. - No que tange à alegada violação do direito ao trabalho, do direito ao bom nome, do direito à reputação, do direito à imagem, do direito à segurança no emprego e do princípio da igualdade, nenhuma destas violações se encontra demonstrada;
14. - Não basta enunciar os direitos e princípios violados, é mister que se prove tal violação. Se assim não fosse seria fácil criar um catálogo de direitos e princípios e inseri-lo em qualquer articulado para que a violação se tivesse por verificada;
15. - Neste sentido se pronunciou Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de janeiro de 2005, proferido no Processo n.° 05317/01, disponível para consulta in www.dgsi.pt, ao salientar que “o recorrente tem o ónus de alegar os factos integradores dos vícios que invoca, pelo que se se limitar a arguir vícios pelo seu "nomem juris", sem alegação dos factos que os consubstanciam, o Tribunal fica impossibilitado de os conhecer”;
16. - O ato impugnado não tem a virtualidade de ofender o conteúdo essencial do direito fundamental ao trabalho da Recorrente (artigos 58.° e 59.°/1 CRP) e do princípio fundamental da igualdade (artigo 13.° CRP);
17. - A presente ação administrativa especial devia ter sido proposta no prazo de três meses a contar da notificação à Recorrente do ato (artigos 58.°/2/b) e 59.°/1 CPTA), sob pena de caducidade do direito de ação quanto ao mesmo (artigo 89.°/1/ h) CPTA);
18. - Ad summam, não há qualquer ofensa chocante e grave de um princípio estruturante do Estado de Direito ou de outro direito fundamental suficientemente densificado na lei ordinária;
19. - Pelo que, estando apenas invocados factos integráveis em ilegalidades com o desvalor jurídico da anulabilidade, a ação não poderia ser deduzida a todo o tempo, mas apenas dentro do prazo de 3 meses, sendo, por isso, extemporânea.
Nestes termos, e pelo muito que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, mui doutamente suprirão, deverá o douto acórdão recorrido ser mantidos na íntegra, fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA! (…)”.
*
O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, que, todavia, não vincula este Tribunal Superior [cfr. artigo 641º, nº. 5 do CPC].
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O Ministério Público neste Tribunal emitiu o parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se o acórdão recorrido errou no julgamento de direito quanto à decidida caducidade do direito de ação, por violação do artigo 133º, nº. 2, alínea d) [atual 161º, alínea d)] do CPA e do artigo 53º da CRP.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O Tribunal a quo não fixou factos, em face do que aqui se impõe estabelecer a matéria factual mais relevante à decisão a proferir:
A) A Autora/Recorrente, no âmbito da Medida Estágios Emprego, celebrou um Contrato de Estágio com a Ré/Recorrida [acordo];
B) Em 10.02.2014, a Ré/Recorrida comunicou à Autora/Recorrente a cessação do referido contrato por violação da sua alínea b) do artigo 4º [acordo];
C) A presente ação deu entrada neste Tribunal em 01.10.2014 [cfr. fls. 2 e ss. do processo físico].
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III.2 - DO DIREITO
Cumpre decidir, sendo que a única questão que se mostra controversa e objeto do presente recurso jurisdicional consiste em saber se o acórdão recorrido errou no julgamento de direito quanto à decidida caducidade do direito de ação, por violação do artigo 133º, nº. 2, alínea d) [atual 161º, alínea d)] do CPA e do artigo 53º da CRP.
Vejamos, convocando, desde já, para facilidade de análise, no que ao direito concerne, o que discorreu na 1ª instância:
“(…)
Nos termos explanados na sentença reclamada, que a seguir reproduzimos, entendemos que se procedeu ao único legal enquadramento dos factos no direito, pelo que não podem aceitar-se as razões invocadas pela Reclamante.
Como reconhece a A. no art.° 2° da petição inicial, a mesma foi notificada do ato impugnado no dia 10 de fevereiro de 2014.
Ao contrário do que entende a A., os vícios que imputa ao ato impugnado (falta de fundamentação e violação do n.° 4 da clausula 9.a do contrato de estágio e do direito fundamental “à defesa e ao trabalho”) não geram nulidade.
A violação do dever de fundamentação apenas gerará nulidade naquelas “situações especiais em que a falta de fundamentação assume, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do n°1 do artigo 133° do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133° n°2 alínea d) do CPA]. Tal acontecerá sempre que, para além da imposição genérica da fundamentação, a lei prescrever, em casos determinados, uma declaração dos fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela representa a garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da juricidade, ou então da realização do interesse público específico servido pelo ato fundamentando ou quando se trate de atos administrativos que toquem o núcleo da esfera normativa protegida (pelos direitos, liberdades e garantias fundamentai) e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma proteção efetiva do direito liberdade e garantia” (José Carlos Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos, 1991, página 293). Neste sentido veja-se v.g. o acórdão do Tribunal Constitucional n.° 594/08, n.°111/07 e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 9 de junho de 2010 — proc. 00007/09.2, publicado em www.dgsi.pt.
Por outra banda, a violação do prazo de denúncia também só geraria a anulação do ato e não está em causa o conteúdo essencial de qualquer direito fundamental.
Em suma, não estamos perante qualquer situação que consubstancie ilegalidade expressamente cominada na lei ordinária com a sanção mais gravosa da nulidade, razão pela qual a preterição de fundamentação e demais vícios invocados nos autos apenas seria suscetível de levar à anulação do ato impugnado.
Concluímos portanto que a anulabilidade é a única forma de invalidade a que poderia conduzir a verificação dos vícios invocados.
O prazo de impugnação do ato era de três meses, nos termos do art.° 58°, n.° 2, alínea b) do CPTA
A Autora foi notificada do ato impugnado no dia 10 de fevereiro de 2014 (como reconhece no art.° 2° da petição inicial).
Considerando que o prazo abrange o período de férias judiciais (de 13 a 21 de abril), o mesmo converteu-se em 90 dias, para efeitos de suspensão durante esse período - imposta pelo art.° 138°, n.° 1 do CPC, aplicável por força do art.° 58°, n.° 3 do CPTA (cfr. v.g acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 23.09.2011 — processo 00089/10.4 e do Tribunal Central Administrativo Sul de 19.06.2008 — processo 03511/98, ambos publicados em www.dgsi.pt).
Assim sendo, o prazo terminou no dia 20 de junho de 2014.
Tendo sido a presente ação intentada no dia 1 de outubro de 2014, o ato administrativo em causa consolidou-se.
E, assim sendo, o direito de ação caducou.
Conclui-se, portanto, que procede a caducidade do direito de ação, impondo-se a absolvição da instância do R., nos termos do art.° 89°, n.° 1, alínea h) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Em suma, a sentença reclamada, cujo conteúdo se reiterou na íntegra, não violou qualquer disposição legal, tendo procedido a um julgamento acertado da causa pelo que se impõe o indeferimento da presente reclamação.
Em face do exposto, decide-se, em conferência, indeferir a reclamação apresentada e, consequentemente, manter a decisão reclamada.
(…)”
Deste Acórdão discorda a Recorrente, que lhe imputa erro de julgamento de direito, que substancia com base no entendimento de que a falta de fundamentação inquina o ato de nulidade, por falta de um elemento essencial, nos termos do disposto no nº.1 do artigo 133º do CPA; e/ou por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, como seja, o direito ao emprego previsto no artigo 53º da C.R.P.
Mas sem razão, como veremos.
Na verdade, o dever de fundamentação, por regra, como preterição de um direito instrumental, gera a mera anulabilidade; só gera a nulidade, nos termos do disposto no nº.1 e alínea f) do n.º 2 do artigo 133º do Código de Procedimento Administrativo [de 1991; alíneas d) e g) do n.º 2 do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo de 2015] se a fundamentação assumir, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do nº1 do artigo 133º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133º nº2 alínea d) do CPA].
Neste sentido, pode ver-se, de entre outros, os seguintes Acórdãos:
- do Tribunal Constitucional, de 10.12.2008, tirado no Processo nº. 1111/07, disponível em www.tribunalconstitucional.pt: “[…] Ora, o direito de ação ou de recurso contencioso tem por conteúdo a garantia da possibilidade do acesso aos tribunais para a defesa desses direitos e interesses legalmente protegidos, afetados ou violados por atos administrativos. A fundamentação, apenas, propicia, na perspetiva de um eventual exercício desse direito ou garantia fundamental e da sua efetividade, a obtenção do material de facto e de direito cujo conhecimento poderá facilitar ao administrado, de modo mais ou menos determinante e decisivo, a interposição da concreta ação e o seu êxito, através da qual se pretende obter a tutela dos concretos direitos ou interesses legalmente protegidos cuja ofensa é imputada ao concreto ato e deliberação. Por mor da sujeição da administração ao princípio da legalidade administrativa e através desse instituto, o cidadão terá à mão, porventura, mais facilmente do que acontece nas relações privadas, onde lhe caberá desenvolver a atividade investigatória que tenha por pertinente, os elementos de facto e de direito com bases nos quais se pode determinar, pelo recurso aos tribunais, configurar os concretos termos da causa e apetrechar-se dos meios de prova, para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. O dever de fundamentação não tem, pois, uma relação de necessidade com o direito de acesso aos tribunais, existindo este sem aquele. Nesta perspetiva, pode concluir-se que o dever de fundamentação não constitui uma condição indispensável da realização ou garantia do direito fundamental de recurso contencioso contra atos administrativos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados. […] Estabelecendo, embora, o dever da fundamentação, a referida norma constitucional não fixa, todavia, as consequências do seu incumprimento. Como diz José Carlos Vieira de Andrade, caberá, por isso, à lei ordinária esclarecer, por exemplo, se o vício é [ou é sempre] causa de invalidade do ato administrativo, que tipo de invalidade lhe corresponderá, bem como em que condições serão admissíveis a sanação do vício ou o aproveitamento do ato. Assim sendo, bem poderá, em princípio, o legislador ordinário, na sua discricionariedade constitutiva, sancionar a falta de fundamentação, apenas, com a anulabilidade, erigida a sanção-regra [artigo 135º do CPA], e não com a nulidade, assumida, legislativamente, como sanção específica [artigo 133º do CPA], bem como subordiná-las a diferentes prazos de arguição. E, dizemos em princípio, porque a violação da ordem jurídica pode ser de tal gravidade que, para se manter o essencial da força jurídica da garantia institucional constitucional do dever de fundamentação, tenha a sanção para a sua falta de constituir na nulidade. Serão situações especiais em que a falta de fundamentação assume, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do nº1 do artigo 133º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133º nº2 alínea d) do CPA]. Tal acontecerá sempre que, para além da imposição genérica da fundamentação, a lei prescrever, em casos determinados, uma declaração dos fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela representa a garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da juricidade, ou então da realização do interesse público específico servido pelo ato fundamentando ou quando se trate de atos administrativos que toquem o núcleo da esfera normativa protegida [pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais] e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma proteção efetiva do direito liberdade e garantia [José Carlos Vieira de Andrade, obra citada, página 293]. […]”
- do Supremo Tribunal Administrativo de 26.09.2002, no processo 0360/02: “Este Supremo Tribunal tem, reiteradamente, decidido que a falta de fundamentação, consiste num vício de forma que não é gerador de nulidade mas de mera anulabilidade. Vejam-se neste sentido e a título meramente indicativo os Acórdãos da Secção, de 30/11/1995, no recurso n° 35.872, de 21/3/2002, no recurso n° 221/02 e do Pleno de 8/10/1998, no recurso 34.722, que veio reforçar aquela linha jurisprudencial de que não se vislumbram agora razões para divergir. Como se pode ler no primeiro daqueles Acórdãos, "Com efeito, nem todos os elementos do ato administrativo enumerados no n° 2 do artigo 123° do Código do Procedimento Administrativo constituem elementos essenciais do ato para efeitos do disposto no n° 1 do artº 133° do mesmo diploma, sendo entendimento dominante que a falta de fundamentação é geradora de mera anulabilidade. A história dos preceitos confirma este entendimento: na 2ª versão (1982) do Projeto do então chamado Código do Processo Administrativo Gracioso, após se estabelecer a regra de que eram nulos os atos a que faltasse qualquer dos seus elementos essenciais (n° 1 do artigo 174º), também se cominava a nulidade para os atos que carecessem em absoluto da fundamentação legalmente exigida (alínea f) do n° 2 do mesmo artigo), o que implicava que a fundamentação não era considerada elemento essencial do ato; na versão definitiva do Código, retirou-se do elenco do n° 2 do correspondente artº 133° a menção aos atos que carecessem em absoluto da fundamentação legalmente exigível, “pois a sanção adequada para eles não é a nulidade, mas a anulabilidade” (DIOGO FREITAS DO AMARAL e outros, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2ª edição, Coimbra, 1995, págs. 197 e 212; porém, admitindo a existência de casos em que a falta de fundamentação, por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, gera nulidade, nos termos da alínea d) do n° 2 do citado artigo 133º, cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, Volume II, Coimbra, 1995, págs. 96-98 e 151". Sendo a fundamentação dos atos administrativos em si mesma um direito instrumental ou formal, com vista à defesa de outros de conteúdo material, não é de considerar como direito fundamental, salvo se em concreto serve a defesa de um direito desta natureza, o que não está adquirido nos autos.”
- deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.09.2010, tirado no processo nº. 00007/09.2BEMDL, em que se sumariou: (…) I. A invalidade de um ato administrativo consiste na sua inaptidão intrínseca para a produção de efeitos, decorrente de uma ofensa à ordem jurídica; II. A nulidade constitui a forma mais grave de invalidade, torna o ato totalmente ineficaz, é insuscetível de sanação, é impugnável a todo o tempo perante os tribunais, sendo que este conhecimento judicial concorre com o conhecimento administrativo; III. A anulabilidade traduz um desvalor menos grave, sendo o ato eficaz até ser anulado [ou suspenso], é passível de sanação, é obrigatório enquanto não for anulado, e esta anulação, que tem prazo, apenas pode ser judicial; IV. O vício de falta de fundamentação acarreta, em princípio, apenas a anulabilidade do ato que dele padece.
(…)”.
- deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 25.05.2012, no processo 00730/10.9BECBR, em que se sumariou:” (…) I. Fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado ato, ato este que deverá conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão sem que a exposição dos fundamentos de facto tenha de ser prolixa. II. O invocado desconhecimento quanto ao facto do prédio estar ou não inserido em zona REN e se está próximo de linha de água com consequente ilegalidade do edificado mostra-se irrelevante para efeitos da pretensa falta de fundamentação do ato impugnado. III. Caso a violação do direito fundamental não atinja o seu "conteúdo essencial" ou o seu "núcleo duro", a sanção adequada será a anulabilidade. IV. Não ocorre violação do art. 133.º, n.º 2, al. d) do CPA dado nem a falta de fundamentação ser suscetível de gerar no caso o desvalor da nulidade, nem se mostra alegado a violação dum qualquer outro direito fundamental por parte do ato impugnado. V. Questão prejudicial para efeito do disposto no art. 31.º n.º 1 do CPA tem de ser entendida como toda e qualquer questão que se suscita no procedimento e cuja resolução é da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais e que, sem estar decidida, prejudica ou impede seja proferida a decisão final no procedimento. VI. Esta decisão não pode ser proferida, nomeadamente com uma determinada margem de segurança, sem se saber ou conhecer o resultado da decisão da questão prejudicial que compete a outro órgão administrativo ou aos tribunais, ou seja, a resolução final da questão colocada à apreciação do órgão administrativo tem que depender da solução a dar à questão prejudicial (…)”.
Não se vislumbra, nem descortina, qualquer argumento de natureza jurídica ou prática para inverter a direção seguida na apontada jurisprudência, assomando a mesma, a nosso ver, como a mais concordante e consentânea com o bloco legal aplicável ao caso versado nos autos, pelo que a ela aderimos.
Importa, por isso, determinar se no caso em apreço ocorre a excecionalidade da fundamentação assumir, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do nº1 do artigo 133º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133º nº2 alínea d) do CPA], determinante da nulidade do ato impugnado.
Nesta sede, entendemos reproduzir o teor da jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, no seu Aresto de 10.04.2007, tirado no processo nº. 0523/07, em que se sumariou: “(…) I - A sanção que geralmente recai sobre um ato administrativo inválido é a sua anulabilidade (art. 135.º do CPA), sendo que a lei só determina a sua nulidade quando lhe falte qualquer um dos seus elementos essenciais ou quando expressamente o sancione com essa forma de invalidade - art.º 133.º do mesmo diploma. Deste modo, só são nulos os atos administrativos especificamente indicados na lei - é o caso dos enumerados no n.º 2 daquele art.º 133.º - e aqueles a que falte um dos seus elementos essenciais. II - Por elementos essenciais do ato administrativo para efeitos do art.º 133.º, n.º 1, do CPA, deve entender-se os elementos integrantes do próprio ato administrativo contidos no art.º 120.º do mesmo código e, por isso, só são nulos os atos a que falte qualquer dos seus elementos constitutivos, pelo que só na aparência são atos administrativos. III - Deste modo, e sendo a fundamentação dos atos uma formalidade instrumental dirigida à defesa dos direitos de conteúdo material a mesma não pode ser considerada como um elemento essencial do ato administrativo salvo se, em concreto, servir para a defesa de um direito fundamental. IV - Com efeito, sendo a falta de fundamentação um vício relacionado com a legalidade externa do ato, que nada tem a ver com a sua legalidade interna, não pode a mesma considerar-se um elemento essencial do ato, um seu elemento constitutivo, e portanto um elemento cuja falta determinaria a sua nulidade. V - Daí que a sindicância de ato administrativo com fundamento na falta de fundamentação tenha de ser feita no prazo de 2 meses estabelecido no art.º 28.º da LPTA. (…)”.
Ressalte-se, também, o expendido por esta mesma Instância no Acórdão prolatado em 25.05.2011, no processo 091/11, onde se concluiu: (…) Relativamente ao dever de fundamentação dos atos administrativos e tributários constitui linha jurisprudencial dominante que, não obstante se tratar de uma imposição constitucional, não constitui um direito de natureza fundamental cuja ofensa possa determinar a nulidade do ato. Aliás, a falta de fundamentação nem sequer põe em causa a identificabilidade orgânica ou a identificabilidade material do ato, repercutindo-se, apenas, e em princípio, na sua inteligibilidade e justificação perante os interessados (por estar em causa essencialmente a sua compreensibilidade), pelo que também não implica a falta de qualquer elemento essencial do ato, não podendo, assim, gerar a sua nulidade. Por particularmente expressivo, não resistimos a transcrever, nos seus excertos essenciais e verdadeiramente elucidativos, o Acórdão n.º 594/08 do Tribunal Constitucional, cuja doutrina sufragamos, e onde se conclui que a fundamentação dos atos administrativos não constitui um direito fundamental, ou, sequer, um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (por não constituir, sequer, garantia do direito fundamental de recurso contencioso contra atos administrativos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados), embora possa vir a ser permeado com as exigências dos direitos fundamentais nos casos, pontuais e específicos, em que a fundamentação do ato seja condição indispensável da realização de direitos fundamentais.“(…) Tal acontecerá sempre que, para além da imposição genérica da fundamentação, a lei prescrever, em casos determinados, uma declaração dos fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela representa a garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da juricidade, ou então da realização do interesse público específico servido pelo ato fundamentando ou quando se trate de atos administrativos que toquem o núcleo da esfera normativa protegida [pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais] e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma proteção efetiva do direito liberdade e garantia (…)” Como também refere VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, “… não há um direito subjetivo fundamental à fundamentação (ou à notificação) de todos os atos administrativos (lesivos)”.
Acompanhando e acolhendo a interpretação assim declarada por estes Tribunais Superiores, tem-se, portanto, por assente que:
(i) a fundamentação dos atos só pode ser considerada como um elemento essencial do ato administrativo se, em concreto, servir para a defesa de um direito fundamental;
(ii) o direito a uma fundamentação dos atos administrativos não é de modo algum um direito fundamental, nem decorre da lei ordinária um especial dever de fundamentar os atos administrativos, a ponto de se entender que tal dever representa a garantia única ou essencial de salvaguardar um valor fundamental.
No caso concreto, está invocada a violação do artigo 53º da Constituição da República Portuguesa [C.R.P.], que consagra: “É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.”
Este artigo 53º [segurança no emprego] contém um Direito, Liberdade e Garantia [um direito com natureza negativa e aplicabilidade direta], um direito próprio dos trabalhadores, um direito a obter emprego, bem como a mantê-lo [assim GOMES CANOTILHO et al., CRP Anot., 3ª ed., 1993, nº 4.1 da nota prévia à Parte I e p. 285ss].
Ora, a eventual falta de fundamentação do ato impugnado não põe em causa o direito da Recorrente a obter emprego, nem a mantê-lo, apenas a compreender [ou não] as razões que motivaram a cessação do seu contrato de estágio, sendo de referir o facto do bloco legal aplicável nada aportar de relevante no sentido de exigir uma fundamentação acrescida como garantia da salvaguarda de um direito fundamental, como sucede, por exemplo, no domínio do direito sancionatório relativamente ao direito de defesa do arguido, o que também contribuiu para a posição ora assumida por este Tribunal no que diz respeita a esta matéria.
Pelo que o alegado fundamento de invalidade, a proceder, jamais terá a virtualidade de contender com o núcleo essencial do direito fundamental invocado [em qualquer das suas vertentes], sendo, por isso, inidóneo a gerar a nulidade do ato ora impugnado.
Assim, e sopesando que o vem de se expender nos supra pontos (i) e (ii), in casu, carece de apoio legal e/ou doutrinal a configuração da violação do dever de fundamentação como associada à forma de invalidade mais gravosa, ademais e especialmente, por falta de um elemento essencial, nos termos do disposto no nº.1 do artigo 133º do CPA, e/ou por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental.
A anulabilidade é, pois, a única hipótese aqui em causa.
Concludentemente, improcedem todas as conclusões de recurso.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido negado provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida.
Assim se decidirá.
***
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em negar provimento ao recurso jurisdicional “sub judice”, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário com que litiga nos autos.
Registe e Notifique-se.
Porto, 29 de março de 2019,
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco