Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03399/15.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/20/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:RELATÓRIO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA;
NOTIFICAÇÃO;
DOMICÍLIO FISCAL;
Sumário:
I. A notificação do Relatório de inspecção tributária está adstrita quanto ao modo, tramitação e efeitos ao disposto nos artigos 37º a 43º do RCPIT, que remete para o CPPT e para a LGT;

II. Tratando-se de notificação singular, o artigo 36º do CPPT, bem como o artigo 77º n.º 6 da LGT, estipulam que em matéria tributária os actos que afectem os direitos e interesses dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.

III. Não se verificando qualquer ilegalidade relativa à notificação do Relatório de Inspeção não resulta prejudicado o direito de defesa dos Impugnantes.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. «AA» ... e outros – vide habilitação (Recorrentes), notificados da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga datada de 21.10.2020, em que julgando procedente a exceção dilatória de inimpugnabilidade das liquidações adicionais de IRS dos anos de 2010, 2011 e 2012, e juros compensatórios, no valor global de € 8.444,93, absolveu a Fazenda Pública da Instância, inconformados vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegaram, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
PRIMEIRA: O presente recurso versa sobre a Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto por constarem dos autos elementos de prova que demonstram factualidade relevante para a boa decisão da causa.
SEGUNDA: O documento n.º 7, junto com o requerimento oferecido aos autos pelos impugnantes no dia 12/06/2017, impunha que fosse levada à matéria dos factos provados a seguinte factualidade: “«BB» e «AA» ..., aqui impugnantes, foram objeto de uma ação inspetiva, iniciada em 24 de Janeiro de 2014, ao abrigo da Ordem de Serviço ...10, tendo sido notificados de tal ordem de serviço no domicílio profissional do impugnante marido, mostrando-se a mesma assinada pelo seu colaborador/funcionário «CC»”.
TERCEIRA: O documento n.º 4, junto com o requerimento oferecido aos autos pelos impugnantes no dia 12/06/2017, impunha que fosse levada à matéria dos factos provados a seguinte factualidade: Através do Ofício n.º ...77, datado de 24/07/2014, os serviços de Inspeção Tributária notificaram os impugnantes, no domicílio profissional do impugnante marido, do projeto de relatório da inspeção, para, querendo, exercer o direito de audição, nos termos previstos no art. 60º da LGT e art. 60º do RCPIT.”
QUARTA: O documento n.º 8, junto com o requerimento oferecido aos autos pelos impugnantes no dia 12/06/2017, impunha que fosse levada à matéria dos factos provados a seguinte factualidade: Através do auto de ocorrência datado de 13 de Fevereiro de 2014, no âmbito da Ordem de Serviço n.º ...10, o Sr. Inspetor Tributário, Dr. «DD», e na sequência da notificação de 24 de Janeiro, deslocou-se ao domicilio profissional do sujeito passivo «BB», sito no Largo ..., ... e verificou pessoalmente que dos elementos constantes daquela notificação, apenas foram apresentados o elemento 7, sendo que o elemento do ponto 4.1., foi enviado por email pela Técnica Oficial de Contas.
QUINTA: O documento n.º 9, junto com o requerimento oferecido aos autos pelos impugnantes no dia 12/06/2017, impunha que fosse levada à matéria dos factos provados a seguinte factualidade: Através do auto de ocorrência datado de 06 de Março de 2014, no âmbito da Ordem de Serviço n.º ...10, o Sr. Inspetor Tributário, Dr. «DD», e na sequência da notificação de 13 de Fevereiro deslocou-se ao domicilio profissional do sujeito passivo «BB», sito no Largo ..., ... e verificou pessoalmente que dos elementos constantes daquela notificação, não me foi apresentado qualquer elemento.
SEXTA: O documento n.º 10, junto com o requerimento oferecido aos autos pelos impugnantes no dia 12/06/2017, impunha que fosse levada à matéria dos factos provados a seguinte factualidade: Através do ofício n.º ...42, datado de 20/03/2014, os Serviços de Inspeção Tributária notificaram os impugnantes, no domicílio profissional do impugnante marido, para identificarem, por escrito, os montantes faturados, relativamente a cada um dos processos identificados no anexo n.º 1, o qual faz parte integrante da presente notificação, juntando cópia do respetivo recibo verde emitido e para referirem o motivo, por escrito, da não faturação de cada processo identificado, juntando documentos que sustentem essa não faturação.
SÉTIMA: O documento n.º 11, junto com o requerimento oferecido aos autos pelos impugnantes no dia 12/06/2017, impunha que fosse levada à matéria dos factos provados a seguinte factualidade: No dia 15 de Abril de 2014, através de fax, enviado para o domicílio fiscal do impugnante marido (253481703), os Serviços da Inspeção Tributária notificaram os impugnantes da alteração da data para exibição dos elementos em falta, que passaria a ser no dia 22/04/2014, pelas 10:00h, no domicilio profissional, sito no Largo ..., em ...,
OITAVA: O documento n.º 13, junto com o requerimento oferecido aos autos pelos impugnantes no dia 12/06/2017, impunha que fosse levada à matéria dos factos provados a seguinte factualidade: Em 11 de Fevereiro de 2015, o Serviço de Finanças ..., notificou o impugnante marido, no domicílio profissional sito, no Edifício ... – Largo ..., ..., ..., de que contra ele foi instaurado um processo de contra-ordenação n.º ..............................30.
NONA: O documento n.º 14, junto com o requerimento oferecido aos autos pelos impugnantes no dia 12/06/2017, impunha que fosse levada à matéria dos factos provados a seguinte factualidade: No âmbito da Ordem de Serviço n.º ...10, nota de diligência n.º ...55, o impugnante marido foi notificado no seu domicílio profissional em 22/01/2014, assinando ele próprio a notificação.
DECIMA: Vai assim impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, porquanto a prova documental referenciada impunha que fosse levada a matéria de facto provada desta concreta factualidade.
DECIMA PRIMEIRA: A Autoridade Tributária sempre notificou os impugnantes no domicílio profissional do impugnante marido, daí a relevância da impugnação da decisão proferida a respeito da matéria de facto.
DECIMA SEGUNDA: Por constarem dos autos elementos de prova únicos, mas bastantes e suficientes – até porque não contraditados por quaisquer outros – impunha-se que o tribunal tivesse dado como provada esta concreta factualidade que nestas alegações de recurso se propugna seja levada à matéria dos factos provados.
DECIMA TERCEIRA: Todas as notificações foram sempre dirigidas para o domicílio profissional do sujeito passivo marido – quer por correio registado, quer por notificação pessoal, quer por fax – não pode deixar de se repudiar, com a consequência que V/ Exas Juiz Desembargadores não deixarão de concluir, que o Relatório Final da Inspeção Tributária – por sinal o mais relevante – tivesse sido enviado para o domicílio fiscal dos impugnantes.
DECIMA QUARTA: Um dos pilares basilares do procedimento de inspeção é o Direito à Informação e à Colaboração entre o contribuinte e a própria Administração Tributária, previstas no RCPIT.
DECIMA QUINTA: No caso dos autos, em todo o procedimento inspetivo houve uma colaboração entre os impugnantes e a Administração Tributária, tendo sido todas as notificações que, ao abrigo desse “princípio da cooperação”, foram dirigidas para o domicílio profissional do impugnante originário, se consideraram validamente efetuadas e relativamente a todas elas aquele exerceu o seu direito de defesa.
DECIMA SEXTA: Daí que seja surreal a justificação que a A.T. veio dar para, a meio do procedimento, ter dirigido o relatório final para uma morada distinta daquela para onde dirigiu todas as demais notificações.
DECIMA SÉTIMA: O artigo 60.º da LGT e o artigo 60.º do RCPIT, em concretização do comando constitucional previsto no artigo 267.º n.º 5 da CRP, consagram o princípio da participação, “cuja dimensão é a da garantia do direito do contribuinte participar na formação das decisões que lhe digam respeito”.
DECIMA OITAVA: Em sede de inspeção, o direito de audição ganha uma importância ainda maior, na medida em que no momento em que o mesmo deve ser exercido – no projeto de conclusões do relatório de inspeção – ainda não existe um litígio entre a Administração Tributária e o contribuinte.
DECIMA NONA: Isto para dizer que os impugnantes foram notificados para exercer o direito de audição no domicílio profissional do impugnante marido, tendo exercido tal faculdade.
VIGÉSIMA: Daí que configure manifesta má-fé processual a notificação dos sujeitos passivos em local distinto daquele para onde sempre foram sempre dirigidas todas as anteriores notificações, o que se requer venha a ser reconhecido.
VIGÉSIMA PRIMEIRA: A A.T. sabia onde encontrar o sujeito passivo marido, como se atesta pelas diversas notificações pessoais que lhe foram dirigidas diretamente no seu escritório.
VIGÉSIMA SEGUNDA: Daí que também se impunha que a A.T., ao verificar a não receção pelos sujeitos passivos do relatório de inspeção, tivesse ao abrigo do princípio da colaboração diligenciado pela concretização da notificação efetiva desse relatório final ao sujeito passivo marido, o que igualmente se requer seja reconhecido e determinado.
VIGÉSIMA TERCEIRA: O n.º 4 do artigo 43º do RCPIT determina que o disposto no n.º 1 desse mesmo normativo legal, não impede a realização de diligências pela administração tributária com vista ao conhecimento do paradeiro do sujeito passivo.
VIGÉSIMA QUARTA: Daí que a A.T. tenha violado frontalmente o plasmado nesse normativo legal, o que se requer seja reconhecido.
VIGÉSIMA QUINTA: Em face do exposto, reconhecida a má-fé processual, a violação do direito de colaboração, e a violação deste concreto normativo legal por parte da AT, haverá de se reconhecer ter ocorrido no caso a violação dos mais elementares direitos de defesa dos sujeitos passivos, decorrentes do facto de não terem tido conhecimento do teor do relatório final, o que influiu decisivamente no desfecho do procedimento, nomeadamente no facto dos mesmos terem sido coartados do direito de requererem a revisão da matéria coletável determinada por recurso a métodos indiretos.
TERMOS EM QUE, PROCEDENDO O PRESENTE RECURSO, DEVERÁ SER REVOGADA A DECISÃO PROFERIDA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE, RECONHECENDO A VIOLAÇÃO DO DIREITO DE DEFESA DOS SUJEITOS PASSIVOS JULGUE PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DEDUZIDA,
ASSIM FAZENDO, V/ EXAS, JUÍZES DESEMBARGADORES, A COSTUMADA JUSTIÇA...»

1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 505 e ss. do SITAF, no sentido da improcedência do recurso.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Consideram-se como provados, com relevância para a decisão da causa, os factos que infra se indicam:
1) «BB», e «AA» ..., aqui impugnantes, foram objeto de uma ação inspetiva iniciada em 24-01¬2014, ao abrigo do Ordem de Serviço ...10, numa ação enquadrada no código de atividade 1222210215, de âmbito parcial (IRS), relativamente aos exercícios de 2010, 2011 e 2012 – Cfr. Relatório de Inspeção Tributária (RIT) constante de fls. 81 a 106 do Processo Administrativo (PA) apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
2) O âmbito da Ordem de Serviço n.º ...10, foi alargada de forma a abranger também o IVA – Cfr. RIT de fls. 81 a 106 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3) Através do Ofício n.º ...77, datado de 24-07-2014, os Serviços de Inspeção Tributária comunicaram aos Impugnantes o projeto de relatório da inspeção para, querendo, exercer o direito de audição, nos termos previstos no art.º 60.º da LGT e art.º 60.º do RCPIT – Cfr. documento de fls. 1 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
4) Na sequência da notificação efetuada, a que se alude na alínea que antecede, e tendo em vista a pronúncia sobre o teor do projeto de relatório de inspeção, em 12 de agosto de 2014, os Impugnantes apresentaram um requerimento junto dos serviços da Administração Tributária – Cfr. documento de fls. 73 a 80 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
5) A 05 de setembro de 2014, os Serviços de Inspeção Tributária elaboraram o Relatório de Inspeção Tributária, no qual houve lugar a fixação da matéria tributável com recurso a métodos indiretos – cfr. documento de fls. 81 a 106 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
6) Sobre o referido Relatório de Inspeção recaiu, em 12-09-2014, Despacho de concordância do Chefe de Divisão – cfr. documento de fls. 87 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
7) O Relatório de Inspeção Tributária, o Despacho referido na alínea que antecede e todos os anexos ao referido relatório foram remetidos aos Impugnantes, por ofício de referência ...77, datado de 15 de setembro de 2014, enviado por carta registada com aviso de receção, para a morada “Rua ..., ..., ... ..., ...”, a qual veio devolvida com a indicação “Não Atendeu – AVISADO loja CTT de ...” – cfr. documento de fls. 81 a 83 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
8) A notificação constante da alínea anterior foi repetida através do ofício ...18, datado de 30 de setembro de 2014, enviado por carta registada com aviso de receção, novamente para a morada “Rua ..., ..., ... ..., ...”, a qual veio devolvida com a indicação “Não Atendeu – AVISADO loja CTT de ...” – cfr. documento de fls. 84 a 86 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
9) Em 2014, os Impugnantes tinham registado na Administração Tributária como domicilio fiscal, a “Rua ..., ..., ... ..., ...” – cfr. documento de fls. 377 a 382 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
10) Na sequência da elaboração do Relatório de Inspeção e do respetivo Despacho de aprovação, os serviços da Administração tributária emitiram as seguintes liquidações – cfr. documento de fls. 427 a 431 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido:
i) Liquidação n.º ...67, referente ao IRS de 2010, emitida em 14/11/2014, da qual resultou a pagar o valor de € 901,56;
ii) Liquidação n.º ...21, referente ao IRS de 2011, emitida em 14/11/2014, da qual resultou a pagar o valor de € 1.899,56;
iii) Liquidação n.º ...78, referente ao IRS de 2012, emitida em 14/11/2014, da qual resultou a reembolsar o valor de € 598,78;
11) Os Impugnantes não apresentaram junto da Administração Tributária um pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos – facto não controvertido.
1.2) FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a decisão a proferir, não ficou provado que:
a) Os impugnantes não foram notificados nem tomaram conhecimento do relatório de inspeção identificado na alínea 5) do probatório.
Motivação:
Na determinação do elenco dos factos considerados provados e não provados o Tribunal considerou e analisou de modo crítico e conjugado os diversos meios de prova juntos aos autos, nomeadamente os documentos juntos aos autos pela Fazenda Pública com o seu articulado e constantes do PA apenso, como melhor se descriminou nas alíneas da matéria de facto assente.
A documentação em questão não foi objeto de impugnação, não existindo motivo para duvidar da sua fidedignidade, aplicando-se o disposto o disposto no art.º 76.º, n.º 1, da LGT, segundo o qual as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei.
Uma vez que os factos supramencionados não se encontram controvertidos foi igualmente valorada pelo Tribunal a posição assumida pelas partes.
Quanto ao facto não provado foi assim considerado pela ausência da produção de prova cabal e credível que demonstrasse o alegado na PI.»
2.2. De direito
Está em causa no presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que em 02.12.2020 julgando procedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade das liquidações impugnadas, absolveu da instância a Autoridade Tributária.
Os Recorrentes na sua petição inicial invocaram a (i) falta de notificação do Relatório Final de Inspeção Tributária e, consequentemente, falta ou inexistência de fundamentação dos atos impugnados; (ii) erro sobre os pressupostos de facto e de direito; e (iii) ausência dos pressupostos para o recurso a correções por métodos indiretos.
A Recorrida em sede de contestação alegou que a notificação do relatório de inspeção foi realizada por carta registada com aviso de receção, de acordo com o disposto nos artigos 43.º n.º 1 do RCPIT e 39.º n.º 5 do CPPT, e, tendo a matéria tributável sido determinada com recurso a métodos indiretos, é condição de impugnabilidade das liquidações em crise a prévia apresentação de um pedido de revisão da matéria tributável.
O Tribunal a quo conhecendo da excepção dilatória inominada suscitada, consubstanciada na falta de dedução prévia de pedido de revisão, que consiste na omissão de um requisito de procedibilidade, impeditivo do conhecimento do mérito da causa, nos termos dos artigos 576.º n.º 2, 577.º e 578.º do CPC, ex. vi artigo 2.º al. e) do CPPT, julgou da inimpugnabilidade das liquidações impugnadas, no pressuposto de que a notificação do RIT aos Recorrente foi efectuada de acordo com o formalismo legal.
Os Recorrentes insurgem-se contra o assim decidido, invocando, no essencial, que a sentença recorrida incorreu (i) em erro de julgamento de facto o qual se apresenta como incompleto e omisso quanto a factos documentalmente provados [vide conclusões Segunda a Nona], (ii) errada valoração da prova e aplicação do direito, ao ter não julgado irregularmente efectuada a notificação do RIT [conclusões Décima primeira a Vigésima quinta].
A sentença sob recurso conheceu exclusivamente da excepção de inimpugnabilidade que determinou o desfecho dos autos, destarte esse conhecimento comporte dois segmentos, a saber, (i) da validade da notificação do RIT e (ii) da inimpugnabilidade das liquidações consubstanciada na falta de dedução prévia de pedido de revisão da matéria tributável determinada exclusivamente com recurso a métodos indirectos, o ataque dirigido à mesma circunscreve-se ao primeiro segmento, ou seja, da notificação do RIT.
O tribunal a quo no seu julgamento considerou “que a Autoridade Tributária (AT) efetuou a notificação do relatório de inspeção por carta registada com aviso de receção, dirigida ao domicílio fiscal dos Impugnantes, e que a referida carta não foi recebida tendo os serviços dos CTT deixado “aviso” mediante o qual a carta poderia ser levantada na loja dos CTT ....
Mais resultou provado que, tendo a correspondência em causa sido devolvida, os serviços da Administração Tributária remeteram nova carta registada por aviso de receção, na qual foi repetido o mesmo procedimento da missiva anterior a qual veio igualmente devolvida...
Em face do exposto, não se verifica qualquer ilegalidade relativa à notificação do Relatório de Inspeção e...”
Os Recorrentes não atacam a assim afirmado e decidido, dirigindo o seu inconformismo, no não reconhecimento de a situação em si ter prejudicado o direito de defesa dos Impugnantes, se atentarmos à tese propugnada em sede de petição.
E, se bem interpretamos o alegado, ao pretenderem o aditamento de factos relacionados com o início do procedimento inspectivo, a realização do mesmo e notificação do projecto de RIT, sustentando que todas as notificações ocorridas o foram no domicilio profissional do sujeito passivo (Impugnante originário, entretanto falecido), os Recorrentes vaticinam que AT agiu de má fé e violando o princípio da cooperação e colaboração a que está adstrita ao enviar a notificação do Relatório de Inspecção final para o domicilio fiscal, ou seja, local distinto daquele em que apresentou e para o qual enviou todas as missivas no âmbito do procedimento.
Importará, antes do mais, e não estando posto em causa o julgamento da notificação em si, e os termos em que a mesma foi considerada pelo Tribunal a quo, aquilatar se a fixação de tais factos é em si susceptível de alcançar a pretensão do Recorrentes da revogação da decisão sob recurso e, substituição por outra que, reconheça, a violação do direito de defesa dos sujeitos passivos. Até, porque, em rigor, não ocorreu nenhum erro de julgamento de facto por parte do Tribunal a quo, na estrita medida que foram fixados todos os factos necessários a boa decisão da questão que lhe havia sido colocada em sede de petição.
Atentemos ao descortinado na sentença sob recurso sobre o Regime Complementar da Inspeção Tributária (RCPIT) em sede de apreciação da validade da notificação:
«Por uma questão de precedência lógica, a primeira questão a conhecer prende-se com a notificação do Relatório de Inspeção Tributária aos Impugnantes, que por sua vez alegam que não foram notificados nem tiveram conhecimento do mesmo.
Vejamos.
O artigo 39.º do Regime Complementar da Inspeção Tributária (RCPIT) [na redação conferida pela Lei 50/2005, aplicável aos presentes autos e a que se referem todas as menções a este diploma], estabelece o seguinte:
“A notificação de pessoas singulares obedece ao disposto no Código de Procedimento e de Processo Tributário, com as seguintes adaptações:
a) Em caso de notificação na pessoa de empregado ou colaborador, deve remeter-se carta registada com aviso de receção para o domicílio fiscal do sujeito passivo ou obrigado tributário, dando-lhe conhecimento do conteúdo da notificação, do dia, da hora e da pessoa em que foi efetuada;
b) Nas situações tributárias comuns ao casal, notificar-se-á qualquer dos cônjuges;
c) Caso a atividade objeto de procedimento de inspeção seja exercida ou se relacione com apenas um dos cônjuges, a notificação deve ser feita, preferencialmente, na sua pessoa, ainda que ambos os cônjuges sejam sujeitos passivos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS)”.
Por sua vez, o artigo 43.º do mesmo diploma prevê o seguinte:
“1 – Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta.
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal deve sempre conter, de forma clara, a identificação do remetente.
3 – A violação do disposto no número anterior só impede o funcionamento da presunção mediante exibição da comunicação dos serviços postais em causa.
4 – O disposto no n.º 1 não impede a realização de diligências pela administração tributária com vista ao conhecimento do paradeiro do sujeito passivo ou obrigado tributário”.
Por seu turno, o artigo 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) [na redação conferida pela Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro aplicável aos presentes autos e a que se referem todas as menções a este diploma] estabelece o seguinte:
“(...)
3 – Havendo aviso de receção, a notificação considera-se efetuada na data em que ele for assinado e tem-se por efetuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.
4 – O distribuidor do serviço postal procederá à notificação das pessoas referidas no número anterior por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial.
5 – Em caso de o aviso de receção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efetuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de receção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.
6 – No caso da recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.”
Ora, nos autos, resultou provado que a Autoridade Tributária (AT) efetuou a notificação do relatório de inspeção por carta registada com aviso de receção, dirigida ao domicílio fiscal dos Impugnantes, e que a referida carta não foi recebida tendo os serviços dos CTT deixado “aviso” mediante o qual a carta poderia ser levantada na loja dos CTT ....
Mais resultou provado que, tendo a correspondência em causa sido devolvida, os serviços da Administração Tributária remeteram nova carta registada por aviso de receção, na qual foi repetido o mesmo procedimento da missiva anterior a qual veio igualmente devolvida.
Tal como se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, em 17­10-2018, no processo 0347/10.8BEPRT “a falta de reclamação/levantamento deste tipo de correspondência junto da estação dos correios implica que se tenha de imputar ao destinatário a sua falta de recebimento, fazendo despoletar a presunção legal de notificação contida no art.º 43º nº 1 do RCPIT” [disponível para consulta em www.dgsi.pt].
No caso, desde já se afirma, que se verifica que, quer pelos formalismos previstos no artigo 43.º do RCPIT, quer pelos formalismos previstos no artigo 39.º do CPPT, os Impugnantes se presumem notificados.
Ora, não tendo os Impugnantes invocado ou demonstrado a inexistência de qualquer aviso para levantamento da carta, ou demonstrado que não tomaram conhecimento do relatório de inspeção não se mostra ilidida a referida presunção de notificação [cfr. facto não provado].
Sempre se dirá que é irrelevante que, em qualquer outro momento do procedimento, os Impugnantes tenham sido notificados para o seu domicílio profissional, a lei exige a notificação para o domicílio fiscal, o que no caso, ocorreu.
Em face do exposto, não se verifica qualquer ilegalidade relativa à notificação do Relatório de Inspeção e, como tal, não resultou prejudicado o direito de defesa dos Impugnantes.
Igualmente, no que respeita à fundamentação das liquidações, como é jurisprudência assente, a mesma é a que resulta do relatório de inspeção, não se verificando igualmente qualquer vício [vide, a título de exemplo, acórdão do TCAS de 21.10.2008, proferido no processo n.º 02018/07, disponível em www.dgsi.pt].» (fim de transcrição)
Ao assim julgado, nenhuma objecção decorre do recurso em apreço, o que está agora em discussão é aferir se o alegado pelos Recorrente é susceptível de abalar a validade da notificação operada, nomeadamente por violação do direito de defesa do sujeito passivo.
Vejamos.
Ora, conforme resulta do artigo 62.º do RCPIT, o relatório de inspeção identifica e sistematiza os factos fiscalmente relevantes detetados no decurso do procedimento inspectivo, os quais permitem à AT colocar termo ao procedimento, exercendo o direito de liquidação, aplicando coimas ou recorrendo à tributação mediante métodos indiretos. Note-se, que o relatório de inspeção não constitui um acto lesivo e, em consequência, não é um acto passível de impugnação contenciosa directa ou autónoma. Impugnáveis são, os actos tributários ou em matéria tributária que dele resultem, tais como os actos de liquidação adicional, de revogação de benefícios fiscais, de fixação da matéria tributável através de métodos indiretos e de aplicação de coimas, por exemplo. (vide artigo 51º, n.º 1 do CPTA e acórdãos do TCA Norte de 22.09.2017, in proc. n.º 0666/13.1BEBRG e 15.03.2019, in proc. n.º 1810/16.2BEPRT).
É certo, que em conformidade como o estipulado nos artigos 36.º do CPPT e 77.º, n.º 6 da LGT em matéria tributária, os atos que afetem os direitos e interesses dos contribuintes só produzem efeitos em relação àqueles quando lhes sejam validamente notificados, levou a pronuncia deste TCA (ac. de 28.02.2013, in proc. 011/04.7BEBRG) no sentido de que a falta de notificação das conclusões do relatório de inspeção, devidamente sancionadas, retira-lhes a sua eficácia em relação ao acto principal da liquidação, ou seja, a preterição desta formalidade inquina as liquidações em causa.
Um acto administrativo só está perfeito quando se encontram preenchidos todos os elementos que funcionam como requisitos da sua validade, no entanto quando aquele acto, por força da verificação daqueles requisitos, se diz válido, tal não significa que esse mesmo acto se deva considerar eficaz, sendo que a falta de eficácia pode resultar, entre outras causas, do facto de o acto não ter sido notificado ao contribuinte.
Como se refere no acórdão deste TCA Norte de 28.02.2013, um “acto administrativo emanado de uma entidade com poder público como é a Administração Fiscal, aparece sempre como acto obrigatório e os seus efeitos jurídicos são vinculantes, quer para a Administração Pública, quer para os administrados, dado que o princípio da presunção de legalidade de que gozam estes actos determina que, em regra, tais actos se tenham por válidos e produzam naturalmente os seus efeitos jurídicos”.
Retomando o artigo 62º do RCPIT, o que decorre do mesmo em sede de notificação do Relatório de Inspecção, é que o mesmo será “notificado ao contribuinte”, sendo que a mesma deverá ser efectuada mediante carta registada com aviso de recepção, deve indicar quais os meios de defesa e prazo para reagir.
E, mais se diga, que se tratando de notificação de pessoas singulares cumpre apelas ao disposto no artigo 39º do RCPIT, nos exactos termos exarados na sentença e supratranscritos, obedecem a mesma ao determinado no CPPT, ou seja, assim e para o que ora importa cumpre apelar aos artigos 19º da LGT e 38º a 43º do CPPT.
Com premência o artigo 38º n.º 1 do CPPT, que determina que as notificações deverão ser efectuadas por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.
E, porque o cerne da argumentação em sede recursiva dos Recorrentes, assenta nas notificações efectuadas no início e decurso do procedimento inspectivo para o endereço profissional, diga-se aquele onde se realizou a inspecção externa, cumpre referir que as notificações no decurso do procedimento de inspecção não integram o conceito de “actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes”, atento o carácter preparatório do procedimento e dos seus actos, pelo que apenas quando estejam em causa a convocação para assistência ou participação em actos ou diligências no procedimento inspectivo, está preceituada a notificação pessoal do convocado, dito de outro modo, essas notificações ficam excluídas do artigo 38º do CPPT.
É certo, que por opção dos Serviços Inspectivos terão ocorrido no local de inspeção, domicílio profissional do sujeito passivo, e chegaram ao conhecimento do mesmo, como discorre da matéria de facto dada como provada, e como decorre da lei, ao contrário daqueles actos de caracter preparatório do procedimento e de actos de procedimento, o Relatório Final de Inspecção enquanto acto ou decisão susceptível de alterar a situação tributária dos sujeitos passivos impunha que a mesma se realizasse no domicílio fiscal (vide artigo 19º da LGT - Domicilio fiscal, e 43º do CPPT – Obrigação de participação de domicilio).
Mais se diga, que o fundamento legal da obrigação de notificar resulta do artigo 268º da CRP, preceito constitucional onde se inserem as garantias dos administrados. Mas quer o RCPIT, quer a LGT, e quer o CPPT, por via dos preceitos por nós referenciados, mais detalhadamente regulam a notificação dos actos tributários.
In casu, em conformidade com o espelhado no julgamento de facto e de direito da sentença recorrida, temos que ficou provada que as cartas para notificação do Relatório Final os sujeitos passivos foram remetidas, no estrito cumprimento de todas as formalidades impostas por lei, para o domicílio fiscal. Não era exigido à AT qualquer outro comportamento, nomeadamente ao abrigo dos princípios avocados pelos Recorrentes de cooperação e colaboração entre os sujeitos da relação tributária, extensíveis ao procedimento inspectivo. AT cumpriu o que lhe era exigido por lei, aliás se assim não procedesse o sujeito passivo teria a sua disposição uma ilegalidade da notificação para assacar às liquidações.
Munidos destes considerados, estamos aptos a confirmar a sentença recorrida nos seus exactos termos, a negar provimento ao recurso in totum, sendo manifesto a inocuidade do aditamento dos factos elencados proclamado pelos Recorrentes.

2.3. Conclusões
I. A notificação do Relatório de inspecção tributária está adstrita quanto ao modo, tramitação e efeitos ao disposto nos artigos 37º a 43º do RCPIT, que remete para o CPPT e para a LGT;
II. Tratando-se de notificação singular, o artigo 36º do CPPT, bem como o artigo 77º n.º 6 da LGT, estipulam que em matéria tributária os actos que afectem os direitos e interesses dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.
III. Não se verificando qualquer ilegalidade relativa à notificação do Relatório de Inspeção não resulta prejudicado o direito de defesa dos Impugnantes.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pelos Recorrentes.

Porto, 20 de dezembro de 2023

Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Carlos Castro Fernandes